Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
FESTA
Festa Do Interior
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Bulb
Capítulo 8 - "Festa" | bulb
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O Drama Ético na Obra de Graciliano Ramos, Leituras a partir de Jacques Derrida
Dois escritores distantes no tempo e no espaço, o autor brasileiro Graciliano Ramos nascido no século XIX e o filósofo francês Jacques Derrida do século XX. O trabalho dos dois é analisados de maneira articulada na publicação O Drama Ético na Obra de Graciliano Ramos, Leituras a partir de Jacques Derrida. A obra é resultado de pesquisa do professor Gustavo Silveira Ribeiro.
Ouça a entrevista com Gustavo Silveira Ribeiro, professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras da UFMG e autor da pesquisa. Tamanho: 09,78 MB
A entrevista foi ao ar em 29/03/2017 no programa Universo Literário.
*** *** https://www.ufmg.br/online/radio/arquivos/047066.shtml *** ***
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Festa
Fabiano, sinha Vitória e os meninos iam à festa de Natal na cidade. Eram três horas, fazia grande calor, redemoinhos
espalhavam por cima das árvores amarelas nuvens de poeira e folhas secas.
Tinham fechado a casa, atravessado o pátio, descido a ladeira, e pezunhavam nos seixos como bois doentes dos cascos.
Fabiano, apertado na roupa de brim branco feita por sinha Terta, com chapéu de baeta, colarinho, gravata, botinas de vaqueta
e elástico, procurava erguer o espinhaço, o que ordinariamente não fazia. Sinha Vitória, enfronhada no vestido vermelho de
ramagens, equilibrava-se mal nos sapatos de salto enorme. Teimava em calçar-se como as moças da rua — e dava topadas no
caminho. Os meninos estreavam calça e paletó. Em casa sempre usavam camisinhas de riscado ou andavam nus. Mas Fabiano
tinha comprado dez varas de pano branco na loja e incumbira sinha Terta de arranjar farpelas para ele e para os filhos. Sinha
Terta achara pouca a fazenda, e Fabiano se mostrara desentendido, certo de que a velha pretendia furtar-lhe os retalhos. Em
consequência as roupas tinham saído curtas, estreitas e cheias de emendas.
Fabiano tentava não perceber essas desvantagens. Marchava direito, a barriga para fora, as costas aprumadas, olhando a
serra distante. De ordinário olhava o chão, evitando as pedras, os tocos, os buracos e as cobras. A posição forçada cansou-o.
E ao pisar a areia do rio, notou que assim não poderia vencer as três léguas que o separavam da cidade. Descalçou-se, meteu
as meias no bolso, tirou o paletó, a gravata e o colarinho, roncou aliviado. Sinha Vitória decidiu imitá-lo: arrancou os sapatos
e as meias, que amarrou no lenço. Os meninos puseram as chinelinhas debaixo do braço e sentiram-se à vontade.
A cachorra Baleia, que vinha atrás, incorporou-se ao grupo. Se ela tivesse chegado antes, provavelmente Fabiano a teria
enxotado. E Baleia passaria a festa junto às cabras que sujavam o copiar. Mas com a gravata e o colarinho machucados no
bolso, o paletó no ombro e as botinas enfiadas num pau, o vaqueiro achou-se perto dela e acolheu-a.
Retomou a posição natural: andou cambaio, a cabeça inclinada. Sinha Vitória, os dois meninos e Baleia acompanharam-no.
A tarde foi comida facilmente e ao cair da noite estavam na beira do riacho, à entrada da rua.
Aí Fabiano parou, sentou-se, lavou os pés duros, procurando retirar das gretas fundas o barro que lá havia. Sem se enxugar,
tentou calçar-se — e foi uma dificuldade: os calcanhares das meias de algodão formaram bolos nos peitos dos pés e as botinas
de vaqueta resistiram como virgens. Sinha Vitória levantou a saia, sentou-se no chão e limpou-se também. Os dois meninos
entraram no riacho, esfregaram os pés, saíram, calçaram as chinelinhas e ficaram espiando os movimentos dos pais. Sinha
Vitória aprontava-se e erguia-se, mas Fabiano soprava arreliado. Tinha vencido a obstinação de uma daquelas amaldiçoadas
botinas; a outra emperrava, e ele, com os dedos nas alças, fazia esforços inúteis. Sinha Vitória dava palpites que irritavam o
marido. Não havia meio de introduzir o diabo do calcanhar no tacão. A um arranco mais forte, a alça de trás rebentou-se, e o
vaqueiro meteu as mãos pela borracha, energicamente. Nada conseguindo, levantou-se resolvido a entrar na rua assim mesmo,
coxeando, uma perna mais comprida que a outra. Com raiva excessiva, a que se misturava alguma esperança, deu uma patada
violenta no chão. A carne comprimiu-se, os ossos estalaram, a meia molhada rasgou-se e o pé amarrotado se encaixou entre as
paredes de vaqueta. Fabiano soltou um suspiro largo de satisfação e dor. Em seguida tentou prender o colarinho duro ao
pescoço, mas os dedos trêmulos não realizaram a tarefa. Sinha Vitória auxiliou-o: o botão entrou na casa estreita e a gravata
amarrou-se. As mãos sujas, suadas, deixaram no colarinho manchas escuras. — Está certo, grunhiu Fabiano.
Atravessaram a pinguela e alcançaram a rua. Sinha Vitória caminhava aos tombos, por causa dos saltos dos sapatos, e
conservava o guarda-chuva suspenso, com o castão para baixo e a biqueira para cima, enrolada no lenço. Impossível dizer por
que sinha Vitória levava o guarda-chuva com a biqueira para cima e o castão para baixo. Ela própria não saberia explicar-se,
mas sempre vira as outras matutas procederem assim e adotava o costume.
Fabiano marchava teso.
Os dois meninos espiavam os lampiões e adivinhavam casos extraordinários. Não sentiam curiosidade, sentiam medo, e por
isso pisavam devagar, receando chamar a atenção das pessoas. Supunham que existiam mundos diferentes da fazenda, mundos
maravilhosos na serra azulada. Aquilo, porém, era esquisito. Como podia haver tantas casas e tanta gente? Com certeza os
homens iriam brigar. Seria que o povo ali era brabo e não consentia que eles andassem entre as barracas? Estavam
acostumados a aguentar cascudos e puxões de orelhas. Talvez as criaturas desconhecidas não se comportassem como sinha
Vitória, mas os pequenos retraíam-se, encostavam-se às paredes, meio encandeados, os ouvidos cheios de rumores estranhos.
Chegaram à igreja, entraram. Baleia ficou passeando na calçada, olhando a rua, inquieta. Na opinião dela, tudo devia estar
no escuro, porque era noite, e a gente que andava no quadro precisava deitar-se. Levantou o focinho, sentiu um cheiro que lhe
deu vontade de tossir. Gritavam demais ali perto e havia luzes em abundância, mas o que a incomodava era aquele cheiro de
fumaça.
Os meninos também se espantavam. No mundo, subitamente alargado, viam Fabiano e sinha Vitória muito reduzidos,
menores que as figuras dos altares. Não conheciam altares, mas presumiam que aqueles objetos deviam ser preciosos. As
luzes e os cantos extasiavam-nos. De luz havia, na fazenda, o fogo entre as pedras da cozinha e o candeeiro de querosene
pendurado pela asa numa vara que saía da taipa; de canto, o bendito de sinha Vitória e o aboio de Fabiano. O aboio era triste,
uma cantiga monótona e sem palavras que entorpecia o gado.
Fabiano estava silencioso, olhando as imagens e as velas acesas, constrangido na roupa nova, o pescoço esticado, pisando
em brasas. A multidão apertava-o mais que a roupa, embaraçava-o. De perneiras, gibão e guarda-peito, andava metido numa
caixa, como tatu, mas saltava no lombo de um bicho e voava na catinga. Agora não podia virar-se: mãos e braços roçavam-lhe
o corpo. Lembrou-se da surra que levara e da noite passada na cadeia. A sensação que experimentava não diferia muito da que
tinha tido ao ser preso. Era como se as mãos e os braços da multidão fossem agarrá-lo, subjugá-lo, espremê-lo num canto de
parede. Olhou as caras em redor. Evidentemente as criaturas que se juntavam ali não o viam, mas Fabiano sentia-se rodeado
de inimigos, temia envolver-se em questões e acabar mal a noite. Soprava e esforçava-se inutilmente por abanar-se com o
chapéu. Difícil mover-se, estava amarrado. Lentamente conseguiu abrir caminho no povaréu, esgueirou-se até junto da pia de
água benta, onde se deteve, receoso de perder de vista a mulher e os filhos. Ergueu-se nas pontas dos pés, mas isto lhe
arrancou um grunhido: os calcanhares esfolados começavam a afligi-lo. Distinguiu o cocó de sinha Vitória, que se escondia
atrás de uma coluna. Provavelmente os meninos estavam com ela. A igreja cada vez mais se enchia. Para avistar a cabeça da
mulher, Fabiano precisava estirar-se, voltar o rosto. E o colarinho furava-lhe o pescoço. As botinas e o colarinho eram
indispensáveis. Não poderia assistir à novena calçado em alpercatas, a camisa de algodão aberta, mostrando o peito cabeludo.
Seria desrespeito. Como tinha religião, entrava na igreja uma vez por ano. E sempre vira, desde que se entendera, roupas de
festa assim: calça e paletó engomados, botinas de elástico, chapéu de baeta, colarinho e gravata. Não se arriscaria a
prejudicar a tradição, embora sofresse com ela. Supunha cumprir um dever, tentava aprumar-se. Mas a disposição esmorecia:
o espinhaço vergava, naturalmente, os braços mexiam-se desengonçados.
Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele.
Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os nego-ciantes furtavam na
medida, no preço e na conta. O patrão realizava com pena e tinta cálculos incompreensíveis. Da última vez que se tinham
encontrado houvera uma confusão de números, e Fabiano, com os miolos ardendo, deixara indignado o escritório do branco,
certo de que fora enganado. Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e
os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daqueles viventes.
Sabia que a roupa nova cortada e cosida por sinha Terta, o colarinho, a gravata, as botinas e o chapéu de baeta o tornavam
ridículo, mas não queria pensar nisto. — Preguiçosos, ladrões, faladores, mofinos.
Estava convencido de que todos os habitantes da cidade eram ruins. Mordeu os beiços. Não poderia dizer semelhante coisa.
Por falta menor aguentara facão e dormira na cadeia. Ora, o soldado amarelo... Sacudiu a cabeça, livrou-se da recordação
desagradável e procurou uma cara amiga na multidão. Se encontrasse um conhecido, iria chamá-lo para a calçada, abraçá-lo,
sorrir, bater palmas. Depois falaria sobre gado. Estremeceu, tentou ver o cocó de sinha Vitória. Precisava ter cuidado para
não se distanciar da mulher e dos filhos. Aproximou-se deles, alcançou-os no momento em que a igreja começava a esvaziarse.
Saíram aos encontrões, desceram os degraus. Empurrado, machucado, Fabiano tornou a pensar no soldado amarelo. No
quadro, ao passar pelo jatobá, virou o rosto. Sem motivo nenhum, o desgraçado tinha ido provocá-lo, pisar-lhe o pé. Ele se
desviara, com bons modos. Como o outro insistisse, perdera a paciência, tivera um rompante. Consequência: facão no lombo e
uma noite de cadeia.
Convidou a mulher e os filhos para os cavalinhos, arrumou-os, distraiu-se um pouco vendo-os rodar. Em seguida
encaminhou-os às barracas de jogo. Coçou-se, puxou o lenço, desatou-o, contou o dinheiro, com a tentação de arriscá-lo no
bozó. Se fosse feliz, poderia comprar a cama de couro cru, o sonho de sinha Vitória. Foi beber cachaça numa tolda, voltou,
pôs-se a rondar indeciso, pedindo com os olhos a opinião da mulher. Sinha Vitória fez um gesto de reprovação, e Fabiano
retirou-se, lembrando-se do jogo que tivera em casa de seu Inácio, com o soldado amarelo. Fora roubado, com certeza fora
roubado. Avizinhou-se da tolda e bebeu mais cachaça. Pouco a pouco ficou sem-vergonha. — Festa é festa.
Bebeu ainda uma vez e empertigou-se, olhou as pessoas desafiando-as. Estava resolvido a fazer uma asneira. Se topasse o
soldado amarelo, esbodegava-se com ele. Andou entre as barracas, emproado, atirando coices no chão, insensível às
esfoladuras dos pés. Queria era desgraçar-se, dar um pano de amostra àquele safado. Não ligava importância à mulher e aos
filhos, que o seguiam. — Apareça um homem! berrou.
No barulho que enchia a praça ninguém notou a provocação. E Fabiano foi esconder-se por detrás das barracas, para lá dos
tabuleiros de doces. Estava disposto a esbagaçar-se, mas havia nele um resto de prudência. Ali podia irritar-se, dirigir
ameaças e desaforos a inimigos invisíveis. Impelido por forças opostas, expunha-se e acautelava-se. Sabia que aquela
explosão era perigosa, temia que o soldado amarelo surgisse de repente, viesse plantar-lhe no pé a reiuna. O soldado amarelo,
falto de substância, ganhava fumaça na companhia dos parceiros. Era bom evitá-lo. Mas a lembrança dele tornava-se às vezes
horrível. E Fabiano estava tirando uma desforra. Estimulado pela cachaça, fortalecia-se: — Cadê o valente? Quem é que tem coragem de dizer que eu sou feio? Apareça um homem.
Lançava o desafio numa fala atrapalhada, com o vago receio de ser ouvido. Ninguém apareceu. E Fabiano roncou alto,
gritou que eram todos uns frouxos, uns capados, sim senhor. Depois de muitos berros, supôs que havia ali perto homens
escondidos, com medo dele. Insultou-os: — Cambada de...
Parou agoniado, suando frio, a boca cheia de água, sem atinar com a palavra. Cambada de quê? Tinha o nome debaixo da
língua. E a língua engrossava, perra, Fabiano cuspia, fixava na mulher e nos filhos uns olhos vidrados. Recuou alguns passos,
entrou a engulhar. Em seguida aproximou-se novamente das luzes, capengando, foi sentar-se na calçada de uma loja. Estava
desanimado, bambo; o entusiasmo arrefecera. Cambada de quê? Repetia a pergunta sem saber o que procurava. Olhou de perto
a cara da mulher, não conseguiu distinguir-lhe os traços. Sinha Vitória perceberia a atrapalhação dele? Havia ali outros
matutos conversando, e Fabiano enjoou-os. Se não estivesse tão ansiado, arrotando, suando, brigaria com eles. A interrogação
que lhe aperreava o espírito confuso juntou-se à ideia de que aquelas pessoas não tinham o direito de sentar-se na calçada.
Queria que o deixassem com a mulher, os filhos e a cachorrinha. Cambada de quê? Soltou um grito áspero, bateu palmas: — Cambada de cachorros.
Descoberta a expressão teimosa, alegrou-se. Cambada de cachorros. Evidentemente os matutos como ele não passavam de
cachorros. Procurou com as mãos a mulher e os filhos, certificou-se de que eles estavam acomodados. Uma contração violenta
no pescoço entortou-lhe o rosto, a boca encheu-se novamente de saliva. Pôs-se a cuspir. Serenou, respirou com força, passou
os dedos por um fio de baba que lhe pendia do beiço. Estava era tonto, com uma zoada infeliz nos ouvidos. Ia jurar que
mostrara valentia e correra perigo. Achava ao mesmo tempo que havia cometido uma falta. Agora estava pesado e com sono.
Enquanto andara fazendo espalhafato, a cabeça cheia de aguardente, desprezara as esfoladuras dos pés. Mas esfriava, e as
botinas de vaqueta magoavam-no em demasia. Arrancou-as, tirou as meias, libertou-se do colarinho, da gravata e do paletó,
enrolou tudo, fez um travesseiro, estirou-se no cimento, puxou para os olhos o chapéu de baeta. E adormeceu, com o estômago
embrulhado.
Sinha Vitória achava-se em dificuldade: torcia-se para satisfazer uma precisão e não sabia como se desembaraçar. Podia
esconder-se no fundo do quadro, por detrás das barracas, para lá dos tamboretes das doceiras. Ergueu-se meio decidida,
tornou a acocorar-se. Abandonar os meninos, o marido naquele estado? Apertou-se e observou os quatro cantos com
desespero, que a precisão era grande. Escapuliu-se disfarçadamente, chegou à esquina da loja, onde havia um magote de
mulheres agachadas. E, olhando as frontarias das casas e as lanternas de papel, molhou o chão e os pés das outras matutas.
Arrastou-se para junto da família, tirou do bolso o cachimbo de barro, atochou-o, acendeu-o, largou algumas baforadas longas
de satisfação. Livre da necessidade, viu com interesse o formigueiro que circulava na praça, a mesa do leilão, as listas
luminosas dos foguetes. Realmente a vida não era má. Pensou com um arrepio na seca, na viagem medonha que fizera em
caminhos abrasados, vendo ossos e garranchos. Afastou a lembrança ruim, atentou naquelas belezas. O burburinho da multidão
era doce, o realejo fanhoso dos cavalinhos não descansava. Para a vida ser boa, só faltava a sinha Vitória uma cama igual à de
seu Tomás da bolandeira. Suspirou, pensando na cama de varas em que dormia. Ficou ali de cócoras, cachimbando, os olhos e
os ouvidos muito abertos para não perder a festa.
Os meninos trocavam impressões cochichando, aflitos com o desaparecimento da cachorra. Puxaram a manga da mãe. Que
fim teria levado Baleia? Sinha Vitória levantou o braço num gesto mole e indicou vagamente dois pontos cardeais com o
canudo do cachimbo. Os pequenos insistiram. Onde estaria a cachorrinha? Indiferentes à igreja, às lanternas de papel, aos
bazares, às mesas de jogo e aos foguetes, só se importavam com as pernas dos transeuntes. Coitadinha, andava por aí perdida,
aguentando pontapés.
De repente Baleia apareceu. Trepou-se na calçada, mergulhou entre as saias das mulheres, passou por cima de Fabiano e
chegou-se aos amigos, manifestando com a língua e com o rabo um vivo contentamento. O menino mais velho agarrou-a.
Estava segura. Tentaram explicar-lhe que tinham tido susto enorme por causa dela, mas Baleia não ligou importância à
explicação. Achava é que perdiam tempo num lugar esquisito, cheio de odores desconhecidos. Quis latir, expressar oposição a
tudo aquilo, mas percebeu que não convenceria ninguém e encolheu-se, baixou a cauda, resignou-se ao capricho dos seus
donos.
A opinião dos meninos assemelhava-se à dela. Agora olhavam as lojas, as toldas, a mesa do leilão. E conferenciavam
pasmados. Tinham percebido que havia muitas pessoas no mundo. Ocupavam-se em descobrir uma enorme quantidade de
objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O
menino mais novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha sido feito por gente? O
menino mais velho hesitou, espiou as lojas, as toldas iluminadas, as moças bem-vestidas. Encolheu os ombros. Talvez aquilo
tivesse sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas
coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos
altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada. Como podiam os homens
guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas
ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam imprudência.
Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam baixo para não desencadear as forças estranhas que elas
porventura encerrassem.
Baleia cochilava, de quando em quando balançava a cabeça e franzia o focinho. A cidade se enchera de suores que a
desconcertavam.
Sinha Vitória enxergava, através das barracas, a cama de seu Tomás da bolandeira, uma cama de verdade.
Fabiano roncava de papo para cima, as abas do chapéu cobrindo-lhe os olhos, o quengo sobre as botinas de vaqueta.
Sonhava, agoniado, e Baleia percebia nele um cheiro que o tornava irreconhecível. Fabiano se agitava, soprando. Muitos
soldados amarelos tinham aparecido, pisavam-lhe os pés com enormes reiunas e ameaçavam-no com facões terríveis.
*** *** https://iedamagri.files.wordpress.com/2020/02/vidas-secas-graciliano-ramos.pdf *** ***
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Resumo de Vidas Secas - Capítulo 8 - Festa
*** *** https://www.youtube.com/watch?v=1NwnssRNAKk *** ***
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Festa do Interior
Gal Costa
Meu Nome é Gal
Fagulhas
Pontas de agulhas
Brilham estrelas
De São João...
Babados
Xotes e xaxados
Segura as pontas
Meu coração...
Bombas na guerra-magia
Ninguém matava
Ninguém morria...
Nas trincheiras
Da alegria
O que explodia
Era o amor...(2x)
Fagulhas
Pontas de agulhas
Brilham estrelas
De São João...
Babados
Xotes e xaxados
Segura as pontas
Meu coração...
Bombas na guerra-magia
Ninguém matava
Ninguém morria...
Nas trincheiras
Da alegria
O que explodia
Era o amor...(2x)
Ardia aquela fogueira
Que me esquentava
A vida inteira
Eterna noite
Sempre a primeira
Festa do Interior...(2x)
Fagulhas
Pontas de agulhas
Brilham estrelas
De São João...
Babados
Xotes e xaxados
Segura as pontas
Meu coração...
Bombas na guerra-magia
Ninguém matava
Ninguém morria...
Nas trincheiras
Da alegria
O que explodia
Era o amor...(2x)
Ardia aquela fogueira
Que me esquentava
A vida inteira
Eterna noite
Sempre a primeira
Festa do Interior...(2x)
Composição: Moraes Moreira / Abel Silva
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