segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Conte mais com o imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso. Deus Salve o Brasil.

(...) Conte com as circunstâncias, que também são fadas. Conte mais com o imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso, ao qual é preciso dar algumas ações de graças; pode ter voto decisivo na assembléia dos acontecimentos. (...) (Aires in Esaú e Jacó) Machado de Assis Capítulo CXV Troca de Opiniões


(...) Eu costumo dizer que a única coisa que evoluiu no Brasil foi o atraso. (...) Levir Culpi: 

Entrevista

Em uma longa entrevista ao Estadão, em 17/11/2014, sobre suas experiências futebolísticas, humanas e culturais, o técnico de futebol Levir Culpi, de forma arguta, sincera e lúcida faz elevadas reflexões sobre praticamente uma vida dedicada à uma única atividade, segundo suas palavras: o futebol.
Pós Copa do Mundo no Brasil em 2014, a mesma é eivada de ensinamentos e realismo que podem ser muito úteis para todos que, direta ou indiretamente, tenham algum envolvimento com esse esporte e suas consequências na vida de todos os brasileiros, senão como mero torcedor.

Tendo trabalhado por seis anos no Japão, é um expectador privilegiado para analisar, criticar e propor caminhos sem falsas ilusões e manipulações como sói acontecer em momentos que a trilha da tergiversação é a mais cômoda para quem está em fim de linha ou incapaz de apreender as transformações sociais e políticas das circunstâncias de que nem sempre se detém a posição de controle.

Vale a pena acompanhar os ensinamentos simples de uma pessoa aparentemente arrogante em Entrevista. Levir Culpi:

De volta depois de seis anos no Japão, treinador do Atlético-MG também se esforça para educar jogadores

'Nós somos meio bipolares', afirma técnico Levir Culpi

Almir Leite
17 Novembro 2014 | 07h 00
Levir Culpi passou 6 anos no Japão. Era admirado, respeitado. Decidiu voltar ao Brasil no final do ano passado e em abril deste ano retornou ao Atlético Mineiro, clube de onde saiu em 2007 rumo ao Oriente. Pressentia que iria viver fortes emoções nessa quarta passagem pelo Galo. Acertou em cheio.
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Precisou “enquadrar’’ alguns jogadores, foi decisivo para que o já desmotivado Ronaldinho Gaúcho seguisse seu caminho, mandou indisciplinados embora, deu chance a garotos como Jemerson e Carlos. Formou um time competitivo, já tem um título (da Recopa Sul-Americana) e está bem perto de comandar uma das conquistas mais importantes da história do clube, a Copa do Brasil, que se vier no próximo dia 26 será em cima do arquirrival Cruzeiro. Gloria suprema.

Tudo com muita emoção, como nas vitórias por 4 a 1 sobre Corinthians e Flamengo pelo torneio. Tudo sem perder o humor, as tiradas inteligentes e a franqueza. Sinceridade que lhe permite dizer com todas as letras que o brasileiro é um povo de boa índole, mas carente de educação. E lamentar esse atraso que, diz, se reflete no comportamento dos jogadores.

Aos 61 anos, Levir revela ao Estado não pensa em parar. Se o fizer, vai sentir falta até de ser xingado pela torcida. Xingamentos que inspiraram o título do livro que escreveu. “Um burro com sorte’’, lançado este ano, tem toda a renda revertida para o Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba, referência em pediatria. É a forma que Levir encontrou para contribuir com a sociedade.



Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta.
Já Albert Einstein, o físico revolucionário alemão, não obstante soar bastante pessimista, em uma avaliação de uma das características humanas, o pai da Teoria da Relatividade, e humanista contumaz, em suas lutas pelos direitos civis, radicaliza num aforismo a ele atribuído que, para expressar sua eterna dúvida com o perigo do absolutismo, em qualquer campo do conhecimento e da vida, abre ressalva apenas para a estupidez humana.

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - O ESTADO DE S. PAULO
13 Janeiro 2015 | 07h 20

"A única coisa que evoluiu no Brasil foi o atraso", Levir Culpi, Estado, 17/11/2014

Diferentemente do que ocorreu com outras organizações partidárias, o PT evoluiu rapidamente, mas rumo ao atraso.

No que diz respeito ao ex-advogado de Sindicatos do ABC paulista, nos idos da década de 1970, momento tenebroso para a democracia e prevalência do autoritarismo, hoje um ex - ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho), transcreve-se, a seguir, um seu artigo publicado no Estadão, de 17/11/2014, sobre a mutação, no menor espaço de tempo na história desse país, do menor ao maior partido trabalhista da América, ao longo de pouco mais de 30 anos. Fenômeno inédito na história mundial como nunca visto.

O ex - ministro do TST conviveu com sindicalistas que ajudaram a organizar, ao lado de intelectuais democratas, líderes de movimentos fora das instituições consideradas legais pelo regime ilegal em vigor e membros de comunidades de bases uma rede que alcançasse formações sociais que almejavam transformações sociais, políticas, econômicas e culturais em um país integrado numa aldeia global com alguns colhendo os frutos mais apetitosos em detrimento de maiorias, em geral, excluídas em direitos e liberdade, apesar dos deveres cumpridos no que tange às responsabilidades assimétricas cobradas por um Leviatã Moderno.

Está, portanto, Pazzianoto em posição privilegiada e isenta para fazer o balanço de um período de nossa história em que sempre se postou nas lutas que envolviam trabalho e justiça. Ele que, como deputado estadual pelo então MDB (Movimento Democrático Brasileiro), oposição legal e consentida pelo regime de então, e também como advogado trabalhista, é mencionado por FHC, em seu livro a seguir citado, como aquele jovem deputado estadual por São Paulo recomendado para trabalhar pela sublegenda do MDB para o acadêmico em sua primeira incursão nas artes da política institucional, como candidato a senador pelo mesmo estado de São Paulo, ao lado do democrata-cristão André Franco Montoro, também advogado trabalhista, alta voz dos trabalhadores no Senado Federal por São Paulo.

O retrato de Almir é sem retoques e doi quando o projetamos no monitor com suas transformações camaleônicas num curto intervalo de uma vida institucional. Dispensável seria a epígrafe de Levir Culpi, extraído da entrevista anteriormente citada nesse espaço.

Diferentemente do que ocorreu com outras organizações partidárias, o PT evoluiu rapidamente, mas rumo ao atraso.

Lançado por Lula em 1979 no ABCD, o PT visava o monopólio de representação da classe operária. Na primeira eleição, disputada em 1982, elegeu 8 deputados federais e 12 estaduais. Em 1986 foram 16 federais e 39 estaduais. Aumentava, também, o número de prefeitos e vereadores: em 1982 havia sido apenas 1, em Diadema, e 179 vereadores em poucos municípios, quantidade que saltou, quatro anos depois, para 112 e 1.881.

No ano de 1994 elegeu 2 governadores, no Espírito Santo e no Distrito Federal, número que subiu a 3 em 1998, quando foi vitorioso no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso do Sul e no Acre, embora derrotado no Distrito Federal, não conseguindo reeleger Cristovam Buarque.

Como explicar a ascendente trajetória do partido que em apenas 24 anos conquistou a Presidência da República com Luiz Inácio Lula da Silva, após ser derrotado por Fernando Collor em 1989 e, em 1994 e 1998, por Fernando Henrique Cardoso?

Lula fez-se conhecido em 1975, quando alcançou a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Até então fora suplente do conselho fiscal e primeiro-secretário, encarregado do departamento jurídico.

Em abril de 1976 o sindicato rompeu com a Federação dos Metalúrgicos ao recorrer contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) que ignorou a pauta anual de reivindicações para lhe impor convenção coletiva de trabalho celebrada pela Fiesp com a federação estadual, dirigida por pelegos. 
A vitória obtida no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em setembro, deferindo cinco cláusulas adicionais, como a de estabilidade da gestante, repercutiu na imprensa e consolidou a liderança de Lula na classe operária, na qual passou a ser visto como dirigente independente do Ministério do Trabalho. O Brasil estava sob o regime militar e gestos de desafio eram algo novo na política trabalhista brasileira.
No ano seguinte Lula deflagrou campanha pela recuperação de perdas decorrentes da manipulação dos índices de custo de vida e em 1978 liderou a primeira greve bem-sucedida pós-1964. Decretada a ilegalidade pelo TRT-SP, os metalúrgicos de São Bernardo não recuaram e obrigaram as indústrias automobilísticas a retomar negociações até assinatura de vitorioso acordo coletivo em 31 de maio.

Seguiram-se as greves de 79 e 80. Em ambas o sindicato sofreu intervenção e na última Lula foi preso e processado pela Lei de Segurança Nacional.

Encerrado o mandato em 1981, Lula não voltou ao sindicato nem à Villares, onde era torneiro mecânico. Optou pela política, com o propósito de disputar o governo estadual. Muito antes, em abril de 1980, após ser deposto da direção do sindicato, entrevistado pela revista IstoÉ (23/4/1980) sobre se cogitava de se candidatar à Presidência da República, seguro de si Lula respondeu: “Isso é brincadeira. Mas, falando sério e sem falsa modéstia, eu seria muito melhor do que o Figueiredo. Seria muito melhor que Maluf, Delfim, esse pessoal todo”.

Foi com tal autossuficiência que o líder, cuja aversão aos livros é conhecida, imprimiu orientação radical ao PT. Exemplo disso foi a abstenção dos petistas no colégio eleitoral que deu a vitória a Tancredo Neves, contra Paulo Maluf, em janeiro de 1985. Os deputados que ousaram divergir foram execrados e banidos.

O PT adotou, como programa, fazer oposição sistemática, agressiva e intolerante a quem se encontrasse no governo. Barba cerrada, munido de megafone, camiseta estampada com a figura de João Ferrador e a frase “hoje não tô bom”, Lula comparecia a portões de fábricas para acusar as injustiças sociais, o arrocho salarial, a corrupção e o peleguismo sindical, propondo a tomada do poder.

Em semanas, jornalistas, universitários, servidores públicos, jovens da classe média, artistas aderiram às fileiras do novo partido, fornecendo-lhe militância gratuita que se transformou em poderosa massa de eleitores. Ao passo que Lula adquiria nome e prestígio, partidos fortes, como o PMDB e o PFL, definhavam, acossados sem cessar pelos militantes petistas.

O sucesso do Plano Real, magistral criação da equipe de Fernando Henrique Cardoso, não foi suficiente para eleger José Serra, a grande esperança dos tucanos, batido por Lula nas eleições de 2002. Em 2006 derrotou Geraldo Alckmin, obtendo o segundo mandato. Detentores de invejáveis carreiras universitárias e políticas, não conquistaram votos para derrotar o metalúrgico iletrado, cuja admiração por ditadores fora dissimulada em hábil campanha publicitária.

A chegada à Presidência da República revelaria, entretanto, a face oculta do PT: nem capitalista, tampouco socialista, apenas demagogo, aético, arrogante, fisiológico.

Tendo por programa a tomada do poder, mas sem saber o que fazer com ele, nos primeiros quatro anos se beneficiou do legado do PSDB na condução da economia, cuja estabilidade fora recuperada. Perdidas, porém, as armas da agitação e da greve, e incapaz de planejar e executar medidas de larga envergadura, optou pela gastança, pelo endividamento e pelo assistencialismo estéril e barato: estava criado o Bolsa Família, o maior cabo eleitoral de todos os tempos.

Em 12 anos de petismo desenfreado, marcados por escândalos, entre os quais se destacam o mensalão e o “Lava Jato”, o Brasil evoluiu, mas no sentido do atraso, como sentenciou Levir Culpi, perspicaz treinador do Atlético Mineiro.
A frase antológica traduz, com clareza, o que pensam do petismo milhões de brasileiros.

*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST



Fernando Henrique Cardoso
A Arte da Política: A História que
Vivi

O ex - Presidente da República, que passou a faixa do Planalto exatamente para o eleito à sua sucessão pelo partido ora radiografado por Almir; antes de mencionar, em passagem posterior de seu livro, o jovem advogado trabalhista dos sindicatos dos trabalhadores nas greves do ABC dos 1970’s; faz uma colocação bem contextualizada para o momento presente envolvendo

O Poder e a Moral n’A Arte da Política em Contextos.

(...) É certo, porém, que a origem de classe ou a posição política ancestral, por si sós, são de pouca valia para explicar o comportamento político efetivo. Os valores assumidos, a evolução da cultura política, a configuração do jogo de poder, a posição dos atores polares desempenham papel de maior relevância na definição dos rumos pessoais. Em qualquer hipótese, entretanto, a "abertura mental", o comportamento tolerante, a aceitação do outro e da diversidade político-cultural são condições propícias para o exercício da liderança democrática. 18 Erasmo de Roterdã ou Tomás Moro tinham uma visão menos descarnada do poder do que Maquiavel. Desde Platão a "sabedoria" foi incluída entre as virtudes necessárias para o bom governo. Erasmo, na "Educação de um príncipe cristão", in Conselho aos governantes, op. cit., p. 313, diz: "Se queres mostrar que és um príncipe excelente, certifica-te que ninguém te exceda nas necessárias qualidades de sabedoria, magnanimidade, reserva e integridade.” Tomás Moro, que antes de Maquiavel já recomendava a separação entre política e moral e, como o contemporâneo Erasmo (os dois foram amigos e Erasmo supervisionou a publicação da Utopia), justificava a busca da paz e da justiça em termos racionais, não descuidou do statesmanship. O governo seria o produto natural de seres humanos genuinamente livres e responsáveis e a autoridade derivaria do consentimento. Mais adepto de formas representativas de governo do que das monarquias com seus reis, Moro, seguindo Aristóteles, tinha maior confiança nas leis do que nas paixões dos homens para alcançar o bom governo. Moro acreditava que a lei e a educação constituíam os fundamentos do governo. A prudência e a tradição cultuadas pelos líderes formariam os suportes do arcabouço institucional. Acreditava na separação dos poderes, nas regras da lei, na separação entre Estado e religião, em representantes eleitos e em formas protegidas de deliberação, que deveriam ser livres e públicas. Ver a respeito do pensamento de Moro o excelente livro de Gerard B. Wegemer, Thomas More on Satesmanship, Washington, The Catholic University of America Press, 1996. (...)
(...) CAPITULO 2

Encontrei Lula em uma pequena sala, cercado por companheiros, muitos dos quais, como Djalma Bom e José Cicote, viriam a se destacar, anos depois, como vereadores, deputados ou dirigentes partidários. Tivemos conversa direta. Lula disse que se dispunha a me apoiar, que poderia fazer pouca coisa, mas que eu iria contar com a ajuda do advogado do sindicato, Almir Pazzianotto, deputado estadual pelo MDB, que votaria em mim na convenção do partido (para ser candidato por uma sublegenda eu precisaria obter 20% dos votos dos delegados à convenção, e os candidatos tradicionais se opunham a me dar uma vaga). (...)




É ainda Cardoso, Professor e Sociólogo de Campo, quem nos indica que Reason, Rhetoric and Law devem servir de muletas para nos auxiliar no trilhar caminhos que nossas pernas trôpegas podem não ser capazes de fazer com seus próprios atributos quando, por exemplo, sugere o livro Thomas More on Statesmanship Gerard B Wegemer Washington, D.C.: The Catholic University of America Press, 1986 cujo resumo, em inglês, segue:

 This study examines More’s complete works in view of his concept ofstatesmanship, and, in the process, links More’s humanism, his faith, and his legal and political vocations. The work integrates the literature, philosophy, history and politics of the Renaissance in its discussion.

Para aqueles que não têm a paciência e a pachorra para a leitura recomenda-se a audição de uma série de entrevistas, em inglês, sobre St. Thomas More: Faithful Statesman with Fr. C.. John McCloskey and Dr. Gerard Wegemer sobre o tema tratado no livro citado

Circunstâncias? Ou mais? Imprevisto? Uma espécie de deus avulso. Com certeza.

Na sequência, tem-se um acadêmico, agora de fato, sendo saudado por um amigo na Casa fundada por dois amigos diletos: Machado e Nabuco, alteregos, quem saberá, de mais dois amigos e mais novos confrades, um século mais tarde na roda da fortuna e com votos decisivos na assembleia dos acontecimentos.

CELSO LAFER


(...) É hora de encerrar esta saudação, redigida, como disse, sob o signo da amizade e da admiração, mas empenhada na verdade, a primeira, porém dificultosa qualidade da História como advertia o pe. Antonio Vieira. Está, no entanto, em sintonia com a observação neste contexto do “Imperador da língua portuguesa”: "Todas as penas nasceram em carne e sangue, e todas na tinta de escrever misturaram as cores do seu afeto”.

Nosso sábio Machado de Assis aponta, em Esaú e Jacó, que o imprevisto é “uma espécie de Deus avulso” que “pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”. O imprevisto corresponde ao que Maquiavel chamou de fortuna que, como “caso, tempo e sorte/Tem do confuso mundo o regimento” nas palavras de Camões. Para que a fortuna possa ter impacto efetivo “na assembleia dos acontecimentos” é preciso ter virtú, o conjunto de qualidades necessário a um homem de Estado. O acadêmico Fernando Henrique, por conta da sua virtú, soube descortinar as oportunidades que a fortuna dos imprevistos abriram para a sua trajetória. É esta consciência que explica o título The Accidental President of Brazil, a sua bela e esclarecedora narrativa autobiográfica, que é também reveladora do significado que as discussões em sua casa, bem como a experiência da herança familiar, tiveram para moldar não apenas a sua sensibilidade e o conhecimento vivo da história, mas também a percepção da abrangente diversidade do nosso país.
- III – (...)

(...) O certo, no entanto, é que Fernando Henrique como acadêmico enquadra-se nos critérios propostos por Nabuco e, neste âmbito, entre os pensadores do Brasil, a começar pelo próprio Nabuco, presença originária na sua reflexão, “desde as premissas até a conclusão da tese, que se transformou no livro Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional”, para recorrer às suas próprias palavras. “Joaquim Nabuco, democrata” é o título da notável conferência por ele pronunciada nesta Casa em março de 2010, que representou também uma das etapas da sua aproximação à Academia, fruto da iniciativa do nosso confrade Marcos V. Villaça, subsequentemente um dos paladinos da sua eleição. Esta conferência integra o seu mais recente livro Pensadores que inventaram o Brasil. (...) (Celso Lafer in Discurso de Recepção ao Acadêmico Fernando Henrique Cardoso)


Todos os personagens aqui citados, independentemente de suas diferenças, convergem em pelo menos um ponto: todos, sem exceção, contaram com as circunstâncias, que para Aires de Machado são também fadas. Contaram mais com o imprevisto. Por ser o imprevisto uma espécie de deus avulso, precisaram dar algumas ações de graças; puderam ter voto decisivo na assembléia dos acontecimentos. 

Deus salve o Brasil!

Nesta altura de um campeonato catimbado n’as artes da política e do poder, em arenas nacional e internacional, brasileiros humildemente ficamos a esperar por uma boa fortuna dentro das estritas necessidades, torcendo, não se sabe se impotentemente, para que a atual e Primeira Presidenta de nossa República tenha  virtú e esteja à altura de se converter também em nossa Primeira Príncipa.


DE QUANTAS ESPÉCIES SÃO OS PRINCIPADOS E DE QUE MODOS SE ADQUIREM
(QUOTSINT GENERA PRINCIPATUUM ET QUIBUS MODIS ACQUIRANTUR)

Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados. Os principados são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já longo tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milão com Francisco Sforza, ou o são como membros acrescidos ao Estado hereditário do príncipe que os adquire, como é o reino de Nápoles em relação ao rei da Espanha. Estes domínios assim obtidos estão acostumados, ou a viver submetidos a um príncipe, ou a ser livres, sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as próprias, bem como pela fortuna ou por virtude. (Maquiavel in O Príncipe Capítulo I)


Documentário O Príncipe (Nicolau Maquiavel)



Que algum deus avulso tenha e guarde sua magnificência!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

All Ellyphic Curves are Modular = Taniyama- Shimura = Fermat’s Last Theorem

Eu bem vos disse. (Taniyama, autor de A conjectura de Taniyama-Shimura, após sua conjectura ter virado pó, ou melhor, Teorema de Taniyama-Shimura)

O Último Teorema de Fermat foi transformado em documentário da BBC britânica.

Taniyama-ShimuraConjecture, desde sua prova, algumas vezes, é denominada Teorema da Modularidade, posto que transformada em Teorema de Taniyama-Shimura:

Imagem da capa do Livro “O Último Teorema De Fermat” De Simon Singh, com um breve resumo e link para download aparecem neste endereço ou aqui.


Nesse livro, posteriormente adaptado para um já citado documentário da BBC de Londres, de cujo departamento de ciências o físico e autor do livro era diretor, é descrita a saga de sete anos do matemático Andew Wiles em busca da demonstração envolvendo o Último Teorema de Fermat, com o qual havia tido o primeiro contato aos dez anos de idade.
Em suas próprias palavras no documentário, Andrew revela, no ponto mais dramático de sua descrição, ter tido o privilégio muito raro de poder perseguir, em sua vida adulta, o que tinha sido o seu sonho de infância. Seguem algumas declarações legendadas em português que surgem ao longo do relevante documentário em inglês.
Talvez possa descrever melhor a minha maneira de fazer matemática comparando-a com a entrada numa mansão escura. Entra-se na primeira divisão e está escuro. Completamente escuro, tropeça-se e bate-se na mobília. Gradualmente, vai-se aprendendo onde está cada peça da mobília. E passados uns seis meses encontra-se o interruptor, liga-se, e de repente está tudo iluminado, pode ver-se exactamente onde se estava.
No início de Setembro estava sentado aqui, a esta secretária, quando de repente, de forma totalmente inesperada, tive esta incrível revelação. Foi o mais... O momento mais importante de toda a minha carreira. Nada daquilo que farei no futuro irá...
Desculpem.
E estava aqui sentado a esta secretária. Em uma manhã de segunda-feira, 19 de setembro, (...) Foi... Foi o mais... O momento mais importante de toda a minha carreira.
Bem, a minha primeira reacção foi: “Eu bem vos disse.” A conjectura de Taniyama-Shimura já não é uma conjectura, e como resultado, o último teorema de Fermat foi provado. Mas será a prova de Andrew igual à de Fermat?                               
Não é possível que Fermat tivesse esta prova. É uma prova do século XX. Não há forma de isto ter sido feito antes do século XX. Não haverá outro problema que signifique o mesmo para mim. Eu tive um privilégio muito raro de poder perseguir, na minha vida de adulto, o que tinha sido o meu sonho de infância. Eu sei que é um privilégio raro, mas se se puder fazer isto, é mais recompensador do que qualquer coisa que possa imaginar.
            
No blog Mateà Matemática há uma resenha mais detalhada sobre o material aqui abordado.

            Para outro local onde pode-se tentar uma cópia do arquivo do livro O Último  Teorema de Fermat em pdf.

            Nos links a seguir podem ser obtidos umaresenha e o Primeiro Capítulo, respectivamente, de O Livro dos Códigos,  publicado posteriormente pelo autor do livro aqui analisado. A obsessão do autor por histórias de deslindes de mistérios continua nesta sua obra publicada. O Livro dos Códigos, agora mais voltado para uma aplicação da matemática, é o pano de fundo para a guerra em que vivemos no dia a dia de nossas vidas públicas. Mas aí já é outra história com todas as suas possibilidades de paz na guerra e guerra na paz. Quem viver poderá não viver o suficiente para ver as conseqüências das profundezas desses mistérios e segredos humanos. Ótimo para a literatura, apreensivo para a humanidade ignara em geral.



domingo, 4 de janeiro de 2015

Uma epifania em Minha Formação de Joaquim Nabuco como Feitio de Oração, nas Noites do Norte


Estive envolvido na campanha da Abolição e durante dez anos procurei extrair de tudo, da história, da ciência, da religião, da vida, um filtro que seduzisse a dinastia; vi os escravos em todas as condições imagináveis; mil vezes li a Cabana do Pai Tomás, no original da dor vivida e sangrando; no entanto a escravidão para mim cabe toda em um quadro inesquecido da infância, em uma primeira impressão, que decidiu, estou certo, do emprego ulterior de minha vida. Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida... Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava. (Nabuco Minha Formação).
Mais: foi responsável pela passagem – de um modo um tanto que epifânico – entre o desconhecer e o conhecer da “natureza da escravidão”, como se naquele momento o modo como a criança percebia o mundo tivesse sido subtraído e a realidade da vida adulta se instalasse por definitivo em seu espírito. (ANCO MÁRCIO TENÓRIO VIEIRA: Joaquim Nabuco e Graça Aranha.  Entre a palavra e a ação: apontamentos para uma correspondência)


Foi, como tantos outros, um filho em revolta contra o Pai. Um filho contra o Pai, por avidez de “impressões novas”. Também um filho revelado contra a Santa Madre Igreja – talvez pela mesma avidez de idéias novas. Mais: foi um americano libertário revoltado contra o apego, - por alguns críticos considerado simples expressão de transoceanismo, de muitos dos brasileiros daqueles dias à Europa materna. Esse apego, à Europa materna, segundo o imaturo Nabuco de vinte anos, deveria ser substituído pela admiração pelos fraternais Estados Unidos: a Europa era “velha”; a América (isto é: os Estados Unidos), “jovem”. (Gilberto Freyre Introdução)




Em sua autobiografia, publicada quando tinha 50 anos e viveria aproximadamente mais uma década, Joaquim Nabuco faz o acerto de contas do seu permanente conflito, que beirou a contradição, entre o dionisíaco e o apolíneo, características conviventes de uma vida marcada por mutações além de suas circunstâncias.

Seu conterrâneo Gilberto Freyre, na Apresentação citada, critica, mas prenhe de reconhecimento, vê o Brasil de que Joaquim Nabuco apresenta em Minha Formação uma síntese em que se aglutinam a autobiografia e a história nacional.

Um transpernambucano, Caetano Veloso Brasileiro da Bahia, sonoriza aquela instituição nacional, a escravidão, que permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do norte, nas próprias palavras de Nabuco.



Um jovem transamericano, Velho Noel Rosa Carioca da Vila, deu sequência ao desvelamento da cultura brasileira pouco tempo depois da passagem por terras brasilianas de seu par Joaquim Nabuco.  Foi também capaz de apreender, num momento elevado de nossa história nacional, inserida à roda do mundo, na eterna luta do velho contra o novo, que O cinema falado é o grande culpado da transformação Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez Tudo aquilo que o malandro pronuncia Com voz macia é brasileiro, já passou de português.

É minha opinião que a recusa em toque - da nacionalidade das elites - aponta para o Estado brasileiro, visto, porém, não como qualquer Estado-nação moderno, mas como a metrópole (governo) da sociedade, sua colônia original. Trata-se de um Estado aqui, como se sabe, ocupado pela lógica doméstico-familial. Quer me parecer, portanto, que a recusa do “Feitio” aqui tem como mira exatamente esse Estado ambíguo e clientelizador do povo, com o qual de forma alguma, pois, parece se comprazer. 

Mas ao mesmo tempo que o “Feitio” recusa irrisivamente, ele postula. Postula a unidade e, assim, o cancelamento da contradição conflitual. Para ele, essa é uma invenção da nacionalidade das estrelas. Qual o “coração” do “Feitio”, no entanto?  Coração que busca apagar o conflito e o escárnio (veja Y), na direção da súplica amorosa-religiosa (conforme Z), eleita como origem e teleologia do Brasil (samba)? O coração do “Feitio” – desejo uma vez mais dizer - é cortesão e estóico. Ele é triste e sorri da tristeza elegantemente: ele é carioca. O Brasil do “Feitio” - audível até hoje no botequim ou no show, recital ou colóquio, no Rio de Janeiro ou em Jiparaná - então parece sim dilemático. Não tanto, porém, como se indeciso entre o moderno e o tradicional - polaridade que, aliás, esmeradamente tanto busca apagar -, mas como postulante de uma unidade outra, que até agora não parece ter “dado certo” mas que, certamente, “ já passou de português”.

Letra I
Quem acha vive se perdendo
Por isso agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que por infelicidade
Meu pobre peito invade
II
Por isso agora
Lá na Penha vou mandar
Minha morena pra cantar
Com satisfação
E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba
Em feitio de oração
III
Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia
IV
O samba na realidade
Não vem do morro nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce no coração
(A “origem do samba” como invenção do Brasil
(por que as canções tem música?) Rafael José de Menezes  Bastos)