Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 4 de novembro de 2021
AUTONOMIA FEDERATIVA
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G1
Fux reafirma que estados e municípios podem legislar sobre pandemia, mas 'coordenação geral' cabe à União
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Raquel Carvalho
Autonomia política dos entes federados
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STF reafirma competência de estados e municípios para tomar medidas contra Covid-19
Por unanimidade, a Corte decidiu que União não pode interferir em medidas de outros entes com competência concorrente
ANA POMPEU
LUIZ ORLANDO CARNEIRO
BRASÍLIA
15/04/2020 20:22
Atualizado em 15/04/2020 às 22:03
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repercussão geral
Presidente do STF durante sessão plenária por videoconferência. Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou, nesta quarta-feira (15/4), a liminar do ministro Marco Aurélio para explicitar a competência de estados e municípios de tomar medidas com o objetivo de conter a pandemia do coronavírus. Desta forma, estes entes da federação podem determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, sem que a União possa interferir no assunto. A ação em julgamento questiona a Medida Provisória 926, sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos. Foi o primeiro caso apreciado pelo plenário da Corte no formato de julgamento por videoconferência.
A decisão, unânime, foi proferida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341. Na ação, o PDT pede a declaração de inconstitucionalidade da MP 926, editada pelo presidente Jair Bolsonaro em 20 de março, por entender que a norma desrespeita o preceito constitucional da autonomia dos entes federativos e foi editada com a finalidade política de atingir os governadores.
Assim, embora não tenham julgado o mérito, os ministros não observaram inconstitucionalidade no texto da MP 926. Ao mesmo tempo, no entanto, ela também não anula as providências em vigilância sanitária e saúde tomadas por estados e municípios.
Os ministros também ressaltaram que o trecho da MP em que se lê que “o presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais” terá interpretação conforme a Constituição para preservar as atribuições de cada esfera de governo. Dessa forma, têm validade os decretos de governadores e prefeitos que forem mais restritivos que as medidas do governo federal.
Neste ponto, Marco Aurélio e o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ficaram vencidos. Eles, no entanto, concordam com a posição, mas entenderam que ela estava implícita no voto do relator, não precisando de explicitação. Mas como oito ministros votaram neste sentido, o ministro Luiz Edson Fachin, primeiro a apontar o detalhamento, será o redator do acórdão. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito por razões de foro íntimo e não participou do julgamento.
Para o relator do caso, é competência da União, estados e municípios cuidar da saúde pública. Como está na cautelar por ele concedida, a redistribuição de atribuições feita pela MP não afasta a “competência concorrente dos entes federativos, nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios”. Marco Aurélio ressaltou que o contexto da Covid-19 é o de uma emergência de saúde pública de importância internacional e que a quarentena e outras medidas foram recomendadas pelas agências de vigilância sanitária.
“A MP foi editada para mitigar problema de repercussão mundial. Não há que se falar em reserva de lei complementar. É caso de urgência de repercussão nacional. O presidente editou MP que não afasta a competência concorrente em termos de saúde de estados e municípios”, disse.
Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes enfatizou que, se há excessos por parte dos estados e municípios é porque não há, até o momento, uma coordenação geral da União sobre o combate à pandemia, como por exemplo quanto ao isolamento social. Para ele, o julgamento não se refere a questões meramente burocráticas, administrativas, mas a um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, o federalismo e suas regras de distribuição.
“A própria norma impugnada preza pela cooperação, a articulação prévia entre os órgãos de poder. Não significa que um possa avançar na competência do outro, mas que haja coordenação. É lamentável que na condução dessa crise sem precedentes recentes no Brasil e no mundo, mesmo em assuntos essencialmente técnicos de tratamento uniforme internacionalmente, haja discrepâncias políticas entre unidades da federação e falte cooperação. Se houve excessos nas regulamentações estaduais e municipais isso deve ser analisado, mas ocorreu é porque não há até agora uma regulamentação geral da União sobre a questão do isolamento, sobre o necessário técnico científico sobre a pandemia”, disse.
A regra no Brasil, continua ele, é a autonomia dos entes locais. Essa regra deve ser interpretada a partir de uma matéria principal neste momento: a saúde pública. “Não há dúvidas de que, apesar da multidisciplinaridade, as ações foram editadas com uma finalidade: combater a Covid-19. Em que pese a multidisciplinariedade, transporte, serviços, temos de focar ao que a Constituição estabelece como divisão de competências para cuidar da saúde pública”.
Moraes ressaltou que há peculiaridades locais que precisam ser analisadas e que toda distribuição de competências administrativa ou legislativa foi baseada no princípio da predominância do interesse. Dessa forma, saúde pública é matéria de competência comum a todos os entes federativos. E cabe à União o trabalho de coordenação que, segundo o ministro, não é imposição, mas respeito à autonomia, liderança.
“Obviamente que a competência comum administrativa não significa que todos podem fazer tudo. Isso gera bagunça. Significa que a partir da predominância do interesse, a União deve editar normas de interesse nacional, os estados, regional e os municípios visando o seu interesse local. Não é possível que ao mesmo tempo a União queira ter monopólio da condução normativa da pandemia sobre estados e municípios. Isso não é razoável. Como não é possível que os municípios queiram se tornar repúblicas autônomas dentro do Brasil”, pontuou Moraes.
Na mesma linha, seguiu o ministro Luiz Edson Fachin, que reafirmou entendimento segundo o qual o exercício da competência da União em nenhum momento diminuiu a competência própria dos demais entes da federação sobre serviços da saúde. Ao contrário, a diretriz constitucional é a de municipalizar esses serviços.
“O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo artigo 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os estados e os municípios”, afirmou.
Fachin ressaltou que a competência de um dos Poderes não pode implicar na hierarquização dos poderes ou esferas. A competência para definição, pelo presidente da República, de atividades essenciais está, para ele, limitada diante da competência dos outros entes.
Para o ministro Gilmar Mendes, a decisão poderia ir mais além. Ele defendeu que, para tomar medidas na área da saúde, estados e municípios deveriam ser consultados. “Eu aventaria dizer que para ser entendida como constitucional a cláusula do parágrafo 9° ter-se-ia que ouvir estados e municípios. Do contrário vai acontecer aquilo que foi claramente demonstrado no voto do ministro Fachin, o presidente poderá decretar que estas ou aquelas atividades são ou não são essenciais e eventualmente desrespeitando peculiaridades no âmbito dos estados e até mesmo dos municípios. Estamos diante de situação extremamente complexa”, defendeu.
Assim, Gilmar Mendes afirmou que o colegiado deveria, ainda, dar mais detalhamento, estabelecendo um modelo institucional de participação federativa nesta temática, sob pena de uma multiplicação de conflitos. Como exemplo, ele afirmou que a atuação da União, em princípio, está reduzida a 50 hospitais universitários federais, de modo que execução efetiva de medidas de saúde de combate recai fundamentalmente sobre estados e municípios e entidades conveniadas.
“O presidente da República dispõe de poderes inclusive para exonerar o seu ministro da Saúde, mas não dispõe de poder para eventualmente para uma política de caráter genocida. Isso a Constituição veda de maneira cabal. Se algum decreto vier a colocar em risco a saúde pública das pessoas, certamente precisaria ser contestado. É curioso que se isso ocorresse no âmbito dos estados com política irresponsável seria passível de intervenção federal. De modo com que esse assunto precisa ser tratado”, disse.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que há compartilhamento de competências e de rendas exatamente para que se tenha desenvolvimento nacional harmônico e integrado. De acordo com ele, há dois vetores que fazem parte dos sistemas federativos. Em primeiro lugar, a ausência de hierarquia entre os entes federados. Ou seja, a União não prevalece sobre os estados, os estados não prevalecem sobre os municípios naquilo que diz respeito às competências específicas. Em segundo lugar, o princípio da subsidiariedade, que significa que tudo aquilo que o ente menor pode fazer de forma mais rápida e eficaz não deve ser feita pelo ente maior.
“Quando se fala nas competências se deve levar em consideração exatamente isso e em terceiro lugar o critério do predominante interesse. Neste momento de crise de pandemia que vivemos, à União cabe estabelecer regras gerais. No caso da doença que pretendemos combater, existe dispositivo constitucional que me parece muito pedagógico no sentido de apontar qual seria o papel da União neste enfrentamento: cabe planejar e promover a defesa permanente em caso de calamidade pública. Isso significa coordenar e oferecer apoio material. Os entes federados não podem ser alijados dessa batalha, porque eles têm o poder-dever de enfrentar a doença”, enfatizou. Para ele, dentro dessas competências, qualquer ato governamental precisa balizar-se pelos critérios da razoabilidade e proporcionalidade.
ANA POMPEU – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Passou pelas redações do ConJur, Correio Braziliense e SBT. Colaborou ainda com Estadão e Congresso em Foco. Email: ana.pompeu@jota.info
LUIZ ORLANDO CARNEIRO – Repórter e colunista.
*** *** https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-reafirma-competencia-de-estados-e-municipios-para-tomar-medidas-contra-covid-19-15042020 *** ***
Estados e municípios podem legislar sobre pandemia, mas coordenação cabe à União, diz Fux
Em seminário, presidente do STF foi questionado sobre ação de Bolsonaro contra medidas de restrição em estados. No ano passado, Supremo reconheceu direito de estados e municípios.
Por Rosanne D'Agostino, G1 — Brasília
28/05/2021 12h17 Atualizado há 5 meses
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Fux reafirma que estados e municípios podem legislar sobre pandemia, mas 'coordenação geral' cabe à União
Fux reafirma que estados e municípios podem legislar sobre pandemia, mas 'coordenação geral' cabe à União
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), reafirmou nesta sexta-feira (28) que a Corte não retirou da União a responsabilidade para adotar medidas para conter a pandemia da Covid-19. Segundo ele, estados e municípios podem adotar medidas, mas a coordenação geral cabe ao governo federal.
Fux participou de um seminário sobre o papel do STF na democracia, organizado pelos jornais "O Globo" e "Valor Econômico".
Ele foi questionado sobre a ação do presidente Jair Bolsonaro contra medidas determinadas por governadores de estados para evitar a expansão da Covid, como lockdown e toque de recolher, apresentada nesta quinta (27) ao Supremo. A ação pede a suspensão de decretos de três estados: Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Norte.
Por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), Bolsonaro questionou se estão de acordo com a Constituição as normas adotadas por esses governos para restringir a circulação de pessoas, como forma de evitar a circulação do coronavírus, que transmite a doença.
A ação ainda não tem relator nem data para ser julgada. Ao comentar o tema, Fux lembrou de um julgamento no ano passado, no início da pandemia.
“O Supremo Tribunal Federal julgou, didaticamente, que, à luz da Constituição, a União tem coordenação geral, competência de coordenar essas ações da pandemia, tendo em vista que o Brasil é uma República federativa”, disse Fux.
O presidente do STF lembrou que as características da pandemia podem ser diferentes em cada estado e município, e que foi isso que o tribunal levou em conta na hora de garantir o direito de prefeitos e governadores tomarem medidas.
“Há determinados locais que têm suas peculiaridades, em que a pandemia se exacerbou e outros em que a pandemia passou de passagem”, continuou Fux.
“Foi sob essa ótica do interesse local que o Supremo estabeleceu que a União tem a coordenação geral, e que estados e municípios também têm competência concorrente legislativa, administrativa, segundo suas peculiaridades locais. Não seria possível uma política homogênea diante da diversidade que as unidades federadas apresentam”, afirmou.
Ainda segundo Fux, o Supremo age com “muita deferência à ciência”.
“Nosso conhecimento enciclopédico se relaciona às ciências afins, da área jurídica. Agora, nós não conhecemos a ciência, não conhecemos a medicina. Nós temos que nos valer da voz majoritária da ciência.”
O presidente do STF avaliou também que magistrados não devem se manifestar sobre eficiência da administração pública.
“Na postura do magistrado, ele é impedido de manifestar, aferir a eficiência do administrador público”, disse.
VÍDEOS: notícias de política
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ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
XXX EXAME DE ORDEM UNIFICADO
PROVA PRÁTICO-PROFISSIONAL Aplicada em 01/12/2019
ÁREA: DIREITO CONSTITUCIONAL
“O gabarito preliminar da prova prático-profissional corresponde apenas a uma expectativa de resposta,
podendo ser alterado até a divulgação do padrão de respostas definitivo.”
Qualquer semelhança nominal e/ou situacional presente nos enunciados das questões é mera coincidência.”
Padrão de Resposta Página 4 de 6
Prova Prático-Profissional – XXX Exame de Ordem Unificado
PADRÃO DE RESPOSTA – QUESTÃO 02
Enunciado
Com o objetivo de conter o avanço das organizacões criminosas em algumas associações de moradores, o Estado
Alfa editou a Lei XX/2018, veiculando as normas a serem observadas para a confecção dos estatutos dessas
associações e condicionando a posse da diretoria de cada associação à prévia autorização do Secretário de Estado
de Segurança Pública, que verificaria a vida pregressa dos pretendentes.
À luz da situação hipotética acima, responda aos itens a seguir.
A) A Lei XX/2018 do Estado Alfa, ao veicular normas sobre a confecção dos estatutos das associações de
moradores, é compatível com a Constituição da República? (Valor: 0,70)
B) A exigência de que a posse da diretoria de cada associação de moradores seja antecedida de autorização do
Secretário de Segurança Pública do Estado Alfa é materialmente compatível com a Constituição da
República? (Valor: 0,55)
Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
Gabarito Comentado
A) Não. Ao dispor sobre a confecção dos estatutos das associações de moradores, a Lei XX/2018 afrontou a
competência privativa da União para legislar sobre direito civil (Art. 22, inciso I, da CRFB/88), sendo formalmente
inconstitucional.
B) Não. A exigência de que a posse da diretoria da associação seja antecedida de autorização do Secretário de
Segurança Pública afronta a vedação à interferência estatal no funcionamento das associações (Art. 5º, inciso
XVIII, da CRFB/88).
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Autonomia política dos entes federados
RAQUEL CARVALHO FEVEREIRO 26, 2019 4 COMENTÁRIOS ARTIGOS
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Autonomia política dos entes federados
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Sumário [Ocultar]
1. Autonomia política dos entes federados
2. Competência legislativa concorrente e normas gerais
2.1. Normas gerais
3. Visão crítica
1. Autonomia política dos entes federados
Em diversas matérias, entra em discussão quem tem competência para legislar sobre determinada matéria: se a União ou se todos os entes da federação (Municípios, DF, Estados e Municípios) privativamente, se a União editando normas gerais com Estados e DF editando normas específicas pelas Assembleias Legislativas ou se a União editando normas gerais com Estados, DF e Municípios editando leis específicas pelos respectivos Legislativos. Em momentos como os de reforma da previdência e mudança nos parâmetros de gestão pública, é fundamental definir de qual órgão do Legislativo poderá resultar a legislação que estabeleça as transformações pretendidas.
Considerando a autonomia política e administrativa que os entes da federação possuem, é certo que a União Federal não tem competência para definir, por lei, estruturas de outra pessoa federativa, a menos que haja competência legislativa específica fixada na Constituição da República em seu favor (como, p.ex., competência privativa para legislar sobre direito comercial ou civil, tendo o Município optado por criar uma entidade da Administração Indireta com personalidade de direito privado). Na ausência de um dispositivo constitucional que dê à União poder para editar lei que vincule Estados, Municípios e DF, as matérias que digam respeito à sua estruturação orgânica, de pessoal e relativa à procedimentalização administrativa, são de competência de cada um deles. No que se refere ao arcabouço subjetivo de cada ente federativo, é daquela pessoa política a competência para legislar e, assim, definir a sua estrutura administrativa, incluída a gestão dos recursos públicos nos limites do ordenamento vigente.
Assim, na Federação brasileira a capacidade de auto-organização das pessoas federativas exige que lhes seja reservada a competência para promulgar estatutos normativos básicos regulamentadores das linhas mestras da sua estrutura orgânica e da consequente atuação administrativa. Em relação aos Estados membros, corrobora tal premissa o princípio clássico do federalismo constitucional, a saber, o dos poderes reservados que promanam das competências não vedadas aos Estados (artigo 25, § 1º da CR/88). A propósito, confira-se o ensinamento do Desembargador e constitucionalista Kildare Gonçalves Carvalho:
A auto-organização dos Estados Federados, consagrada pelo art. 25 da Constituição, revela-se através de Constituição própria elaborada pelo Poder Constituinte Decorrente. Assim, aos Estados são reservados todos os poderes que não lhes sejam vedados pela Constituição (art. 25, § 1º). Verifica-se, pois, que, a autonomia estadual decorre da Constituição Federal, fonte matriz do Poder Constituinte Estadual, que estabelece uma série de princípios e vedações a serem observados pelos Estados federados na sua organização.[1]
A ampliação do campo da legislação estadual e municipal realizada na CR/88 é característica essencial do federalismo de dimensão continental, como o brasileiro, em que as unidades federadas não se apresentam homogêneas e, ao contrário, evidenciam flagrantes disparidades, inclusive de estrutura administrativa. Referidas disparidades justificaram que, na repartição constitucional de competências, o Estado Membro tivesse assegurado o desenvolvimento da sua específica atividade normativa, inclusive no tocante à própria Administração Pública. Nesse sentido, a lição do saudoso professor Raul Machado Horta:
“Ao expedir as normas que configuram a organização federal, a Constituição defere ao Estado o poder de organização própria, designando como fontes do poder autônomo de organização a Constituição e as leis estaduais. Nesse cerne organizatório, situa-se a autonomia do Estado-Membro, que caracteriza e singulariza o Estado Federal, de modo geral, e o Estado Federal Brasileiro, de modo particular, no domínio das formas estatais. A autonomia provém, etimologicamente, de nómos e significa, tecnicamente, a edição de normas próprias.
(…)
É regra comum às Constituições Federais Brasileiras a disposição de que os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem no exercício de seu poder de organização e de legislação, com variação de linguagem de uma para outra Constituição, sem afetar, todavia o conteúdo desse poder (…)
Poderes de organização constitucional e de legislação e poderes reservados são as fontes da competência exclusiva dos Estados-Membros, que irão abastecer o ordenamento jurídico estadual com as normas hierarquicamente escalonadas da Constituição e das leis. Demonstra-se, deste modo, que os Estados-Membros, além de partes constitutivas da República Federal, são titulares de personalidade autônoma de Direito Público, possuindo capacidade de ação e vontade independente.”[2]
Nâo se ignore que a Constituição de 1988 elevou os Municípios à categoria de ente federativo, conforme resulta claramente do seu artigo 18. Foi consolidada a independência municipal política e administrativa, com possibilidade de eleição de prefeitos e de vereadores, ao que se acresce a competência para editar a sua própria Lei Orgânica, além da capacidade de auto-organização e de gestão econômico-financeira.
Destarte, a própria autonomia decorrente do sistema federativo adotado na Constituição da República e reconhecida, expressamente, às pessoas federativas lhes confere a prerrogativa de dispor, em sede normativa própria, sobre a sua estrutura administrativa. Na verdade, a competência dos entes da federação para organizar suas entidades e órgãos é consectário da autonomia político-administrativa de que dispõe, por força dos artigos 1º, 18 e 25 da Lei Magna.
“O administrativista Hely Lopes Meirelles já prelecionava:
A organização administrativa mantém estreita correlação com a estrutura do Estado e a forma de governo adotadas em cada país. Sendo o Brasil uma Federação, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º), em que se assegura autonomia político-administrativa aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios (arts. 18, 25 e 29), sua administração há de corresponder, estruturalmente, a esses postulados constitucionais.
Daí a partilha de atribuições entre a União, os Estados-membros, Distrito Federal e os Municípios, numa descentralização territorial em três níveis de governo – federal, estadual e municipal – cabendo, em cada um deles, o comando da administração ao respectivo chefe do Executivo – Presidente da República, Governador e Prefeito.”[3]
A descentralização política, que é característica fundamental do regime federativo, exige que se observe a autonomia inerente aos círculos de poder diversos do poder central. Como observa José dos Santos Carvalho Filho:
“No Brasil, há três círculos de poder, todos dotados de autonomia, o que permite às entidades componentes a escolha de seus próprios dirigentes. Compõem a federação brasileira a União Federal, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal (art. 18, CF).
(…)
A Constituição Federal deixou registrado expressamente que os entes que compõem a federação brasileira são dotados de autonomia.
Autonomia, no seu sentido técnico-político, significa ter a entidade integrante da federação capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração. No primeiro caso, a entidade pode criar seu diploma constitutivo; no segundo, pode organizar seu governo e eleger seus dirigentes; no terceiro, pode ela organizar seus próprios serviços.
É este último aspecto que apresenta relevância para o tema relativo à Administração Pública. Dotadas de autonomia e, pois, da capacidade de auto-administração, as entidades federativas terão, por via de conseqüência, as suas próprias Administrações, ou seja, sua própria organização e seus próprios serviços, inconfundíveis com o de outras entidades.”[4]
Nesse contexto, não se mostra lícito suprimir a possibilidade de o Estado-Membro, exercendo a capacidade política e de auto-administração, normatizar a sua estruturação administrativa, o seu regime de pessoal e os procedimentos administrativos necessários à sua atuação, pois isso significaria supressão inconstitucional do poder de legislar, regulamentar e regular internamente sua estrutura. Afigura-se absurdo pretender centralizar na União Federal competências como a estrutura da Administração direta ou indireta, as regras internas do regime funcional do quadro de pessoal do ente federativo e a forma de gestão de recursos orçamentários. Afinal, não é caso de outorgar titularidade monopolística e concentrada a outro ente da federação da regulamentação legislativa pertinente aos mecanismos que são essenciais à independência com assento na Constituição, desde a personificação de quem exercerá as próprias competências, ao regime jurídico dos agentes públicos que as exercem, passando pela gestão de recursos do erário.
2. Competência legislativa concorrente e normas gerais
Fixada a regra da autonomia política e sua repercussão, em princípio, na independência legislativa dos entes da federação, é preciso esclarecer que existem matérias que são de competência concorrente, cabendo à União editar normas gerais e, expressamente por determinação constitucional, ao Estado-membro/DF legislar fixando normas específicas. Assim, p. ex., as competências do artigo 24 da Constituição da República. Em relação à competência para legislar sobre os procedimentos preliminares aos acordos firmados entre o Poder Público e terceiros, tem-se o artigo 22, XXVII da CR, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998 (publicada em 05.06.98). O citado dispositivo fixa que compete privativamente à União legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III”.
Do referido dispositivo resulta claro que à União é reservada competência privativa para editar normas gerais de licitações e contratos administrativos. Dentre as normas gerais, obrigatórias em todos os níveis federativos para as administrações direta, autárquica e fundacional, destacam-se a Lei nº 8.666/1993 (Estatuto das Licitações e dos Contratos Administrativos), a Lei nº 9.472/1997 (Lei das Telecomunicações), a Lei nº 9.478/1997 (trata das concessões das atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo), a Lei nº 10.520/2002 (regula a modalidade de pregão), a Lei nº 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos), a Lei nº 12.232, de 29.04.2010 (trata das licitações e serviços de publicidade), bem como a Lei nº 12.349, de 15.12.2010 (conversão da MP 495/2010 que trouxe regras a propósito da licitação como instrumento de desenvolvimento nacional sustentável). Também nessa categoria enquadram-se a Lei Complementar nº 123/2006 (dispôs regime especial para as empresas de pequeno porte e microempresas, veiculando inclusive normas de licitação), a Lei nº 11.488/2007 (estendeu às cooperativas de vantagens outorgadas pela Lei Complementar nº 123 às microempresas e empresas de pequeno porte), a Lei nº 13.019/2014 (fixou regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação) e, ainda, dispositivos da Lei nº 13.243/2016 (que dispôs sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação), especialmente no que tange a normas licitatórias e de contratações administrativas na seara específica da inovação e desenvolvimento tecnológico. Nos referidos diplomas, encontram-se normas gerais de licitação e de contratação administrativa que, como tais, obrigam todas as esferas da federação, inclusive entidades da sua Administração Indireta.
2.1. Normas gerais
A doutrina, ao buscar definir o conceito de normas gerais, indica referências que, cumulativas, permitem conclusão a propósito do seu conteúdo. Segundo Alice Gonzalez Borges, trata-se de normas que veiculam elementos indispensáveis ao cumprimento dos preceitos fundamentais; são comandos genéricos e básicos que devem ser respeitados pelo legislador ao abordar aspectos peculiares e diversificados de determinado tema. Para Lúcia Valle Figueiredo, são normas gerais as dispõem de forma homogênea para determinadas situações para garantia da segurança e certeza jurídicas, estabelecem diretrizes para o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos, sem se imiscuirem no âmbito de competências específicas de outros entes federativos. Lúcido é o magistério de Marçal Justen Filho quando afirma que se trata de princípios e regras destinados a assegurar um regime jurídico uniforme para as licitações e contratações administrativas. Nesse sentido, podem ser consideradas inseridas no conceito de normas gerais as matérias essenciais que merecem unidade de tratamento. E merecem tal tratamento as atinentes aos requisitos indispensáveis à validade da contratação; às hipóteses de obrigatoriedade e não-obrigatoriedade da licitação; aos requisitos para participação em licitação; às modalidades e aos tipos de licitação; e ao regime jurídico da contratação administrativa. Uniformidade decorrente das normas gerais visa proporcionar segurança e dar efetividade a instrumentos de controle.[5]
Não há como negar que definir aspectos como situações de contratação direta, fases licitatórias e seus pressupostos consubstancia aspecto fundamental, merecedor de tratamento homogêneo e uniforme em todos os níveis da federação (União, Estados, Municípios e DF). Assim sendo, é preciso observar a competência legislativa federal para editar normas gerais sobre a matéria, sendo inviável que Estados ou Municípios extrapolem os limites da sua atuação legislativa, invadindo esfera atribuída à União pelo artigo 22, XXVII da CR.
Situação diversa, entretanto, é a determinação relativa a competência homologatória em cada esfera, requisitos procedimentais específicos (como prática de atos por escrito) ou aspectos pertinentes à estrutura administrativa de quem firmará o contrato, sem normatizar o acordo. Nesses casos, não se estando diante de matéria inserida no artigo 22, XXVII da CR, não é caso de norma geral federal vincular diretamente o Estado, o Município ou o DF. Reitere-se que se está diante de matéria de organização administrativa de competência privativa de cada ente federativo, pelo que a dispositivos de lei federal incidirão exclusivamente no âmbito federal.
Afastado o âmbito da competência concorrente do artigo 24 da CR ou a competência legislativa federal decorrente do artigo 22, XXVII da CR, uma vez que a vinculação das normas federais em relação ao demais entes federativos limita-se somente àquelas que se qualificam como normas gerais, deve-se respeitar a competência decorrente da independência política dos entes da federação, em especial quanto às competências específicas administrativas. Neste caso, não se vislumbram normas federais que incidam no Estado, no Município ou no DF de modo a alterar o regime funcional dos seus servidores, a estrutura da sua Administração Direta e Indireta ou o modo de gestão de recursos do erário.
3. Visão crítica
Conclui-se, portanto, que cabe a cada ente da federação legislar sobre matérias essenciais à sua independência política e administrativa, sem que se admita à União usurpar-lhes referida competência.
A dificuldade de, no Brasil, reconhecer-se tal competência aliada ao impulso federal reiterado de imiscuir-se na atribuição legislativa específica dos Estados, Municípios e DF é somente uma outra face da resistência originária à adoção do federalismo real e concreto.
Já na redação originária da Constituição, a própria repartição da competência tributária das pessoas federativas se deu com predomínio arrecadatório da União e insuficiência de previsão de tributos de competência dos demais entes. Observe-se que proporcionalidade na distribuição de deveres de agir na execução das políticas públicas em face da competência tributária é aspecto indispensável para que se tenha, de fato, uma Federação. Se se prevê uma série de obrigações de agir para Estados e Municípios, sem lhes prover dos recursos indispensáveis, faltará lastro econômico aos últimos, o que fatalmente comprometerá a realização social das competências públicas. Observe-se os problemas que se identificam nas transferências financeiras de fundos federais em favor das demais pessoas públicas de direito público interno. Não é fantasioso imaginar manipulação, pela União, dos repasses mediante invocação burocrática de inexistência de projetos ou de vícios ao cumprir uma legislação e normatização complexa, sem mencionar os perniciosos efeitos resultantes de simples demora eventual na realização das transferências. Quanto a União contigencia recursos e subjuga Estados, Municípios e DF à centralização do poder, a Constituição Federal tem descumpridas suas normas. Não se ignore que sem independência financeira é utópico falar em “autonomia política”.
Assim, a própria ausência de um real “federalismo fiscal” já dificulta a autonomia dos Estados, Municípios e DF. Uma outra face dessa dificuldade percebe-se claramente na recusa ao poder de legislar, também indispensável à autonomia desses entes federativos. Não se ignore a própria “boa vontade” hermenêutica de parte dos órgãos encarregados de controlar a constitucionalidade da legislação federal que avança na competência específica estadual e municipal, sem falar na mutação doutrinária que reconhece consequencialisticamente benefícios na uniformização da competência legislativa no âmbito da União, com ignorância flagrante das regras da Constituição da República.
Se é claro que uma redistribuição de recursos, a partir de um repensar da competência arrecadatória dos tributos, seria indispensável para, enfim, termos uma Federação no Brasil, mais certo ainda é o quanto precisamos reservar a autonomia política aos Estados, Municípios e DF para legislarem em matérias que são de sua exclusiva competência. A primeira tarefa entregamos aos constitucionalistas e tributaristas. A segunda, partilhamos com os estudiosos do Direito Constitucional, mas é necessário que na discussão pontual de cada tema inovador relativo à Administração Pública, administrativistas assumamos o compromisso de buscar uma realidade mais próxima da federação determinada na Constituição da República: esse é o desafio que se agiganta num momento em que se pretendem tantas mudanças como a reforma da previdência e da estrutura de gestão pública do Estado Brasileiro.
[1] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 280.
[2] HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 339-340.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 626-627
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 6.
[5]in HONÓRIO, Cláudia. Inversão de fases da licitação por lei municipal. Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: NDJ, ano XXIII, nº 7, julho 2010, p. 661-662.
LEITURA FOCADA
Sobre Raquel Carvalho
Graduou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais em dezembro de 1994 e concluiu mestrado em Direito Administrativo em 2002, com nota máxima e louvor. É Procuradora do Estado de Minas Gerais desde 1998 e leciona direito administrativo em órgãos públicos e em diversas instituições de ensino. Lançou o “Curso de Direito Administrativo (Parte Geral, Intervenção do Estado e Estrutura da Administração)” e também é autora de artigos publicados em periódicos e obras coletivas.
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É impossível nesta primavera, eu sei
Impossível, pois longe estarei
Mas pensando em nosso amor, amor sincero
Ai! se eu tivesse autonomia
Se eu pudesse gritaria
Não vou, não quero
Escravizaram assim um pobre coração
É necessário a nova abolição
Pra trazer de volta a minha liberdade
Se eu pudesse gritaria, amor
Se eu pudesse brigaria, amor
Não vou, não quero.
compositores: AGENOR DE OLIVEIRA
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