Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
domingo, 21 de novembro de 2021
A GUERRA IDEOLÓGICA NO ENEM
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Nas entrelinhas: A guerra ideológica no Enem mira a reeleição de Bolsonaro
Publicado em 21/11/2021 - 06:50 Luiz Carlos AzedoCiência, Comunicação, Congresso, Cultura, Educação, Eleições, Ética, Governo, Juventude, Memória, Política, Política, Religião
O exame ocorre em meio ao caos na instituição, porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas
Um dos momentos de maior angústia nas vidas dos nossos jovens é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que funciona como uma espécie de portal para a vida adulta, porque seus desempenhos serão determinantes para o acesso ao ensino superior. Hoje, 3,1 milhões de jovens em todo o país prestarão a primeira prova do Enem, em meio a uma guerra ideológica aberta por pressão do presidente Jair Bolsonaro sobre os técnicos do órgão responsável pela elaboração das provas, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para que as provas fossem politicamente alinhadas com a suas ideias sobre os costumes e a história. Detalhe: é o menor número de inscritos desde 2005.
O exame ocorre em meio ao caos na instituição, porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas. Ex-reitor da Universidade Mackenzie, de São Paulo, pastor presbiteriano, advogado e teólogo, seu prestígio junto ao presidente Jair Bolsonaro foi à Lua graças à confusão que arrumou. O diretor nomeado por ele para o Inep, Danilo Dupas Ribeiro, é acusado de assédio moral e manipulação das provas, com censura a determinadas questões. Há denúncias de tentativa de nomeações indevidas para cargos e funções no órgão, com pessoal não qualificado, inclusive policiais federais.
Tudo isso fez com que Bolsonaro comemorasse a crise quando estava em viagem no Oriente Médio: “Agora o Enem tem a cara do meu governo”. Naturalmente, a oposição foi para cima do ministro da Educação no Congresso, mas isso somente o fortaleceu junto àquele que o nomeou. Uma das características do governo Bolsonaro é o seu reacionarismo cultural, associado a ideias políticas autoritárias, que idealizam o passado relativamente recente, principalmente o “regime militar”, expressão que o presidente da República gostaria que fosse substituída por “revolução”.
Eleito com uma agenda regressiva, Bolsonaro não conseguiu implementá-la integralmente no Congresso, seja porque não teve apoio parlamentar suficiente, seja por causa do papel constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa do Estado Democrático de Direito. Entretanto, nos ministérios, essa agenda avançou até onde foi possível, com consequências que hoje respondem por muitos fracassos no seu governo. Há, de fato, uma estratégia bem-sucedida de desmonte de políticas públicas construídas ao longo de décadas. Seu fracasso está em não conseguir implementar nada no lugar, devido à resistência de técnicos e gestores públicos de carreira.
Hegemonia cultural
Na área da cultura, a estratégia foi implementada de forma radical. Quanto mais estapafúrdio, histriônico e reacionário o sujeito, mais prestigiado fica com o presidente da República. Se espinafrar jornalistas e a imprensa, então, nem se fala. Por isso, quem imagina a demissão do presidente do Inep ou do ministro da Educação, pode desistir. Apesar das denúncias de que órgão vive uma “crise sem precedentes, com perseguição aos servidores, assédio moral, uso político-ideológico da instituição pelo MEC, e falta de comando técnico no planejamento dos seus principais exames, avaliações e censos”. A guerra ideológica contra o chamado “marxismo cultural” é música para Bolsonaro, porque mobiliza sua base conservadora e evangélica.
Olavo de Carvalho, o ideólogo bolsonarista que se mandou do país na semana passada, temendo ser preso, fez a cabeça do presidente quanto à necessidade de erradicar as ideias progressistas da educação, o que vem sendo um fator de crise nessa área desde o começo do governo. Seu livro O mínimo que você precisa saber para não se tornar um idiota (Record) é a segunda bíblia de milhares de pastores evangélicos, que lutam contra um inimigo imaginário cujos objetivos seriam destruir a família e corromper a juventude.
Professores da rede pública e privada são vistos como ameaça por adotarem uma suposta “pedagogia comunista”, cujo símbolo seria o educador Paulo Freire. Olavo faz uma interpretação distorcida do conceito de “hegemonia”, de Antônio Gramsci, descrito nos Cadernos do Cárcere (Civilização Brasileira), escrito na prisão, de 1926 a 1937, durante o regime fascista de Benito Mussolini. Grosso modo, segundo o pensador marxista italiano, no Ocidente o poder político não depende apenas da força do Estado, mas também da cultura social, ou seja, do consentimento da sociedade civil. Nesse aspecto, a construção da “hegemonia” dar-se-ia também no âmbito de instituições como a igreja e o sistema de ensino.
*** *** https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-guerra-ideologica-no-enem-mira-a-reeleicao-de-bolsonaro/?fbclid=IwAR0EYIA46a8aMLK0l_hYeBRnsCsUlX0wlW0qCHk-nZm77VjsUNUlb5cMA6c *** ***
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Ennio Morricone - Toto' e Alfredo - Cinema Paradiso - (High Quality Audio)
Totò e Alfredo, from the movie (Cinema Paradiso). 1988
Composed by Ennio Morricone
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CINEMA PARAÍSO (Cinema Paradiso) // Trailer legendado
27.900 visualizações2 de abr. de 2018
Cinemas NOS
32,5 mil inscritos
Roma, 1980. O cineasta Salvatore Di Vitta (Jacques Perrin) recebe um telefonema da mãe que lhe comunica a morte do seu velho amigo Alfredo (Philipe Noiret). Salvatore – ou Totó – é invadido por recordações, revisitando a sua infância, na sua Sicília natal, quando vivia fascinado pela cabina mágica de Alfredo, o mal-humorado projeccionista do cinema da vila: o Cinema Paraíso. Grande sucesso da época, o CINEMA PARAÍSO reconcilia-se com uma tradição do cinema popular transbordante de generosidade e de referências cinematográficas, entre risos e lágrimas.
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Enem é política de Estado e não de governo, diz diretora da FGV
Exame Nacional do Ensino Médio acontece nos dias 21 e 28 de novembro com menor número de inscritos desde 2005
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Da CNN
em São Paulo
20/11/2021 às 16:28 | Atualizado 20/11/2021 às 16:31
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Em entrevista à CNN realizada neste sábado (20), a diretora de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudia Costin, falou sobre as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de integrantes do governo a respeito do Enem.
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Para a diretora, a afirmação de Bolsonaro de que o Enem “teria a cara do governo” é prejudicial para o exame.
“Essas falas do presidente e do ministro da Educação trazem insegurança para os estudantes e suas famílias. Exames como o Enem, que é a segunda maior prova de acesso ao ensino superior, são calcados em critérios técnicos”.
“Acompanho o Enem desde 1998, quando foi criado, e jamais vi interferência de presidentes da república. Educação é política de Estado, e não de governo”, afirmou.
No entanto, Cláudia afirmou que as questões do Enem deste ano não correm risco de serem alteradas pelo governo federal.
“As questões que estão lá foram elaboradas em 2019 ou antes, então não há chance de ter havido interferência, com base na lei, nesse Enem em específico”.
Para Cláudia, “a geração que está na escola precisa entender o tempo que vivem e não devem haver temas que sejam tabu na escola e no Enem”.
A diretora da FGV também falou sobre o baixo número de inscritos para o exame em 2021. “O baixo número de inscritos tem a ver com o fato de que as escolas ficaram muito tempo fechadas. A sensação dos jovens foi a de que não tinham preparo para realizar a prova”, disse.
(Publicado por Evandro Furoni)
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/ CNN/Reprodução
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Tópicos
Enem 2021
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
Jair Bolsonaro
MEC (Ministério da Educação)
*** *** https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/enem-e-politica-de-estado-e-nao-de-governo-diz-diretora-da-fgv/ *** ***
A história do vestibular: entenda porque no Brasil é assim
NOV 5, 2020 10:54:46 AM
By Unit
Será que o vestibular no Brasil sempre foi como é hoje? E o ENEM, por que surgiu e quando se tornou o maior exame do país? Se você já quis saber a resposta para questões relacionadas à história do vestibular, está no post certo.
Ao longo da leitura, você vai saber que quando os exames de admissão para instituições de Ensino Superior surgiram e o caminho percorrido até os dias de hoje.
Você sabia que as provas de vestibular já foram realizadas até em estádios de futebol? Acompanhe o post e saiba mais!
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primeiras-universidades
Os colégios tradicionais e as primeiras universidades
Criada em 1808, época da chegada da família real portuguesa, a Escola de Cirurgia da Bahia foi a primeira instituição de Ensino Superior do Brasil. Àquela época, para ingressar nos cursos dessa e de outras academias, o candidato precisa ter, no mínimo, 16 anos e passar por exames preparatórios.
As faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo, surgiram em 1827 e, uma década depois, o ingresso nas universidades do país só passou a ser permitido aos alunos que frequentavam os chamados colégios tradicionais.
Esse exclusivismo permaneceu até o início do século XX, período em que o número de vagas nas instituições de Ensino Superior era maior do que o número de candidatos.
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surgimento-do-vestibular
O surgimento do vestibular no Brasil
Foi só em 1911 que os exames de admissão se tornaram obrigatórios. Assim, as instituições passaram realizar provas em duas etapas, sendo a primeira dissertativa e escrita e a segunda, oral.
As provas englobavam questões de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira e Ciências — área composta por conhecimentos relativos à Matemática, Física e Química. Isso incluía conhecimentos adquiridos na escola, mas, também, outros específicos do curso em questão.
Por fim, em 1915, ano do surgimento do ensino secundário e da reorganização do ensino superior, a palavra vestibular passou a ser usada para designar esses exames admissionais. Com origem no latim, vestibulum significa "entrada".
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ampliacao-vestibular
O aumento da demanda e a ampliação do vestibular
Nos anos de 1960, as provas para as universidades federais do país aconteciam no mesmo dia. Como consequência, o aluno não podia concorrer a vagas em mais de uma instituição de ensino.
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determinou que todos os cursos de grau médio poderiam garantir acesso ao Ensino Superior. Como consequência, surgiram os cursinhos pré-vestibular e o número de universidades particulares aumentou significativamente.
Para aperfeiçoar o processo de seleção das universidades de São Paulo, em 1964, professores criaram instituições como a Fundação Carlos Chagas — que existe até hoje. Foram eles que instituíram o uso de questões de múltipla escolha, que logo se popularizou.
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organizacao-vestibular
A organização do sistema vestibular no país
A concorrência era tanta que os exames passaram a ser realizados em grandes espaços, como as arquibancadas de estádios de futebol! Por isso, em 1868, foi criada a lei n° 5540, instituindo um sistema classificatório para tentar resolver a questão do excedente de candidatos.
Marcando o início da história do vestibular moderno, em 1970, foi criada a Comissão Nacional do Vestibular Unificado, visando organizar o sistema de admissão em todo o país. Assim, as provas passaram a ser realizadas em dias distintos e compostas apenas por conhecimentos vistos durante o período escolar.
Nessa época, surgiram também os vestibulares integrados — provas que poderiam ser utilizadas para o ingresso em mais de um curso ou instituição, desde que essas firmassem a parceria.
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transformacoes-vestibular
As transformações até os dias atuais
Pouco a pouco, o vestibular no Brasil se aproximava do modelo que vigora até hoje. Graças à LDB, por exemplo, em 1996 o processo seletivo passou a ser estabelecido de acordo com os critérios de cada instituição.
Por fim, em 1998, surgiu o Exame Nacional do Ensino Médio. Inicialmente, o ENEM era utilizado pelo Ministério da Educação como ferramenta de avaliação da qualidade do ensino no país.
E, a partir de 2009, o exame passou a ser utilizado como critério para ingresso nas instituições de Ensino Superior, se tornando o maior vestibular do país. Desde então, as provas contam com 180 questões de múltipla escolha, além da redação.
Gostou de conhecer a história do vestibular no Brasil? A organização foi um fator determinante para a melhoria nas aplicações dessas provas.
*** *** https://www.unit.br/blog/a-historia-do-vestibular-entenda-porque-no-brasil-e-assim *** ***
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SciELO
SciELO - Brasil - A história dos estudantes "excedentes" nos anos 1960: a
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A história dos estudantes “excedentes”
nos anos 1960: a superlotação das
universidades e um “torvelinho de
situações improvisadas”
The story of the ‘surplus’ students in 1960:
overcrowding at universities and a
“turmoil of improvised situations”
Katya Mitsuko Zuquim Braghini1
RESUMO
Analisar os discursos que registraram uma superlotação universitária acontecida no Brasil nos anos 1960, apresentando as dificuldades relacionadas à
distribuição dos estudantes ao término do Ensino Médio é o objetivo deste artigo. Será dada ênfase à condição do aluno “excedente”, jovens que passavam
no vestibular, mas não conseguiam se matricular por falta de vagas, porque
esse tema é reiteradamente tratado na bibliografia referente aos manifestos
estudantis no período da ditadura militar brasileira. As fontes selecionadas
para o estudo foram periódicos educacionais, legislação, pareceres, artigos de
jornais diários e revistas semanais. Foi possível perceber que os estudantes
ficaram à mercê de um entrave educacional na passagem entre os dois ciclos:
no ensino médio havia um movimento que buscava acelerá-los para que o
curso fosse concluído; no ensino superior, havia a barragem do fluxo, fosse
por falta de vagas ou por outros transtornos de ordem social e acadêmica
que serão discutidos no texto.
Palavras-chave: Ensino Superior; Ensino Médio; movimento estudantil;
excedentes.
ABSTRACT
To analyze the speeches that registered cases of overcrowding at universities
in Brazil in the 1960s is the aim of this article, depicting the difficulties
1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil. Rua Ministro
Godói, 969 - 4 º andar - Bloco A - Sala 4E-19 – Perdizes. CEP: 05015-901.
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related to the distribution of students leaving high school. Emphasis will be
given to the condition of the "surplus" student: young people who passed the
university entrance exam but could not enroll due to the lack of vacancies.
This theme is repeatedly treated in literature regarding student manifestos
during the Brazilian military dictatorship. The sources selected for the
study were educational periodicals, legislation, opinions, articles of daily
newspapers and weekly magazines. It could be observed that students were
at the mercy of an educational barrier in passing from one cycle to the next.
In high school, there was a movement that sought to speed them up so as
to complete the course, while in higher education, the flow of students was
dammed up either by the lack of vacancies or other social and academic
disorders to be discussed in the text.
Keywords: higher education; secondary education; student movement;
surplus.
Introdução
No texto “O espectro da Revolução” o historiador inglês Tony Judt (2007)
fez uma análise sobre a juventude universitária europeia nos anos 1960. De
acordo com o pesquisador, aquela geração não só via o mundo novo, como
todas as outras gerações passadas: Ela via um mundo novo e jovem. Os jovens
estavam em todos os lugares (JUDT, 2007, p. 48).
A maioria dos europeus, até a década de 1960, nunca tinha entrado numa
escola secundária. Ainda que a maioria dos jovens europeus não fossem estudantes, nos anos 1960 aconteceu uma superlotação das universidades, fenômeno
social que demonstrou o despreparo geral dessas instituições para receber o
contingente de jovens que buscavam o ensino superior (JUDT, 2007, p. 50).
Nas universidades, ao final da década de 1960, “tudo vivia lotado”: salas
de aula, bibliotecas, refeitórios, dormitórios etc., e a “qualidade da experiência
acadêmica” não acompanhava o ritmo da demanda estudantil. O pesquisador
demonstrou que, numa época de crescimento econômico e prosperidade, o maior
problema enfrentado pelos dirigentes na Europa “não era como alimentar, vestir,
dar moradia ou empregar o número crescente de jovens, mas como educá-los”
(JUDT, 2007, p. 48).
Na França, o contingente de jovens entre 16 e 24 anos chegava a 8 milhões
de pessoas, o que significava 16% da população. Nesse mesmo país, em 1950,
havia 32 mil bacheliers, os formados no ensino médio, enquanto que em 1970
eles representavam 20% dos jovens. Também nos anos 1950, na Alemanha
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Ocidental havia 108 mil estudantes nas universidades. No final dos anos 1960
esse número tinha saltado para 400 mil. No caso da Itália, tanto o sistema de
cotas fixas, quanto o vestibular foram abolidos e a entrada na universidade foi
tornado um direito. Nos anos 1950, um em cada vinte estudantes italianos estava
na universidade. Vinte anos depois a proporção era de um a cada sete estudantes
(JUDT, 2007, p. 49-50).
Em outras palavras, o crescimento demográfico juvenil impactou o sistema
de ensino europeu, mas, além disso, se antes a universidade estava aparelhada
para formar um grupo restrito de pessoas, nesse período essa instituição passou
a conviver com a ideia de formar grandes públicos.
Essa nova realidade nos faz pensar sobre os movimentos sociais, políticos
e educacionais que foram necessários para a adequação do ensino superior no
movimento de formação em massa. Esse artigo não pretende ser um estudo
comparado, mas entende que a irrupção abrupta de jovens nas universidades foi
um fenômeno social percebido no mundo todo, inclusive no extremo oriente,
apontando que a entrada de um grande número de estudantes no ensino superior
não foi um caso isolado no Brasil. Aqui, passamos a tratar das especificidades
brasileiras.
No Brasil no final dos anos 1960 foi possível detectar a questão da
superlotação universitária como um fenômeno escolar, a partir da história
dos “excedentes”. Excedentes eram os candidatos que obtinham a média nos
vestibulares, mas não conseguiam se matricular nas escolas de nível superior,
pois o número de aprovados extrapolava ao número de vagas disponíveis. Não
raro, nos anos 1960, as manifestações juvenis tocavam nesse assunto e parte
das reivindicações estudantis daquele período estava diretamente relacionada a
esse “ponto de estrangulamento” na trajetória escolar dos estudantes brasileiros:
havia jovens buscando o ensino superior, eles atingiam as médias pedidas nos
vestibulares e, ao final, por conta da insuficiência de postos universitários, não
assumiam a vaga requerida.
A questão dos “excedentes”, portanto, pode ser compreendida como um
ponto importante dentro do que era apontado como “crise educacional” que
se estendeu ao longo da década de 1960 e que foi disparadora de uma série de
movimentos estudantis universitários de contestação. Ponto histórico destacado,
porque revelou uma deficiência na articulação do ensino superior em relação ao
ensino médio (CUNHA, 2007, p. 83; FÁVERO, 2006, p. 32; MATHIAS, 2004,
p. 166; VALLE, 1999, p. 38; FORACCHI, 1972, p. 152).
Os problemas relacionados à trajetória educacional dos jovens e aos critérios de passagem ao mundo adulto amplificaram as vozes estudantis contrárias à
ditadura militar, demarcando-as na história. Os jovens anunciavam um entrave
no fluxo escolar brasileiro apresentando-o como um obstáculo na trajetória para
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a vida adulta; uma demanda social que aguardava uma atuação do Governo;
um problema que estava diretamente vinculado ao fechamento das liberdades
civis, já que manifestações dessa categoria, voltadas à melhoria da educação
em geral, acabaram relacionadas à subversão da ordem.
Analisar as diferentes camadas de interesses nos discursos que perceberam
a superlotação universitária, apresentando as dificuldades, de várias ordens, relacionadas à distribuição dos estudantes ao término do Ensino Médio é o objetivo
deste artigo. Nos anos 1960 tanto as explicações para o fenômeno dos excedentes,
quanto a busca de soluções para o problema foram tornadas pautas de debates
em várias instâncias, o que nos mostra o caráter multifacetado do obstáculo em
questão, capaz de gerar debates em torno do funcionamento do ensino superior,
posicionamentos em torno de uma grande reforma universitária, a distribuição
de fundos para os diversos níveis de ensino, o significado dos vestibulares etc.
Para esse estudo foram investigados os discursos proferidos em diferentes
veículos de comunicação – periódico educacional, jornais diários, revistas semanais –, bem como a ordenação jurídica pertinente ao tema – pareceres, relatórios
de comissões, leis e decretos. Primordialmente foram analisados os documentos
produzidos pela Editora do Brasil, principalmente a revista educacional por ela
produzida, a Revista da Editora do Brasil S/A (EBSA), por conta do seu caráter
conservador diante das manifestações estudantis contrárias ao fechamento das
liberdades civis (BRAGHINI, 2010)2
.
A entrada de estudantes no ensino superior brasileiro nos anos 1960
A Revista da Editora do Brasil S/A (EBSA) dizia que as manifestações
estudantis eram sintoma daquilo que a própria Revista chamou de “torvelinho
de experiências improvisadas” durante a passagem do Ensino Médio para o
Ensino Superior brasileiro (GOMES, 1968, p. 2). Situações “improvisadas”
definiam as condições de entrada dos jovens na universidade brasileira naque2 Esse artigo é um resultado parcial da tese A “vanguarda brasileira”: a juventude nos discursos da Revista da Editora do Brasil S/A (1961-1980). A tese apresenta a imagem que foi construída
sobre a juventude nos anos 1960 e 1970 a partir, principalmente, de documentos produzidos por essa
editora ou citado e republicado por ela. Os editores, por se apresentarem notadamente favoráveis
à ditadura militar, podem ser considerados como uma espécie de “contraface” de uma parcela dos
jovens que se manifestavam durante o período da ditadura militar. Foi levado em consideração que
diante dos manifestos juvenis um “projeto de juventude” foi organizado pelos editores, possivelmente
buscando um ideal de jovem que fosse mais conveniente ao regime instituído pelo golpe militar.
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le período: às vezes conseguiam a vaga, mas não conseguiam se matricular.
Caso conseguissem se inscrever, encontravam uma universidade lotada, muito
comum, desaparelhada e, às vezes, com discursos contrários à “massificação”
do meio acadêmico.
Vale dizer que a questão dos “excedentes” não era matéria nova nos anos
1960, já que a Lei 1.392, de 11 de julho de 1951, estabelecia exatamente as
normas para o aproveitamento de “excedentes” em escolas particulares. Essa
lei, assinada pelo então Presidente Getúlio Vargas, pedia pelo aproveitamento
dos alunos aprovados e não classificados nas escolas superiores públicas pelos
cursos das escolas privadas, levando em conta a capacidade das instalações e a
possibilidade de atendimento de seu corpo docente.
Se em 1960, 29 mil estudantes prestaram os vestibulares e não conseguiram
vagas nas instituições para as quais tinham sido aprovados, esse número aumentou consideravelmente em 1969, com 162 mil estudantes perdendo as vagas.
O Jornal do Commercio registrou que havia mais excedentes de vestibulares,
em 1963, “do que em todos os anos anteriores”3
. Em 1968, o número de vagas
no ensino superior era cinco vezes inferior ao número de candidatos que as
disputavam. No início dos anos 1960, de acordo com os dados apresentados na
tabela abaixo, houve aumento tanto no número de matrículas das instituições
públicas, quanto nas escolas privadas, estas com menor procura.
TABELA 1 - NÚMERO TOTAL DE MATRÍCULAS NO ENSINO SUPERIOR, ESCOLAS FEDERAIS, ESTADUAIS, MUNICIPAIS (1956 E 1960)
Anos Total de Matrículas Instituições
Públicas Privadas
1956 78.659 40.297 38.362
1960 95.691 53.624 42.067
% de crescimento entre
1956-1960 21,65 33,07 9,66
FONTE: Sinopse Estatística do Ensino Superior. Ministério da Educação e Cultura, 1965. p. 6-7.
A explicação corrente, dada pela historiografia, diz que esse crescimento
populacional universitário foi ocasionado pelo aumento do número de jovens
que deram sequência nos estudos após o término do ensino médio, a partir de
um super dimensionamento do número de adolescentes no Ocidente. Esse fenômeno demográfico, acontecido após a Segunda Guerra Mundial, foi demarcado
na história norte-americana como baby boom.
3 Transcrito do Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 10/12/1963.
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No caso do Brasil, a questão da multidão de estudantes às portas do ensino
superior também esteve relacionado ao fluxo de alunos saídos do ensino médio,
principalmente a partir de um dos seus segmentos, o ensino secundário, que também carecia de vagas, e cuja taxa de matrícula havia crescido 4,3 pontos entre 1947
e 1964. No caso das discussões em torno do ensino médio, houve tanto o estímulo
para que os alunos não obstruíssem o fluxo da seriação dos cursos, evitando-se
as reprovações, quanto a possibilidade de que todos os estudantes desse nível de
ensino pudessem prestar o vestibular após a instituição das Leis de Equivalência.
A ideia de desobstruir a passagem no ensino médio e a aceleração de
estudantes para que não ficassem retidos e terminassem o curso rapidamente,
ficou transparente nas reações, tanto a favor como contrárias, ao ato de Gildásio
Amado, da Diretoria do Ensino Secundário, em 1963. Tratava-se da chance
dada aos alunos de prestar exames de segunda época em até quatro disciplinas,
a fim de evitar as reprovações de final ano. De um lado, o Jornal do Commercio
dizia que a “necessidade de facilitar o ensino” significava rebaixar os padrões de
estudo4
. Já para o Diário de Notícias, conceder a chance para que os estudantes
pudessem fazer exames de segunda época era “perfeitamente justo e normal”,
pois a “perda de um ano letivo”, segundo o autor, repercutia “consideravelmente
em todos os orçamentos” (EBSA, 1963, p. 49-51).
A discussão sobre a aceleração ou não de alunos ao término do ensino
médio tem a sua importância mediante o fato de existir, desde 1950, a possibilidade de que todos os seus alunos prestassem o vestibular a partir do que foi
determinado pelas “leis de equivalência”. As chamadas Leis de Equivalência,
respectivamente, de nº 1.076 (1950), nº 1.821 (1953), e nº 3.104 (1957) foram,
paulatinamente, dando condições para que os egressos dos diversos ramos do
ensino médio, formação militar ou sacerdotal, pudessem, sob o cumprimento de
uma série de balizas educacionais, prestar o vestibular. Foi a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei no
4.024, de 20 de dezembro de 1961), em seu
artigo 79, que estabeleceu, definitivamente, a equidade dos alunos dos diferentes
cursos de nível médio, ao determinar que todos os seus concluintes tivessem
acesso ao vestibular, sem a necessidade de complementação de matérias. Essa
decisão, ao mesmo tempo em que alargava o caminho para um maior número de
alunos rumo à próxima etapa, pode ser considerada o término “oficial” de uma
condição histórica que elitizava o aluno do ensino secundário, já que somente
ele, entre 1942 até 1961, podia pleitear, livremente, uma cadeira na universidade5
.
4 Transcritos do Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 18/04/1963 e do Diário de Notícias,
Rio de Janeiro, 04/02/1963.
5 A Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244/1942) dizia que ensino
secundário deveria ser o único “corredor” de passagem para o ensino superior. O ensino médio
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Outro assunto, ainda mais polêmico, apontava para a falta de vagas, principalmente no ensino secundário, e jogava luz sobre o dispositivo Lacerda, que
pedia a concessão de bolsas de estudo pagas pelo dinheiro público, mas voltadas
ao ensino privado. A despeito de o ensino privado ser beneficiado por dinheiro
público, nesses discursos soava “bem intencionado” o custeio “parcial” dos
estudos de nível médio, nas escolas particulares, de modo que fosse aumentado
o número de vagas. De acordo com os cálculos apresentados, “elevaram-se a
mais de 50 mil as oportunidades oferecidas pelo Estado, de matrículas nas escolas de ensino médio” (EBSA, 1963 p. 36).6
A discussão sobre o escoamento
de patrimônio público para o fortalecimento da escola privada era calorosa e
conhecida pela historiografia da educação, e a ideia de aumento de vagas passou
a ser uma das principais alegações para a concessão de vantagens financeiras
ao universo privado. Entretanto, a possibilidade de subsídio dado à parcela privada da Educação, em 1964, parece ter motivado os debates em torno do corte
de verbas para o incremento das universidades públicas sob as quais incidia a
pressão dos excedentes (CUNHA, 2007, p. 83-84).
Aparentemente, os dois segmentos de ensino não conseguiam lidar com
a concentração de jovens na articulação entre eles, fosse pelo caminho privado
ou pelo público. No caso dos textos publicados pela EBSA havia uma associação direta entre os problemas do ensino superior com outros níveis de ensino.
Segundo esse periódico, grandes quantias eram lançadas nas Universidades
dando privilégio a uma elite intelectual (alunos e professores), enquanto outras
frações de ensino ficavam à mercê da falta de dinheiro. Essa tensão, à época,
ainda era reforçada pelo jargão: “O governo gasta pouco com a Educação”, e
“como emprega mal o pouco que gasta” (EBSA, 1962, p. 1)7
.
De todo modo, os dados diziam que, de um grupo de 1000 estudantes,
entre 12 e 18 anos, 11,5 concluíram a 4º série do nível médio; 5,5 concluíram a
7ª série do mesmo nível e apenas 2,29 alcançaram o nível superior de educação
(REALIDADE, 1967, p.23). Mesmo diante da possibilidade legal de entrada
no ensino superior, percebeu-se que muitos alunos eram reprovados ao longo
do fluxo escolar. A ideia de aceleração dos estudantes ao longo da seriação foi
tornada válida e poucas eram as vagas disponíveis para a próxima etapa escolar.
brasileiro possuía os níveis ginasial (4 anos) e colegial (3 anos), divididos nos seguintes cursos:
ensino secundário, ensino industrial, ensino comercial, ensino rural e ensino normal, cada um deles
regido por legislação particular.
6 Essa condição estava prevista nas alíneas "a" e "b" do artigo 94 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação - Lei nº 4.024/1961.
7 Dados do Censo de 1960 apontavam as verbas destinadas para o ensino: Ensino Primário: 5.905.000.000,00 (12%); Ensino Médio: 7.178.000.000,00 (15%); Ensino Superior:
36.419.000.000,00 (73%).
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No caso da Universidade, em 1967, havia 160 mil jovens matriculados, e esse
montante representaria menos de 2% da população entre 19 e 25 anos8
. Como
veremos a seguir, mesmo com menos de 2% dos jovens dentro da Universidade,
a sua continuidade dos estudos não seria facilitada, nem havia a garantia de que
ela se concretizaria.
A questão da distribuição das finanças também recaía sobre o universo
universitário, já que a falta de espaço estimulava a discussão sobre a ampliação
das instituições e a distribuição federativa dos cursos. Nos anos 1960 a quantia
acumulada para a ampliação das universidades parecia insuficiente e o dinheiro
orçado para a Educação era distribuído, segundo o parecer do então Ministro
da Educação, de forma desequilibrada. Flávio Suplicy de Lacerda, em 1964,
reclamava sobre uma grande despesa da União com a federalização de escolas
e universidades e dizia que o dinheiro seria escasso para amenizar os problemas
em curso (EBSA, 1962, p. 45).
O Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GT), em 1967, tinha em
mente a ideia de “expansão com contenção” e foi guiado pela recomendação de
planejamento organizado dos recursos humanos e materiais dentro das universidades9
. Mesmo diante do discurso da escassez e de contenção de recursos, parece
ter havido um modelo de fomento que produziu efeito em algumas instituições,
no sentido de se buscar a ampliação dos espaços destinados à produção científica
e tecnológica e a formação de quadros de trabalho qualificados dentro de um
plano de melhoria concentrada em escolas superiores públicas e confessionais
(MARTINS, 2009, p. 16). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE) e, posteriormente, a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
passaram a fornecer auxílios financeiros às instituições publicas, por meio do
Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico, criado em 1964, possibilitando
às universidades federais a construção de novas instalações, a construção de laboratórios, a institucionalização da carreira docente etc. (MARTINS, 2009, p. 21).
No entanto, estruturava-se, nessa mesma ocasião, um modelo duplamente
seletivo de universidade federal:
no plano social, suas vagas passariam a ser ocupadas por um grupo
restrito de estudantes dotados de razoável volume de capital econômico
e/ou cultural; no plano acadêmico, procurava-se concretizar um elevado
8 Em 1967, quase dois terços da população brasileira tinham menos de 25 anos. Desses,
cerca de 15 milhões estavam entre os 15 e 25 anos (Realidade, 1967, nº 18).
9 O grupo de trabalho para a discussão sobre a reforma Universitária foi instituído pelo
Decreto n° 62.937, de 2 de julho de 1968.
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padrão de qualidade acadêmica, fundado na associação entre ensino e
pesquisa, no interior do qual a pós-graduação exerceria um papel central.
A motivação subjacente a esse modelo era preservar as universidades
federais de um eventual processo de massificação (MARTINS, 2009,
p. 21-22).
De acordo com o pesquisador houve, por um lado, a seleção inicial de
estudantes que acontecia por conta de seu próprio histórico cultural e econômico. Posteriormente, o processo seletivo aconteceria ao longo da constituição
da carreira discente, já que o ensino superior, internamente, fazia uma triagem,
selecionando e classificando os grupos, evitando, assim, o processo de popularização.
O processo de seleção universitária interessada na continuidade de formação de uma elite intelectual estudantil também foi descrito por Bourdieu e
Passeron na obra Os Herdeiros (1964). Os dois estudiosos analisaram estatísticas, estudaram as regras universitárias, se apoiaram em um estudo empírico do
comportamento de professores e estudantes e tornaram evidentes os processos
sociais e a filtragem educacional que mantinham os elementos de uma elite intelectual como uma categoria social proprietária de vagas nas Grandes Escolas da
França. O estudo percebeu tanto os procedimentos “invisíveis” mantidos pelas
instituições superiores para a seleção e manutenção de seus quadros escolares,
quanto o poder do histórico intelectual dos jovens, advindo como herança
familiar, no momento de pensar a Universidade como caminho “natural” na
trajetória de vida (BOURDIEU; PASSERON, 1964, p. 12).
Outro exemplo dessa alteração do quadro social selecionador de pessoas
às portas do ensino superior foi dado pelo professor, editor e escritor Alfredo
Gomes. Segundo o editor, o fenômeno social selecionador que tinha nas escolas
superiores o seu ápice tinha enfraquecido. A ascensão social no Brasil estava
“menos organizada” e o “equilíbrio das elites dirigentes” havia se “rompido”,
pois estar na universidade não mais demarcaria a existência de uma elite
condutora (GOMES, 1968, p. 2). Tinha-se a ideia de que as “novas camadas
sociais” eram preparadas “mais extensivamente e menos intensivamente” e que
a própria universidade teria inventado uma nova forma de seleção social: feita
durante o processo de formação dos alunos, dentro dos moldes da meritocracia.
Esse novo método de seleção resultava no aparecimento de “gênios”, alunos
destacados que, pelo “espírito da emulação”, eram sobressaltados diante da
massificação em curso.
Barrar os estudantes, responsabilizando-os pela massificação da Universidade, foi uma tendência percebida também pelo jornalista do Jornal do
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Brasil, Carlos Flexa Ribeiro, em março de 1967. Anunciando uma “educação
em falência”, de modo a reforçar uma crise política, o jornalista refletiu sobre o
prolongamento de “pontos clássicos de estrangulamento” no sistema de ensino
do Brasil, que ficaram mais aparentes à medida que a procura pelos três níveis
de ensino aumentou, e a escola tornou-se uma “aspiração generalizada”10. Para
o autor os responsáveis pela existência desses pontos de estrangulamento eram:
a) os políticos, que faziam uso do “tráfico político dos recursos da educação,
para fins eleitorais e de carreira”; b) a classe média e alta que exigia dos filhos o
título de doutor; c) o magistério oficial de ensino superior, “na sua parte menos
disposta às mudanças”; d) a parcela dos estudantes “profissionais” que usavam as
vagas para fins políticos enquanto outros poderiam usar a vaga para estudar; e) a
imprensa de “oposição” que protegia o regime de educação por “superproteção”,
modo como a classe média abastada educava os seus filhos (RIBEIRO, 1967).
Dantas (1997), por exemplo, nos conta o caso da Universidade de São
Paulo (USP), que buscou impedir a entrada de alunos despreparados por conta
das “deficiências do ensino secundário”. De acordo com a pesquisadora, como
o Governo não resolveria, em curto prazo, essas “deficiências”, caberia às
universidades definir esquemas “compensatórios” para proteger seus cursos e
instituições e, com isso, manter o status de local do saber (DANTAS, 1997, p. 27).
A possibilidade de seleção social e a organização de formas de contenção
do povo na universidade pública brasileira não pareceram ideias distantes sob
o ponto de vista da própria Universidade. O reitor licenciado da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, prof. Eliseu Paglioli, tentou explicar o gasto
com a federalização do ensino superior brasileiro em um Fórum de Reitores,
em Curitiba, jogando o foco para o inchaço de alunos, chamando-o de “inflação
universitária”, e para os professores das universidades federais que não abririam
mão de seu status em benefício da Educação, dando a entender que havia um
processo de fechamento vindo de dentro da universidade.
Segundo o discurso do professor, a “inflação” de alunos teria sido o motivo
da abertura de estabelecimentos isolados e privados de ensino superior, estes
que, por sua vez, alavancavam, logo que podiam, o “pedido de federalização”
com vista à sua manutenção pelos cofres públicos (EBSA, 1963, p. 36). De
acordo com o professor Paglioli, o volume de alunos às portas da Universidade
evidenciava que os professores universitários, catedráticos, não abririam mão
nem da posição social adquirida, nem dos recursos financeiros, pensando no
benefício de outros ramos de ensino (EBSA, 1963, p. 36).
Da parte do Reitor, surgiu a ideia de bloquear a passagem de alunos que
inflacionavam o ensino público. Por outro lado, havia tanto a reclamação sobre
10 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 e 6 de março de 1967 – Caderno Especial, p. 2.
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a abertura de escolas isoladas que dispersava o financiamento existente para a
ampliação dos serviços públicos, quanto o protesto contrário ao movimento de
“federalização” de escolas que não se mantinham diante da pressão da lotação.
Além disso, o professor partiu em defesa do ensino superior, jogando ênfase
na educação de nível médio.
A respeito de uma suposta impossibilidade de o ensino superior comportar
os seus pleiteantes foi aventada a possibilidade de distribuí-los pelos diversos
ramos do nível médio, para que o volume de interessados em dar sequência
vertical à carreira fosse amenizado. O ensino médio profissionalizante deveria
ser, segundo esses discursos, uma bandeira de luta e, em meados da década de
1960, passou-se à defesa da distribuição de alunos por esse tipo de ensino, entendido como “ensino terminal”. As aptidões dos alunos seriam desenvolvidas
na escola, dessa forma eles poderiam assumir, imediatamente, uma posição
profissional, e não necessariamente, procurariam o curso superior11. Além disso,
essa ideia tinha interesse de suavizar a carga de prestígio do ensino secundário
que, socialmente, ainda perdurava no imaginário, pois ainda mantinha-se a égide
de ensino formador de uma elite intelectual e dirigente.
O “projeto de articulação entre o ensino médio e superior” do conselheiro
Valnir Chagas pautou a reunião extraordinária do Conselho Federal de Educação (CFE) de 13 de dezembro de 1967 e buscava soluções para a questão dos
alunos excedentes. Para o redator os problemas da falta de articulação entre os
dois níveis de ensino eram de planejamento, estatística, orçamentos, de medidas
político-administrativas. O Conselho, diante da expectativa de que haveria mais
ingressantes em universidades no ano seguinte, fez a apreciação do projeto tendo
em mente uma nova forma de distribuição de pessoas pelos ramos de ensino
existentes (CHAGAS, 1968, p. 247).
Segundo a avaliação do CFE, mediante a expansão das matrículas, era
necessário pensar na “criação de novas carreiras profissionais e mudança estrutural na sistemática atual com ginásios voltados às formas de trabalho e dois
ciclos universitários”. O sentido de transição entre o ensino médio e o ensino
superior deveria ser “tanto mais simples e natural”. Caso o sentido do ensino
médio fosse de terminalidade, a transposição social era imediatamente voltada ao trabalho. Já o ensino superior poderia ser reordenado em dois ciclos: o
primeiro, de cursos técnicos, para os alunos egressos do ensino médio que não
“revelassem o pendor para os estudos longos, de três os mais anos letivos”; o
segundo, “para quem continuasse nas carreiras” (CHAGAS, 1968, p. 260-265).
Diante de novas reivindicações do movimento estudantil, inclusive pedindo
vagas, vemos em 1968 a instalação de duas comissões que, de forma diferente
11 Transcrito do Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 10/07/1964.
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e complementar, discutiram a questão dos excedentes dentro de um conjunto
ampliado de problemas relacionados à universidade brasileira: a Comissão Meira
Mattos e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária.
No caso do curso superior, no Grupo de Trabalho instituído para a discussão
sobre a Reforma Universitária, havia um aparente contragosto pela entrada de
um contingente humano que desfavorecia o ensino de “alta cultura”, mas não
havia como se abster do crescente fluxo de candidatos, o que motivava os debates
em torno de soluções sobre a abertura dos cursos superiores, principalmente os
federais, à “legião” de jovens às suas portas. A ideia principal era a criação de
instrumentos de absorção dos grupos e uma das saídas, já apresentadas, consistia
exatamente na divisão dos cursos de graduação em dois ciclos, um “básico”
e outro “profissional”. No caso, o ciclo básico era apresentado como uma espécie de estágio que visava abrandar as possíveis falhas de conteúdo dado no
ensino médio e um local de reorientação da carreira que seria formalizada no
ciclo subsequente. Havia também a possibilidade de oferecimento de cursos
com o tempo mais reduzido que deveriam abastecer as áreas profissionais mais
ajustadas “às modernas exigências de trabalho”12.
A ideia de curso de curta duração foi contemplada na Reforma Universitária pela Lei nº 5.540 de 28 de novembro de 1968, no seu artigo 23, que dava
autonomia aos estabelecimentos superiores no sentido de flexibilizar os seus
cursos em diferentes modalidades quanto ao número, duração e condições
locais do mercado de trabalho13. Além disso, os parágrafos 1º e 2º lançaram as
possibilidades de cursos de curta duração levando em conta as “habilitações
intermediárias” de grau superior e aproveitamento de estudos dos ciclos básicos
e profissionais no caso de seguimento de carreira.
12 Segundo Cunha (2007, p. 220), eram os membros do Grupo de Trabalho: Tarso Dutra,
deputado federal (RS) e Ministro da Educação, presidente do GT; Antônio Moureira Couceiro,
professor na UFRJ e presidente do Conselho Nacional de Pesquisas; padre Fernando Bastos
D’Ávila, vice-reitor da PUC-RJ e assessor da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas;
João Lyra Filho, reitor da Universidade Federal do Estado da Guanabara; João Paulo dos Reis
Velloso, representante do Ministro do Planejamento; Fernando Ribeiro do Val, representante do
Ministro da Fazenda; Roque Spencer Maciel de Barros, catedrático da Universidade de São Paulo,
membro e relator da Comissão de reestruturação da USP; Newton Sucupira, ex-professor, ex-diretor
e ex-Reitor da Universidade Federal de Pernambuco, membro do Conselho Federal de Educação;
Valnir Chagas, ex-professor e ex-diretor de faculdade na Universidade Federal do Ceará, membro
do Conselho Federal de Educação; João Carlos Moreira Bessa, presidente do Diretório Central dos
estudantes da PUC-RJ e Paulo Rosas, aluno da Escola de Engenharia da UFRJ. Os dois alunos foram
indicados pelo Movimento Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social (MUDES),
entidade criada por empresários para a promoção de estágio de estudantes, entre outras finalidades.
13 Lei nº 5.540 de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento
do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências.
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A Câmara de Planejamento do Conselho Federal de Educação acreditava
que não havia a necessidade de abertura de novas escolas, mas era necessário um
replanejamento sobre as capacidades das escolas já existentes. De certo modo,
evitava-se explorar a abertura de novas escolas superiores, já que isto acabaria
ampliando a distribuição dos recursos, diminuindo o repasse para as instituições que estavam em funcionamento. Mas o grupo não descartava a concessão
financeira às universidades privadas para a ampliação de seus quadros e serviços,
caso elas provassem ter um ensino de alto padrão e estar em compasso com a
Política Nacional de Desenvolvimento14.
De acordo com os dados levantados por Trigueiro (1967) em 1965, havia
30 universidades em funcionamento. Dentre elas, existiam oito universidades
com menos de 1.000 alunos; sete entre 1.000 e 1.500; cinco entre 1.500 e 2.000;
três entre 2.000 e 3.000; apenas cinco escolas superiores contavam com mais de
5.000 matrículas e, por fim, somente duas possuíam mais de 10 mil alunos. Já
segundo os dados recolhidos por Freitag (1986, p. 112), no ano de 1968, havia
278.295 estudantes matriculados; em 1973, o número saltou para 836.469, o
que acarretou em um aumento de 300% no número de matrículas. Após a Reforma Universitária, foi percebida a aceleração na abertura de escolas isoladas
particulares, pois se em 1968, no ensino público existiam 153.199 matriculados,
para 124.496 na rede privada; em 1973, nas escolas oficiais estudavam 327.352,
enquanto que nas privadas, 309.117. Segundo o apontamento, o ensino superior
privado cresceu 410% contra 210% do ensino público.
Entretanto, a reforma universitária não conseguiu alcançar o duplo objetivo
de frear a corrida à universidade e de ampliar de tal forma o número de vagas
que correspondesse aproximadamente à procura. De acordo com Trigueiro
(1967, p. 164) havia um número considerável de universidades para o período,
mas quase todas tinham pequena capacidade e logo atingiam o seu nível de
saturação. Esse analista percebia que o Ministério da Educação não tinha uma
forma objetiva de medir a real capacidade das escolas superiores; não havia exato
controle sobre as causas do estrangulamento e o órgão federal ainda aceitava a
recusa das instituições em modificar as suas estruturas no esforço para manter
o seu status. Por esses motivos, segundo o professor, novas escolas, também
deficientes, eram abertas como um sistema de “válvulas de escape”, mas que
não conseguiam dar fim ao problema da falta de vagas.
Dentro do Conselho Federal de Educação, os pedidos feitos por escolas
superiores para aumentar o número de vagas e de matrículas de excedentes
14 Parecer 209/1967 da Câmara de Planejamento do Conselho Federal de Educação (CEF).
Assinam: Clóvis Salgado, Anísio Teixeira, Raymundo Moniz de Aragão, Edson Franco e o Padre
José de Vasconcellos.
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eram uma rotina e os conselheiros tinham que estudá-los caso a caso, pois os
requerimentos eram diferentes e as circunstâncias locais, materiais, objetivas,
forçavam uma fiscalização mais atenta, o que, por vezes, inviabilizava o pedido. No caso da Faculdade de Direito de Guarulhos, por exemplo, foi pedida a
matrícula de 185 excedentes. Mas o perito destacado para a diligência registrou
que, mesmo as novas salas construídas, um total de 17, não seriam suficientes
para acomodar todos os alunos quando as cinco séries estivessem em pleno
funcionamento (Parecer nº 343 de 6/07/1968). Mais tarde, no entanto, em outubro do mesmo ano, a mesma Faculdade retornou com o pedido de matrícula
dos 185 excedentes para o bacharelado na 1ª série, em uma classe onde já se
encontravam 200 estudantes. Segundo o documento, a tendência do Conselho
seria o de negar o pedido. No entanto, os tais alunos já tinham sido admitidos
condicionalmente e o espaço comportou a todos, o que acabou resultando em
uma aprovação de matrícula de excedentes em caráter excepcional (Parecer nº
613 de 7/10/1968).
O caso da Faculdade de Medicina de Itajubá foi bastante diferente. Essa
instituição ampliou suas instalações e enriqueceu o seu equipamento para
abarcar mais 100 alunos e recebeu imediata aprovação do processo (Parecer nº
364 de 6/07/1968). Já o processo da Faculdade de Direito do Distrito Federal
demonstrou outros limites para o balizamento dos pedidos. No caso, a instalação da faculdade tinha a capacidade de receber 200 ou mais alunos. Entretanto,
segundo o parecer, o estabelecimento não planejou a “elasticidade do pessoal
administrativo e a tolerância do corpo docente” que também seriam afetadas
com o aumento de alunos, fato que, neste episódio, impediu a aprovação do
requerimento (Processo 631/ 1968 – CFE).
Existiam ainda aqueles que, aproveitando o momento, pegavam a chance
de ampliar o seu quadro de alunos e buscar financiamento por meio do logro à
legislação vigente. Esse era o caso dos estudantes que conseguiam se matricular em escolas superiores sem a certificação dos exames de madureza. Isto é,
algumas escolas admitiam candidatos ainda não habilitados, fazendo o aproveitamento de suas matrículas após a apresentação da documentação requerida
e agiam de forma irregular, já que admitiam alunos que ainda não tinham cumprido a etapa escolar anterior. O CFE advertia essas instituições, mas admitia o
aproveitamento da matrícula daqueles que prestassem os exames de madureza
com “pequena diferença de data” entre os casos. Tais candidatos eram aceitos
tão logo comprovassem a mudança de nível (Parecer nº 892 de 18/12/1968).
Portanto, motivadas pelos problemas de entrave educacional, grande fluxo
de estudantes para as universidades, falta de vagas, distribuição de financiamento
etc., aconteceram discussões à busca de novasreordenações do transcurso escolar, pensando em uma distribuição de pessoas que não acarretasse percepções
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muito visíveis de uma crise educacional resultante da falta de planejamento para
com o crescimento demográfico escolar.
Os vestibulares passaram a ter destaque nessa discussão sobre as formas
de admissão ao ensino superior, e a modificação de sua configuração, por si
só, pode ser objeto de estudo histórico, já que evidencia a modificação dos
critérios de seleção de pessoas, a partir de uma alteração daquilo que se compreendia por “avaliação”. Anteriormente, os vestibulares eram feitos na forma
de exames. Posteriormente, passaram a concursos. Essa alteração, para além de
uma questão meramente semântica, tinha a seguinte proposição: a princípio, na
entrada do curso superior, o candidato era ordenado por notas e conceitos (exames), segundo o seu desempenho. A sua avaliação era medida por suficiência.
Com o vestibular na forma de concurso, buscava-se a aptidão intelectual para
os cursos superiores e o desempenho do pleiteante se tornaria classificatório.
Essa condição foi demarcada no Decreto-Lei nº 464, de 11/02/1969 a partir do
direcionamento dos artigos 4º e 5º. Por meio do Decreto, a entrada de alunos
em universidades passava à condição de concorrência unificada, com o caráter
monetário, já que seria intermediado por agências terceirizadas para esse fim.
Caso houvesse a aprovação, os alunos passariam por um primeiro ciclo que tinha
a função, entre outras coisas, de filtrá-los pelas “insuficiências evidenciadas
pelo concurso vestibular”15.
Em outras palavras, ao transformar o vestibular em um concurso, ficou
estabelecido que o número de candidatos aprovados seria o equivalente ao
número de vagas universitárias disponíveis, o que, politicamente, dava fim à
visibilidade de uma multidão pleiteando vagas. Receberia a vantagem o aluno
que se destacasse por efeito da competição, da forma como disposto no Decreto
nº 68.908, de 13 de julho de 1971, em seu artigo 2º: “O Concurso vestibular
far-se-á rigorosamente pelo processo classificatório, com o aproveitamento
dos candidatos até o limite das vagas fixadas no edital, excluindo-se o candidato com resultado nulo em qualquer das provas”. O fato de se ter mudado o
formato do vestibular não solucionou a falta de vagas nos cursos superiores,
mas fez desaparecer o fenômeno dos excedentes, índice que definia de forma
muito evidente o desamparo de um grande contingente de jovens que viam na
escolarização uma possibilidade de trajetória de vida.
Mesmo diante das discussões e soluções apresentadas, tempos mais tarde
foi anunciada a lacônica preocupação do Ministério da Educação com os estudantes brasileiros que recorriam às universidades estrangeiras, após a tentativa
15 A seleção de alunos feita por concurso vestibular, entretanto, já estava apresentada na
Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que fixou as normas de organização e funcionamento do
ensino superior e a sua articulação com a escola média, a Lei da Reforma Universitária.
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frustrada de fazer o curso no seu país. De acordo com o artigo, os alunos saíam
do Brasil “decepcionados” e voltavam ao país “humilhados”, por conta das
hostilidades que sofriam (EBSA, 1974, p. 64).
Considerações finais
Segundo Martins (2009, p. 19), a sociedade brasileira passava, desde os
anos 1950, por um processo de concentração de propriedade e renda que, acentuado pela política econômica adotada a partir de 1964, acabou por conduzir
as classes médias para o ensino superior, encarando-o como uma estratégia
para a concretização de seu projeto de ascensão social. Essa modificação na
“fisionomia social” teria transformado a universidade em uma instituição “mais
próxima” do estudante.
Aumentar o número de vagas passou a ser a matéria corrente no discurso
de professores, técnicos, burocratas e reformadores. Dentro de uma história dos
excedentes, percebeu-se que o “problema” apresentava uma realidade de várias
ordens: de plano físico-estrutural das escolas, administração governamental,
distribuição de recursos, organização e planejamento curricular aos métodos
de ensino; tinha relação com o comportamento dos alunos e ao seu histórico
escolar; ao plano de trabalho e horas dos professores etc.
O caso dos excedentes deixa à mostra um problema de ordem educacional
que acabou travando as trajetórias de vida de jovens que enxergaram o ensino
superior como uma etapa subsequente do seu histórico escolar. No período,
percentualmente, o volume de jovens que se transferia de um nível escolar para
outro era pequeno. No entanto, foi um número suficientemente grande para dar
visibilidade à falta de estrutura da Universidade para recebê-los.
Num primeiro momento, no início dos anos 1960, encontramos os excedentes, individualmente, usando mandados de segurança para garantir as
suas vagas, impetrados pelas possíveis interpretações da Lei. Depois, ao final
da década, advogava-se a necessidade de formação de profissionais técnicos
de nível superior a partir de uma reorientação do mercado profissional, o que
redimensionou a procura por cursos técnicos e de curta duração. Esse fato acabou lotando o CFE com pedidos de ampliação de vagas para alunos excedentes
feitos pelas universidades e faculdades isoladas.
Pela hipótese de Cunha (2007, p. 24) a Reforma Universitária brasileira,
muito mais do que uma imposição da tecnocracia militar em associação ao United States Agency for International Development (USAID), foi, antes de tudo,
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uma aspiração de vários setores da sociedade – administradores educacionais,
professores e estudantes – que enxergavam a possibilidade de democratização
do ensino superior. Essa ideia de democratização passava pelo fim do sistema
de cátedras, considerado fechado, ultrapassado diante da representação de modernidade desenvolvimentista; corrupto, por conta de seu aparato selecionador
sustentado no mérito acadêmico, mas também no clientelismo. Mas o sentido de
“improvisação” do sistema de ensino, expressado ao longo desse estudo, reforçou
a revolta dos estudantes, de forma a evidenciar os entraves objetivos que refreavam os caminhos para as Academias. Se houve uma movimentação próxima
à democracia na história dos excedentes, ela estava reservada à própria ação
juvenil, que deixou clara a carência do ensino superior para absorvê-los, dentro
daquilo que se promovia como caminho aceitável rumo à autonomia social.
Havia tanto a preocupação sobre a organização dos estudantes, horizontalmente, ou seja, na sua distribuição em faculdades que tivessem como captá-los,
quanto uma inquietação com a trajetória vertical do aluno, ao longo da seriação
escolar, pois se evitavam as retenções de estudantes ao longo das séries de
modo que a passagem às coortes subsequentes fosse desobstruída. Nos casos
apresentados interessava a condução mais acelerada de alunos para a próxima
etapa de escolarização dada a aglomeração populacional que era sentida, também, no ensino secundário brasileiro. Essa aceleração, associada às leis que,
progressivamente, admitiram estudantes de todos os ramos do ensino médio
no ensino superior, teria resultado na aglomeração de candidatos às portas da
universidade. Por um lado, esse item da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de
1961 demonstrava a diluição do prestígio do ensino secundário como formador
de uma elite educacional dirigente, mas, também, ampliou o acesso aos postos
universitários, dados aos alunos dos vários segmentos do ensino médio, jogando
a responsabilidade da acolhida de todos para as Universidades.
Entre os dois níveis de ensino foi construída uma barragem por meio de
dois processos educacionais diferentes, que juntos criaram uma zona de estrangulamento no sistema de ensino. O primeiro, acontecido durante o ensino médio,
empurrava os alunos para frente, já que o debate social quanto à aprovação ou
reprovação dos jovens no histórico do ensino médio nos deu indícios sobre esse
processo de aceleração do fluxo escolar. O segundo condicionou o bloqueio
dos jovens às portas da universidade, por conta da somatória de uma série de
problemas: falta de vagas; o preconceito explícito pela “invasão” da massa
estudantil, empecilhos das mais variadas matizes: espaciais, administrativos,
acadêmicos etc.
A falta de vagas associada ao desaparelhamento dos cursos superiores
dinamizaram os manifestos estudantis de rua que, em contrapartida, com ampla
exploração jornalística, eram cada vez mais associados à infiltração comunista
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no Brasil, dando chance aos conhecidos movimentos de repressão política. O
movimento estudantil, inclusive, foi usado como pretexto para a abertura de
novas instituições ou modificações no formato dos cursos, pois havia quem
buscasse transferir o potencial revolucionário dos jovens para atividades socialmente mais aceitas, como era o caso do trabalho e do estudo (BRAGHINI,
2010). Estudantes sofreram os danos oriundos de problema jurídico e estrutural.
As disposições previstas pela Lei, que eram as garantias de prosseguimento dos
estudos em ambientes aparelhados para tal fim, não foram de todo atendidas e
houve reação diante da situação de desorganização e desamparo que esse entrave
produziu. Aconteceram manifestações históricas que foram absorvidas por uma
parcela da imprensa conservadora como subversão pura e simples.
No momento crucial de determinação de carreiras, houve um choque de
absorção entre os dois níveis de ensino e foram pensados e planejados procedimentos para que houvesse, por um lado, a barragem do fluxo volumoso de
jovens para o nível superior; por outro, assistimos a montagem de planos que
visavam à distribuição de pessoas em dois planos diferentes: o primeiro, ao
longo do segmento de nível médio, pensado como fase final da vida escolar; o
segundo, dentro das universidades, por meio de cursos rápidos. Por outro lado,
de forma tênue, mas violenta, alguns processos universitários seriam capazes de
eliminar o excesso de alunos por meio do discurso da competência individual.
A escassez de recursos financeiros deu margem para discursos em defesa
da escola pública, contrários ao escoamento do dinheiro estatal no sentido de
abertura, manutenção ou federalização de escolas isoladas. Mas essa mesma
escassez, agregada à revolta de estudantes, possibilitou a criação de um discurso
que pedia por uma associação, entre a rede privada e a rede pública, no sentido
de complementaridade, visando à ampliação do sistema. A Constituição de 1967,
que cedeu recursos financeiros e expandiu a colaboração técnica para o ensino
particular, foi o documento que marcou, historicamente, acordos políticos de
outra natureza entre o Governo e o setor privado da educação, sob o pretexto
de acréscimo de vagas.
Pensando na modificação do ensino médio, vemos a inserção dos jovens
no mundo do trabalho como mote dos discursos. Não por coincidência a Lei nº
5.692 (11 de agosto de 1971) passou a considerar que no ensino de 2º grau (antigo
ensino médio) predominaria uma formação voltada para a habilitação ao trabalho,
este também em consonância com os interesses profissionais regionalizados.
As diversas críticas feitas a essa lei na historiografia miraram a sua condição
“tecnicista”, detalhando o empobrecimento teórico no qual foi jogado o ensino
de nível médio no Brasil. Mas essa lei parece destacar que o ensino profissionalizante de nível médio, além de ter sido utilitário aos interesses de formação
imediata de quadros técnicos para postos de trabalhos emergenciais, buscava
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escoar os estudantes para fora da escola rapidamente, na tentativa de impedi-
-los de dar seguimento de carreira e de vida por meio do caminho universitário.
A Lei nº 5.692 aparece como um dispositivo, definidor de um processo
que buscava resguardar a universidade, ápice da “pirâmide selecionadora”,
da incursão de alunos despejados pelo ensino médio brasileiro. Mais do que
apresentar as formas de melhor distribuir, ou até mesmo impedir a entrada dos
alunos nas universidades, houve quem apresentasse a “irrupção das massas de
assaltantes legítimos” como algo que não deveria surpreender a Universidade.
Não podemos nos esquecer de que nem todos os jovens eram estudantes.
Mas dentre estes, não deixa de ser sintomático o fato de que, naquele mesmo
período, mais precisamente a partir de 1968, surgissem novas possibilidades de
direções em suas biografias: a marcha estudantil, principalmente secundarista,
rumo à luta armada, em batalha contra a ditadura; a apresentação de formas
“alternativas” de vida dentro do que se convencionou chamar de “contracultura”, pensando, por exemplo, no movimento hippie. Nos anos 1960, as formas
“oficiais” de trajetória de vida escolar dos jovens tinham bloqueios e demandas
categóricas e formaram um quadro histórico muito marcante.
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Texto recebido em 20 de janeiro de 2014.
Texto aprovado em 08 de fevereiro de 2014.
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