Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sexta-feira, 1 de abril de 2022
UM CASO EXEMPLAR
Um dos fatos mais marcantes que ocorreu no Brasil é referente a um acidente ecológico que ocorreu na Baía de Guanabara, no ano de 2000. Onde foram derramados 1,3 milhões de litros de óleo pela empresa Petrobrás, que admitiu a responsabilidade pelo acontecido e prometeu arcar com todos os prejuízos.
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Projeto Colabora
Tragédia anunciada: Baía de Guanabara sofre grave derramamento de óleo
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ACIDENTE ECOLÓGICO NA BAÍA DE GUANABARA: O DIREITO
AMBIENTAL E A TRAGÉDIA ENVOLVENDO SUA
SUSTENTABILIDADE
https://ensus2009.paginas.ufsc.br/files/2015/09/ACIDENTE-ECOL%C3%93GICO-NA-BAIA-DE-GUANABARA-UPF.pdf
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Aposentou-se do STM em 1969, sendo nomeado para a presidência da Petrobras em novembro desse ano, no início do mandato presidencial do general Emílio Garrastazu Médici.
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GEISEL, Ernesto
https://ditaduramilitar.wordpress.com/2010/10/13/biografia/
*militar; comte. Comdo. Mil. Brasília 1961; ch. Gab. Mil. Pres. Rep. 1961 e 1964-1967; min. STM 1967-1969; pres. Petrobras 1969-1973; pres. Rep. 1974-1979.
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/geisel-ernesto#:~:text=Aposentou%2Dse%20do%20STM%20em,do%20general%20Em%C3%ADlio%20Garrastazu%20M%C3%A9dici.
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Economia
Silva e Luna detalha a VEJA como Bolsonaro tentou intervir na Petrobras
Depois de uma demissão constrangedora, o general revela em entrevista exclusiva o histórico de pressões do presidente da República na empresa
Leia mais em: https://veja.abril.com.br/economia/silva-e-luna-detalha-a-veja-as-intervencoes-de-bolsonaro-na-petrobras/
Por Victor Irajá, Felipe Mendes Atualizado em 1 abr 2022, 07h47 - Publicado em 1 abr 2022, 06h00
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Os últimos dias do general Joaquim Silva e Luna no posto de presidente da Petrobras têm transcorrido em um escritório a algumas quadras de distância do monumental edifício em estilo brutalista que serve de sede da empresa na Avenida Chile, no centro do Rio de Janeiro. Uma grande reforma, que Silva e Luna não verá concluída, provocou a mudança para um segundo prédio da companhia nos arredores. Foi lá, em uma sala do último andar com vista para a Baía de Guanabara e para a sede histórica, que o general recém-demitido pelo presidente Jair Bolsonaro recebeu a reportagem de VEJA para uma entrevista emocionada e em tom de desabafo na terça-feira 29. Um dia antes, ele havia atendido a um telefonema do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, quando se preparava para ir a Brasília, e recebido uma notícia que já esperava havia dias. A surpresa, no caso, estava nos detalhes de como se daria a operação para seu afastamento do cargo. Seu nome seria retirado da ata para a renovação do conselho de administração da empresa, o que na prática significa que ele não ocupará mais a presidência da petroleira. Tal ritual burocrático deve acontecer no dia 13 de abril. Até lá, ele segue no posto.
LEIA TAMBÉM: “Não coloco meus valores em xeque”, diz o general Silva e Luna a VEJA
Desde o escândalo popularizado como petrolão, que marcou as gestões dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a Petrobras passou por muitas mudanças. Uma série de medidas foram adotadas em um rígido processo de saneamento e de implementação de normas que tem por objetivo evitar novos malfeitos prejudiciais aos acionistas minoritários privados e ao próprio governo como acionista majoritário. Entre elas está a responsabilização judicial dos dirigentes da empresa caso adotem uma gestão temerária. Ao tomar posse em abril do ano passado, Silva e Luna assumiu o cargo em meio a um cenário movediço, em que teria de se equilibrar entre as fortes pressões do acionista principal representado pela figura sentada no Palácio do Planalto, em Brasília, e o interesse dos minoritários e da própria companhia. No currículo, carregava uma elogiada gestão à frente da Itaipu Binacional e, antes disso, reputada passagem pelo Ministério da Defesa no governo de Michel Temer. Sua missão era substituir Roberto Castello Branco, que havia desidratado no posto depois de refutar as tentativas de ingerência de Bolsonaro na empresa. Agora, deixa o cargo em uma situação praticamente idêntica à do antecessor.
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NOVO PRESIDENTE - O economista Adriano Pires: a defesa do livre mercado durante a carreira tranquilizou investidores – CBIE/Divulgação
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Desde o princípio, Silva e Luna sabia que o desafio era complexo e cheio de armadilhas. No entanto, sua maior frustração não diz respeito às pressões ou dificuldades na presidência de um colosso de regime misto que vale 90 bilhões de dólares, mas a seu desfecho, com um processo de fritura que considera desrespeitoso a sua biografia de militar e de gestor. E quando fala sobre isso seus olhos se enchem de lágrimas e a voz lhe foge. “Tem coisas para mim que são sagradas, e a mais importante é minha biografia. Quero minha reputação íntegra, para quem quiser olhar. Não aceito que ninguém jogue pedra nisso aqui e, por consequência, na própria empresa”, disse Silva e Luna a VEJA, no momento mais emocionado de sua entrevista. O general também se sentiu ferido na maneira como foi dispensado da função pelo presidente da República, que o convidou para o cargo. “A atitude poderia ter sido diferente. Que tivesse me sido prestado um contato telefônico dizendo: ‘Olha, precisamos do seu cargo’. É coisa simples”, afirmou. “Poderia ter sido de forma mais respeitosa”, avalia. Pernambucano da cidade de Barreiros, o militar de 72 anos revelou que em sua gestão sofreu pressões para indicar diretores na empresa e, apesar de garantir que não carrega mágoa, mandou recados claros. “Não vendo minha alma a ninguém, não coloco meus valores em xeque.”
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INFLUÊNCIA - Landim, o amigo de Bolsonaro: eminência parda na companhia – Wallace Teixeira/Futura Press
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No começo do mês, Bolsonaro afirmou que a Petrobras “cometia um crime” contra a população e reclamou do último aumento do preço dos combustíveis, afirmando que “todo mundo no governo pode ser substituído”. Foi o primeiro sinal de que a relação com Silva e Luna escalava em tensão. Em suas declarações públicas e lives de quinta-feira, o presidente atacava a gestão da estatal. Entre os vitupérios que lhe são típicos, Bolsonaro chegou, inclusive, a colocar em discussão o salário do general à frente da companhia. “O diretor ganha 110 000 por mês. O presidente, mais de 200 000 por mês e, no final do ano, ainda tem alguns salários de bonificação. Os caras têm que trabalhar”, disse. Com disciplina militar, Silva e Luna resistiu às agressões, que cresciam em intensidade. Mas com a incursão tresloucada de Vladimir Putin na Ucrânia, e o consequente aumento no preço internacional do petróleo para próximo de 140 dólares, o que era ruim ficou péssimo. Em uma evidente provocação a Silva e Luna, Bolsonaro indicou o engenheiro e presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, para o posto de presidente do conselho de administração da empresa no lugar do almirante Eduardo Bacelar. Ex-presidente da BR Distribuidora e ex-braço direito — e depois inimigo figadal — do empresário Eike Batista em suas empreitadas pelo setor de óleo e gás, Landim já havia cruzado o caminho de Silva e Luna anteriormente. Em setembro do ano passado, o engenheiro o procurou para uma conversa e sugeriu que, se estivesse à frente de uma diretoria da petroleira, conseguiria baixar os preços dos combustíveis. Aproveitou também para deixar explícita sua proximidade com o presidente da República. Silva e Luna declinou da sugestão.
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PRIMEIRA VÍTIMA – Castello Branco: o ex-presidente foi alvejado antes de Luna – Tânia Rego/Agência Brasil
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Sob o comando do general, o preço da gasolina subiu 32% e o do diesel, 56%. Ainda assim, mesmo com os aumentos, houve um cuidado de se equilibrar a brutal volatilidade internacional no período, com a companhia absorvendo parte dos custos. Assim como havia feito Castello Branco, o general resistiu a pressões que vinham de congressistas e membros do governo para que rompesse a diretriz de alinhamento ao mercado global e segurasse os preços. Com isso, ganhou o respeito do mercado financeiro, que temia ver um “testa de ferro” do presidente à frente da maior empresa de capital misto do país. Atender aos desejos do governo e seus aliados, além da possibilidade de render complicações legais para os executivos da empresa, poderia causar desabastecimento de combustíveis no Brasil, uma vez que preços muito abaixo do cenário no exterior desestimulam a importação de gasolina e diesel refinado por outros competidores e provocam uma diminuição da oferta interna.
Em 68 anos de história, repete-se na Petrobras um padrão relativo a seus presidentes. Uma rápida análise na lista de 39 nomes que já passaram pela empresa mostra que, quanto mais complicada a situação econômica e política do governo, maior a dança das cadeiras na empresa — e, consequentemente, as tentativas de interferência. Foi assim durante as gestões de José Sarney e de Fernando Collor de Mello (os campeões em mudanças, com cinco presidentes nos mandatos), e também nas de João Goulart e de Dilma Rousseff (quatro e três presidentes, respectivamente). Infelizmente, o modelo se repete sob Bolsonaro, que apontará o terceiro executivo chefe da companhia em pouco mais de três anos de governo. É nessa condição que assume o posto o economista e consultor Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a partir do dia 13 de abril.
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RIQUEZA SUBMARINA - Exploração do pré-sal: uma das várias justificativas equivocadas para intervenções políticas – André Ribeiro/Agência Petrobras/Divulgação
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Aos 64 anos, Pires chega à Petrobras com o aval do Centrão e do mercado financeiro. O bom trânsito com congressistas na estruturação de propostas para o setor de óleo e gás fez com que seu nome fosse endossado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. “Lira foi a porta de entrada para Pires. Nogueira foi o carimbador”, diz uma fonte próxima ao consultor. “Ele é jeitoso para falar. O general não falava e peitava o governo. Ele fez uma excelente gestão, diga-se de passagem, mas era difícil de conversar”, completa a mesma fonte. Se do ponto de vista político o problema parece resolvido, a sucessão ainda preocupa os acionistas minoritários da empresa, que preferiam manter Silva e Luna no seu comando. “Fico triste com tantas trocas de presidente da empresa. Isso não é boa prática de gestão e gera insegurança e desvio de atenção nos funcionários”, afirma Marcelo Mesquita, representante dos minoritários no conselho de administração.
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Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1980, e com doutorado em economia industrial pela Universidade Paris XIII, Pires se orgulha de dizer que acumula quatro décadas de experiência no setor de energia. Reconhecido por seu trabalho no âmbito acadêmico e como consultor de grandes empresas, agora terá o maior desafio de sua carreira, já que nunca dirigiu uma grande companhia. Crítico contumaz dos governos do PT, sempre defendeu uma política de livre mercado no setor de energia. Além disso, em diversas entrevistas a VEJA, mostrou-se refratário ao intervencionismo na empresa. “Espero e torço para que Bolsonaro resista à tentação de intervir na Petrobras. Esse seria o pior caminho”, disse no início de março, exatamente no começo do processo de fritura de Silva e Luna. “O congelamento dos preços é a pior política possível. O resultado imediato é gerar um desabastecimento dos combustíveis.”
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HISTÓRICO - Protesto na década de 60: o lema “O petróleo é nosso” ainda perdura –
REPRODUCAO ./Reprodução
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Com tal histórico de declarações, o mercado se tranquilizou quando seu nome foi revelado como substituto de Silva e Luna, em informação divulgada por VEJA na tarde da segunda-feira 28. No pregão do dia seguinte, as ações da Petrobras subiram 2,22%, puxando o Ibovespa para cima. A expectativa é que Pires não tomará medidas radicais e antiliberais na condução da empresa, como alterar a política de preços de paridade de importação, adotada durante a presidência de Pedro Parente em 2016 e mantida por seus três sucessores. “O Adriano é um profissional da área. Tem uma biografia a zelar e um histórico de posicionamentos consistentes”, diz Castello Branco, o antecessor de Silva e Luna. “Mas só o tempo vai dizer o que vai acontecer.” Também os representantes dos competidores da Petrobras histórico de posicionamentos consistentes”, diz Castello Branco, o antecessor de Silva e Luna. “Mas só o tempo vai dizer o que vai acontecer.” Também os representantes dos competidores da Petrobras na venda de combustíveis refinados apostam numa postura responsável. “Pires é um profissional atuante no mercado. Ele participa ativamente dos debates dos principais temas de energia no setor de óleo e gás. Sempre defendeu um mercado aberto, alinhado com a paridade de importação. Ele tem muita credibilidade”, explica Sergio Araujo, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).
Se a política de preços deve ser mantida, a dúvida é como Pires poderá atender aos anseios políticos que o levaram ao cargo. Congressistas do Centrão alinhados com o Planalto esperam a colaboração do economista em pautas que possam resultar em diminuição dos atuais níveis de inflação no país. Parlamentares aprovaram recentemente a criação de um fundo de estabilização de preços que seria administrado com recursos de dividendos recebidos da empresa pela União. Pires, provavelmente, será requisitado para ajudar na formulação desse projeto.
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ALÍVIO - Lockdown em Xangai na semana passada: preços menores do petróleo – Hector Retamal/AFP
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Enquanto aguarda a aprovação do seu nome, o novo presidente pode se beneficiar de uma mudança conjuntural capaz de facilitar seu trabalho. Nos últimos dias, o preço do petróleo registrou queda. O lockdown em algumas grandes cidades chinesas ameaçadas pela volta de casos de Covid-19, como Xangai, fez com que a cotação da commodity oscilasse para baixo com a possibilidade de uma demanda menor de petróleo no mundo. Se a tendência for confirmada, e combinada com o arrefecimento da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, além do declínio do dólar, o petróleo entrará em um ciclo de desvalorização. Tal cenário desanuviado favorece Bolsonaro, que poderá incorporar ao seu discurso eleitoral o mérito de ter agido para derrubar o preço dos combustíveis no Brasil. E, mais uma vez, a Petrobras será usada para alimentar os interesses de políticos populistas, uma realidade recorrente independentemente do matiz ideológico do governo. “A Petrobras nasceu em meio a uma estratégia política e econômica de forte cunho estatista e nacionalista”, diz Gilberto Braga, professor da escola de negócios Ibmec, do Rio de Janeiro. “Desde então, as decisões da empresa têm relevância eleitoral, pois os recursos de que dispõe costumam ser decisivos para sustentar as localidades onde atua. Daí tanta interferência dentro da companhia.” É algo que, em quase sete décadas de história, já deveria ter acabado. Mas a tumultuada destituição de Silva e Luna prova que essa ainda é uma realidade distante.
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783
https://veja.abril.com.br/economia/silva-e-luna-detalha-a-veja-as-intervencoes-de-bolsonaro-na-petrobras/
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Roda Viva | Roberto Castello Branco | 28/03/2022
29.567 visualizaçõesTransmitido ao vivo em 28 de mar. de 2022
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Roda Viva
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No Roda Viva, a jornalista Vera Magalhães recebe o economista, ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco.
Os preços do petróleo no mercado internacional e os reflexos no Brasil, com a alta nos setores de combustíveis e alimentos, além da pressão inflacionária serão temas comentados pelo economista. A questão dos subsídios ao diesel, gás e gasolina, prática que já causou sérios problemas em governos anteriores, também estará em discussão na entrevista.
Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas, com pós-doutorado na Universidade de Chicago, Roberto Castello Branco foi indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em 2019. Em 2021, o economista foi afastado, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, depois de se manifestar a favor da privatização de empresas estatais, o que provocou a irritação do chefe de Estado brasileiro.
https://www.youtube.com/watch?v=KTtLrnCAJIA
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Estudo
“O segredo do Bonzo” – Resumo e Análise do conto de Machado de Assis
Entenda o enredo e os principais aspectos da obra
Por Redação Atualizado em 12 abr 2018, 15h46 - Publicado em 17 set 2012, 00h26
– Leia o resumo de Papéis Avulsos
Resumo:
Este conto narrado em primeira pessoa é um relato de supostas experiências vividas por Fernão Mendes Pinto (explorador e aventureiro português do século XVI) quando esteve no reino de Bungo. No início do conto o narrador anuncia que falará sobre uma doutrina que possui diversos benefícios para a alma e por isso deve ser divulgada.
No ano de 1552, ao caminhar com seu amigo Diogo Meireles pelas ruas de Fuchéu no reino de Bungo, Fernão se depara com uma multidão perplexa reunida em torno de um homem chamado Patimau. Este homem estava defendendo que os grilos teriam surgido do ar e das folhas de coqueiro sob a luz da lua nova. Ele termina seu pensamento dizendo que somente alguém com seu estudo e conhecimento poderia realizar esse descobrimento. Em seguida, o povo ovaciona Patimau e sai carregando-o pela cidade e lhe servindo de regalias.
Fernão Mendes e Diogo Meireles continuam caminhando e pouco depois deparam-se com outra cena muito parecida com a anterior: um outro homem defendia outra teoria absurda para uma multidão que o saudava. Os dois resolvem continuar a caminhar até que se encontram com Titané, um amigo de Diogo. Ele os recebeu entusiasmado e explicando sobre a doutrina que estava sendo seguida por alguns homens da cidade que ouviram os ensinamentos de um certo bonzo.
Guiados por Titané, os dois foram no dia seguinte encontrar o tal bonzo, conhecido por Pomada. Ele conta aos dois que desde jovem sempre buscou ampliar seu conhecimento lendo diversos livros e desenvolvendo ideias. Porém, seu esforço nunca era reconhecido, mas o produto final sim. Se de nada valeriam os anos de esforço e estudo sem a existência de outras pessoas para o honrarem, sem uma plateia é como se os saberes não existissem. Assim, ele pensou em uma maneira de conseguir sucesso sem ter que passar por tanto trabalho, já que somente os resultados importavam.
Assim, algo somente existirá se existirem um sujeito que conhece esse objeto. Da mesma forma, se algo não existir na realidade, mas existir na opinião das pessoas, esse algo passa a ter uma “existência real”. Dessa forma, mesmo as teorias absurdas de homens como Patimau poderiam conquistar uma multidão e eles poderiam usufruir dos prazeres que o reconhecimento do povo traz.
Os três deixam, então, a casa do bonzo com o título de “pomadistas” e passam a aplicar a doutrina. Titané, que era alpercateiro (fabricante de alpercatas, um tipo de sandália de couro), divulgou pela cidade que suas alpercatas eram famosas no exterior e que isso elevava a honra da cidade. Ele passa a ser reverenciado pela opinião pública e passa a receber encomendas frequentes. Por sua vez, Fernão Mendes fica famoso como sendo um músico brilhante somente pela prepotência de seus gestos e da maneira como organizava os concertos pela cidade.
Por fim, Diogo Meireles, que era médico, também decide aplicar a doutrina ensinada pelo bonzo. Os cidadãos de Fuchéu estão sofrendo de uma doença que deixa o nariz do enfermo inchado e horrendo, obrigando-o a amputar o nariz. Porém, nenhum doente queria amputar o nariz. Assim, Diogo anuncia sua teoria que consistia na substituição do nariz amputado por um “nariz metafísico”. Da mesma forma que a metafísica, o novo nariz não seria visível ou poderia ser tocado, mas só seria entendido pelo conhecimento do paciente. A partir desse dia, inúmeros enfermos buscam Diogo para fazerem a “substituição” do nariz.
Análise:
Machado de Assis utiliza como base para este conto o relato de um embate teológico entre um padre que recebia regalias do rei e uns monges budistas que o invejavam contado por Fernão Mendes. Machado deixa de lado o embate teológico, e percebe que o que está por trás dessas história não é a questão religiosa, mas sim os favores recebidos do rei.
Utilizando da fama de mentiroso que o aventureiro português tinha, Machado cria um conto de aspectos fantásticos onde a propaganda pessoal e a aparência contam muito mais do que a essência das pessoas. Além disso, através de uma rica linguagem que contrapõe verdade e mentira, o autor coloca esta em pé de igualdade com aquela quando o que não existe (por exemplo, o “nariz metafísico” e as teorias da origem dos grilos) torna-se real através do discurso de alguém.
É interessante notar a ambiguidade da palavra “bonzo” utilizada no conto: no português normativo, “bonzo” significa “monge budista”; mas no português coloquial, significa “sonso”, “dissimulado”. Essa ambiguidade também é refletida no nome do monge: Pomada. Além de ter o sentido de algo que se passa em cima da pele, no português coloquial “pomada” também tinha o sentido de “enganador”, “charlatão”.
Principais personagens:
Fernão Mendes Pinto: aventureiro e explorador português do século XVI, é uma personagem real utilizada por Machado de Assis em seu conto.
Diogo Meireles: amigo de Fernão, é médico.
Pomada: bonzo que desenvolve uma teoria para que as pessoas obtenham sucesso e reconhecimento sem precisarem se esforçar.
Titané: amigo de Diogo.
https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/o-segredo-do-bonzo-capitulo-inedito-de-fernao-mendes-pinto-resumo-e-analise-do-conto-de-machado-de-assis/
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O Segredo do Bonzo, de Machado de Assis
Fonte:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística (http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/literat.html)
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O segredo do bonzo
Capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto
Atrás deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchéu, capital do reino de Bungo, com o padre-mestre Francisco, e de como el-rei se houve com o Fucarandono e outros bonzos, que tiveram por acertado disputar ao padre as primazias da nossa santa religião. Agora direi de uma doutrina não menos curiosa que saudável ao espírito, e digna de ser divulgada a todas as repúblicas da cristandade.
Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, nesta mesma cidade Fuchéu, naquele ano de 1552, sucedeu deparar-se-nos um ajuntamento de povo, à esquina de uma rua, em torno a um homem da terra, que discorria com grande abundância de gestos e vozes. O povo, segundo o esmo mais baixo, seria passante de cem pessoas, varões somente, e todos embasbacados. Diogo Meireles, que melhor conhecia a língua da terra, pois ali estivera muitos meses, quando andou com bandeira de veniaga (agora ocupava-se no exercício da medicina, que estudara convenientemente, e em que era exímio) ia-me repetindo pelo nosso idioma o que ouvia ao orador, e que, em resumo, era o seguinte: - Que ele não queria outra coisa mais do que afirmar a origem dos grilos, os quais procediam do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova; que este descobrimento, impossível a quem não fosse, como ele, matemático, físico e filósofo, era fruto de dilatados anos de aplicação, experiência e estudo, trabalhos e até perigos de vida; mas enfim, estava feito, e todo redundava em glória do reino de Bungo, e especialmente da cidade Fuchéu, cuja filho era; e, se por ter aventado tão sublime verdade, fosse necessário aceitar a morte, ele a aceitaria ali mesmo, tão certo era que a ciência valia mais do que a vida e seus deleites.
A multidão, tanto que ele acabou, levantou um tumulto de aclamações, que esteve a ponto de ensurdecer-nos, e alçou nos braços o homem, bradando: Patimau, Patimau, viva Patimau que descobriu a origem dos grilos! E todos se foram com ele ao alpendre de um mercador, onde lhe deram refrescos e lhe fizeram muitas saudações e reverências, à maneira deste gentio, que é em extremo obsequioso e cortesão.
Desandando o caminho, vínhamos nós, Diogo Meireles e eu, falando do singular achado da origem dos grilos, quando, a pouca distância daquele alpendre, obra de seis credos, não mais, achamos outra multidão de gente, em outra esquina, escutando a outro homem.
Ficamos espantados com a semelhança do caso, e Diogo Meireles, visto que também este falava apressado, repetiu-me na mesma maneira o teor da oração. E dizia este outro, com grande admiração e aplauso da gente que o cercava, que enfim descobrira o princípio da vida futura, quando a terra houvesse de ser inteiramente destruída, e era nada menos que uma certa gota de sangue de vaca; daí provinha a excelência da vaca para habitação das almas humanas, e o ardor com que esse distinto animal era procurado por muitos homens à hora de morrer; descobrimento que ele podia afirmar com fé e verdade, por ser obra de experiências repetidas e profunda cogitação, não desejando nem pedindo outro galardão mais que dar glória ao reino de Bungo e receber dele a estimação que os bons filhos merecem. O povo, que escutara esta fala com muita veneração, fez o mesmo alarido e levou o homem ao dito alpendre, com a diferença que o trepou a uma charola; ali chegando, foi regalado com obséquios iguais aos que faziam a Patimau, não havendo nenhuma distinção entre eles, nem outra competência nos banqueteadores, que não fosse a de dar graças a ambos os banqueteados.
Ficamos sem saber nada daquilo, porque nem nos parecia casual a semelhança exata dos dois encontros, nem racional ou crível a origem dos grilos, dada por Patimau, ou o princípio da vida futura, descoberto por Languru, que assim se chamava o outro. Sucedeu, porém, costearmos a casa de um certo Titané, alparqueiro, o qual correu a falar a Diogo Meireles, de quem era amigo. E, feitos os cumprimentos, em que o alparqueiro chamou as mais galantes coisas a Diogo Meireles, tais como - ouro da verdade e sol do pensamento, - contou-lhe este o que víramos e ouvíramos pouco antes. Ao que Titané acudiu com grande alvoroço: - Pode ser que eles andem cumprindo uma nova doutrina, dizem que inventada por um bonzo de muito saber, morador em umas casas pegadas ao monte Coral. E porque ficássemos cobiçosos de ter alguma notícia da doutrina, consentiu Titané em ir conosco no dia seguinte às casas do bonzo, e acrescentou: - Dizem que ele não a confia a nenhuma pessoa, senão às que de coração se quiserem filiar a ela; e, sendo assim, podemos simular que o queremos unicamente com o fim de a ouvir; e se for boa, chegaremos a praticá-la à nossa vontade.
No dia seguinte, ao modo concertado, fomos às casas do dito bonzo, por nome Pomada, um ancião de cento e oito anos, muito lido e sabido nas letras divinas e humanas, e grandemente aceito a toda aquela gentilidade, e por isso mesmo malvisto de outros bonzos, que se finavam de puro ciúme. E tendo ouvido o dito bonzo a Titané quem éramos e o que queríamos, iniciou-nos primeiro com várias cerimônias e bugiarias necessárias à recepção da doutrina, e só depois dela é que alçou a voz para confiá-la e explicá-la.
- Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber, têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contacto com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador. Um dia, estando a cuidar nestas coisas, considerei que, para o fim de alumiar um pouco o entendimento, tinha consumido os meus longos anos, e, aliás, nada chegaria a valer sem a existência de outros homens que me vissem e honrassem; então cogitei se não haveria um modo de obter o mesmo efeito, poupando tais trabalhos, e esse dia posso agora dizer que foi o da regeneração dos homens, pois me deu a doutrina salvadora.
Neste ponto, afiamos os ouvidos e ficamos pendurados da boca do bonzo, o qual, como lhe dissesse Diogo Meireles que a língua da terra me não era familiar, ia falando com grande pausa, porque eu nada perdesse. E continuou dizendo:
- Mal podeis adivinhar o que me deu idéia da nova doutrina; foi nada menos que a pedra da lua, essa insigne pedra tão luminosa que, posta no cabeço de uma montanha ou no píncaro de uma torre, dá claridade a uma campina inteira, ainda a mais dilatada. Uma tal pedra, com tais quilates de luz, não existiu nunca, e ninguém jamais a viu; mas muita gente crê que existe e mais de um dirá que a viu com os seus próprio olhos. Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente. Tão depressa fiz este achado especulativo, como dei graças a Deus do favor especial, e determinei-me a verificá-lo por experiências; o que alcancei, em mais de um caso, que não relato, por vos não tomar o tempo. Para compreender a eficácia do meu sistema, basta advertir que os grilos não podem nascer do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova, e por outro lado, o princípio da vida futura não está em uma certa gota de sangue de vaca; mas Patimau e Languru, varões astutos, com tal arte souberam meter estas duas idéias no ânimo da multidão, que hoje desfrutam a nomeada de grandes físicos e maiores filósofos, e têm consigo pessoas capazes de dar a vida por eles.
Não sabíamos em que maneira déssemos ao bonzo, as mostras do nosso vivo contentamento e admiração. Ele interrogou-nos ainda algum tempo, compridamente, acerca da doutrina e dos fundamentos dela, e depois de reconhecer que a entendíamos, incitou-nos a praticá-la, a divulgá-la cautelosamente, não porque houvesse nada contrário às leis divinas ou humanas, mas porque a má compreensão dela podia daná-la e perdê-la em seus primeiros passos; enfim, despediu-se de nós com a certeza (são palavras suas) de que abalávamos dali com a verdadeira alma de pomadistas; denominação esta que, por se derivar do nome dele, lhe era em extremo agradável.
Com efeito, antes de cair a tarde, tínhamos os três combinado em pôr por obra uma idéia tão judiciosa quão lucrativa, pois não é só lucro o que se pode haver em moeda, senão também o que traz consideração e louvor, que é outra e melhor espécie de moeda, conquanto não dê para comprar damascos ou chaparias de ouro. Combinamos, pois, à guisa de experiência, meter cada um de nós, no ânimo da cidade Fuchéu, uma certa convicção, mediante a qual houvéssemos os mesmos benefícios que desfrutavam Patimau e Languru; mas, tão certo é que o homem não olvida o seu interesse, entendeu Titané que lhe cumpria lucrar de duas maneiras, cobrando da experiência ambas as moedas, isto é, vendendo também as suas alparcas: ao que nos não opusemos, por nos parecer que nada tinha isso com o essencial da doutrina.
Consistiu a experiência de Titané em uma coisa que não sei como diga para que a entendam. Usam neste reino de Bungo, e em outros destas remotas partes, um papel feito de casca de canela moída e goma, obra mui prima, que eles talham depois em pedaços de dois palmos de comprimento, e meio de largura, nos quais desenham com vivas e variadas cores, e pela língua do país, as notícias da semana, políticas, religiosas, mercantis e outras, as novas leis do reino, os nomes das fustas, lancharas, balões e toda a casta de barcos que navegam estes mares, ou em guerra, que a há freqüente, ou de veniaga. E digo as notícias da semana, porque as ditas folhas são feitas de oito em oito dias, em grande cópia, e distribuídas ao gentio da terra, a troco de uma espórtula, que cada um dá de bom grado para ter as notícias primeiro que os demais moradores. Ora, o nosso Titané não quis melhor esquina que este papel, chamado pela nossa língua Vida e claridade das coisas mundanas e celestes, título expressivo, ainda que um tanto derramado. E, pois, fez inserir no dito papel que acabavam de chegar notícias frescas de toda a costa de Malabar e da China, conforme as quais não havia outro cuidado que não fossem as famosas alparcas dele Titané; que estas alparcas eram chamadas as primeiras do mundo, por serem mui sólidas e graciosas; que nada menos de vinte e dois mandarins iam requerer ao imperador para que, em vista do esplendor das famosas alparcas de Titané, as primeiras do universo, fosse criado o título honorífico de "alparca do Estado", para recompensa dos que se distinguissem em qualquer disciplina do entendimento; que eram grossíssimas as encomendas feitas de todas as partes, às quais ele Titané ia acudir, menos por amor ao lucro do que pela glória que dali provinha à nação; não recuando, todavia, do propósito em que estava e ficava de dar de graça aos pobres do reino umas cinqüenta corjas das ditas alparcas, conforme já fizera declarar a el-rei e o repetia agora; enfim, que apesar da primazia no fabrico das alparcas assim reconhecida em toda a terra, ele sabia os deveres da moderação, e nunca se julgaria mais do que um obreiro diligente e amigo da glória do reino de Bungo.
A leitura desta notícia comoveu naturalmente a toda a cidade Fuchéu, não se falando em outra coisa durante toda aquela semana. As alparcas de Titané, apenas estimadas, começaram de ser buscadas com muita curiosidade e ardor, e ainda mais nas semanas seguintes, pois não deixou ele de entreter a cidade, durante algum tempo, com muitas e extraordinárias anedotas acerca da sua mercadoria. E dizia-nos com muita graça: - Vede que obedeço ao principal da nossa doutrina, pois não estou persuadido da superioridade das tais alparcas, antes as tenho por obra vulgar, mas fi-lo crer ao povo, que as vem comprar agora, pelo preço que lhes taxo.
- Não me parece, atalhei, que tenhais cumprido a doutrina em seu rigor e substância, pois não nos cabe inculcar aos outros uma opinião que não temos, e sim a opinião de uma qualidade que não possuímos; este é, ao certo, o essencial dela.
Dito isto, assentaram os dois que era a minha vez de tentar a experiência, o que imediatamente fiz; mas deixo de a relatar em todas as suas partes, por não demorar a narração da experiência de Diogo Meireles, que foi a mais decisiva das três, e a melhor prova desta deliciosa invenção do bonzo. Direi somente que, por algumas luzes que tinha de música e charamela, em que aliás era mediano, lembrou-me congregar os principais de Fuchéu para que me ouvissem tanger o instrumento; os quais vieram, escutaram e foram-se repetindo que nunca antes tinham ouvido coisa tão extraordinária. E confesso que alcancei um tal resultado com o só recurso dos ademanes, da graça em arquear os braços para tomar a charamela, que me foi trazida em uma bandeja de prata, da rigidez do busto, da unção com que alcei os olhos ao ar, e do desdém e ufania com que os baixei à mesma assembléia, a qual neste ponto rompeu em um tal concerto de vozes e exclamações de entusiasmo, que quase me persuadiu do meu merecimento.
Mas, como digo, a mais engenhosa de todas as nossas experiências, foi a de Diogo Meireles. Lavrava então na cidade uma singular doença, que consistia em fazer inchar os narizes, tanto e tanto, que tomavam metade e mais da cara ao paciente, e não só a punham horrenda, senão que era molesto carregar tamanho peso. Conquanto os físicos da terra propusessem extrair os narizes inchados, para alívio e melhoria dos enfermos, nenhum destes consentia em prestar-se ao curativo, preferindo o excesso à lacuna, e tendo por mais aborrecível que nenhuma outra coisa a ausência daquele órgão. Neste apertado lance, mais de um recorria à morte voluntária, como um remédio, e a tristeza era muita em toda a cidade Fuchéu. Diogo Meireles, que desde algum tempo praticava a medicina, segundo ficou dito atrás, estudou a moléstia e reconheceu que não havia perigo em desnarigar os doentes, antes era vantajoso por lhes levar o mal, sem trazer fealdade, pois tanto valia um nariz disforme e pesado como nenhum; não alcançou, todavia, persuadir os infelizes ao sacrifício. Então ocorreu-lhe uma graciosa invenção. Assim foi que, reunindo muitos físicos, filósofos, bonzos, autoridades e povo, comunicou-lhes que tinha um segredo para eliminar o órgão; e esse segredo era nada menos que substituir o nariz achacado por um nariz são, mas de pura natureza metafísica, isto é, inacessível aos sentidos humanos, e contudo tão verdadeiro ou ainda mais do que o cortado; cura esta praticada por ele em várias partes, e muito aceita aos físicos de Malabar. O assombro da assembléia foi imenso, e não menor a incredulidade de alguns, não digo de todos, sendo que a maioria não sabia que acreditasse, pois se lhe repugnava a metafísica do nariz, cedia entretanto à energia das palavras de Diogo Meireles, ao tom alto e convencido com que ele expôs e definiu o seu remédio. Foi então que alguns filósofos, ali presentes, um tanto envergonhados do saber de Diogo Meireles, não quiseram ficar-lhe atrás, e declararam que havia bons fundamentos para uma tal invenção, visto não ser o homem todo outra coisa mais do que um produto da idealidade transcendental; donde resultava que podia trazer, com toda a verossimilhança, um nariz metafísico, e juravam ao povo que o efeito era o mesmo.
A assembléia aclamou a Diogo Meireles; e os doentes começaram de buscá-lo, em tanta cópia, que ele não tinha mãos a medir. Diogo Meireles desnarigava-os com muitíssima arte; depois estendia delicadamente os dedos a uma caixa, onde fingia ter os narizes substitutos, colhia um e aplicava-o ao lugar vazio. Os enfermos, assim curados e supridos, olhavam uns para os outros, e não viam nada no lugar do órgão cortado; mas, certos e certíssimos de que ali estava o órgão substituto, e que este era inacessível aos sentidos humanos, não se davam por defraudados, e tornavam aos seus ofícios. Nenhuma outra prova quero da eficácia da doutrina e do fruto dessa experiência, senão o fato de que todos os desnarigados de Diogo Meireles continuaram a prover-se dos mesmos lenços de assoar. O que tudo deixo relatado para glória do bonzo e benefício do mundo.
FIM
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O Segredo do Bonzo (Conto), Machado de Assis (AUDIOBOOK)
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poeteiro
ÁUDIO AMADOR - VOZ RIDÍCULA
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