sábado, 9 de abril de 2022

EFICIÊNCIA E DECÊNCIA

Sanções para Putin e punições para Bocó. *** *** GREG NEWS | DECÊNCIA ***************************
*** A imagem da Rússia na Alemanha Oriental Pause Mute Remaining Time -5:25 Picture-in-Picture Fullscreen Caterina Woj 08/04/20228 de abril de 2022 Por décadas, o legado moral da vitória soviética sobre o fascismo de Hitler marcou a identidade de gerações nascidas na antiga Alemanha Oriental. Com Putin, essa imagem se desfaz. https://www.dw.com/pt-br/a-imagem-da-r%C3%BAssia-na-alemanha-oriental/video-61413713 ********************
*** Plu7 Temores de fim de jogo de Putin enquanto Ocidente acumula punição à Rússia por invasão da Ucrânia - Plu7 *** Contenção para ambos. Se não, barbáries à vista! ***
*** Agência Brasil - EBC Amigos dão adeus ao "fotógrafo dos presidentes" | Agência Brasil *** A esperança, sabemos, é a última a aderir a cerimônias de adeus. Dora Kramer: Horizonte perdido Revista Veja *** Eficácia das normas constitucionais Ana Paula de Barcellos Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017 https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/135/edicao-1/eficacia-das-normas-constitucionais Eficácia jurídica é um atributo associado aos enunciados normativos e consiste naquilo que se pode exigir, judicialmente se necessário, com fundamento em cada um deles. A construção da eficácia jurídica das normas em geral e das normas constitucionais em particular1 demanda a identificação/construção: (i) do efeito ou efeitos que o comando normativo pretende produzir (esse é um ponto particularmente sensível quando se trate de princípios); (ii) das condutas que realizam esse efeito ou das condutas diretamente descritas pelo enunciado; (iii) dos destinatários dessas condutas, isto é, aqueles a quem o enunciado atribui deveres; (iv) os beneficiários dessas condutas; e, por fim, (v) quais são afinal as consequências que os beneficiários podem exigir (ou alguém por eles) diante do descumprimento, pelos destinatários, das condutas exigidas pelo comando: essas consequências serão designadas aqui especificamente de modalidades de eficácia jurídica. A eficácia jurídica foi desenvolvida ao longo dos séculos sob a premissa de regras infraconstitucionais, como, e.g., as normas do Código Civil e do Código Penal, que identificam de forma razoavelmente clara e direta os elementos (ii), (iii), (iv) e (v) acima, sequer sendo necessário perquirir quanto ao (i). As normas constitucionais, porém, podem envolver particularidades próprias em relação a todos esses elementos que exigem um desenvolvimento teórico específico.2 Com efeito, algumas previsões constitucionais estabelecem fins e metas, cuja determinação é relativamente indeterminada tendo em conta a diversidade de opiniões existentes acerca de seu sentido e alcance, como é o caso, e.g., do princípio da dignidade humana. De outra parte, nem sempre a Constituição indica quais são as condutas exigidas/necessárias para a realização de determinado fim pretendido por suas normas, como, por exemplo, no caso da moralidade ou ao tratar-se do princípio que prevê que a ordem econômica deve buscar o pleno emprego. A identificação dos destinatários e beneficiários pode também envolver alguma complexidade: a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, por exemplo, é um debate em torno desse tópico. Por fim, que consequências podem ser associadas ao descumprimento das normas constitucionais – as modalidades de eficácia jurídica propriamente ditas – é um tema que tem sido objeto de estudo e é sobre ele que se passa a tratar de forma específica na sequência. ********************************** Sanções para Putin e punições para Bocó. Contenção para ambos. Se não, barbáries à vista ! https://www.politize.com.br/sancoes-internacionais-como-funcionam/ **********************************************************************
*** POLÍTICA INTERNACIONAL Sanções internacionais: como funcionam? Por Isabela Souza Publicado em: 03/05/2017 Atualizado em: 03/05/2017 Compartilhe Conselho de Segurança da ONU. Foto: Devra Berkowitz/ UN
*** Conselho de Segurança da ONU. Foto: Devra Berkowitz/ UN *** As sanções internacionais são medidas apoiadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e utilizadas como uma forma não militar de punir países que ameacem a paz e a segurança mundial. Entenda o que são essas sanções e de que maneira elas já foram aplicadas em situações ao longo da história. O que são sanções internacionais? As sanções internacionais são ações usadas como forma de expressar desaprovação e punir governos ou organizações estrangeiras, a fim de atingir um objetivo político ou comercial. Assim, as sanções são impostas como forma de aplicar pressões e dessa forma incentivar determinado país a mudar sua postura em relação a alguma ação vista por outros países como um problema, ou a consentir com as demandas do sancionador. Com isso, o país sancionador consegue enfraquecer o país sancionado através de uma ação não militar, e assim espera conseguir enfraquecer a nação sancionada até que se cumpram as exigências realizadas. As sanções afetam as relações existentes entre países ou organizações e podem ser tomadas de maneira unilateral (imposta por um país) ou multilateral (imposta por um grupo ou organização de diversos países). As sanções internacionais podem ser de diversos tipos. Veja um pouco mais sobre algumas delas: Sanções diplomáticas: ocorre quando a ação tomada para expressar desaprovação com determinada ação de um país é feita não por medidas contra as relações econômicas ou militares, mas através de meios políticos e diplomáticos. Alguns exemplos de sanções diplomáticas são a redução ou remoção de laços diplomáticos, cancelamento ou limitação de visitas governamentais, fechamento de embaixadas ou ainda a retirada ou expulsão de missões ou pessoal diplomático. Sanções militares: as ações de sanção militar podem ser feitas de forma menos agressiva, como um embargo para cortar o fornecimento de armas a determinado país, ou por ações mais agressivas, como intervenção ou ataques militares. Sanções desportivas: esta forma de sanção busca afetar um país através de ação que prejudique a moral da população da nação afetada. Ocorre, por exemplo, quando as equipes desportivas de um país são proibidas de participar de eventos esportivos internacionais. Sanções econômicas: são ações que restringem as relações comerciais de outras nações com o país punido. Este tipo de sanção pode ser ocorrer na forma de embargo econômico, que consiste em restrições de comércio e comercialização dirigidas ou não a setores específicos da atividade econômica. Alguns exemplos de sanções econômicas são: a proibição de importação ou exportação de determinadas mercadorias, tais como alimentos e medicamentos; a proibição de investimentos no país punido; proibição de prestação de determinados serviços; congelamento de contas bancárias ou outros instrumentos financeiros, como títulos e empréstimos. Sanções comerciais: estas se enquadram na categoria de sanções econômicas, mas ao contrário do que parece, não funcionam como um bloqueio das relações de comércio. As sanções comerciais assumem, por exemplo, a forma de tarifas sobre importação, limitação do volume das importações ou imposição de obstáculos administrativos ao comércio. *** *** Países que já sofreram sanções internacionais O então Secretário-geral da ONU condenando teste nuclear da Coreia do Norte. Foto: UN Photo/Mark Garten ***
*** Secretário-geral da ONU condena teste nuclear da Coreia do Norte. Foto: UN Photo/Mark Garten *** Por mais que existam diferentes formas de sanções internacionais, a mais recorrente delas sem dúvida é a sanção econômica. Já houve no mundo vários episódios de sanções econômicas, algumas delas bastante conhecidas, mesmo antes da existência das Nações Unidas. Vamos conhecer brevemente algumas destas situações? Bloqueio Comercial Uma conhecida tentativa de embargo econômico ocorreu durante as guerras napoleônicas, no começo do século XIX. Em 1806, a França passava por um processo de crescimento econômico, mas tinha como grande concorrente comercial o Reino Unido. O líder francês Napoleão Bonaparte emite então um decreto determinando que todos os portos europeus deveriam fechar suas portas para as embarcações inglesas, proibindo assim que outras nações comercializassem com o Reino Unido. Essa determinação ficou conhecida como Bloqueio Comercial. Contudo, muitas das nações europeias dependiam economicamente do comércio com o Reino Unido. Assim, obedecer à determinação de Napoleão seria prejudicial não apenas para os britânicos, mas para os outros países da Europa. Por isso, na prática o bloqueio acabou não se concretizando como era esperado, principalmente porque para funcionar era necessário que todos os países europeus aderissem e Portugal, que era um grande parceiro comercial da Inglaterra, se recusou a cumprir as ordens da França. Rodésia do Sul O país africano que atualmente se chama Zimbabwe foi uma colônia britânica chamada Rodésia do Sul até 1965, quando passou a viver um período de independência que durou 14 anos. Em 1968, três anos após a nação conquistar sua primeira independência do Reino Unido, foram impostas sanções que proibiam qualquer relação econômica com a Rodésia, que acabou economicamente sufocada e atingiu seu colapso em 1980, quando a população negra do país conquistou o poder, declarou uma nova independência e rebatizou o país como Zimbabwe. Iraque Em 1990, o Conselho de Segurança da ONU impôs sanções ao Iraque que atingiram a esfera militar, financeira e econômica, assegurando um embargo total ao país. A motivação foi a invasão iraquiana ao Kuwait, o que foi o estopim da Guerra do Golfo em 1991. As sanções foram impostas durante o governo de Saddam Hussein mas persistiram mesmo após a sua queda, em 2003. Boa parte das sanções foram retiradas em 2010. As sanções que continuam a existir dizem respeito sobretudo à restrições relacionadas à produção de armas químicas, biológicas e nucleares, assim como no alcance dos mísseis iraquianos. Coreia do Norte A imposição de sanções ao país começou em 2006, após a nação realizar seu primeiro teste nuclear. Com isso, a ONU impôs medidas de embargo à importação e exportação de materiais e equipamentos e à venda de produtos de luxo. As proibições também atingem diretamente as empresas e pessoas envolvidas com o programa atômico do país, que tiveram viagens proibidas e fundos de investimento congelados. As sanções da ONU à Coreia do Norte não surtiram os efeitos esperados e o país continuou a desenvolver seu programa nuclear. Recentemente, foi a vez da União Europeia impor sanções ao país asiático, por considerar que seu programa é uma grave ameaça à segurança internacional. As novas sanções atingem a proibição de vistos e congelamento de ativos financeiros de algumas pessoas envolvidas no programa nuclear norte-coreano. Cuba Certamente o caso de sanção internacional mais conhecido é aquele imposto pelos Estados Unidos à Cuba. O conflito entre os dois países começou em 1959, quando o movimento revolucionário cubano depôs o presidente Fulgencio Batista, aliado do governo estadunidense, e mais tarde, em 1961, impôs o sistema socialista na ilha. O embargo econômico a Cuba começou em 1962, quando os Estados Unidos proibiram que qualquer país mantivesse relações comerciais, financeiras ou econômicas com a ilha. O objetivo era tentar fazer com que a população, privada do acesso a bens de consumo, e empresas, impedidas de realizarem negociações comerciais com as companhias norte-americanas, forçassem a queda de Fidel Castro. Em 2013, Cuba e Estados Unidos começaram um processo de reaproximação. Ainda assim, o embargo econômico ao país continua vigorando e não há previsão de mudança nesse cenário, já que o fim do embargo depende de aprovação do Congresso estadunidense. Quer entender melhor esse processo de reaproximação? Confira aqui! Conheça também: a história da Revolução Cubana Argumentos contrários e favoráveis As sanções internacionais contam com apoio da ONU e o Conselho de Segurança da organização. O principal argumento em defesa das sanções é que elas possibilitam a manutenção da paz e a segurança internacional através de uma alternativa ao uso do poder militar, que pode devastar nações. Contudo, muito se questiona se esse objetivo realmente é alcançado e se as sanções internacionais realmente surtem efeitos positivos. Alguns especialistas afirmam que as sanções atingem apenas efeitos modestos e prejudicam a população mais pobre dos países. Assim, a proposta de impor sanções para desestabilizar os governos não funcionaria, já que vemos alguns líderes de países sancionados continuarem no poder por muito tempo, como são os casos de Cuba e Coreia do Norte. Ainda assim, um dos principais argumentos a favor das sanções não está ligado à sua eficiência, mas à ausência de outra alternativa que não seja de caráter militar. Qual a sua opinião sobre as sanções internacionais? Deixe seu comentário! Referências: Conselho da União Europeia – Boletim Jurídico – Brasil Escola – Estado de S. Paulo – InfoEscola – O Globo Quem escreveu este conteúdo? ISABELA SOUZA Estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Confira mais textos deste(a) redator(a) https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/135/edicao-1/eficacia-das-normas-constitucionais ***********************
*** sexta-feira, 8 de abril de 2022 Fernando Abrucio*: Brasil deixou autoritários crescerem Valor Econômico / Eu & Fim de Semana Não haverá terceira via, Ciro Gomes, candidatura lulista ou mesmo uma democracia a defender se o projeto autoritário de Bolsonaro prosseguir sem contenção de seus atos e discursos O Brasil viveu 21 anos de regime autoritário comandado por militares apoiados por uma elite civil. Naquele período, pessoas foram torturadas e mortas, houve censura à imprensa e às artes, funcionários públicos perderam empregos por conta de suas ideias, a educação virou um lugar de doutrinação e falta de liberdade e, por fim, escondeu-se uma gigantesca epidemia de meningite que matou milhares de crianças. Passado esse pesadelo, o Brasil construiu instituições democráticas que têm sobrevivido por quase quatro décadas, com alternância de poder nos três níveis de governo, garantia de controles democráticos sobre os governantes e expansão dos direitos dos cidadãos. As últimas pesquisas têm mostrado que a imensa maioria da população brasileira prefere a democracia, mas, paradoxalmente, os autoritários cresceram e não estão sendo barrados pela política e pelas elites do país. Dito de outro modo, a existência de instituições democráticas é fundamental para manter o sistema político longe do autoritarismo, porém, sua efetividade depende da capacidade de punir e evitar o crescimento de sentimentos e atitudes autoritárias. A punição cabe aos três Poderes, ao passo que a contenção de discursos e práticas antidemocráticas depende mais da ação das lideranças políticas e sociais. É bom lembrar que leis e instituições são movidas por gente, e a inação dos atores não será corrigida por uma bela Constituição. A chegada do bolsonarismo ao poder significou o crescimento do discurso e de práticas autoritárias, tanto dos que ocupam postos de poder como também de atores sociais que vendem o autoritarismo por diversos espaços da sociedade brasileira como solução para nossos males. Na verdade, mesmo se alimentando das fontes da nova extrema direita internacional, especialmente por meio do conceito de guerra cultural, os bolsonaristas trouxeram à tona valores já arraigados em parte da população, os quais, infelizmente, sobreviveram às quase quatro décadas de democracia. Trata-se daquilo que Paulo Sérgio Pinheiro chamou de autoritarismo socialmente implantado, que envolve valores sociais e práticas estatais autoritárias, mesmo quando as leis garantem o Estado de Direito. O interessante é que esse conceito foi criado logo no início da redemocratização, marcada por muito otimismo e que, de fato, trouxe enormes avanços democráticos a partir da Constituição de 1988. Paulo Sérgio Pinheiro nunca negou o salto civilizatório que o Brasil teve com essa mudança política; no entanto, sempre deixou claro que havia algo mais profundo na sociedade brasileira: a desigualdade, o racismo e outras formas estruturais de discriminação (num país recordista em feminicídio), além do uso da violência estatal contra os direitos humanos. O bolsonarismo conseguiu, então, combinar um ideário iliberal e autoritário presente na extrema direita internacional, como no governo de Viktor Orbán na Hungria (seu maior ídolo), com valores e práticas difusas presentes no autoritarismo socialmente implantado. Há uma novidade aqui: pela primeira vez desde a redemocratização, há lideranças autoritárias com espaço privilegiado na política brasileira. E o líder maior de tudo isso é o presidente Bolsonaro, que age em prol do fortalecimento do autoritarismo com pouco controle sobre suas ações. Esse projeto autoritário no bolsonarismo está ganhando cada vez mais força e se ancora em três elementos: o uso do poder institucional do Executivo Federal em prol de um governo autocrático, a campanha presidencial de Jair Bolsonaro terá no autoritarismo um eixo central e, como grande ponto de interrogação, a incapacidade de as elites do país (econômicas, políticas e sociais) reagirem ao crescimento de lideranças antidemocráticas comandadas pelo próprio presidente da República. O primeiro elemento dessa empreitada autoritária reside numa série de ações realizadas pelo governo Bolsonaro, cujo objetivo é aumentar o caráter autocrático de seu poder, como tem ocorrido recentemente noutros países que paulatinamente deixaram de ser democráticos. Tudo começa com a redução da participação da sociedade em fóruns criados desde a Constituição de 1988. O bolsonarismo só quer o “seu povo” dialogando com o presidente, no cercadinho do Palácio da Alvorada ou em suas redes sociais, tudo de maneira completamente controlada. Afinal, o “Mito” não pode ser questionado, rompendo-se aqui um princípio básico da democracia liberal: os governantes precisam ser inquiridos constantemente pelos eleitores. Para coroar essa forma autocrática de governar, Bolsonaro tornou o Poder Executivo menos transparente. Muitas informações governamentais ficaram menos acessíveis à sociedade, chegando-se ao cúmulo de se criar, em parceria com o presidente da Câmara, Arthur Lira, um Orçamento secreto, cuja soma neste ano pode ultrapassar os R$ 30 bilhões. Uma enorme corrupção está passando por esses canais opacos, onde um governo paralelo e desconhecido dos eleitores se faz presente. Mas, como dizia o filósofo Norberto Bobbio, não se pode controlar o poder invisível, uma das marcas da gestão bolsonarista. O enfraquecimento dos órgãos incumbidos do controle dos atos do Executivo completa essa forma autocrática de governar. O bolsonarismo dominou a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República, diminuiu o impacto das ações do Tribunal de Contas da União e ameaça constantemente o Supremo Tribunal Federal. Como o STF, mais do que o Congresso, tem sido o principal anteparo ao autoritarismo bolsonarista, o objetivo é conquistar suas cadeiras. Duas delas já foram tomadas pelas escolhas de Bolsonaro, e os votos de seus novos ministros provam o acerto da estratégia. No próximo mandato, a meta é ocupar mais alguns espaços na Justiça e ainda ter um domínio majoritário do Senado, outra instituição que em alguns momentos barrou o projeto autocrático do presidente. Se comparado ao mandato dos outros presidentes eleitos democraticamente, é evidente que Bolsonaro conseguiu reduzir sensivelmente o controle institucional e social sobre seu governo. O Brasil é uma democracia, mas menos democrático do que era antes da posse do atual presidente. O modelo autocrático do bolsonarismo, ademais, libera forças autoritárias espalhadas pela sociedade e pelo corpo estatal. Isso pode ser visto em movimentos recentes de policiais militares em vários estados, no fortalecimento das milícias, no crescimento do discurso relativista em relação à democracia e aos direitos humanos no debate público - a defesa da existência de um partido nazista é dos sintomas disso - e, por fim, numa atuação deliberada para apagar a violência do regime militar. Entra aqui o segundo elemento que revela o crescimento do projeto autoritário do bolsonarismo: a campanha de Bolsonaro terá na defesa de uma lógica autoritária de poder uma de suas âncoras. Basta lembrar que o presidente homenageou o coronel Ustra, um dos mais famosos torturadores do regime militar, no discurso que inaugurou sua caminhada na disputa presidencial. A crueldade de Ustra tem como exemplo máximo o episódio em que torturou um casal com seus filhos assistindo. Para quem achou que foi só um aceno secundário aos eleitores radicais, a família Bolsonaro, na figura do deputado Eduardo, reforçou o sentido do bolsonarismo tempos depois ao ridicularizar, cruelmente, a tortura sofrida pela jornalista Miriam Leitão. O elogio à tortura tem dois sentidos no bolsonarismo. No primeiro está uma visão incivilizada de sociedade, na qual é permitido quebrar os direitos humanos mais básicos em nome de um projeto de poder. Desse modo, bolsonaristas não são só autoritários; eles representam a barbárie, a mesma vista recentemente na cena com centenas de civis mortos e jogados nas ruas da Ucrânia. Mas fazer loas a um regime autoritário tem também um significado mais estratégico: Bolsonaro sabe que precisa pedir ao eleitorado uma quantidade de poder bem maior do que recebeu democraticamente das urnas em 2018. O que chama mais a atenção no crescimento do poder do líder autoritário que é Bolsonaro, que tem um projeto político muito forte e consistente, é o silêncio ou a incapacidade de as elites brasileiras reagirem a esse processo. Alguns devem achar que na hora H as instituições democráticas salvarão o país, como se imaginava na Hungria de tempos atrás. Outros devem estar mais preocupados com seus ganhos políticos e econômicos mais imediatos e acreditam na manutenção de seu status quo - e quando forem presos, calados ou tiverem sua liberdade restringida, já será tarde. Há aqueles que já me disseram que se tudo der errado, podem se exilar, quem sabe em Portugal - aquele país governado por um grupo político que gosta de lembrar do horror que foi a ditadura salazarista. Não haverá terceira via, Ciro Gomes, candidatura lulista ou mesmo uma democracia a defender se o projeto autoritário de Bolsonaro prosseguir sem uma ação contundente de punição e contenção a seus atos e discursos. Como em quase todos os regimes autoritários contemporâneos, eles se instalam porque a maioria acreditava que a democracia estava consolidada, e num piscar de olhos o eleito torna-se um ditador sem controles. Chegou a hora de dar um basta no autoritarismo bolsonarista, antes que seja tarde. *Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas. *****************************
*** Trilhante Eficácia das Normas Constitucionais | Trilhante 1. Normas constitucionais e modalidades de eficácia jurídica 1.1. Modalidade de eficácia jurídica: simetria ou positiva2 1.2. Modalidade de eficácia jurídica: nulidade 1.3. Modalidade de eficácia jurídica: ineficácia 1.4. Modalidade de eficácia jurídica: anulabilidade 1.5. Modalidade de eficácia jurídica: negativa11 1.6. Modalidade de eficácia jurídica: vedativa do retrocesso 1.7. Modalidade de eficácia jurídica: penalidade 1.8. Modalidade de eficácia jurídica: interpretativa 1.9. Outras modalidades de eficácia jurídica 2. Modalidades de eficácia jurídica associadas às regras e aos princípios constitucionais: limitações e novos desenvolvimentos 1. Normas constitucionais e modalidades de eficácia jurídica Como referido acima, eficácia jurídica é um atributo associado aos enunciados normativos e consiste naquilo que se pode exigir, judicialmente se necessário, com fundamento em cada um deles. O ideal seria que se pudesse exigir diante do Poder Judiciário exatamente aquele efeito que o comando normativo pretende produzir e as condutas que o realizam e que, por qualquer razão, não vieram a acontecer espontaneamente. Bastaria, assim, identificar o efeito pretendido pelo dispositivo e as condutas necessárias para torná-lo real e solicitar ao Judiciário que os produzisse no mundo dos fatos, coativamente. Embora essa seja a situação ideal, nem sempre o ordenamento jurídico atribui essa espécie de eficácia jurídica ao efeito pretendido por determinado enunciado normativo. Se alguém vendeu um bem, entregou e, vencendo-se o prazo para pagamento, não recebeu do comprador o preço, bastará à parte pedir ao Judiciário que obrigue o comprador a pagá-lo. Em outros casos, todavia, o ordenamento cria formas de eficácia jurídica específicas ou adiciona a essa eficácia ideal outras modalidades diversas, como acontece, e.g., com a possibilidade de responsabilização da autoridade que não oferece ou oferece irregularmente ensino fundamental gratuito (CF, art. 208, § 2º). Na verdade, a ordem jurídica associa aos enunciados uma variedade de modalidades de eficácia jurídica: algumas são desenvolvidas pela doutrina e jurisprudência e outras criadas de forma específica pelo direito positivo. Não há uma razão única para esse fenômeno. A complexidade da vida e das construções e relações humanas repercute, como é natural, no direito, que também vai desenvolvendo formas cada vez mais complexas. Quando alguém comete um assassinato, simplesmente não é possível imaginar que o efeito pretendido pelo dispositivo – de que ninguém fosse morto – possa vir a ser produzido por imposição do Judiciário. Será preciso associar algum outro tipo de eficácia jurídica em reação ao descumprimento do preceito. O enunciado normativo não quer que menores se casem sem a autorização de seus pais ou responsáveis. Mas se eles o fazem, o tempo passa, nascem filhos, que se há de fazer? Determinar, a qualquer tempo, que tudo seja desfeito? Não parece razoável. Há, entretanto, razões menos nobres responsáveis pela circunstância de algumas modalidades de eficácia jurídica serem associadas a determinadas disposições e não a outras, como o preconceito, as opções ideológicas travestidas de técnica e a acomodação dogmática. O que importa aqui, entretanto, não é perquirir por quais razões modalidades diferentes de eficácia jurídica são associadas aos enunciados – esse tema será examinado adiante. O que se pretende neste ponto é descrever e classificar tais modalidades, pois, embora elas não compartilhem de uma natureza única, é possível ordená-las de acordo com um critério hierárquico, cujo ponto mais alto será ocupado por aquela mais apta a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no âmbito da realidade – a modalidade de eficácia positiva ou simétrica, a primeira a ser apresentada –, decrescendo até a modalidade de eficácia mais indireta e débil. As modalidades de eficácia jurídica identificadas na sequência são as seguintes, em ordem decrescente de consistência: (a) perfeitamente simétrica ou positiva; (b) nulidade; (c) ineficácia; (d) anulabilidade; (e) negativa; (f) vedativa do retrocesso; (g) penalidade; (h) interpretativa; e (i) outras. A seleção não é, por evidente, exaustiva, mas oferece um painel suficientemente vasto das diversas modalidades existentes. Note-se, ainda, que é possível reconhecer a um dispositivo mais de uma modalidade de eficácia jurídica. 1.1. Modalidade de eficácia jurídica: simetria ou positiva2 Retomando os exemplos utilizados acima, pode-se verificar que, diante do comando que qualifica como abusivas as multas moratórias superiores a 2% nos contratos de financiamento (Lei 8.078/1990, art. 52, § 1º), o mutuário poderá pedir ao Judiciário a redução forçada da multa aos níveis autorizados por lei. Também a parte prejudicada por eventos imprevistos e imprevisíveis poderá solicitar ao Judiciário a reorganização da relação contratual, de modo a impedir o enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento exclusivo da outra, em consequência da aplicação da ideia de imprevisão (Lei 8.078/1990, art. 6º, V). A espécie de eficácia jurídica associada a tais disposições, e a muitas outras, utiliza a fórmula de criar um direito subjetivo para aquele que seria beneficiado ou simplesmente atingido pela realização dos efeitos do comando normativo e não o foi, de modo que ele possa exigir judicialmente que os referidos efeitos se produzam. Esta é a regra geral em matéria de eficácia jurídica, como já se referiu, e a essa modalidade se estará denominando de positiva ou simétrica. Como é fácil perceber, na escala decrescente de consistência que se apresenta, a eficácia simétrica ou positiva ocupa a primeira colocação. Isso porque ela é a que mais eficazmente é capaz de produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo. Ora: se o Estado de direito pressupõe a capacidade de impor coativamente as determinações estabelecidas pela ordem jurídica, a eficácia simétrica ou positiva é o instrumento que melhor realiza esse desiderato. Exatamente por esse motivo é que ela deverá ser a eficácia associada, como regra, aos enunciados em geral, salvo quando haja razões consistentes em contrário. 1.2. Modalidade de eficácia jurídica: nulidade A nulidade é uma das modalidades de eficácia jurídica criadas de forma específica pelo próprio direito positivo que opera no plano da validade.4 Apresenta quase tanta consistência quanto a positiva ou simétrica, considerando sua aptidão para realizar o efeito normativo ou, como é o mais comum, para impedir a produção de um efeito indesejado por comandos normativos.5 Nos exemplos utilizados, o efeito pretendido pelo comando civil é, e.g., que o menor não pratique atos sem representação. Ou ainda, no âmbito do direito administrativo, que apenas o agente competente possa praticar o ato administrativo, e ninguém mais. A modalidade de eficácia jurídica que possibilita exigir a declaração de nulidade do ato que viola o dispositivo impede-o, como consequência e em regra,6 de produzir efeitos válidos, de modo que o enunciado normativo e seu propósito permanecem preservados. A nulidade, entretanto, pressupõe a prática comissiva de um ato infrator; em geral, não se cogita da nulidade de ato omissivo, ainda que a omissão represente a violação do comando normativo. Sua capacidade de produzir o efeito normativo, por meio da interveniência do Judiciário, sofre nesse ponto uma limitação. 1.3. Modalidade de eficácia jurídica: ineficácia A ordem jurídica autoriza, em determinadas situações, que simplesmente se possa ignorar a existência de atos praticados em desconformidade com ela, desconsiderando os efeitos que o ato porventura pretendesse produzir (trata-se aqui do plano da eficácia).7 Esse é o caso clássico, e.g., das disposições que dispõem a respeito da fraude à execução.8 Nesse caso, o exequente, verificados os requisitos objetivos previstos em lei, poderá exigir do Juízo que simplesmente ignore as consequências da alienação realizada em fraude à execução, de modo que, para os fins daquele processo judicial, tudo se passe como se não tivesse ocorrido qualquer alienação, independentemente da declaração de nulidade ou da anulação do ato. O efeito do enunciado normativo, no caso, é, muito claramente, que o devedor não defraude o processo, alienando seu patrimônio e eximindo-se do cumprimento da obrigação reconhecida judicialmente. A ineficácia, portanto, é uma modalidade de eficácia jurídica bastante capaz de fazer produzir o efeito normativo original. Nada obstante, assim como a nulidade, ela não se adapta às infrações omissivas. 1.4. Modalidade de eficácia jurídica: anulabilidade A anulabilidade, espécie de invalidade, também é uma das modalidades de eficácia jurídica previstas especificamente pelo direito positivo apta a impedir, ao menos em alguma medida, que o ato praticado contrariamente ao enunciado normativo produza efeitos. Isto é: o indivíduo prejudicado pela violação poderá solicitar ao Judiciário que anule o ato, o que, embora se passe no plano da validade, acarreta o desfazimento de suas consequências, de modo que os efeitos pretendidos pelo dispositivo sejam restabelecidos. Embora também seja capaz de impedir a prática de atos contrários ao propósito do enunciado, como as modalidades antes apresentadas, a anulabilidade é cercada de uma série de outras restrições, sobretudo, e.g., em relação ao tempo durante o qual poderá ser suscitada antes de se considerar sanado o vício (em geral prazos relativamente curtos, comparados com os prazos prescricionais gerais)9 e aos legitimados para suscitá-la (aí lembrando-se a impossibilidade de sua decretação de ofício).10 O campo de atuação da anulabilidade também se restringe aos atos comissivos. 1.5. Modalidade de eficácia jurídica: negativa11 A modalidade de eficácia negativa é uma construção doutrinária especialmente relacionada com os princípios constitucionais. Na verdade, tanto a eficácia negativa como a vedativa do retrocesso e a interpretativa, sobre as quais se tratará adiante, são fruto de um esforço empreendido pela doutrina para expandir a capacidade normativa dessa espécie de enunciado normativo. A ideia era – e é – procurar associar ao princípio modalidades de eficácia jurídica capazes, em alguma medida, de assegurar a realização do efeito por ele proposto, tendo em conta as particularidades desses enunciados normativos e a dificuldade de extrair delas algumas das modalidades de eficácia mais tradicionais, apresentadas acima.12 A eficácia negativa autoriza que sejam declaradas inválidas todas as normas (em sentido amplo) ou atos que contravenham os efeitos pretendidos pelo enunciado normativo.13 É claro que para identificar se uma norma ou ato viola ou contraria os efeitos pretendidos pelo enunciado é preciso saber que efeitos são esses e, ainda, que condutas comissivas ou omissivas são necessárias para realizar tais efeitos. Muitas vezes, porém, os efeitos pretendidos pelos princípios constitucionais são relativamente indeterminados a partir de um certo núcleo de sentido mínimo como mencionado acima; é a existência desse núcleo, entretanto, que torna viável a modalidade de eficácia jurídica negativa. Um exemplo facilitará a compreensão. Tome-se o princípio da dignidade da pessoa humana e imagine-se a situação totalmente insólita de uma lei estabelecendo que um determinado grupo de pessoas não pode ser alfabetizado nem pode comprar ou alugar qualquer espécie de imóvel no território nacional. Desconsiderando-se outros princípios e regras constitucionais que também seriam violados, não há dúvida de que a eficácia negativa do princípio da dignidade da pessoa humana conduziria tal norma à invalidade. E por quê? Porque, de acordo com um consenso social bastante elementar, um enunciado desse teor afrontaria aspectos por demais básicos da dignidade humana. A ideia do núcleo mínimo de efeitos dos enunciados normativos constitucionais – e dos princípios em particular – encontra-se subjacente à aplicação da eficácia negativa. Também aqui, como já ocorria com a nulidade, com a ineficácia e com a anulabilidade, a modalidade de eficácia negativa pressupõe uma comissão: um ato, uma norma, alguma espécie de manifestação comissiva no mundo dos fatos, para que ela possa ser deflagrada. Contra a omissão que viola os efeitos do enunciado normativo, tal modalidade de eficácia é praticamente inócua. 1.6. Modalidade de eficácia jurídica: vedativa do retrocesso A vedação do retrocesso é também uma criação doutrinária que diz respeito os enunciados constitucionais, particularmente àqueles relacionados com os direitos fundamentais,14 podendo ser considerada uma derivação ou um aprofundamento da eficácia negativa (e, portanto, seu ofício desenvolve-se igualmente no plano da validade). Entretanto, ao contrário do que acontece com a eficácia negativa, descrita acima, circula quanto à vedação do retrocesso alguma controvérsia, especialmente no que diz respeito à sua extensão.15 Algumas observações serão úteis nesse particular. A modalidade de eficácia jurídica denominada de vedativa do retrocesso trabalha com duas premissas centrais. A primeira premissa é a de que as previsões constitucionais que cuidam de direitos fundamentais – ou ao menos parte delas – precisam de regulamentação infraconstitucional para serem concretizadas. Isto é: os efeitos que pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária. A segunda premissa, que decorre a rigor de expressas opções constitucionais, é a de que dois dos efeitos gerais pretendidos por tais comandos constitucionais são: (i) a aplicação imediata e/ou a efetividade dos direitos fundamentais;16 e (ii) a progressiva ampliação de tais direitos fundamentais.17 Partindo dessas premissas, o que a eficácia vedativa do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação dos enunciados que, regulamentando o comando constitucional, ensejaram a aplicação e a fruição dos direitos fundamentais ou ainda os ampliaram, toda vez que tal revogação não seja acompanhada de uma política substitutiva. Isto é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorrerá quando se revogam as disposições infraconstitucionais descritas deixando um vazio em seu lugar. A ideia é que a revogação de um direito, já incorporado como efeito próprio da norma constitucional, a esvazia e viola, tratando-se, portanto, de uma ação inconstitucional.18 Aprofunde-se a questão. O legislador está vinculado aos propósitos da Constituição, externados principalmente através de seus princípios, não podendo dispor de forma contrária ao que determinam. Assim, ainda que não seja possível exigir judicialmente que o legislador regulamente a norma constitucional, a fim de realizar seus objetivos, pode-se legitimamente pretender que o legislativo, poder constituído, não contravenha os fins constitucionais. Esta é a modalidade de eficácia negativa. Imagine-se, entretanto, que haja uma disposição infraconstitucional regulamentando a previsão constitucional que permite, enfim, que ela possa aplicar-se diretamente ao mundo dos fatos. Poderá o legislador simplesmente revogá-la sem criar qualquer outro mecanismo substitutivo, deixando um vazio no lugar do comando anteriormente existente? Ou seja: poderá o legislador dar um passo atrás em relação aos objetivos constitucionais? Não se trata, é bom observar, da substituição de uma forma de atingir o fim constitucional por outra, que o novo legislativo entenda mais apropriada. A questão que se põe é a da revogação pura e simples da disposição infraconstitucional por meio da qual o legislador esvazia o comando constitucional, exatamente como se dispusesse contra ele diretamente, daí por que as consequências hão de ser as mesmas nos dois casos.19 De toda sorte, também aqui, a eficácia jurídica só alcança as violações comissivas da norma, restando as omissivas, ainda uma vez, sem tutela própria. Antes de seguir adiante, cabe fazer uma nota. O fenômeno que se acaba de descrever, e que desencadearia a aplicação da vedação do retrocesso, pode ser bastante incomum na prática política dos Estados democráticos. Com efeito, uma proposta pretendendo, e.g., a revogação integral do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) – de modo a esvaziar o que dispõe o art. 5º, XXXII, da Constituição20 – parece bastante implausível. No mais das vezes, o intérprete será confrontado com situações intermediárias: modificações na disciplina existente de um direito fundamental que de algum modo restringem a proteção por ele oferecida anteriormente. Aplicar-se-ia aqui a eficácia vedativa do retrocesso? O ponto é delicado e merece algumas considerações. Ao regulamentar um determinado direito fundamental, o legislador faz opções em função daquilo que lhe parece mais conveniente e necessário em face do momento histórico em que vive e do futuro próximo. Se se entender que a vedação do retrocesso impede qualquer tipo de restrição da regulamentação vigente, isso significará concluir que as opções concretas de um determinado legislador não poderiam ser alteradas, salvo para ampliar o alcance do direito ou a proteção e as prerrogativas por ele conferidas. Isto é: a regulamentação concreta de um direito formaria com a sua própria previsão constitucional uma espécie de bloco de constitucionalidade, à qual se reconheceria o status de uma cláusula pétrea ampliada, inviabilizando sua restrição. A conclusão parece problemática por alguns fundamentos. Em primeiro lugar, seria implausível afirmar que a regulamentação dos direitos fundamentais a cargo do Legislador, sobretudo os veiculados pela Carta como princípios, admita apenas um conteúdo e uma forma em particular. Muito ao revés, até por conta das diversas concepções ideológicas, filosóficas e políticas que envolvem os direitos nas sociedades plurais, diferentes regulamentações podem ser validamente editadas. E se é assim, cristalizar em um bloco de constitucionalidade imutável determinada disciplina infraconstitucional de um direito fundamental parece indesejavelmente invasivo do espaço reservado à deliberação democrática e à manifestação do pluralismo político. Com efeito, um dos temas mais relevantes e sensíveis do debate contemporâneo é justamente a construção do equilíbrio adequado entre o papel do constitucionalismo e a restrição que as Constituições rígidas impõem à deliberação democrática majoritária.21 Esse debate é ainda mais grave em ambientes nos quais, como acontece no Brasil, os temas sob o comando da Constituição cresceram substancialmente nos últimos anos e, no mesmo ritmo, o espaço reservado ao intérprete constitucional. Pois bem. Algumas conclusões já podem ser extraídas desse debate, ainda que provisórias, dentre as quais a seguinte: um dos fundamentos para a limitação imposta pelas Constituições às maiorias é, justamente, a consagração de determinados consensos mínimos de natureza material acerca dos direitos fundamentais,22 oponíveis a todos os grupos políticos em disputa, independentemente de suas convicções ideológicas particulares. Veja-se que, do ponto de vista teórico, a limitação justifica-se na medida em que constitui um mínimo, que os grupos eleitoralmente vitoriosos deverão respeitar e a partir do qual poderão desenvolver seus projetos políticos. Nesse contexto, uma aplicação excessivamente abrangente da eficácia vedativa do retrocesso mostra-se claramente inadequada. Há mais que isso, no entanto. Considerando a dignidade da pessoa humana de forma integral e coletiva – isto é: os vários aspectos da dignidade de cada indivíduo e de todos eles em determinada sociedade –, é equivocado imaginar que a proteção ampliada de um específico direito fundamental será sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas. É provável que, em sociedades nas quais há mais mão de obra que empregos, o incremento progressivo dos direitos trabalhistas tenha como efeito a ampliação do mercado informal de trabalho (no qual direito algum é assegurado); a ampla proteção de direitos da personalidade poderá trazer prejuízos à liberdade de imprensa e ao controle social dos atos do poder público;23 a ampliação de determinadas modalidades de assistência social pode gerar vínculos clientelistas, com prejuízos para a autonomia privada em geral dos beneficiados, e a autonomia política em particular, e assim sucessivamente.24 A dignidade humana é um fenômeno complexo e o tratamento jurídico do tema deverá ter em conta esse elemento da realidade. O fenômeno é complexo porque, dado um mesmo indivíduo, sua dignidade é integrada por uma variedade de aspectos que devem estar em equilíbrio. Ademais, o indivíduo não está sozinho no mundo: a dignidade dos demais é também relevante em certa medida, bem como a das gerações futuras. Há ainda a alteração das circunstâncias de fato, que em determinadas situações não poderá ser ignorada. Em suma: não é possível tratar o assunto de forma simplista. Pois bem. Tendo em conta o ambiente que se acaba de descrever, a questão é: como lidar com a eficácia vedativa do retrocesso? De um lado, o “congelamento” de determinada regulamentação de um direito impõe uma limitação excessiva aos futuros grupos que chegarem a assumir o poder político. Além disso, a restrição de determinado direito pode razoavelmente ter por objetivo a promoção de outros direitos, em outros cenários. Por outro lado, o esvaziamento puro e simples de qualquer regulamentação pode ser facilmente mascarado sob o manto de apenas uma “restrição” ao direito fundamental. Dito de outra forma: alguma regulamentação e a aplicabilidade do direito são mantidas apenas do ponto de vista retórico, mas, na realidade, a proteção mínima pretendida pela Constituição é transformada em palavrório sem conteúdo. A questão, como se vê, não é simples. A despeito disso, e na tentativa de avançar um pouco mais a discussão, propõe-se aqui um teste que tem a ambição de tentar auxiliar na distinção entre iniciativas normativas válidas e inválidas em matéria de restrição de direitos fundamentais já regulamentados. Trata-se de um teste por meio do qual se pretende identificar em que circunstâncias a eficácia vedativa do retrocesso será aplicável, para além das hipóteses de revogação total de uma disciplina existente em matéria de direitos fundamentais. A ideia básica é confrontar a nova regulamentação com a garantia mínima que decorre da Constituição e não propriamente com a disciplina já adotada pelo legislador infraconstitucional. O teste pode ser descrito nos termos abaixo. Imagine-se o texto constitucional originalmente editado, e o direito fundamental por ele previsto, antes de qualquer regulamentação. Imagine-se agora a nova regulamentação pretendida para o direito: a que se encontra sob suspeita de restringir invalidamente a disciplina anterior. O teste que se propõe envolve o confronto da nova regulamentação com o texto constitucional diretamente, e não com a regulamentação porventura anteriormente existente. O teste é guiado pela seguinte questão: a nova disciplina pretendida é compatível com a garantia constitucional, tendo em conta o sentido em que ela é compreendida contemporaneamente?25 Ou, dito de outro modo: a nova regulamentação realiza de forma minimamente adequada o bem jurídico tutelado pelo direito fundamental constitucionalmente previsto? A regulamentação pretendida garante a aplicabilidade real e efetiva – isto é: a fruição por seus destinatários – do direito constitucional? Se as respostas a tais perguntas puderem ser afirmativas, a nova regulamentação não poderá ser considerada inválida e a vedação do retrocesso não será aplicável. Se alguma dessas respostas, porém, for negativa, a invalidade parece ser a consequência natural para o caso. Feita a nota sobre a vedação do retrocesso, cabe prosseguir. As seis primeiras modalidades de eficácia jurídica descritas acima – simétrica ou positiva, nulidade, ineficácia, anulabilidade, negativa e vedativa do retrocesso – podem ser qualificadas como formas diretas de eficácia jurídica. Isto é: o que permitem exigir do Judiciário diz respeito diretamente ao efeito do enunciado normativo em questão: seja para produzi-lo coativamente, seja para impedir que atos contrários aos propósitos do dispositivo possam produzir efeitos. As duas modalidades que seguem adiante – penalidade e interpretativa – são, de acordo com o mesmo critério, formas indiretas de eficácia jurídica, na medida em que as providências que, com fundamento nelas, se pode exigir judicialmente não se confundem com o efeito do enunciado, mas apenas contribuem, indiretamente, para que ele se realize. Por essa razão elas foram posicionadas ao final da lista apresentada, tendo em vista que sua capacidade de produzir o efeito normativo pretendido é consideravelmente mais limitada. 1.7. Modalidade de eficácia jurídica: penalidade A forma mais primitiva de eficácia jurídica é a aplicação de uma penalidade ao agente que viola o comando normativo. A penalidade, é claro, não tem a capacidade de produzir o efeito pretendido pelo Direito; sua missão é influenciar a vontade do indivíduo responsável pelo cumprimento da norma para que, diante da ameaça ou da própria pena (prevenção geral ou especial, respectivamente), ele se motive a obedecê-la.26 A penalidade é utilizada, em geral, como a modalidade reserva de eficácia jurídica, isto é: ela será empregada quando não seja possível aplicar nenhuma outra mais consistente. Atualmente, entretanto, embora se dê preferência à tutela específica sempre que isso seja viável, há uma tendência a cumular, com a concessão do bem da vida em si, uma punição,27 muitas vezes até mesmo a título de medida pedagógica contra o infrator, de modo que ele seja desestimulado a violar a norma outra vez.28 De toda sorte, o fato é que há situações em que a penalidade continua a ser a única modalidade de eficácia jurídica aplicável, como acontece muitas vezes, e.g., no direito penal. O próprio direito constitucional prevê espécies particulares de penalidades, como é o caso do impeachment.29 1.8. Modalidade de eficácia jurídica: interpretativa A eficácia interpretativa descreve, de forma simplificada, a possibilidade de exigir do Judiciário que os comandos normativos de hierarquia inferior sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a que estão vinculados. Isso acontece, e.g., entre leis e seus regulamentos e entre a Constituição e a ordem infraconstitucional como um todo. Não se trata apenas de verificar a validade da norma inferior em face da superior, mas de selecionar, dentre as interpretações possíveis da norma hierarquicamente inferior, aquela que melhor realiza a superior. Explica-se melhor. A interpretação jurídica é uma atividade complexa, como não se cansam de registrar os autores que cuidam do tema.30 E isso porque, embora obedeça a determinadas regras, dentre as quais destaca-se a do limite das possibilidades semânticas do texto,31 a interpretação está longe de produzir resultados unívocos32 e, pior, o processo interpretativo, muitas vezes, não é capaz de apresentar-se com uma face lógica e transparente, compreensível ao menos, restando a impressão de um caminho tortuoso, obscuro e, principalmente, voluntarioso. De fato, ao lado dos elementos relativamente objetivos que classicamente fazem parte do instrumental do intérprete (os elementos gramatical, histórico, sistemático e teleológico)33 e, no caso da interpretação constitucional, dos princípios de interpretação especificamente constitucional34 (como, e.g., o princípio da unidade da Constituição), a interpretação convive com um elemento volitivo fundamental, um espaço de escolha ocupado livremente pelo intérprete. Muitas vezes, especialmente nos casos difíceis (hard cases), mas não apenas nestes, a conclusão do processo interpretativo – eventualmente a decisão de um magistrado – repousará em um elemento de vontade inafastável.35 É que, mesmo supondo a interpretação como um processo de subsunção simples, isto é, a aplicação da premissa maior (norma jurídica) sobre a menor (circunstância fática), sempre caberá ao intérprete escolher qual a premissa maior pertinente para o caso, afastando outras, e determinar seu preciso sentido e alcance. Cabe-lhe também fazer a seleção dos fatos relevantes, que haverão de compor a premissa menor. Não é difícil perceber, e.g., que a definição dos fatos, assim como acontece com a interpretação do sistema jurídico propriamente dito,36 poderá envolver uma escolha determinante para o resultado final. Mais que isso, a verdade é que essas decisões que vão sendo tomadas pelo intérprete ao longo do processo de interpretação são determinadas por circunstâncias as mais variadas, desde opiniões e preconceitos puramente pessoais, dos quais ninguém é capaz de se livrar,37 até concepções diversas da finalidade da ordem jurídica como um todo ou de parte dela. Assim, e.g., não é incomum que, ao avaliar os pressupostos processuais e condições da ação de determinada demanda, e apresentando-se dúvida consistente, a admissibilidade da ação acabe por ser definida pelo volume de trabalho que já aguarda o magistrado no cartório, aplicando-se a lógica restritiva na tentativa de reduzir os processos em andamento. Ou, ainda, que o juiz decida a questão tendo em vista a relevância que ele, pessoalmente, atribui ao conflito, nada obstante a importância que sua solução possa ter para as partes. As escolhas poderão variar também uma vez que o intérprete encare a ordem jurídica, e.g., como um meio de promover a segurança jurídica como valor fundamental ou, ao contrário, de realizar justiça acima de qualquer outra consideração. O mesmo acontecerá especificamente na interpretação dos direitos fundamentais, se o intérprete, e.g., visualiza a intervenção do Estado como limitadora do status de liberdade individual original. Nessa linha liberal individualista, como a defendida pelo filósofo austríaco Friedrich Hayek,38 ou mesmo pelo norte-americano Robert Nozick,39 os direitos sociais são intervenções inadmissíveis do Estado na ordem econômica espontânea e na esfera de liberdade dos indivíduos.40 Tudo será diferente, no entanto, se se imaginar a liberdade humana orientada para determinados interesses coletivos e o Estado como um dos agentes da realização desses interesses, ou ainda se se adotar qualquer outra concepção sobre o tema.41 Ora bem. A ordem jurídica brasileira como um todo, tendo a Constituição de 1988 como centro, não é um sistema axiologicamente neutro. Ao contrário, se podem existir variadas concepções sobre o direito, o constituinte originário expressou sua opção por uma delas sobretudo na forma dos princípios fundamentais que escolheu, o que, por evidente, tem repercussão na interpretação dos enunciados normativos em geral. Sendo assim, ainda que não seja possível eliminar essa partícula volitiva e indeterminada da interpretação jurídica, e talvez nem fosse aconselhável fazê-lo, é certamente necessário algum tipo de balizamento que limite esse elemento do processo interpretativo, sob pena de frustrar-se a realização dos valores constitucionais pela substituição da concepção de Estado e de direito escolhida pela assembleia constituinte por aquela individualmente adotada pelo intérprete – a despeito de sua consagração em texto positivo e de todas as sofisticadas técnicas de interpretação. A conclusão é que os princípios constitucionais haverão de funcionar como essas balizas, tendo em conta a modalidade interpretativa da eficácia jurídica que se lhes atribui. Veja-se que a eficácia interpretativa é relevante não só nas relações entre o sistema constitucional e a ordem infraconstitucional, mas também poderá operar também dentro da própria Constituição, em relação aos princípios, pois, embora eles não disponham de superioridade hierárquica sobre as demais disposições constitucionais, até mesmo por força da unidade da constituição, é fácil reconhecer-lhes uma ascendência axiológica sobre o texto constitucional em geral.42 Assim, como identifica Luís Roberto Barroso, caso o princípio seja fundamental (e.g.,o princípio democrático) ou geral (e.g.,o princípio da legalidade), sua eficácia interpretativa espalha-se por toda a Carta, ao passo que, tratando-se de um princípio setorial, seus efeitos serão sentidos apenas no título ou capítulo por ele governado (e.g., princípio da anterioridade no campo tributário). Desse modo, os princípios constitucionais vão orientar a interpretação das regras em geral (não apenas as constitucionais, é bem de ver), de modo que o intérprete se encontra obrigado a optar, dentre as possíveis exegeses que o texto admite para o caso, aquela que realiza melhor o efeito pretendido pelo princípio constitucional pertinente. Note-se que se trata de uma modalidade de eficácia jurídica exatamente porque se deve poder exigir que o magistrado faça essa opção. É claro que os princípios constitucionais, por sua relativa indeterminação (verificada uma vez ultrapassado o seu núcleo básico), oferecem ainda uma margem considerável de subjetividade, o que, todavia, não reduz a importância de seu papel interpretativo. O intérprete deverá demonstrar explicitamente a adequação de suas opções tendo em vista o princípio constitucional pertinente à hipótese. Por mais vago que um princípio possa se apresentar em determinadas circunstâncias, a escolha interpretativa deverá estar vinculada a ele de forma expressa, ao sentido que o intérprete atribua ao princípio naquele momento, e não a quaisquer outras circunstâncias, muitas vezes não declaradas. Assim como se passa com a fundamentação da decisão judicial, através da qual se observa o percurso trilhado pelo juiz, permitindo identificar facilmente onde ele porventura se tenha desviado da rota original,43 da mesma forma a exposição de como uma determinada opinião jurídica se relaciona com os princípios constitucionais aplicáveis permitirá certo balizamento e, em consequência, o controle constitucional do processo de interpretação e de suas conclusões através da sindicabilidade da eficácia interpretativa dos princípios constitucionais.44 Essa espécie de eficácia jurídica tem desempenhado relevante papel no processo que tem sido descrito como de constitucionalização do direito.45 Assim é que disposições do direito processual civil e penal, por exemplo, devem ser interpretadas – nos limites de suas possibilidades semânticas46 – tendo em conta as disposições constitucionais que tratam do assunto, como, e.g., as que tratam da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outras. Uma outra aplicação importante da eficácia interpretativa, já no contexto do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, é a chamada técnica da interpretação conforme a Constituição, que procura lidar com enunciados normativos que ensejam norma ou normas incompatíveis com a Constituição. O objetivo da técnica é, respeitados os limites semânticos dos textos, preservar a supremacia das normas constitucionais ao mesmo tempo em que observa a deferência que merecem as opções do Legislativo e do Executivo. Nesse sentido, do ponto de vista operacional a técnica da interpretação conforme a Constituição pode envolver a definição, para um determinado dispositivo infraconstitucional, de uma interpretação plausível e alternativa, apta a compatibilizá-lo com a Constituição ou, eventualmente, a exclusão de uma determinada possibilidade interpretativa claramente inconstitucional.47 A despeito de sua importância na reinterpretação do direito em geral e também no controle de constitucionalidade, a eficácia interpretativa depende, para existir, de um debate acerca da interpretação de outros comandos; ou seja, há um dispositivo, frequentemente de origem legal, em cujos efeitos se está efetivamente interessado. A Constituição repercute apenas indiretamente no caso concreto, por meio da interpretação e aplicação de outros comandos, daí tratar-se de uma modalidade de eficácia indireta. 1.9. Outras modalidades de eficácia jurídica A listagem apresentada acima não é exaustiva. Certamente há, em vários pontos do ordenamento jurídico, outras modalidades de eficácia jurídica aplicáveis a situações específicas, que não justifica apresentar isoladamente. Um exemplo a registrar de logo é a intervenção federal, providência que se pode exigir, de acordo com os arts. 34 e ss. da Constituição Federal, diante da violação de um conjunto de normas ali especificadas. A essa altura convém fazer uma observação. É preciso distinguir eficácia jurídica da norma do que se convencionou chamar de efetividade49 ou eficácia social. A eficácia jurídica diz respeito, repita-se, àquilo que é possível exigir judicialmente com fundamento na norma. As dificuldades que envolvem a construção da eficácia jurídica das normas, e particularmente dos princípios, são de natureza dogmática e hermenêutica. Isto é: estão no plano jurídico basicamente, ainda que elementos da realidade sejam relevantes e devam ser considerados na discussão hermenêutica, como se verá. Outro problema, distinto, embora igualmente importante, é saber se o efeito pretendido pelo enunciado normativo se verifica frequentemente no mundo dos fatos. Um conjunto de circunstâncias, de natureza a mais variada, pode impedir a realização prática dos efeitos pretendidos por uma norma: (i) seu comando pode ter sido superado socialmente (e.g., como aconteceu durante muito tempo com o dispositivo que criminalizava o adultério), (ii) as pessoas simplesmente desconhecem o comando, (iii) não há, na localidade, órgão do Poder Judiciário e o acesso ao mais próximo é difícil e dispendioso, (iv) as pessoas não têm recursos para ir a juízo, (v) o Judiciário interpreta o dispositivo de modo a esvaziá-lo etc. Além dessas circunstâncias, a modalidade de eficácia jurídica que venha a ser reconhecida às disposições jurídicas em geral, e às constitucionais em particular, poderá também ser um obstáculo à sua efetividade. Na verdade, as modalidades mais débeis de eficácia jurídica representam uma dificuldade para a efetividade dos enunciados normativos, na medida em que o que se pode exigir judicialmente pouco contribuirá para a produção dos efeitos por eles pretendidos. Assim, a falta de efetividade ou eficácia social pode ter várias causas, de natureza variada, todas merecendo o estudo detido em sua área própria e a atenção do jurista. Uma dessas causas poderá ser a debilidade da eficácia jurídica que, nada obstante, não se confunde integralmente com a própria noção de efetividade. 2. Modalidades de eficácia jurídica associadas às regras e aos princípios constitucionais: limitações e novos desenvolvimentos Pois bem: diante das modalidades de eficácia jurídica acima identificadas, como se comportam princípios e regras constitucionais? Que formas de eficácia são em geral associadas a cada uma dessas espécies de enunciados normativos e por quê? As regras são disposições cujos efeitos já se encontram definidos em seu comando (ao menos basicamente) e as diversas condutas necessárias para a realização desses efeitos decorrem deles de forma substancialmente lógica. A repercussão da estrutura das regras sobre sua eficácia jurídica é bastante evidente. Em primeiro lugar, as regras caracterizam-se pela eficácia positiva ou simétrica, isto é, pela possibilidade que oferecem de exigir-se, diante do Judiciário, exatamente o tal efeito definido por seu comando, e em particular as condutas que o concretizam. Essa é sua eficácia padrão, independentemente de qualquer referência explícita do texto legal nesse sentido. Na medida em que o efeito pretendido pela norma esteja de logo identificado, é natural que a modalidade de eficácia seja a positiva, tendo em conta que o propósito da coatividade da ordem jurídica é realizar tais efeitos.50 Nada obstante, e como já se mencionou, outras modalidades de eficácia jurídica podem igualmente ser associadas às regras, como a nulidade, a anulabilidade e a ineficácia, mas nesses casos há, em geral, alguma previsão expressa nesse sentido. Por fim, no caso das regras constitucionais, é possível identificar também algum potencial de eficácia interpretativa. Isso é especialmente verdadeiro quando se trate de regras que cuidam da proteção de direitos fundamentais, já que sua incidência poderá interferir na interpretação de outros enunciados normativos. Talvez o exemplo mais evidente – e popular – desse processo seja a chamada eficácia horizontal ou privada dos direitos fundamentais, que envolve a interpretação do direito privado condicionada pela aplicação dos direitos fundamentais.51 Uma forma mais convencional de eficácia interpretativa das regras diz respeito a sua interpretação extensiva ou sua aplicação analógica.52 Dois exemplos interessantes valem ser referidos aqui. As regras que constam do art. 5º, incisos XI53 e LXIII,54 da Carta de 1988, versam, respectivamente, sobre a inviolabilidade do domicílio e o direito ao silêncio assegurado ao preso. No primeiro caso, a jurisprudência ampliou o entendimento do que deveria ser considerado domicílio para abranger também simples barracos, além de escritórios e locais de trabalho em geral.55 Em relação ao segundo dispositivo, o direito ao silêncio tomou a forma mais precisa de direito à não autoincriminação – que era, na realidade, sua motivação subjacente – e vem sendo aplicado não apenas a presos, mas a acusados no sentido mais amplo do termo, aí se incluindo os depoentes convocados por Comissões Parlamentares de Inquérito.56 A eficácia negativa também se aplica às regras, mas, em geral, de acordo com uma lógica muito mais simples, se comparada aos princípios. A regra não convive com disposições ou comportamentos que a contrariem. Na verdade, a atitude que contraria uma regra a está violando, e outra norma que disponha de forma diversa de seu comando representa uma revogação legítima57 ou uma disposição inválida, caso lhe falte capacidade para alterar o enunciado em questão (como é o caso, e.g., de uma lei ordinária posterior que contraria uma regra constitucional ou de um regulamento que pretenda alterar a lei a que está subordinado).58 A relação dos princípios com as modalidades de eficácia jurídica é consideravelmente diversa, mesmo porque a normatividade dos princípios é fenômeno recente. O esforço da doutrina, portanto, partiu praticamente do zero, além de utilizar todo um instrumental cunhado sob a ótica das regras, e não dos princípios. As modalidades de eficácia jurídica reconhecidas tradicionalmente pela doutrina aos princípios são 3 (três): a interpretativa, a negativa e a vedativa do retrocesso, sendo que esta última, além de envolver alguma controvérsia acerca de seu próprio sentido (v. acima), ainda não se consolidou inteiramente na doutrina e na prática jurisprudencial. Em certo contraste do que se passa com as regras, a eficácia interpretativa tem aplicação bastante ampla no caso dos princípios, exatamente em decorrência da indeterminação de seus efeitos (e das condutas necessárias para realizá-los) e da multiplicidade de situações às quais ele poderá aplicar-se ou em relação às quais deverá funcionar como vetor interpretativo. Isso é ainda mais nítido quando se cuida de princípios constitucionais que, ademais dessas características, gozam ainda da superioridade hierárquica própria da Constituição. Como consequência da eficácia interpretativa, cada disposição infraconstitucional, ou mesmo constitucional, deverá ser interpretada de modo a realizar o mais amplamente possível o princípio que rege a matéria, como se viu acima. A eficácia negativa exige mais elaboração quando se trata dos princípios, igualmente por força de seus efeitos indeterminados. Como já referido, essa modalidade de eficácia funciona como uma espécie de barreira de contenção, impedindo que sejam praticados atos, editados comandos ou aplicadas normas que se oponham aos propósitos do princípio. Na realidade, há aqui um ponto em comum com as regras: se é possível identificar atos ou normas que contrariam o princípio, é porque foi possível identificar algum efeito por ele pretendido. A vedação do retrocesso, por sua vez, desenvolveu-se especialmente tendo em conta os princípios constitucionais e, em particular, aqueles que estabelecem fins materiais relacionados aos direitos fundamentais, para cuja consecução é necessária a edição de disciplina infraconstitucional. Consciente de que estas disposições infraconstitucionais é que formarão o caminho capaz de levar ao fim pretendido, o propósito da vedação é evitar que o legislador vá tirando as tábuas e destrua o caminho porventura já existente, sem criar qualquer alternativa que conduza ao objetivo em questão. O ponto já foi examinado acima. Não há dúvida de que a tripla eficácia reconhecida aos princípios constitucionais – interpretativa, negativa e vedativa do retrocesso – representa um considerável avanço no esforço de construção da sua normatividade, uma vez que, embora de forma indireta, procura assegurar, coativamente inclusive, os efeitos pretendidos pelos princípios. É preciso reconhecer, todavia, que isso ainda é pouco. Tanto a eficácia interpretativa, como a negativa, e a vedativa do retrocesso só dispõem de meios para impedir que o princípio seja violado quando confrontadas com alguma espécie de ação, normalmente estatal: seja um outro enunciado normativo ou ato administrativo que deverá ser interpretado de acordo com o princípio constitucional, seja o ato ou comando que será inválido por contrariá-lo ou, por fim, seja a regulamentação do princípio constitucional que primeiro terá de existir para que, em seguida, se considere inconstitucional sua revogação. Caso nenhuma manifestação comissiva se apresente, não será possível desencadear o mecanismo de qualquer dessas três modalidades de eficácia jurídica. A omissão que deixa de realizar o efeito do princípio escapa ao controle de todas elas. Ocorre que não violar comissivamente não significa necessariamente realizar, salvo se todo o efeito pretendido pelo princípio puder ser alcançado através de uma abstenção.59 Como é fácil perceber, essa não será o caso de várias previsões constitucionais que exigem não só abstenções, mas também ações estatais. A solução do problema está, como é intuitivo, em associar aos princípios modalidades de eficácia jurídica mais consistentes, em particular positiva ou simétrica, de modo que a omissão inconstitucional possa igualmente ser sanada pela via judicial. O tema da omissão inconstitucional, sobretudo quando o destinatário da norma é o Poder Público, tem levado a novos desenvolvimentos no esforço de associar modalidades de eficácia jurídica mais consistentes às previsões constitucionais envolvidas. Um primeiro desses desenvolvimentos trata da possibilidade de identificar-se um conteúdo mínimo com natureza de regra nos princípios de modo a ser possível associar a esse conteúdo mínimo ou nuclear a eficácia positiva ou simétrica. A despeito da importância desse desenvolvimento para o incremento da eficácia jurídica dos princípios constitucionais, a doutrina e a jurisprudência ainda buscam um ponto de equilíbrio entre o espaço próprio da interpretação constitucional e o espaço que cabe ao pluralismo político e a deliberação democrática de cada momento histórico acerca do sentido e alcance a ser dado, para além do seu núcleo de sentido, aos princípios constitucionais. Vale ainda enunciar dois outros desenvolvimentos nesse contexto. O primeiro envolve a evolução da jurisprudência do STF relativamente ao tratamento do mandado de injunção, bem como a recente Lei 13.300/2016 que tratou do tema, que tem focado especificamente na omissão legislativa em regulamentar previsões constitucionais acerca das quais existe o dever constitucional de legislar. E o segundo desenvolvimento, especialmente importante, diz respeito às possibilidades de controle judicial das políticas públicas. E isso porque é fácil perceber que a realização de várias disposições constitucionais passa não apenas por uma ação pontual por parte do Estado, ou mesmo uma ação dirigida a um indivíduo, mas por um conjunto complexo de iniciativas, que envolvem de forma ampla uma política pública, que frequentemente exigirá a edição de normas, a alocação de recursos, a prática contínua de atos administrativos e assim sucessivamente. Notas 1 Para os fins deste verbete, as expressões norma e enunciado normativo estarão sendo usadas como sinônimas embora elas descrevam, a rigor, fenômenos diversos. Sobre o tema, v. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. 2 V. sobre o tema de forma mais ampla, BARCELLOS, Ana Paula de. Eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. 3 A expressão “simétrica” pretende identificar a situação de identidade, simetria, entre o conteúdo da eficácia jurídica – isto é: aquilo que se pode exigir judicialmente – e os efeitos pretendidos pela norma. A modalidade de eficácia jurídica simétrica descreve a perfeita identificação entre os efeitos desejados pela norma e a eficácia jurídica que lhe é reconhecida, na mesma imagem de dois triângulos simétricos opostos. 4 Como se sabe, os atos jurídicos em geral são analisados em três planos distintos: a existência, a validade e a eficácia. As modalidades de eficácia aqui identificadas como nulidade, anulabilidade, negativa e vedativa do retrocesso operam no plano da validade, isto é: são espécies de invalidade, mas repercutem, como é natural, sobre a eficácia do ato (tanto assim que parte da doutrina, embora identificando perfeitamente os três planos, distingue entre uma ineficácia genérica, na qual se inclui, como espécie, a invalidade, e a ineficácia propriamente dita). A modalidade de eficácia jurídica denominada por “ineficácia”, sobre a qual se tratará adiante, desenvolve-se, efetivamente, no plano próprio da ineficácia. Veja-se sobre o tema: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. IV, pp. 8 e ss. e 129 e ss., e t. V, p. 69 e ss.; AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia; e BENJÓ, Simão Isaac. Patologia dos negócios jurídicos. Revista de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nº 12, pp. 38-9, 1992; e PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. I, 2004, pp. 630-2: “(...) há três categorias de atos inválidos (...): uma primeira, referente à nulidade, quando em grau mais sensível o ordenamento jurídico é ferido, sendo maior e, ipso facto, mais violenta a reação; uma segunda, anulabilidade, cuja estrutura se prende a uma desconformidade que a própria lei considera menos grave, motivadora de uma reação menos extrema; e a terceira, inexistência, em que se verifica a ausência de elementos constitutivos do negócio jurídico, de tal forma que não se chega a formar. E há ainda a ineficácia stricto sensu. (...) Ineficácia, stricto sensu, é a recusa de efeitos quando, observados embora os requisitos legais, intercorre obstáculo extrínseco, que impede se complete o ciclo de perfeição do ato. Pode ser originária ou superveniente, conforme o fato impeditivo de produção de efeitos, seja simultâneo à constituição do ato ou ocorra posteriormente, operando contudo retroativamente”. 5 Veja-se sobre a nulidade o Código Civil de 2002, arts. 166 a 170. WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: introdução e parte geral, 1987, p. 27: “Discutiu-se o problema de saber se a nulidade pode também ser considerada como sanção. Certas normas, aparentemente, não têm sanção; limitam-se a declarar nulo ou anulável o ato praticado por determinada pessoa ou em certas condições. Por exemplo, nulo é o ato pratico pelo absolutamente incapaz; anulável é o ato praticado sob coação. Nesses casos, temos, na realidade, um comando disfarçado, que poderia ser formulado da seguinte maneira: o absolutamente incapaz não deve praticar os atos da vida civil, senão por intermédio de seu representante legal. A pessoa coagida não deve praticar atos da vida civil enquanto estiver sob coação”; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. I, 2004, pp. 632-4; e TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código civil interpretado, v. 1, p. 309. 6 A regra não é absoluta, já que há casos, excepcionais, em que atos nulos poderão produzir efeitos válidos, como no exemplo clássico do casamento. No campo do direito público, a Lei 9.868/1999 cuidou de criar nova modalidade dessa exceção, ao permitir, em seu art. 27, que a declaração de inconstitucionalidade em sede abstrata produza efeitos ex nunc ou a partir de outro momento a ser fixado pelo STF, preservando-se assim efeitos produzidos pelo ato inconstitucional, embora fenômeno similar se observe no âmbito de controle de constitucionalidade difuso e incidental. O tema passou a ser identificado de forma geral como “modulação dos efeitos temporais das decisões que declaram inconstitucionalidade”. Para uma discussão sobre o tema, com exemplos, v. BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 7 Segundo BENJÓ, Simão Isaac. Patologia dos negócios jurídicos. Revista de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nº 12, pp. 39-40, 1992, a ineficácia propriamente dita pode ser simples ou relativa: “A ineficácia simples resulta da falta de um elemento integrativo à plena eficácia dum negócio em formação. (...) Na ineficácia relativa, o ato é válido entre as partes, mas não é oponível a terceiros”. (grifo no original); e para TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código civil interpretado, v. 1, p. 308: “O plano da eficácia stricto sensu se restringe a examinar a produção de efeitos do negócio jurídico. De fato, embora preencha todos os requisitos legais, sendo, pois, existente e válido, o negócio jurídico poderá ser ineficaz, quando em virtude da falta de um fator de eficácia, não produzir, desde o princípio, efeitos”. 8 V. arts. 792 e 137 do NCPC. 9 Veja-se o Código Civil, arts. 178, 179 e 206. 10 Código Civil, art. 177. Compare-se com o art. 168, que trata das nulidades. 11 A eficácia jurídica negativa é também uma forma de nulidade, mas que se apresenta em circunstâncias e com características diferenciadas. Sobre essa modalidade de eficácia, veja-se: MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, v. II, p. 220 e ss.; CAMPOS, German J. Bidart. La interpretación y el control constitucionales en la jurisdicción constitucional, p. 238 e ss.; MELLO Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de direito público, nº 57-58. p. 243 e ss.; CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Mandado de injunção. Limitação da taxa de juros. Eficácia das normas constitucionais programáticas. Considerações acerca do art. 192, § 3º, da Constituição Federal. Revista dos Tribunais, v. 26, p. 97 e ss.; SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 158 e ss.; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, pp. 378-9; e O direito constitucional e a efetividade de suas normas, pp. 152-3. Vale registrar que alguns dos autores referidos desenvolvem a eficácia negativa (e também a interpretativa, sobre a qual se tratará adiante) principalmente em relação às chamadas normas programáticas, e apenas secundariamente no que diz respeito aos princípios. Na realidade, as chamadas normas programáticas não são mais do que espécies de princípios, de modo que o raciocínio utilizado para extrair delas tais modalidades de eficácia aplica-se perfeitamente aos princípios como gênero. Veja-se, SILVA, Virgílio Afonso da. Constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 12 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, pp. 378-9; e ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 13 No caso de inconstitucionalidade de outros enunciados, eles poderão ser considerados revogados ou não recepcionados, caso anteriores à promulgação da Constituição; no caso de a incompatibilidade com o princípio se operar em face de uma norma específica, ter-se-á sua não-incidência, por invalidade. Sobre o tema, BARCELLOS, Ana Paula. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, p. 220 e ss. 14 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, pp. 379-80; MENDONÇA, José Vicente dos Santos. Vedação do retrocesso: o que é e como perder o medo. Revista de direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, nº XII. pp. 205-36; DERBLI, Felipe. O princípio da proibição do retrocesso social na Constituição de 1988; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. 15 Para uma visão crítica dessa construção, confira-se ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, pp. 307-311: “O princípio da proibição do retrocesso, enquanto determinante heterónoma vinculativa para o legislador implicaria, bem vistas as coisas, a elevação das medidas legais concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional. (...) De facto, aceitamos um processo de transformação constitucionalizante de normas de direito legal, baseado na ‘consciência jurídica geral’, pois entendemos a Constituição susceptível de evolução, incluindo aí a possibilidade de, ao nível constitucional, se vir a densificar (determinar) o conteúdo dos preceitos. Contudo, isso não implica a aceitação de um princípio geral de proibição do retrocesso, nem uma ‘eficácia irradiante’ dos preceitos relativos aos direitos sociais, encarados como um ‘bloco constitucional dirigente’. A proibição do retrocesso não pode constituir um princípio geral nesta matéria, sob pena de se destruir a autonomia da função legislativa (...)” (grifos no original). 16 Constituição de 1988, art. 5º, § 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Para uma discussão sobre o conceito de efetividade, v. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 17 Na Carta brasileira, esse propósito fica claro tanto no art. 5º, §§ 2º e 3º, como no caput do art. 7º. 18 Veja-se: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 327: “O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei de segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”; e PALLIERI, Balladore. Diritto costituzionale, 1955, p. 322, apud SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 158: “Prescrevem à legislação ordinária uma via a seguir; não conseguem constranger, juridicamente, o legislador a seguir aquela via, mas o compelem, quando nada, a não seguir outra diversa. Seria inconstitucional a lei que dispusesse de modo contrário a quanto a Constituição comanda. E, além disso, uma vez dada execução à norma constitucional, o legislador ordinário não pode voltar atrás”. 19 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista Interesse Público, nº 4, p. 41: “De se atentar que prevalece, hoje, no direito constitucional, o princípio do não-retrocesso, segundo o qual as conquistas relativas aos direitos fundamentais não podem ser destruídas, anuladas ou combalidas (...)”. 20 CF/88, art. 5º, XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. 21 SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade constitucional: os dois lados da moeda. Revista de direito do Estado, nº 2, pp. 83-118. 22 Mesmo os procedimentalistas, ainda que por diferentes razões, admitem que a Constituição deverá consagrar determinados direitos substantivos, no mínimo para assegurar o funcionamento adequado do procedimento que propõem. V. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, p. 245 e ss. 23 V. art. 20 do Código Civil de 2002 (“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”). Para uma visão crítica do dispositivo, v. BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação. Temas de direito constitucional, t. III, p. 79. 24 De certo modo, o ponto foi destacado pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em sua Observação Geral nº 3, de 1990. Como se sabe, o art. 2.1. do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê que os Estados devem, considerando o máximo de recursos de que disponham, adotar medidas para produzir de forma progressiva a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto. No parágrafo 9 da Observação Geral nº 3, o Comitê admite a adoção de medidas restritivas de tais direitos, destacando, porém, que elas deverão justificar-se tendo em conta a totalidade dos direitos previstos no Pacto e no contexto do pleno aproveitamento dos recursos disponíveis. 25 Veja-se que o juízo de compatibilidade entre a nova regulamentação do direito e a Constituição não é puramente textual ou linguístico, mas também histórico e cultural. Isto é: trata-se de saber se a regulamentação que se pretende editar realiza adequadamente o direito tendo em conta o sentido em que ele é compreendido no contexto da cultura do povo naquele determinado momento histórico. 26 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado, pp. 71-72. 27 V., por exemplo, NPC arts. 497 a 500. 28 A aplicação de penalidades com caráter pedagógico, embora controvertida, tem sido particularmente examinada no âmbito das discussões acerca do dano moral. Confira-se: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 315: “Na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II - pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretiumdoloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material”. (grifos no original); FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil, p. 73: “a reparação pelo dano moral tem também natureza de pena privada. É a justa punição contra aquele que atenta contra a honra, o nome ou imagem de outrem, pena, esta, que deve reverter em favor da vítima”; SCHREIBER, Anderson. Arbitramento do dano moral no Código Civil. Revista trimestral de direito civil, nº 12, pp. 03-24; MORAES, Maria Celina Bodin. Punitive damages em sistemas civilistas: problemas e perspectivas. Revista trimestral de direito civil, nº 18, p. 52. Para uma ampla discussão sobre o tema, v. TEPEDINO, Gustavo Tepedino; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado, v. II, pp. 862-865. 29 Embora não seja empregado no texto constitucional ou na legislação, o termo inglês impeachment é utilizado, de forma ampla, para identificar o processo mediante o qual se promove a apuração e o julgamento dos crimes de responsabilidade. Crimes de responsabilidade são aqueles suscetíveis de ser praticados por determinados agentes políticos, em razão dos cargos públicos que ocupam e consistem nos fatos tipificados em lei, em desenvolvimento do delineamento constitucional inscrito no art. 85. Não obstante remeta a matéria à legislação ordinária, a Constituição Federal institui, ela própria, algumas regras procedimentais a serem seguidas (v. arts. 51, I, 52, I e II, e 86). 30 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 168 e ss; e GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 153 e ss. 31 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, pp. 369-370. 32 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 390; e GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 155: “Por isso também insisto na inexistência de uma única resposta correta (verdadeira, portanto) para todos os casos jurídicos – ainda que, repita-se, o intérprete autêntico esteja, através dos princípios, vinculado pelo sistema jurídico”. Isso, nada obstante a posição de Ronald Dworkin, O império do direito, p. 404 e ss. A defesa de Dworkin da melhor decisão, da decisão adequada, no entanto, é mais um desejo que uma realidade, e de qualquer forma diz respeito ao sistema da common law, no qual o caminho já percorrido pela jurisprudência e pelos precedentes conduz o intérprete, em geral, para opções mais restritas que o texto legal, do qual os intérpretes de sistemas romano-germânicos partem em seu trabalho hermenêutico. 33 SAVIGNY, Friedrich Carl von. Sistema del diritto romano attuale, v. I, cap. 4, p. 225 e ss.; e BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 124 e ss. 34 Sobre o tema, veja-se: Idem, p. 151 e ss. Os princípios de interpretação especificamente constitucional apresentados pelo autor são os seguintes: o princípio da supremacia da Constituição, o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público, o princípio da interpretação conforme a Constituição, o princípio da unidade da Constituição, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e o princípio da efetividade. Confira-se também, sobre o tema, PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais. 35 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 390 e ss.; e LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, pp. 325-326: “Observando mais precisamente, reconhecemos que existe uma margem judicial de juízo não só na aplicação dum conceito indeterminado de valor, mas já, muitas vezes, onde aparentemente apenas se trata da subsunção a uma representação geral ou a um conceito objetivo. Com efeito, também estas representações e conceitos são muitas vezes até certo ponto ‘indeterminados’. (...) Portanto, quando o juiz tem de optar entre vários julgamentos, cada um dos quais está dentro do âmbito da sua discricionariedade judicial, deve escolher aquele que considera ‘justo’ segundo a sua intuição axiológica pessoal”. 36 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, pp. 284-285: “Aqui há a notar que uma situação de facto nunca pode ser dada à consciência senão como tendo sido já concebida em determinadas representações gerais correntes. (...) Aqui inevitavelmente já tem lugar alguma selecção das circunstâncias: só é recolhido no relato, e afinal na situação de facto a julgar, aquilo que, na opinião do julgador ou relator, apresenta alguma relação com o ‘núcleo’ do acontecimento e está submetido a uma apreciação jurídica. A ‘situação de fato’ é, portanto, ainda antes de toda a apreciação jurídica, já o resultado dum processo de juízo, interpretação e selecção empreendido pelo próprio julgador (...)”. 37 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 252 e ss. 38 HAYEK, Friedrich A. Direito, legislação e liberdade, v. 2 (A miragem da justiça social). 39 NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e utopia. 40 Ibidem. Na visão de Hayek, não é possível falar de alguma coisa como justiça social e, consequentemente, em direitos sociais, na medida em que a noção de justiça só se aplica a condutas específicas e não a processos impessoais do mercado que alocam bens e serviços e fixam preços de acordo com normas próprias. Seria uma impropriedade conceitual confundir pena ou compaixão com justiça e qualificar o resultado do mercado como justo ou injusto. Além disso, Hayek rejeita o construtivismo estatal, isto é: a intervenção global e estrutural que, em suas palavras, pretende ignorar a tradição e a evolução natural do mercado, supondo, ingenuamente, conhecer o suficiente dessa ordem para alterá-la. Segundo o autor, a incapacidade de o homem conhecer globalmente a ordem natural do mercado resulta em intervenções desastrosas. 41 BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre derechos fundamentales, p. 44 e ss. O autor conclui, com precisão, que a concepção que se adotar a propósito dos direitos fundamentais e da Constituição irá determinar o resultado da interpretação, pp. 45-46: “La teoría de los derechos fundamentales contiene, pues, la forma de reflexión de tales intentos de solución, mediatizada o inspirada a su vez por una determinada concepcióndel Estado/teoría de laConstitución. (...) Con esta constatación no se liman, ciertamente, las aristas del problema, sino que sólo aparece dibujado con más claridad. Y ello porque las consecuencias para el contenido (concreto) de los derechos fundamentales a cuya luz se realice la interpretación de un precepto de derecho fundamental, por ejemplo, a la luz de la del Estado de derecho liberal, de la de una teoría institucional, o de la de una democratico-funcional”. 42 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais; e BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 43 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados, 1985. 44 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 33: “a lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto normativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como adequada (Larenz 1983/86). A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação”. (grifos no original). 45 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista de direito administrativo, v. 240, pp. 01-42, 2005; SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares; HÄBERLE, Peter. Novos horizontes e novos desafios do constitucionalismo. Revista direito público, nº 13, pp.99-120, 2006; COELHO, Inocêncio Mártires. O novo constitucionalismo e a interpretação constitucional. Revista direito público, nº 12, pp. 48-73. 46 A eficácia interpretativa é frequentemente operacionalizada por meio da técnica da interpretação conforme a Constituição. De forma simplificada, a técnica procura, dentre as interpretações possíveis de um enunciado normativo, selecionar aquela que o torna compatível com a Constituição ou mesmo aquela que realiza de forma mais efetiva os fins constitucionais. V. sobre o tema BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 378 e ss. O emprego da interpretação conforme exigirá alguns cuidados, sobretudo quando o parâmetro constitucional empregado é um princípio geral (e.g., como a dignidade humana) e o enunciado infraconstitucional uma regra, a fim de evitar que o intérprete, a pretexto de interpretação conforme, venha na realidade a legislar, criando normas novas a partir das suas convicções pessoais sobre a matéria. Sobre o tema, v. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, pp. 165-234. 47 Sobre o tema, v. LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Interpretação conforme a constituição x nulidade parcial sem redução de texto: semelhanças, diferenças e reflexão sobre sua operacionalização pelo Supremo Tribunal Federal. Direitos Sociais e políticas públicas; SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação conforme a constituição: entre a trivialidade e a centralização judicial. Revista Direito GV, nº 3; APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação conforme a Constituição: instrumentos de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais; RIBEIRO, Julio de Melo. Interpretação conforme a Constituição: a lei fundamental como vetor hermenêutico. Revista de informação legislativa, nº 184. 48 É certo que a constitucionalização do direito não depende exclusivamente da interpretação conforme, já que, como se verá adiante, em determinadas circunstâncias será possível extrair normas de conduta diretamente do texto constitucional. Esse fenômeno se verificou, e.g., no âmbito da ADC 12, rel. Min. Carlos Britto, julgada pelo STF em 16.02.2006, em que se discutia a validade da Resolução 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça. A resolução vedava uma série de práticas de nepotismo no âmbito do Judiciário, inclusive em hipóteses em que inexistia lei específica que proibisse tais condutas. Entendeu-se, porém, que a Resolução era válida já que dos princípios constitucionais sobre a Administração Pública decorria de forma direta a vedação do nepotismo. 49 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, pp. 82-83: “A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (grifos no original). 50 Salvo, evidentemente, nas hipóteses em que se tenha tornado impossível realizar o que a regra pretendia. É o que acontece, e.g., nas situações disciplinadas pelo direito penal. Nesses casos, em geral, a modalidade de eficácia aplicada é a que associa penalidades ao descumprimento da regra. 51 V. sobre o tema SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas; e SILVA, Virgílio Afonso da. Constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 52 Sobre as noções de interpretação extensiva e analogia, veja-se, BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 53 CF: “Art. 5º, XI. A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. 54 CF: “Art. 5º, LXIII.O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. 55 No MS 23.642/DF, DJU 09.03.2000, rel. Min. Néri da Silveira, o STF aplicou a proteção da inviolabilidade do domicílio a escritórios. V. também STF, DJU 25.06.2004, RE 230.020/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence: “Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação daquelas derivadas: tese substancialmente correta, mas, dependente de demonstração concreta de que os fiscais não estavam autorizados a entrar ou permanecer no escritório da empresa, o que demanda reexame de fatos e provas, vedado recurso no extraordinário (Súmula 279). Precedente (HC 79.512, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16.5.2003)”; e STJ, DJU 01.08.2006, HC 48.306/RJ, rel. Min. Gilson Dipp: “Este Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que a apreensão de documentos em escritório, em desacordo com o disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, isto é, sem autorização judicial e em afronta à garantia de inviolabilidade de domicílio, o material obtido configura prova ilícita, hábil a contaminar toda a ação penal. Precedente desta Corte e do STF. Deve ser cassado o acórdão recorrido e determinada a anulação da ação penal instaurada contra o paciente pela suposta prática de crime contra a ordem tributária. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator”. 56 STF, DJU 16.02.2001, HC 79812/SP, rel. Min. Celso de Mello; e DJU 24.03.2000, HC 79.244/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 57 Salvo se for possível estabelecer uma relação de especialidade entre a nova norma e a antiga, de modo que ambas possam conviver. Sobre o critério da especialidade na solução de conflitos entre normas, veja-se BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 9 e ss.; e DOELINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte Brasileira para os conflitos entre o direito interno e o direito internacional: um exercício de ecletismo. Revista Forense, nº 334. pp. 71-107. No artigo, dentre outras questões, o Professor Jacob Dolinger aborda a jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da convivência entre norma interna posterior de caráter geral e tratado internacional de cunho especial, hipóteses em que o tratado permanece sendo aplicado em decorrência do princípio da especialidade. 58 Em situações excepcionais, uma complexidade pode se apresentar. Com efeito, é possível imaginar um enunciado compatível em abstrato com a regra mas que, em concreto, em função das circunstâncias do caso, produz uma norma incompatível com a regra constitucional, hipótese em que apenas a norma será considerada inválida, mas não o enunciado. Uma outra situação possível, ainda mais excepcional, envolve a colisão de regras válidas, não superável pelos meios hermenêuticos tradicionais. Sobre esses temas, v. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, p. 201 e ss. 59 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights. Os autores procuram demonstrar que a distinção corriqueira que se faz entre direitos que exigem apenas uma abstenção (direitos negativos) e os que exigem prestações estatais (direitos positivos) não corresponde à realidade, e que todos os direitos são positivos. Um exemplo utilizado na obra ajuda a esclarecer a ideia. O cumprimento de uma ordem judicial determinando a desocupação de grande área rural ou urbana (tutela do direito de propriedade, que se poderia decompor do princípio da liberdade de iniciativa), exige do Estado a mobilização de policiais e viaturas, isto é, uma prestação, com o correspondente custo. Desse modo, é discutível que haja princípios que demandem apenas abstenções ou que, concretizados, produzam apenas direitos negativos. Referências APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação conforme a Constituição: instrumentos de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2008. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 1974. BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. __________________. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. __________________. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. __________________. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação. 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