Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
domingo, 10 de abril de 2022
POR MARES NUNCA DANTES
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Imperatriz 1976 8/14 - Por Mares nunca dantes Navegados
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maravillatropical
79 mil inscritos
Eu vi mundos nunca vistos nem sonhados
Andei mares nunca dantes navegados
A historia traz
Feitos singulares
Do heroísmo e da fé
De outros mares
De outras terras
Que iluminaram poemas
E a nossa historia encerra
Ao sabor das ondas vêm as naus
A branca espuma cortando
E chego afinal
A ilha verde sem fim
Onde num belo dia
A saudade se fez bonança
Ao chegar na terra da esperança
Fundaram cidades
Cruzaram raças
Tornaram sonho em realidade
Tantos heróis
Tanta grandeza
A nossa historia
Oh, Que beleza!
Nasceste grande, oh meu país
És soberano de um povo feliz
Composição de Gigi/Guga/Sereno
Música neste vídeo
Saiba mais
Música
03 Imperatriz Leopoldinense-Por Mares Nunca Dantes Navegados
Artista
Grupo Especial RJ Sambas Enredo 1976
Álbum
Grupo Especial RJ Sambas Enredo 1976
https://www.youtube.com/watch?v=xpNCHPjyIbk
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Fundação Astrojildo Pereira
Paulo Fábio Dantas Neto: Conjunturas e cenários. É bom não confundir - Fundação Astrojildo Pereira
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domingo, 10 de abril de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto*: Sobre a arte de capitanear em política
Em hora de marola, Luiz Ignácio resolveu acelerar a marcha da sua arca, viajando com metade da lotação possível. No instante em que a maré do seu adversário deixa de ser vazante, nosso Noé antecipa o confronto direto, sem que o lado direito da sua embarcação tenha ganhado peso adequado, seja em tripulantes políticos, com seus mapas, seja em passageiros-eleitores, com suas demandas. Nessas condições, o candidato a estivador, por mais perito que seja, não terá como equilibrar a arca exclusivamente com o peso do próprio corpo. O barco tende a adernar à esquerda. Ainda que não emborque (sua vantagem nas pesquisas e a alta rejeição de Bolsonaro afastam paranoias apocalípticas), terá deixado ao mar, sem acesso a porto seguro, possíveis aliados e eleitores carentes de moderação. A ampla parte do eleitorado não pintada para a guerra pressente, todo dia, o naufrágio de suas esperanças. Quem sobreviver lembrará do gosto salgado do abandono.
O lado esquerdo do barco, com lotação esgotada por muitos crentes e muitos áulicos, sempre poderá culpar moderados que não compareceram ao embarque no bote anunciado como se fosse arca. Alguns teriam faltado porque, hipócritas, jamais se dispuseram a viajar de verdade; outros porque, hesitantes, não souberam fazer a hora e esperaram acontecer. Oxalá o naufrágio da democracia não ocorra mesmo ou, ao menos, não seja fatal como pode ser e sobrem tempo, lugar e pessoas para tal discussão retrospectiva se travar.
Espraiam-se controvérsias sobre motivos dessa imprudência de Lula. Primeira pergunta é se a imprudência é estratégica ou se resulta de perda de rumo. Pode ser que o próprio Lula e/ou a maior parte do comando da sua pré-campanha estejam vendo as pautas-bomba que ele tem veiculado como um caminho, ainda que tortuoso, para alcançar um porto onde se poderá constituir depois um centro político distinto do Centrão - embora não possa exclui-lo, como informa a realidade – para reconstruir o País, como prega a consigna atual do PT.
Se uma inteligência fora do alcance de racionais mortais estiver por trás das mal traçadas linhas que hoje se derramam à vista de todos, talvez haja chance de que não só analistas, mas também políticos que, nas fileiras da esquerda, divisam o iceberg, estejam fazendo tempestade em copo d’agua. Crentes e áulicos aliam-se para ignorar alertas de bombeiros embarcados na arca, caso até de políticos como Randolfe Rodrigues, cujo voluntarismo não é exemplo habitual de prudência política. Na hora H, pensam os convictos, o guia genial dará o pulo do gato, terá a solução e com ela provará que o mundo é estúpido, ele não.
Convém também - ainda dando crédito à hipótese de racionalidade no script que o atual líder das pesquisas encena – admitir que o adernamento da arca é tática sem estratégia. Precisava sair da estagnação porque se nela permanecesse poderia ser atropelado pela embarcação rival que, ao contrário da sua, passou a navegar com passos mais seguros e alvo preciso, apostando, pelo uso desmedido (ave PGR!) de recursos de poder, num avanço incremental que remove obstáculos e incorpora novos tripulantes. Do ponto de vista estritamente eleitoral pode ser apenas um voo de galinha que o próprio Bolsonaro interromperá se concluir que a batalha está perdida. Ele enfrentará armadilhas da fortuna eleitoral, que não vai lhe sorrir de graça depois de tantas manobras imprudentes e criminosas que se cometeu naquela barca em momentos anteriores do trajeto. Mas a sua atual tripulação, centrada e colegiada, toma providências até aqui eficazes para compensar a parca virtù do seu capitão nominal. Lula, de fato, precisava fazer “alguma coisa”. E fez.
A tática escolhida não tem apenas a face do destrambelho. Tem também a da esperteza de curto prazo, que a faz merecer consideração como tática. Esticar a corda ao limite de provocar a fera fascista que as bondades e malícias do centrão têm conseguido domesticar, até um certo ponto. Essa tática tentaria deslocar esse ponto de equilíbrio, constrangendo, de novo, políticos e eleitores que voltaram ou cogitam voltar ao colo de Bolsonaro. Em vez de assistir passivamente à cooptação, a conta-gotas, pelo continuísmo repaginado, de atores e eleitores do campo da chamada “terceira via”, o caso seria tomar a iniciativa tática do confronto, na expectativa de obrigar políticos e partidos e persuadir sociedade e eleitores a discernirem joio e trigo, como discerniram em setembro de 2021. Para isso, vale induzir o bolsonarismo a mostrar garras e armas. Um artigo do jornalista Igor Gielow (“Lula aposta em jogo perigoso para polarizar com Bolsonaro”, FSP, 06.04.22) detalha a tática com uma objetividade que não me é dado superar, daí citá-lo.
Espero, por outro lado, que leitores tenham notado que já não me refiro aqui a Lula, pessoalmente, mas ao tipo de esquerda no qual ele se apoiou durante os anos de infortúnio e que não tem mais condições de neutralizar, como fez em outras viagens suas “ao centro”. É dessa esquerda a gramática que governa, no momento, a semântica do pré-candidato. Em linhas gerais ela diz ao país, primeiro que Lula lhe pertence, é um ativo do qual não abre mão, ainda que seu populismo apenas reformista não contente plenamente à banda mais radical e culturalmente “descolada” dessa esquerda cativa de guerras quentes e frias do século XX. Segundo, lembra que sua pauta, sendo de esquerda, tem que ser forçosamente antiliberal. Eis seus metros principais, o antiliberalismo e o antiglobalismo, valores negativos, para ela equiparáveis, senão superiores, ao da democracia.
Por essa ótica, ganhar eleitores de direita, mesmo liberais de centro, não é missão de Lula. Quem for liberal em economia ou quem acreditar em instituições políticas liberais que encontre um modo próprio de se opor a Bolsonaro votando na esquerda, afinal. Ou adira ao capitão ou, então, como uma impossível terceira via, saia da política “real”, ou até do país, livrando-se talvez do fogo do inferno, mas para arder de dor e raiva num purgatório.
Ela, a esquerda antifascista e antiliberal, pode vencer a eleição mesmo assim e se não vencer, ao menos assegurará, com realismo, o lugar de oposição principal, como assegurou em 2018. Lugar mensurável pelo número de deputados eleitos e, quiçá, pelo governo de São Paulo. O PT volta-se ao útero paulista com a ajuda do seu ícone nacional em declínio. Efeitos a médio prazo das urnas de 2022 dirão se algum partido uterino de esquerda sorrirá enquanto o país sofrer com o prolongamento da crise, ou se o populismo ressurgirá, como bumerangue, em seus intestinos. Guilherme Boulos, encarnando um lulismo pós-moderno, pode frustrar tanto a esperteza tática do PT quanto a imaginação pós-política do PSOL. Se Lula vencer – cenário que ainda é o mais provável - poderemos ao menos crer que será o que Deus quiser. Se o resultado dessa tática sem estratégia for a reeleição de Bolsonaro, Lula sairá da política para continuar na História.
Passo a tratar agora de uma segunda hipótese sobre os motivos do precoce adernamento à esquerda daquilo que, em tese, poderia ser uma arca de Noé acessível à variedade de espécies que marca o mundo da política e o dos cidadãos comuns brasileiros. Em vez de estratégia de uma inteligência genial ou mera tática de uma esperteza facciosa mais trivial, podemos estar diante de reações erráticas de Lula ao deslizamento de um dos pilares importantes de sua estratégia eleitoral. Aqui peço licença para expor um raciocínio.
O que pode estar fazendo Lula se atirar ao mar sem rumo certo e sem embarcação adequadamente tripulada é a redução da perspectiva de cooptar o centrão. É razoável supor que ele contasse - como muitos previam, inclusive eu – que vários nichos daquela aglomeração cairiam no seu colo após fazerem refeições no palácio. Partia-se da premissa de que se tratava de comensais desprovidos de ambição propriamente política. O apetite fisiológico só não era maior, naquela zona cinzenta do espectro político-partidário, do que a fragmentação autofágica e a incapacidade estratégica daí derivada. Seus operadores, quanto mais ávidos por benefícios de governo, mais seriam inaptos para governar.
Acontece que dessa vez o centrão não aderiu ao governo, mas virou, ele mesmo, governo. Isso não quer dizer que as expectativas de Lula e da torcida do Corinthians sobre o comportamento daqueles políticos não eram razoáveis. Elas se baseavam em muitas experiências reais, corretamente interpretadas. É que uma nova experiência de interação política entre poderes, hoje em curso no Brasil, preenche, de modo diverso ao verificado durante o governo Temer, o vácuo que se formou com o trincamento, desde 2013/2014, do “presidencialismo de coalizão”. O empoderamento prático do Congresso na sua relação com o Executivo e algumas novas regras eleitorais mudaram também a conduta de vários políticos e organizações do centrão. Na atitude dos políticos daquele agrupamento, onde muitas vezes se viu uma “essência”, hoje é possível e necessário ver que era contingência. Onde se esperava ver apenas atores autárquicos agindo na penumbra das instituições, vemos, nessa mesma penumbra, um esquema funcionar em concerto, mediante operações que dispensam a verticalidade das antigas. Onde se esperava sopa de siglas, aparecem partidos organizados para governar. O varejo passou a agir no atacado. Reluz a afirmação de Antônio Gramsci de que é grande política reduzir toda a política à pequena política.
Tudo isso está colocando Lula em situação de sobressalto. Seu plano original parece ser ganhar a eleição com a sua popularidade pessoal somada ao apoio compacto da esquerda e à cooptação varejista de partes do centrão. Um aceno “programático” ao centro se resumiria à incorporação simbólica de um político conservador à sua chapa. A eficácia eleitoral da coalizão política real (povão + esquerda + centrão) permitiria esnobar o centro democrático e a centro-direita liberal e até zombar da ideia de terceira via. Com isso estaria conciliando o discurso populista e a pequena política pragmática com a denúncia do "neo-liberalismo” e do “imperialismo”, diretrizes que fermentam, sem peias, no ambiente partidário da esquerda, especialmente o do PT, emulado pela ascensão do PSOL.
O que políticos como Randolfe e Cristovam Buarque percebem é que essa coalizão está trincando porque o centrão adotou Bolsonaro e o está ajudando a furar a barreira do povão. Lançam um grito de alerta não a Lula e ao PT, mas à sociedade, para que ela veja a enrascada em que pode se meter se apostar num Lula focado no seu atual script. O alerta é, ao mesmo tempo, um pedido de socorro para ver se algum movimento de fora para dentro consegue salvar o salvador da pátria, arrancando-o da compulsão das últimas semanas. Ela foi capaz de colocar em segundo plano a formalização da candidatura de Alckmin a vice pelo PSB, sem que Lula demonstre, na concretização disso, a mesma intensidade retórica que dedicou à recente difusão de suas pautas polarizadoras. Espera-se ser só um descuido.
Com menos alarido aparecem outras vozes moderadas da campanha de Lula que avançam além dos apelos do tipo dos de Randolfe e Buarque. Flavio Dino - como faz há tempos - e Tarso Genro, mais recentemente, salientaram que seria um dado positivo, no cenário da pré-campanha, o surgimento de uma candidatura agregadora da chamada terceira via. São manifestações mais ousadas e realistas porque, em vez de acentuarem um risco eleitoral imediato, apontam, implicitamente, para uma impossibilidade política de Lula liderar uma frente cívica para antecipar o segundo turno no primeiro. Para tanto, precisaria adotar discurso e ânimo negociador de segundo turno, o que está longe de acontecer. De fato, como ele daria uma quebrada de asa para fazer omelete assim, sem quebrar inumeráveis ovos na sua frigideira? Além da disputa em São Paulo, são carradas de candidatos a deputado ancorados no discurso contra o liberalismo. Lula já não capitaneia sua tropa do jeito que capitaneou um dia. Por isso os passageiros até aqui ocupam só um lado da arca.
A fórmula frente de esquerda com vice brando + nacos do Centrão + gratidão do povão é um nó cego que não vai ser desatado. Lula tem liberdade para conversar com empresários de variados quilates, mas pisa em ovos quando se mexe na área política da oposição não petista a Bolsonaro. Uma distância se consolidou por ela não ter sido incluída como aliada, e sim como rival, na sua estratégia eleitoral original. Cada eventual passo seu em direção a quadros atualmente adversários de centro, de centro direita ou de centro-esquerda, como Michel Temer, Simone Tebet, Ciro Gomes, Roberto Freire, Aécio Neves, João Dória, Eduardo Leite ou ACM Neto, tenderia a ter alto custo de mobilização doméstica, no plano nacional ou em estados relevantes. E seriam esses (ao menos alguns desses) os diálogos mais necessários, com variados graus de relevância. Claro que as interdições são recíprocas, mas é elementar, na arte de capitanear, a premissa de que a iniciativa para vence-las cabe, primordialmente, a quem lidera e pode vencer a batalha principal. Tudo indica que é tarde. Acordos regionais foram feitos, a janela partidária fechada. Será assim, na base do engrossa aqui, pipoca ali, que Lula indica ir até o fim, apostando que vai ganhar.
Flavio Dino aponta na direção correta. Considero não ser exagero dizer que hoje Lula precisa, mais do que já precisava antes, de uma candidatura razoavelmente forte de centro-direita que tire votos de Bolsonaro e também impeça que novos votos conservadores retornem para ele. Em resumo, candidatura capaz de evitar que um empate técnico ocorra, entre os dois contendores principais, ainda no primeiro turno. Há meses pesquisas sugerem que a candidatura solitária de Ciro Gomes não será capaz de fazer isso.
A viabilidade disso acontecer é tema para outra coluna. Um bom ponto, que vi proposto em algum lugar durante essa movimentada semana, é saber o que é mais difícil: aparecer uma candidatura mais competitiva do centro democrático ou a candidatura de Lula tomar um rumo compatível com o eleitor moderado, objeto de desejo do centro democrático.
Parece claro que esse eleitor moderado anda desolado. Os nós cegos da estratégia eleitoral de Lula e da centrifugação dos partidos do centro o deixam, por ora, sem opção política contra o capitão no poder e, naturalmente disposto a seguir o campo que conseguir desatar o seu nó. Enquanto Lula não amplia de fato sua capitania, esse eleitor moderado depende do MDB, PSDB, União Brasil e Cidadania fundarem a sua. Falarei disso no sábado.
*Cientista político e professor da UFBa.
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Luís Vaz de Camões
Canto I (Parte I)
1
As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
4
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.
5
Dai-me hüa fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no Universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
6
E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade,
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Pera do mundo a Deus dar parte grande.
7
Vós, tenro e novo ramo florecente,
De hüa árvore, de Cristo mais amada
Que nenhüa nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele pera Si na cruz tomou);
8
Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro,
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando dece o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco Oriental e do Gentio
Que inda bebe o licor do santo Rio:
9
Inclinai por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno Templo;
Os olhos da real benignidade
Ponde no chão: vereis um novo exemplo
De amor dos pátrios feitos valerosos,
Em versos divulgado numerosos.
10
Vereis amor da pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quase eterno;
Que não é prémio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor superno,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
11
Ouvi: que não vereis com vãs façanhas,
Fantásticas, fingidas, mentirosas,
Louvar os vossos, como nas estranhas
Musas, de engrandecer-se desejosas:
As verdadeiras vossas são tamanhas,
Que excedem as sonhadas, fabulosas,
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro,
E Orlando, inda que fora verdadeiro.
12
Por estes vos darei um Nuno fero,
Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço,
Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero
A cítara para eles só cobiço;
Pois polos Doze Pares dar-vos quero
Os Doze de Inglaterra e o seu Magriço;
Dou-vos também aquele ilustre Gama,
Que para si de Eneias toma a fama.
13
Pois se a troco de Carlos, Rei de França,
Ou de César, quereis igual memória,
Vede o primeiro Afonso, cuja lança
Escura faz qualquer estranha glória;
E aquele que a seu reino a segurança
Deixou, co a grande e próspera vitória;
Outro Joane, invicto cavaleiro;
O quarto e quinto Afonsos e o terceiro.
14
Nem deixarão meus versos esquecidos
Aqueles que, nos Reinos lá da Aurora,
Se fizeram por armas tão subidos,
Vossa bandeira sempre vencedora:
Um Pacheco fortíssimo e os temidos
Almeidas, por quem sempre o Tejo chora,
Albuquerque terríbil, Castro forte,
E outros em quem poder não teve a morte.
15
E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto,
Tomai as rédeas vós do Reino vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
(Que polo mundo todo faça espanto)
De exércitos e feitos singulares
De África as terras e do Oriente os mares.
16
Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver, o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tétis todo o cerúleo senhorio
Tem pera vós por dote aparelhado,
Que, afeiçoada ao gesto belo e tenro,
Deseja de comprar-vos pera genro.
17
Em vós se vêem, da Olímpica morada,
Dos dous avós as almas cá famosas;
Hüa na paz angélica dourada,
Outra, polas batalhas sanguinosas.
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.
18
Mas, enquanto este tempo passa lento
De regerdes os povos, que o desejam,
Dai vós favor ao novo atrevimento,
Pera que estes meus versos vossos sejam,
E vereis ir cortando o salso argento
Os vossos Argonautas, por que vejam
Que são vistos de vós no mar irado,
E costumai-vos já a ser invocado.
19
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Proteu são cortadas,
20
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em consílio glorioso,
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu fermoso,
Vem pela Via Láctea juntamente,
Convocados, da parte do Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante.
21
Deixam dos Sete Céus o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Alto Poder, que só co pensamento
Governa o Céu, a Terra e o Mar irado.
Ali se acharam juntos num momento
Os que habitam o Arcturo congelado
E os que o Austro têm e as partes onde
A Aurora nasce e o claro Sol se esconde.
22
Estava o Padre ali, sublime e dino,
Que vibra os feros raios de Vulcano,
Num assento de estrelas cristalino,
Com gesto alto, severo e soberano;
Do rosto respirava um ar divino,
Que divino tornara um corpo humano;
Com hüa coroa e ceptro rutilante,
De outra pedra mais clara que diamante.
23
Em luzentes assentos, marchetados
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros Deuses, todos assentados,
Como a Razão e a Ordem concertavam
(Precedem os antigos, mais honrados,
Mais abaixo os menores se assentavam);
Quando Júpiter alto, assi dizendo,
Cum tom de voz começa grave e horrendo:
24
«Eternos moradores do luzente,
Estelífero Pólo e claro Assento:
Se do grande valor da forte gente
De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente
Como é dos Fados grandes certo intento
Que por ela se esqueçam os humanos
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.
25
«Já lhe foi (bem o vistes) concedido,
Cum poder tão singelo e tão pequeno,
Tomar ao Mouro forte e guarnecido
Toda a terra que rega o Tejo ameno.
Pois contra o Castelhano tão temido
Sempre alcançou favor do Céu sereno:
Assi que sempre, enfim, com fama e glória,
Teve os troféus pendentes da vitória.
26
«Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,
Que co a gente de Rómulo alcançaram,
Quando com Viriato, na inimiga
Guerra Romana, tanto se afamaram.
Também deixo a memória que os obriga
A grande nome, quando alevantaram
Um por seu capitão, que, peregrino,
Fingiu na cerva espírito divino.
27
«Agora vedes bem que, cometendo
O duvidoso mar num lenho leve,
Por vias nunca usadas, não temendo
De Áfrico e Noto a força, a mais se atreve
Que, havendo tanto já que as partes vendo
Onde o dia é comprido e onde breve,
Inclinam seu propósito e perfia
A ver os berços onde nasce o dia.
28
«Prometido lhe está do Fado eterno,
Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
Do mar que vê do Sol a roxa entrada.
Nas águas tem passado o duro Inverno;
A gente vem perdida e trabalhada.
Já parece bem feito que lhe seja
Mostrada a nova terra que deseja.
29
«E, porque, como vistes, têm passados
Na viagem tão ásperos perigos,
Tantos climas e céus exprimentados,
Tanto furor de ventos inimigos,
Que sejam, determino, agasalhados
Nesta costa Africana como amigos,
E, tendo guarnecida a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.»
30
Estas palavras Júpiter dizia,
Quando os Deuses, por ordem respondendo,
Na sentença um do outro diferia,
Razões diversas dando e recebendo.
O padre Baco ali não consentia
No que Júpiter disse, conhecendo
Que esquecerão seus feitos no Oriente,
Se lá passar a Lusitana gente.
31
Ouvido tinha aos Fados que viria
Hüa gente fortíssima de Espanha,
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da Índia tudo quanto Dóris banha,
E com novas vitórias venceria
A fama antiga, ou sua ou fosse estranha.
Altamente lhe dói perder a glória
De que Nisa celebra inda a memória.
32
Vê que já teve o Indo sojugado
E nunca lhe tirou Fortuna ou caso
Por vencedor da Índia ser cantado
De quantos bebem a água de Parnaso.
Teme agora que seja sepultado
Seu tão célebre nome em negro vaso
De água do esquecimento, se lá chegam
Os fortes Portugueses que navegam.
33
Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nela
Da antiga, tão amada sua, Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual, quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.
34
Estas causas moviam Citereia,
E mais, porque das Parcas claro entende
Que há-de ser celebrada a clara Deia,
Onde a gente belígera se estende.
Assi que, um, pela infâmia que arreceia,
E o outro, polas honras que pretende,
Debatem, e na perfia permanecem;
A qualquer seus amigos favorecem.
35
Qual Austro fero ou Bóreas, na espessura,
De silvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura
Com ímpito e braveza desmedida,
Brama toda a montanha, o som murmura,
Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
Tal andava o tumulto, levantado
Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.
36
Mas Marte, que da Deusa sustentava
Entre todos as partes em porfia,
Ou porque o amor antigo o obrigava,
Ou porque a gente forte o merecia,
De antre os Deuses em pé se levantava:
Merencório no gesto parecia;
O forte escudo, ao colo pendurado,
Deitando pera trás, medonho e irado;
37
A viseira do elmo de diamante
Alevantando um pouco, mui seguro,
Por dar seu parecer se pôs diante
De Júpiter, armado, forte e duro;
E dando hüa pancada penetrante,
Co conto do bastão no sólio puro,
O Céu tremeu, e Apolo, de torvado,
Um pouco a luz perdeu, como enfiado;
38
E disse assi: «Ó Padre, a cujo império
Tudo aquilo obedece que criaste,
Se esta gente que busca outro Hemisfério,
Cuja valia e obras tanto amaste,
Não queres que padeçam vitupério,
Como há já tanto tempo que ordenaste,
Não ouças mais, pois és juiz direito,
Razões de quem parece que é suspeito.
39
«Que, se aqui a razão se não mostrasse
Vencida do temor demasiado,
Bem fora que aqui Baco os sustentasse,
Pois que de Luso vêm, seu tão privado;
Mas esta tenção sua agora passe,
Porque enfim vem de estâmago danado;
Que nunca tirará alheia enveja
O bem que outrem merece e o Céu deseja.
40
«E tu, Padre de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada
Não tornes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da cousa começada.
Mercúrio, pois excede em ligeireza
Ao vento leve e à seta bem talhada,
Lhe vá mostrar a terra onde se informe
Da Índia e onde a gente se reforme.»
41
Como isto disse, o Padre poderoso,
A cabeça inclinando, consentiu
No que disse Mavorte valeroso,
E néctar sobre todos esparziu.
Pelo caminho Lácteo glorioso
Logo cada um dos Deuses se partiu,
Fazendo seus reais acatamentos
Pera os determinados apousentos.
42
Enquanto isto se passa na fermosa
Casa etérea do Olimpo omnipotente,
Cortava o mar a gente belicosa
Já lá da banda do Austro e do Oriente,
Entre a costa etiópica e a famosa
Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente
Queimava então os Deuses, que Tifeu
Co temor grande em pexes converteu.
43
Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o Céu tinha por amigo;
Sereno o ar e os tempos se mostravam
Sem nuvens, sem receio de perigo.
O promontório Prasso já passavam
Na costa de Etiópia, nome antigo,
Quando o mar, descobrindo, lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.
44
Vasco da Gama, o forte Capitão,
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e de altivo coração,
A quem Fortuna sempre favorece,
Pera se aqui deter não vê razão,
Que inabitada a terra lhe parece.
Por diante passar determinava,
Mas não lhe sucedeu como cuidava.
45
Eis aparecem logo em companhia
Uns pequenos batéis, que vêm daquela
Que mais chegada à terra parecia,
Cortando o longo mar com larga vela.
A gente se alvoroça e, de alegria,
Não sabe mais que olhar a causa dela.
"Que gente será esta? (em si diziam)
Que costumes, que Lei, que Rei teriam?"
46
As embarcações eram na maneira
Mui veloces, estreitas e compridas;
As velas com que vêm eram de esteira,
De hüas folhas de palma, bem tecidas;
A gente da cor era verdadeira
Que Faeton, nas terras acendidas,
Ao mundo deu, de ousado e não prudente
(O Pado o sabe e Lampetusa o sente).
47
De panos de algodão vinham vestidos,
De várias cores, brancos e listrados;
Uns trazem derredor de si cingidos,
Outros em modo airoso sobraçados;
Das cintas pera cima vêm despidos;
Por armas têm adagas e tarçados;
Com toucas na cabeça; e, navegando,
Anafis sonorosos vão tocando.
48
Cos panos e cos braços acenavam
As gentes Lusitanas, que esperassem;
Mas já as proas ligeiras se inclinavam,
Pera que junto às Ilhas amainassem.
A gente e marinheiros trabalhavam,
Como se aqui os trabalhos se acabassem;
Tomam velas, amaina-se a verga alta;
Da âncora o mar ferido em cima salta.
49
Não eram ancorados, quando a gente
Estranha polas cordas já subia.
No gesto ledos vêm, e humanamente
O Capitão sublime os recebia.
As mesas manda pôr em continente;
Do licor que Lieu prantado havia
Enchem vasos de vidro, e do que deitam
Os de Faeton queimados nada enjeitam.
50
Comendo alegremente, perguntavam,
Pela Arábica língua, donde vinham,
Quem eram, de que terra, que buscavam,
Ou que partes do mar corrido tinham?
Os fortes Lusitanos lhe tornavam
As discretas repostas que convinham:
"Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente.
51
"Do mar temos corrido e navegado
Toda a parte do Antárctico e Calisto,
Toda a costa Africana rodeado,
Diversos céus e terras temos visto.
Dum Rei potente somos, tão amado,
Tão querido de todos e benquisto,
Que não no largo Mar, com leda fronte,
Mas no lago entraremos de Aqueronte.
52
"E, por mandado seu, buscando andamos
A terra Oriental que o Indo rega;
Por ele o mar remoto navegamos,
Que só dos feios focas se navega.
Mas já razão parece que saibamos
(Se entre vós a verdade não se nega)
Quem sois, que terra é esta que habitais,
Ou se tendes da Índia alguns sinais?"
53
"Somos (um dos das Ilhas lhe tornou)
Estrangeiros na terra, Lei e nação;
Que os próprios são aqueles que criou
A Natura, sem Lei e sem Razão.
Nós temos a Lei certa que ensinou
O claro descendente de Abraão,
Que agora tem do Mundo o senhorio;
A mãe Hebreia teve e o pai Gentio.
Continua...
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Luís Vaz de Camões
Canto I (Parte II)
Canto I (Parte II)
54
"Esta Ilha pequena que habitamos
É em toda esta terra certa escala
De todos os que as ondas navegamos,
De Quíloa, de Mombaça e de Sofala.
E, por ser necessária, procuramos,
Como próprios da terra, de habitá-la;
E, por que tudo enfim vos notifique,
Chama-se a pequena Ilha: Moçambique.
55
"E, já que de tão longe navegais,
Buscando o Indo Hidaspe e terra ardente,
Piloto aqui tereis, por quem sejais
Guiados pelas ondas sabiamente.
Também será bem feito que tenhais
Da terra algum refresco, e que o Regente,
Que esta terra governa, que vos veja
E do mais necessário vos proveja."
56
Isto dizendo, o Mouro se tornou
A seus batéis com toda a companhia;
Do Capitão e gente se apartou
Com mostras de devida cortesia.
Nisto Febo nas águas encerrou,
Co carro de cristal, o claro dia,
Dando cargo à Irmã, que alumiasse
O largo Mundo, enquanto repousasse.
57
A noite se passou, na lassa frota,
Com estranha alegria e não cuidada,
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
Na gente e na maneira desusada,
E como os que na errada Seita creram,
Tanto por todo o mundo se estenderam.
58
Da Lüa os claros raios rutilavam
Polas argênteas ondas Neptuninas;
As Estrelas os Céus acompanhavam,
Qual campo revestido de boninas;
Os furiosos ventos repousavam
Polas covas escuras peregrinas;
Porém da armada a gente vigiava,
Como por longo tempo costumava.
59
Mas, assi como a Aurora marchetada
Os fermosos cabelos espalhou
No Céu sereno, abrindo a roxa entrada
Ao claro Hiperiónio, que acordou,
Começa a embandeirar-se toda a armada
E de toldos alegres se adornou,
Por receber, com festas e alegria,
O Regedor das Ilhas, que partia.
60
Partia, alegremente navegando,
A ver as naus ligeiras Lusitanas,
Com refresco da terra, em si cuidando
Que são aquelas gentes inumanas
Que, os apousentos Cáspios habitando,
A conquistar as terras Asianas
Vieram e, por ordem do Destino,
O Império tomaram a Costantino.
61
Recebe o Capitão alegremente
O Mouro e toda sua companhia;
Dá-lhe de ricas peças um presente,
Que só pera este efeito já trazia;
Dá-lhe conserva doce e dá-lhe o ardente,
Não usado licor, que dá alegria.
Tudo o Mouro contente bem recebe,
E muito mais contente come e bebe.
62
Está a gente marítima de Luso
Subida pela enxárcia, de admirada,
Notando o estrangeiro modo e uso
E a linguagem tão bárbara e enleada.
Também o Mouro astuto está confuso,
Olhando a cor, o trajo e a forte armada;
E, perguntando tudo, lhe dizia
Se porventura vinham de Turquia.
63
E mais lhe diz também que ver deseja
Os livros de sua Lei, preceito ou fé,
Pera ver se conforme à sua seja,
Ou se são dos de Cristo, como crê;
E, por que tudo note e tudo veja,
Ao Capitão pedia que lhe dê
Mostras das fortes armas de que usavam,
Quando cos inimigos pelejavam.
64
Responde o valeroso Capitão,
Por um que a língua escura bem sabia:
"Dar-te-ei, Senhor ilustre, relação
De mi, da Lei, das armas que trazia.
Nem sou da terra nem da geração
Das gentes enojosas de Turquia.
Mas sou da forte Europa belicosa;
Busco as terras da Índia tão famosa.
65
"A Lei tenho d'Aquele a cujo império
Obedece o visíbil e invisíbil,
Aquele que criou todo o Hemisfério,
Tudo o que sente e todo o insensíbil;
Que padeceu desonra e vitupério,
Sofrendo morte injusta e insofríbil,
E que do Céu à Terra enfim deceu,
Por subir os mortais da Terra ao Céu.
66
"Deste Deus-Homem, alto e infinito,
Os Livros que tu pedes não trazia,
Que bem posso escusar trazer escrito
Em papel o que na alma andar devia.
Se as armas queres ver, como tens dito,
Cumprido esse desejo te seria;
Como amigo as verás, porque eu me obrigo
Que nunca as queiras ver como inimigo."
67
Isto dizendo, manda os diligentes
Ministros amostrar as armaduras:
Vêem arneses e peitos reluzentes,
Malhas finas e lâminas seguras,
Escudos de pinturas diferentes,
Pelouros, espingardas de aço puras,
Arcos e sagitíferas aljavas,
Partanasas agudas, chuças bravas.
68
As bombas vêem de fogo e juntamente
As panelas sulfúreas, tão danosas;
Porém aos de Vulcano não consente
Que dêem fogo às bombardas temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode; e com razão:
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.
69
Porém disto que o Mouro aqui notou
E de tudo o que viu, com olho atento,
Um ódio certo na alma lhe ficou,
Hüa vontade má de pensamento.
Nas mostras e no gesto o não mostrou,
Mas, com risonho e ledo fingimento,
Tratá-los brandamente determina,
Até que mostrar possa o que imagina.
70
Pilotos lhe pedia o Capitão,
Por quem pudesse à Índia ser levado;
Diz-lhe que o largo prémio levarão
Do trabalho que nisso for tomado.
Promete-lhos o Mouro, com tenção
De peito venenoso e tão danado
Que a morte, se pudesse, neste dia,
Em lugar de pilotos lhe daria.
71
Tamanho o ódio foi e a má vontade,
Que aos estrangeiros súpito tomou,
Sabendo ser sequaces da Verdade,
Que o filho de David nos ensinou.
Ó segredos daquela Eternidade
A quem juízo algum não alcançou!
Que nunca falte um pérfido inimigo
Àqueles de quem foste tanto amigo!
72
Partiu-se nisto, enfim, co a companhia,
Das naus o falso Mouro despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledo a todos e fingido.
Cortaram os batéis a curta via
Das águas de Neptuno; e recebido
Na terra do obsequente ajuntamento,
Se foi o Mouro ao cógnito apousento.
73
Do claro Assento etéreo, o grão Tebano,
Que da paternal coxa foi nascido,
Olhando o ajuntamento Lusitano
Ao Mouro ser molesto e avorrecido,
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E, enquanto isto só na alma imaginava,
Consigo estas palavras praticava:
74
"Está do Fado já determinado
Que tamanhas vitórias, tão famosas,
Hajam os Portugueses alcançado
Das Indianas gentes belicosas;
E eu só, filho do Padre sublimado,
Com tantas qualidades generosas,
Hei-de sofrer que o Fado favoreça
Outrem, por quem meu nome se escureça?
75
"Já quiseram os Deuses que tivesse
O filho de Filipo, nesta parte,
Tanto poder, que tudo sometesse
Debaixo do seu jugo o fero Marte;
Mas há-se de sofrer que o Fado desse
A tão poucos tamanho esforço e arte,
Que eu, co grão Macedónio, e Romano,
Demos lugar ao nome Lusitano?
76
"Não será assi, porque, antes que chegado
Seja este Capitão, astutamente
Lhe será tanto engano fabricado
Que nunca veja as partes do Oriente.
Eu decerei à Terra e o indignado
Peito revolverei da Maura gente;
Porque sempre por via irá direita
Quem do oportuno tempo se aproveita."
77
Isto dizendo, irado e quase insano,
Sobre a terra Africana descendeu,
Onde, vestindo a forma e gesto humano,
Pera o Prasso sabido se moveu.
E, por milhor tecer o astuto engano,
No gesto natural se converteu
Dum Mouro, em Moçambique conhecido,
Velho, sábio e co Xeque mui valido.
78
E, entrando assi a falar-lhe, a tempo e horas
A sua falsidade acomodadas,
Lhe diz como eram gentes roubadoras
Estas que ora de novo são chegadas;
Que das nações na costa moradoras,
Correndo a fama veio que roubadas
Foram por estes homens que passavam,
Que com pactos de paz sempre ancoravam.
79
"E sabe mais (lhe diz) como entendido
Tenho destes Cristãos sanguinolentos,
Que quase todo o mar têm destruído
Com roubos, com incêndios violentos;
E trazem já de longe engano urdido
Contra nós; e que todos seus intentos
São pera nos matarem e roubarem,
E mulheres e filhos cativarem.
80
"E também sei que tem determinado
De vir por água a terra, muito cedo,
O Capitão, dos seus acompanhado,
Que da tenção danada nasce o medo.
Tu deves de ir também cos teus armado
Esperá-lo em cilada, oculto e quedo,
Porque, saindo a gente descuidada,
Cairão facilmente na cilada.
81
"E se inda não ficarem deste jeito
Destruídos ou mortos totalmente,
Eu tenho imaginada no conceito
Outra manha e ardil que te contente:
Manda-lhe dar piloto que de jeito
Seja astuto no engano, e tão prudente,
Que os leve aonde sejam destruídos,
Desbaratados, mortos ou perdidos."
82
Tanto que estas palavras acabou,
O Mouro, nos tais casos sábio e velho,
Os braços pelo colo lhe lançou,
Agradecendo muito o tal conselho;
E logo nesse instante concertou
Pera a guerra o belígero aparelho,
Pera que ao Português se lhe tornasse
Em roxo sangue a água que buscasse.
83
E busca mais, pera o cuidado engano,
Mouro que por piloto à nau lhe mande,
Sagaz, astuto e sábio em todo o dano,
De quem fiar se possa um feito grande.
Diz-lhe que, acompanhando o Lusitano,
Por tais costas e mares co ele ande,
Que, se daqui escapar, que lá diante
Vá cair onde nunca se alevante.
84
Já o raio apolíneo visitava
Os Montes Nabateios acendido,
Quando Gama cos seus determinava
De vir por água a terra apercebido.
A gente nos batéis se concertava,
Como se fosse o engano já sabido;
Mas pôde suspeitar-se facilmente,
Que o coração pressago nunca mente.
85
E mais também mandado tinha a terra,
De antes, pelo piloto necessário,
E foi-lhe respondido em som de guerra,
Caso do que cuidava mui contrário.
Por isto, e porque sabe quanto erra
Quem se crê de seu pérfido adversário,
Apercebido vai, como podia,
Em três batéis somente que trazia.
86
Mas os Mouros que andavam pela praia,
Por lhe defender a água desejada,
Um de escudo embraçado e de azagaia,
Outro de arco encurvado e seta ervada,
Esperam que a guerreira gente saia,
Outros muitos já postos em cilada;
E, por que o caso leve se lhe faça,
Põem uns poucos diante por negaça.
87
Andam pela ribeira alva, arenosa,
Os belicosos Mouros acenando
Com a adarga e co a hástia perigosa,
Os fortes Portugueses incitando.
Não sofre muito a gente generosa
Andar-lhe os cães os dentes amostrando;
Qualquer em terra salta, tão ligeiro,
Que nenhum dizer pode que é primeiro:
88
Qual, no corro sanguino, o ledo amante,
Vendo a fermosa dama desejada,
O touro busca e, pondo-se diante,
Salta, corre, sibila, acena e brada,
Mas o animal atroce, nesse instante,
Com a fronte cornígera inclinada,
Bramando, duro corre e os olhos cerra,
Derriba, fere e mata e põe por terra.
89
Eis nos batéis o fogo se levanta
Na furiosa e dura artilheria,
A plúmbea péla mata, o brado espanta,
Ferido, o ar retumba e assovia.
O coração dos Mouros se quebranta,
O temor grande o sangue lhe resfria.
Já foge o escondido, de medroso,
E morre o descoberto aventuroso.
90
Não se contenta a gente Portuguesa,
Mas, seguindo a vitória, estrui e mata;
A povoação sem muro e sem defesa
Esbombardeia, acende e desbarata.
Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,
Que bem cuidou comprá-la mais barata;
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O velho inerte e a mãe que o filho cria.
91
Fugindo, a seta o Mouro vai tirando
Sem força, de covarde e de apressado,
A pedra, o pau e o canto arremessando;
Dá-lhe armas o furor desatinado.
Já a Ilha e todo o mais desemparando,
À terra firme foge amedrontado;
Passa e corta do mar o estreito braço
Que a ilha em torno cerca em pouco espaço.
92
Uns vão nas almadias carregadas,
Um corta o mar a nado, diligente;
Quem se afoga nas ondas encurvadas,
Quem bebe o mar e o deita juntamente.
Arrombam as miúdas bombardadas
Os pangaios sutis da bruta gente.
Destarte o Português, enfim, castiga
A vil malícia, pérfida, inimiga.
93
Tornam vitoriosos pera a armada,
Co despojo da guerra e rica presa,
E vão a seu prazer fazer aguada,
Sem achar resistência nem defesa.
Ficava a Maura gente magoada,
No ódio antigo mais que nunca acesa;
E, vendo sem vingança tanto dano,
Somente estriba no segundo engano.
94
Pazes cometer manda, arrependido,
O Regedor daquela inica terra,
Sem ser dos Lusitanos entendido
Que em figura de paz lhe manda guerra;
Porque o piloto falso prometido,
Que toda a má tenção no peito encerra,
Pera os guiar à morte lhe mandava,
Como em sinal das pazes que tratava.
95
O Capitão, que já lhe então convinha
Tornar a seu caminho acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha
Pera ir buscar o Indo desejado,
Recebendo o piloto que lhe vinha,
Foi dele alegremente agasalhado,
E respondendo ao mensageiro, a tento,
As velas manda dar ao largo vento.
96
Destarte despedida, a forte armada
As ondas de Anfitrite dividia,
Das filhas de Nereu acompanhada,
Fiel, alegre e doce companhia.
O Capitão, que não caía em nada
Do enganoso ardil que o Mouro urdia,
Dele mui largamente se informava
Da Índia toda e costas que passava.
97
Mas o Mouro, instruído nos enganos
Que o malévolo Baco lhe ensinara,
De morte ou cativeiro novos danos,
Antes que à Índia chegue, lhe prepara.
Dando razão dos portos Indianos,
Também tudo o que pede lhe declara,
Que, havendo por verdade o que dizia,
De nada a forte gente se temia.
98
E diz-lhe mais, co falso pensamento
Com que Sínon os frígios enganou
Que perto está hüa Ilha, cujo assento
Povo antigo Cristão sempre habitou.
O Capitão, que a tudo estava a tento,
Tanto com estas novas se alegrou,
Que com dádivas grandes lhe rogava
Que o leve à terra onde esta gente estava.
99
O mesmo o falso Mouro determina
Que o seguro Cristão lhe manda e pede;
Que a Ilha é possuída da malina
Gente que segue o torpe Mahamede.
Aqui o engano e morte lhe imagina,
Porque em poder e forças muito excede
A Moçambique esta Ilha, que se chama
Quíloa, mui conhecida pola fama.
100
Pera lá se inclinava a leda frota;
Mas a Deusa em Citera celebrada,
Vendo como deixava a certa rota
Por ir buscar a morte não cuidada,
Não consente que em terra tão remota
Se perca a gente dela tanto amada,
E com ventos contrairos a desvia
Donde o piloto falso a leva e guia.
101
Mas o malvado Mouro, não podendo
Tal determinação levar avante,
Outra maldade inica cometendo,
Ainda em seu propósito constante,
Lhe diz que, pois as águas, discorrendo,
Os levaram por força por diante,
Que outra ilha tem perto, cuja gente
Eram Cristãos com Mouros juntamente.
102
Também nestas palavras lhe mentia,
Como por regimento, enfim, levava,
Que aqui gente de Cristo não havia,
Mas a que a Mahamede celebrava.
O Capitão, que em tudo o Mouro cria,
Virando as velas, a Ilha demandava;
Mas, não querendo a Deusa guardadora,
Não entra pela bana, e surge fora.
103
Estava a Ilha à terra tão chegada,
Que um estreito pequeno a dividia;
Hüa cidade nela situada,
Que na fronte do mar aparecia,
De nobres edifícios fabricada,
Como por fora, ao longe, descobria,
Regida por um Rei de antiga idade:
Mombaça é o nome da ilha e da cidade.
104
E sendo a ela o Capitão chegado,
Estranhamente ledo, porque espera
De poder ver o povo baptizado,
Como o falso piloto lhe dissera,
Eis vêm batéis da terra com recado
Do Rei, que já sabia a gente que era,
Que Baco muito de antes o avisara,
Na forma doutro Mouro, que tomara.
105
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaxo o veneno vem coberto,
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Oh! Grandes e gravíssimos perigos,
Oh! Caminho de vida nunca certo,
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!
106
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
Parte I
Jornal de Poesia
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Capitão de Navio
Por Ana Paula de Araújo
Ouça este artigo:
O Capitão ou Comandante do Navio é a pessoa encarregada de comandar o Navio nas viagens marítimas. Em casos embarcações pequenas ou costeira, algumas vezes o capitão não é um oficial da marinha e por isso pode ser chamado de ‘mestre’, ‘arrais’ ou ‘patrão’.
Os termos capitão e comandante passaram a ser usados também na aviação para designar o piloto responsável pela aeronave.
O termo “comandante” refere-se à função de comando de um navio, que pode ser desempenhada, ou não, por um oficial com a categoria de “capitão”. O termo “capitão”, por sua vez, é usado também em algumas marinhas de guerras para designar o posto de “capitão de mar e guerra”.
Foto: GRIGORY GALANTNYY / Shutterstock.com
O capitão ou comandante é a pessoa com maior autoridade a bordo do Navio e por isso compete a ele dirigir, coordenar e controlar os vários serviços no convés, nas máquinas, nas câmaras, buscando melhorias nas operações, rentabilidade e segurança. Ele segue a “política global do armador” e se fundamenta nas leis e regulamentos da marinha.
Ele é o responsável para estudar a viagem, preparar a rota a ser seguida, controlar as radiocomunicações, visando o seu bom funcionamento. Controla todas as ações que dizem respeito a exploração comercial do navio, mantendo contato com o armador, os carregadores, os agentes de navegação, os estivadores, etc. Também é ele que elabora os pareceres sobre a exploração do navio, operações comerciais do armador, etc. Além disso, cuida para que as normas aplicadas ao navio e à tripulação sejam cumpridas, pois deve cuidar da segurança, do ambiente e de salvaguardar a vida humana no mar.
Dentre os poderes atribuidos ao comandante, há o direito ao uso da força em caso de necessidade para evitar motins ou combater atos de pirataria. Seus deveres lhe concedem o comando absoluto do navio, tendo portanto maior poder que qualquer outra pessoa a bordo, mesmo que a bordo exista algum superior seu quanto à hierarquia.
Em caso de receber alguma ordem de um superior seu que esteja a bordo do navio, primeiro deve ser explicado ao comandante o objetivo deste comando, pois a hierarquia não pode interferir no comando do navio.
Sua principal atribuição é cuidar para a segurança, higiene e bem estar de toda a tripulação e passageiros do navio. Ele chega a decidir até mesmo o cardápio das refeições dos tripulantes.
Uma das regras mais conhecidas para a profissão é que, em caso de evacuação do navio, o capitão deve ser o último a abandoná-lo. O exercício desta função é muito importante e de grande responsabilidade e poder, sendo reservado somente aos profissionais que pertencem à máxima categoria de oficial náutico.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/profissoes/capitao-de-navio/
https://www.infoescola.com/profissoes/capitao-de-navio/
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