terça-feira, 2 de março de 2021

"Ingênuos" Garimpeiros

“Deu mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de ‘garimpo de ouro.’ Necessita ser colocado em funções que exijam esforço e dedicação, a fim de reorientar sua carreira. Deu demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente” (p. 51). O cadete e o capitão, de Luiz Maklouf Carvalho ***
*** Por Amanda Audi, no Intercept *** Em momentos de folga, Jair Bolsonaro costuma estacionar perto de algum rio, arregaçar a barra da calça e entrar na água. Leva junto um jogo de peneiras e uma bateia, recipiente com fundo cônico usado para revolver água e cascalho, que carrega no carro. Ele vai em busca de ouro. “Sempre que possível eu paro num canto qualquer para dar uma faiscada”, disse ele em um vídeo que gravou para garimpeiros, de julho deste ano. “Faiscar” é o ato de procurar metais preciosos. Ele já expressou algumas vezes que “garimpo é um vício, está no sangue” – apesar de não ter permissão para isso. Não é à toa que Bolsonaro é entusiasta da atividade: o garimpo já ajudou no sustento da família. Seu pai, Percy Geraldo Bolsonaro, foi um dos garimpeiros de Serra Pelada. O próprio Jair esteve lá, como o próprio presidente eleito afirmou no vídeo citado acima. Os representantes do clã Bolsonaro se juntaram aos mais de 100 mil garimpeiros que buscavam fortuna fácil na selva do Pará nos anos 80. Mais de 56 toneladas do metal precioso foram encontrados na região. Eleito presidente, Bolsonaro sinaliza que irá ceder aos apelos dos garimpeiros, diminuindo restrições ambientais e liberando o garimpo em terras indígenas ou quilombolas. Ele também disse que quer flexibilizar a legislação que regula a exploração econômica de áreas verdes preservadas, como na Amazônia. Garimpeiros que ainda hoje vivem na região de Serra Pelada dizem que o pai de Jair, que atuava como dentista protético sem diploma no interior de São Paulo, foi garimpeiro no começo da década de 1980, no auge da corrida do ouro. “O povo mais antigo lembra do pai do Bolsonaro por aqui, já faz muito tempo. Agora recentemente um dos filhos dele veio nos visitar durante a campanha”, me disse José Henrique Botelho Marques, 62, um dos diretores da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada, que representa cerca de 40 mil garimpeiros. Marques se mudou do Maranhão para Serra Pelada em 1982, após ouvir falar das facilidades em encontrar metais valiosos no local. Ele calcula ter recolhido cerca de um quilo de ouro em um ano – o equivalente a R$ 148 mil em valores atuais. “Isso foi pouco. Imagina quem pegou uma tonelada, 700 quilos…”, compara. Em julho, Jair Bolsonaro recebeu em mãos um abaixo-assinado de mais de 500 garimpeiros de Serra Pelada, que pedem o fim das restrições ambientais que proíbem o trabalho de garimpo mecanizado em uma área de 100 hectares que compreende a antiga mina. Os signatários sonham com a possibilidade de uma nova corrida pelo ouro e acreditam que a antiga mina, submersa desde 1992, ainda guarda toneladas do minério e seus derivados abaixo de 190 metros de profundidade. De acordo com a cooperativa dos garimpeiros, o máximo alcançado até agora foram 150 metros. “O garimpeiro é um ser humano e não pode continuar sendo tratado como algo de terceira ou quarta categoria. Se Deus quiser, vamos buscar meios para que vocês possam trabalhar com dignidade e com segurança”, disse Bolsonaro ao receber o abaixo-assinado. É impossível precisar o número de garimpeiros que atuam de modo ilegal no país – a estimativa é entre 80 mil e 800 mil. Eles se concentram em regiões ermas, em terras indígenas preservadas, muitas vezes só acessíveis por helicóptero ou barco. A atividade clandestina destrói a vegetação e os rios. Um relatório recente da Polícia Federal mostrou que o garimpo de ouro no Pará despeja o equivalente a um desastre do Rio Doce a cada 11 anos. O mercúrio (usado no garimpo para “grudar” partículas de ouro) contamina águas e peixes por milhares de anos e causa uma série de doenças. O último levantamento sobre o assunto mostra que até 160 toneladas de mercúrio foram emitidos à atmosfera apenas em 2016. O Ibama se esforça para combater os garimpos ilegais, colocando fogo em máquinas e destruindo pistas de pouso ilegais. Mas a tarefa parece infinita. Só neste ano, agentes do instituto realizaram ao menos três grandes operações de combate ao garimpo ilegal. Uma na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas, outra na Terra Indígena Munduruku, no Pará, e uma terceira na Terra Indígena Ianomâmi, em Roraima. O Exército, inclusive, instalou bases fixas de vigilância ao garimpo no local, na fronteira com a Venezuela. Outra promessa de Bolsonaro, a de unir os ministério do Meio Ambiente e da Agricultura, pode dificultar as ações e aumentar os conflitos. Em várias ocasiões, Bolsonaro já disse que as riquezas minerais devem ser liberadas para extração pelos brasileiros. “O que seria do Brasil sem os bandeirantes que exploraram os diamantes? Teríamos um terço do território atual se não fossem eles. É preciso parar de tratar o garimpeiro como bandido no Brasil”, já afirmou. A associação de garimpeiros levou suas demandas apenas a Bolsonaro. Segundo Marques, houve tentativas de diálogo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ele não cedeu aos apelos. Por isso, o petista Fernando Haddad nem foi procurado. Por causa da receptividade à causa, Bolsonaro é idolatrado em Curionópolis, cidade que abriga Serra Pelada. Algumas montagens na internet alteram o nome da cidade para “Bolsonópolis”, como uma brincadeira. Moradores de um bairro sem asfaltamento fizeram uma vaquinha para instalar um outdoor em apoio a ele. Esperam que, no governo do militar, a bonança volte a reinar. “Ambição e imaturidade” Um kit para garimpo, como o usado por Bolsonaro, é vendido por R$ 310 no Mercado Livre. Se tiver sorte e achar três gramas de ouro, o equivalente ao peso de uma moeda de um centavo, já se paga o kit e ainda sobram R$ 134. A cotação do ouro em 1° de novembro estava em R$ 148 o grama. A atividade garimpeira é tida por muita gente como promessa de dinheiro fácil e rápido. A ambição de enriquecer rapidamente e ter poder chegou a constar na ficha de Bolsonaro no Exército Militar. Em 1983, ele resolveu passar as férias em Saúde, na Bahia, para garimpar. Estava com outros cinco militares, sendo que dois “estavam sob seu comando”. A situação foi registrada na avaliação feita pelos superiores na época. Segundo as anotações, eles atestaram que Bolsonaro tinha grande “ambição e imaturidade”, e que se percebeu “pela primeira vez sua grande aspiração em poder desfrutar das comodidades que uma fortuna pudesse proporcionar”. Na época, Bolsonaro respondeu aos superiores que não teve lucro. *** *** https://outraspalavras.net/outrasmidias/os-planos-de-bolsonaro-garimpeiro-imaturo/ *** *** Vídeo: O imitador de Bolsonaro que enganou eleitores via Whatsapp *** 22 de novembro de 2018 *** Roberto Villanova *** Fonte: BLOG DO BOB ***
*** por Aprigio Vilanova* *** Quem acompanhou o desenrolar da campanha presidencial, certamente ouviu falar no nome do empresário, Paulo Marinho, como um dos homens fortes do círculo do candidato eleito Jair Bolsonaro (PSL). A residência de Paulo Marinho, no Rio de Janeiro, serviu como base para a gravação do programa eleitoral de Bolsonaro e também para a primeira reunião com a equipe de transição do futuro governo. Marinho é o primeiro suplente de Flávio Bolsonaro, fiho de Jair Bolsonaro. O fato que veio a tona esta semana diz respeito a André Marinho, filho do empresário suplente de Senador. Em entrevista aos políticos do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri e Arthur Mamãe Falei, André revela que gravou diversos áudios se passando por Jair Bolsonaro, a pedido da própria produtora responsável pela campanha de Bolsonaro. André disse que mostrou alguns áudios ao filho de Bolsonaro e candidato ao Senado, Flávio Bolsonaro. Esses áudios também foram mostrados aos integrantes da campanha durante as reuniões realizadas na residência de Paulo Marinho. Segundo André os pedidos partiram da própria equipe de campanha e da produtora responsável. Um desses áudios, gravado e repassado, sempre via aplicativo de mensagens Whatsapp, segundo André, tinha como alvo os trabalhadores do garimpo de Serra Pelada. Ainda de acordo com André Marinho tratava-se de um grande reduto eleitoral de candidatos petistas e pelo que estimou deve ter revertido pelo menos uns 50 mil votos a favor de Bolsonaro. Para André este foi o mais emblemático entre os áudios por ele produzido. Marinho, em tom de deboche, diz que o áudio atingiu grande repercussão entre os trabalhadores e que muitos choraram após ouvirem a gravação na qual acreditavam ser do próprio presidenciável. Milhares de mensagens foram gravadas se passando por Jair Bolsonaro. Luiz Marinho diz não saber se a prática trata-se de crime eleitoral. De fato não há no Código Eleitoral nenhum dispositivo que faça referência e a Constituição Brasileira garante o princípio da legalidade. No artigo 5º, paragráfo 39, é taxativa: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Mas a questão não é definir se configura ou não a prática de crime eleitoral. Em um pleito marcado pelas acusações de disparos ilegais via Whatsapp e a proliferação de mensagens com conteúdo falso este é mais um expediente revelado. A campanha eleitoral com forte presença das redes sociais é fenômeno novo que, inevitavelmente, forçará a atualização da legislação. Mas não há duvida que carregará a pecha da eleição marcada pela desinformação. CLIQUE E VEJA O VÍDEO: *** *** *Jornalista formado na Universidade Federal de Ouro Preto – MG *** *** http://blogdobob.blogsdagazetaweb.com/2018/11/22/video-o-imitador-de-bolsonaro-que-enganou-eleitores-via-whatsapp/?fbclid=IwAR063BJ6d3IuQy8xekx28U-cy9u_I8goNWLXxsEiNZ-Gks-bBnM6pArQlnc *** ***
*** O garimpeiro é um romance escrito por Bernardo Guimarães e publicado em 1872. O livro é uma narrativa da vida sertaneja com hábitos e costumes mineiros, fala sobre garimpos e as festas da Vila do Patrocínio. O garimpeiro também é um romance de amor e costumes interioranos. Bernardo Guimarães *** Bernardo Guimarães (Bernardo Joaquim da Silva Guimarães), magistrado, jornalista, professor, romancista e poeta, nasceu em Ouro Preto, MG, em 15 de agosto de 1825, e faleceu na mesma cidade, em 10 de março de 1884. É o patrono da Cadeira n. 5 da Academia Brasileira de Letras, por escolha de Raimundo Correia. O Garimpeiro ***
O GARIMPO Tinham-se passado de seis meses, depois que Elias se retirara da fazenda do Major. As vastas e profundas selvas, no seio das quais corre ruidoso e turbulento o ribeirão da Bagagem, tinham tombado aos golpes do machado, deixando descortinada uma larga zona em uma e outra margem. No meio dos destroços da floresta viam-se dispersas em desordem as frágeis e provisórias habitações dos garimpeiros, cobertas das compridas palmas do coqueiro baguaçu. Por aquele terreno branco e selvático, onde só se esperaria encontrar o tosco sertanejo, ou o africano semi- nu, girava uma população polida e bem trajada, composta de pessoas de todas as procedências, que de remotas paragens acudiam a explorar o novo descoberto, cuja fama se espalhava muito ao longe, e ali reinava movimentação e animação como em uma grande praça comercial. Enquanto a alavanca e o almocafre retiniam pelas grupiaras extraindo o cascalho precioso, os golpes do machado reboavam pelas florestas e de espaço a espaço um baque, estrugindo ao longo das costas, anunciava a queda de mais um tronco robusto e secular. O ronco das catadupas servia como de acompanhamento às cantigas e algazarras dos garimpeiros, que ao longo da beira do rio lavavam alegremente o esperançoso cascalho. Era uma tarde de novembro, pura, calma e cheia de esplendores. Já todos abandonavam o trabalho, patrões e trabalhadores, e se recolhiam a seus ranchos. Começava a acalmar-se o rumor e agitação do dia, e ouvia-se já a voz do sertanejo, que assentado à porta do rancho entoava ao som da viola seus toscos cantares, cujas notas prolongadas e melancólicas iam escoando ao longe pelas ribanceiras. Um moço de alta estatura, de olhos e barbas negras, com os braços cruzados, e o chapéu de lebre enterrado nos olhos, estava em pé junto à margem do rio, encostado a um rochedo, inspecionando com ar sombrio e preocupado o serviço de três ou quatro trabalhadores, que lavavam as últimas bateadas. - Então, Simão? Nada ainda? - disse ele a um velho camarada, que acabava de deitar fora o cascalho de uma bateada. - Nada por ora, meu patrão- respondeu o camarada- isto aqui não pinta; amanhã havemos de abrir outra grupiara ali mais embaixo. . . - Entretanto, tu bem vês: há aqui as melhores formações: ferragem, olho- de- pomba, palha- de- arroz, cativo, nada falta; e entretanto há mais de dois meses que aqui estamos trabalhando e nos devemos dar por felizes se o serviço tem dado para salvar a metade das despesas. O diabo que as leve as tais formações ou informações; não as entendo; isto é uma burla. Acho que se fossemos plantar batatas faríamos melhor negócio. Anda, Simão; quebra essas bateias, atira ao rio esses almocafres, e vamo- nos embora para nosso país. É escusado andar procurando no seio da terra o que lá não guardamos. -tenha paciência, meu patrão- respondeu o camarada. - Dê- nos ainda um pequeno serviço amanhã. . . ali, ali mais embaixo, patrão, e eu que não me chame Simão, se a coisa ali não pintar. Tenha fé e reza a Nossa Senhora, e verá se amanhã ou depois o diamante graúdo não vem aluminar no fundo da bateia. - Histórias! Meu Simão; todos os dias me dizes isso e o resultado é sempre o que estamos vendo. -mais dois dias só, patrão; e eu que seja enforcado, se não acharmos coisa que sirva. - Não creias nisso, Simão; a sorte me persegue; tenho de ser pobre e desgraçado toda a minha vida-murmurou o moço no tom do mais profundo desalento. - Não desanime assim, patrão; não se lembra mais da cigana, que leu a sua sina, e disse que a sua estrela é de pedra. . . - Sim, e é de pedra mesmo, ou mais dura do que pedra. O diabo leve quanta cigana há neste mundo, e todas as suas predições. Nisto os trabalhadores puseram tristemente os seus almocafres ao ombro, pegaram em suas bateias, e se retiraram. Elias e Simão ficaram ainda. Simão era um velho e magro, mas robusto e bem constituído, de cor bronzeada, e que parecia ser de raça mista de índio e africano. Desde menino fora camarada do pai de Elias, ao qual sempre servira com a maior dedicação e lealdade. O pai de Elias também o estimava e queria como a um verdadeiro amigo, e tendo falecido há quatro ou cinco anos sem poder deixar àquele seu único filho outra herança mais do que uma excelente educação, que infelizmente não pôde concluir, em seus últimos momentos rogou ao velho caboclo, que acompanhasse sempre, que nunca abandonasse a seu filho, que ficava com 17 a 18 anos de idade. Não era preciso que o velho o rogasse; Simão nunca abandonaria o jovem patrão, a quem na infância carregara nos braços e a quem votava afeição de pai. Simão era garimpeiro mestre, muito conhecedor de terrenos diamantinos, de que tinha adquirido grande prática na Diamantina, de onde seu defunto patrão e ele mesmo eram naturais, e onde tinham residido nos primeiros tempos de sua vida. Simão era verdadeiramente um habilíssimo garimpeiro, e parecia que farejava o diamante; mas, infelizmente para o seu jovem amo, para quem somente trabalhava, e para quem desejaria descobrir um tesouro, a sua grande habilidade tinha ficado sempre em falta, o que sumamente o afligia; mas nem assim desesperava. - É aqui mesmo na Bagagem, meu amo, dizia-lhe ele às vezes, é neste chão mesmo que está enterrada a sua estrela de pedra. Quando Elias foi para o Patrocínio correr cavalhadas, Simão que vinha com ele, quis ficar na Bagagem. - Já que estou aqui, patrão, vou ver se acho a sua estrela de pedra. Também o patrão não vai para longe; se precisar de mim, é um pulo. Compre um pedacinho de grupiara, e deixe-me trabalhar, - Ah! Meu velho Simão- exclamou o moço, logo que os outros se retiraram- estou perdido! estou desesperado! não sei o que faça. - Garimpar, patrão, garimpar! não desanime tão depressa; joguemos a última cartada. -mas, Simão, se isto continuar assim, e continua, estou certo, em breve não terei mais com que pagar as poucas praças que tenho no serviço. - Não importa, patrão; pode mandá-los embora; eu sozinho trabalharei. Quando se tem de ser feliz, tanto vale ter uma como dez ou cem praças; e não sei porque é, tenho mais fé quando trabalho sozinho. -trabalha para ti, meu pobre Simão; estás velho, precisas guardar alguma coisa para quando não puderes mais trabalhar. Eu mesmo, infeliz de mim! não sei se te poderei valer em tempo algum. Deixa-me entregue à minha má ventura; é loucura lutar contra o destino. . . ah! Lúcia. . . Lúcia. . . nunca mais te verei! E o moço pendeu a cabeça e tapou os olhos com as mãos, mergulhado em profunda tristeza. - Pobre de meu patrão! . . . o que é isso! . . . tenha ânimo! quem porfia mata caça. . . o patrão há de ser rico, e há de casar com essa Lúcia, em que está sempre a falar. Há uma voz que sempre me diz cá dentro que o patrão há de ser rico, e há mesmo. Já fiz uma promessa a Nossa Senhora do Patrocínio, e ela nos há de valer. - Assim te ouça ela, Simão. E eu não queria lá grandes riquezas. bastava achar neste chão uma soma qualquer para me servir de princípio; cinco contos, quatro, dois mesmo já me chegavam para servir de base a excelentes especulações. Com atividade e o pouco de inteligência que Deus me deu, eu os faria multiplicarem-se em minhas mãos em pouco tempo. A não me cair do céu, só do seio da terra eu poderia arrancar esse começo; os homens não mo dariam, e nem jamais lho iria pedir. mas este chão ingrato é como o céu, surdo a meus rogos. - E eu, patrão, tenho fé que deste chão mesmo é que havemos de arrancar, com o favor de Deus e Maria Santíssima, não digo um princípio de riqueza, mas uma riqueza inteira. - E entretanto há seis meses que trabalho sem descanso, e em vez de princípio, aqui vim encontrar o meu fim, a morte de todas as minhas esperanças; aqui acabei, completei a minha miséria e minha desgraça. -meu amo hoje está muito abatido! . . . vá passear, vá girar o comércio. vamos ter uma bonita noite. Vá divertir-se. - Não, Simão; estou muito aborrecido, não tenho desejos de ver a cara de ninguém. Se queres, podes retirar-te. - E o patrão o que fica fazendo aqui sozinho? - Fico a tomar fresco por um instante, estou com a cabeça a arder-me. Já era quase noite. Elias assentou-se numa pedra, e com a cabeça entre as mãos e os cotovelos sobre os joelhos, apenas se achou só, começou a desafogar suas mágoas, falando consigo mesmo e quase chorando de desespero. - Já lá vão seis meses, e até hoje nada! nada absolutamente. Eu teria feito melhor, sem dúvida, se tivesse aventurado o pouco que possuía em uma mesa de lansquenê. Ao menos teria ganhado ou perdido depressa e sem trabalho esse pouco que tinha, e eu seria o único trabalhador. . . E que me importariam diamantes e todas as riquezas do mundo, se não fosses tu, Lúcia, que me acendeste no peito uma sede de riquezas, que eu nunca sentiria se não te conhecesse! Mas tu não tens a culpa, tu, a mais bela, a mais ingênua e a mais nobre das criaturas. A culpa é de teu avaro e ignóbil pai, que põe a preço de ouro a posse de tua mão. E assim se profana vilmente, assim se vilipendia a sorte de um anjo sobre a terra. Estás calculada em ouro, e eu, desgraçado de mim! por mais que rogue ao céu, por mais que cave a terra, não posso achar esse ouro! Eu em vez de acha-lo, tenho cavado mais fundo ainda o abismo de minha miséria. Não importa! prosseguirei ainda. Já agora consome-se até às últimas a minha má sina. Já bem pouco me resta. venderei meu cavalo, meus arreios, minha faca de prata, e darei tudo ainda a devorar a este maldito garimpo, que até aqui tão desapiedadamente me tem tratado. E quando evaporar-se a última esperança. . . as cachoeiras deste ribeirão são fundas e escabrosas, e minhas pistolas não negam fogo. . . Elias ia talvez continuar aquele triste monólogo, inspirado pelo desespero, quando um som de passadas que se avizinhavam o fizeram levantar subitamente o rosto. Era um homem algum tanto idoso e bem trajado e de agradável presença, que a passos vagarosos se encaminhava para ele. - Perdão- disse o desconhecido cumprimentando- º- Perdão, se o vim indiscretamente perturbar em suas tristes reflexões, e se, sem o querer, entrei no segredo de sua desgraça. . . - Ah! o senhor ouvia-me? . . . - Sim, senhor; mas sem o querer; espero que me desculpará. . . -sem dúvida; nem posso levar a mal o acaso que aqui o trouxe a ponto de ouvir as minhas loucuras. Demais a minha infelicidade, ainda que eu o queira, daqui em diante não poderá ser um segredo. -todavia não deixei de ser por demais curioso, eu o confesso. Eu estava ali entre aquelas burras apanhando algumas formações do cascalho e examinando- as, e ouvi tudo. Devia-me retirar, é verdade, mas o que ia ouvindo começou a interessar-me por tal sorte, que como a pesar meu fiquei pregado a escuta-lo. Mas pode ficar certo que o interesse que me inspirou, e não uma vã curiosidade, aqui me traz para junto do senhor, e que suas palavras caíram em ouvidos de quem sabe respeitar segredos e as mágoas alheias. - Não tenho disso a menor dúvida, e muito folgo de ter esta ocasião de travar conhecimento com um homem que, segundo todas as aparências, é digno de toda a estima e respeito. Só lhe peço que não dê importância alguma às loucuras que eu estava dizendo: estava desabafando minhas mágoas com estes rochedos; são delírios da imaginação de um homem a quem a fortuna persegue. - Perdão: eu sou mais velho, tenho também sofrido muito, e portanto me desculpará se lhe falo com uma franqueza algum tanto rude. É uma vergonha para um moço, como o senhor, ainda na flor dos anos, e que, ao que parece, tem bastante inteligência e atividade, deixar-se assim abater covardemente ao primeiro golpe da adversidade. . . -mas ah! Se o senhor soubesse as circunstâncias fatais em que me acho! Não é a falta de fortuna que eu lamento. . . - Já sei; desculpe-me interrompe-lo; eu ouvi tudo, e nem assim acho justificação ao seu desalento. O senhor ama uma rapariga, não é assim? e é por amor dela que deseja adquirir alguma fortuna. É mais um motivo para querer viver e prosseguir em novos e perseverantes esforços para adquirir uma posição brilhante em que possa fazer a felicidade sua e dela. Deve ser bem fraco esse amor que sucumbe logo diante da primeira dificuldade, que não sabe lutar contra a adversidade e ao primeiro contratempo, julgando tudo perdido, só acha refúgio no suicídio, sem se lembrar que com esse procedimento pusilânime vai encher de luto e desesperação o coração de sua amante. Se todos assim procedessem, recuando, logo desde as primeiras tentativas, quase ninguém no mundo lograria seus intentos, quase ninguém alcançaria as riquezas, as honras e a felicidade. -mas que posso eu fazer? . . . atirei-me num abismo sem saída, e no qual devo ficar para sempre sepultado. - Pois a sua inteligência, servida por dois braços juvenis e vigorosos, não lhe poderá abrir um caminho para sair desse abismo, que eu creio que só existe na sua imaginação? Admira que um homem, na sua idade e com tão boas disposições, tenha tão pouca fé no seu futuro, e tão pouca confiança nos homens! Elias nada tinha que replicar às justas e severas reflexões daquele desconhecido, cujo exterior e cujas palavras sisudas logo à primeira vista inspiravam a um tempo respeito e simpatia, e esperava com ansiosa curiosidade o resultado daquela singular entrevista, que o acaso lhe preparava em tal ocasião com um homem que nunca tinha visto. - Saiba, porém- continuou o desconhecido- que não vim aqui só no intuito de anima-lo e dar-lhe conselhos. Quero abrir-lhe, se puder ser, o caminho para desvia-lo desse abismo em que ainda não caiu, como supõe, mas em que o desespero o ia precipitar. venho fazer-lhe uma proposta; estará disposto a aceita-la? - Fale, senhor; qual é ela? estou bem certo que não me proporá nada que não seja para meu benefício. - E é sem dúvida alguma. Em primeiro lugar entendo que este descoberto da Bagagem não pode oferecer vantagem nenhuma a quem com pequenos capitais quer tentar um começo de fortuna. É um garimpo falaz e traiçoeiro. Sou da Bahia, e garimpeiro também; vim aqui examinar este novo descoberto, de que se me contavam maravilhas; vejo o contrário, e posso falar com pleno conhecimento de causa. Há, aqui, na verdade, e têm-se extraído grandes e magníficos diamantes, como não há em outros garimpos. Mas esses não chegam a todos e o seu aparecimento mesmo é um engodo perigoso, que só serve para arruinar milhares de garimpeiros, e somente felicita a um ou outro filho predileto da fortuna. Pode-se dizer que esta terra, e o senhor é um exemplo, vinga-se cruelmente daqueles que lhe rasgam o seio. Não acontece o mesmo no Sincorá; ali o diamante é negócio que pode chegar a todos, e qualquer moço ativo e inteligente acha ali meios seguros de fazer em pouco tempo alguma fortuna. -tudo isso pode ser, observou Elias; mas para subir a grandes alturas, é preciso pôr o pé nos primeiros degraus e esses me faltam. - Isto lá é verdade; mas tenha paciência; escute-me ainda um instante. Tenho lá no Sincorá muitas lavras que comprei por baixo preço, mas que informam muito bem; estão em abandono por me faltar uma pessoa de confiança que possa pôr à testa do serviço, e meus negócios não me deixam tempo para ficar ali preso à cola dos bateeiros, como é indispensável. O senhor inspirou-me confiança e simpatia desde a primeira vez que o vi; pois saiba que não é esta a primeira, e tenho ouvido fazerem-lhe por toda parte ausências as mais honrosas. A sua infelicidade, de cujo segredo por um singular acaso agora estou de posse, acabou de inspirar-me um decidido interesse pela sua sorte. Se quiser, pois, ir administrar o serviço dessas lavras, lhe darei sociedade com lucro razoável no produto delas, e fora disso também sempre me achará pronto a valer-lhe com o meu pequeno préstimo. Creia que não tenho interesse nenhum em enganalo; posso ser-lhe útil e desejo sinceramente dar-lhe a mão. Por estes dias tenho de voltar para o Sincorá. Agora resolvase. Aceita os meus oferecimentos? quer ir comigo? . . . O partido é excelente, pensou consigo Elias. Mas para o Sincorá! . . . para tão longe de minha Lúcia! . . . não sei se terei ânimo. - A sua proposta é a mais vantajosa possível- respondeu Elias depois de um breve silêncio- e não tenho palavras para exprimir a minha gratidão por esse seu generoso procedimento para com um estranho, que mal conhece, fundado apenas em uma vaga simpatia e em uma reputação, que bem podia não ser merecida. Todavia o acaso merece que se reflita um pouco, e não posso já e de pronto resolver-me. Amanhã, se lhe aprouver, lhe darei a resposta. Onde e a que horas o poderei encontrar? - Amanhã ao meio- dia, naquele rancho de telha, que lá se avista do outro lado do rio entre dois baguaçus. . . está vendo? . . . - Estou. . . já sei; amanhã ao meio- dia lá estarei. - Pois bem! . . . vá dormir sobre o caso; boa- noite. - Boa- noite. Já ia escurecendo. Elias encaminhou-se vagarosamente para o seu rancho, onde foi, não dormir, mas velar sobre o caso. Elias não teve muito que pensar pata tomar resolução definitiva. O inesperado d proposta e a idéia da distância que o ia separar de sua querida Lúcia o espantaram a princípio. Mas entre a possibilidade de uma fortuna e a situação desesperada em que se via na Bagagem, não havia que hesitar. Quanto à distância, por ventura ali mesmo a algumas léguas apenas da fazenda do Major, não estava ele tão separado dela, como se estivesse no fim do mundo? e porventura não o separava dela também um abismo pior que todas as distâncias, a pobreza? e não era esse abismo, que ia procurar encher e superar, indo para bem longe? amá-lo- ia mais, ser-lhe- ia ela mais fiel, estando ele perto? Tendo-se, pois, resolvido definitivamente, comunicou sua intenção e contou a ventura da tarde a seu velho camarada, que assentado ao pé do fogo aceso no meio do rancho, fumava tranqüilamente o seu cachimbo. - Então Vmcê vai-me deixar, patrão? - disse o velho, fitando em Elias olhos lastimosos. - Como assim? pois tu não me acompanhas? - Eu! . . . para tão longe? . . . ah! meu patrão! pudesse eu. . . mas já estou velho e mofino; essas viagens já não são para mim. . . que necessidade tenho eu de ir largar os ossos lá tão longe? -mas nesse caso, meu bom Simão, também não vou. - E por que não, meu patrão? - Como hei de deixar-te aqui sozinho e desamparado! - Não lhe dê isso cuidado. Ainda sei trabalhar. Deus é de misericórdia, e nunca há de faltar a este pobre velho um prato de feijão e um ranchinho em que durma. Já que é para seu bem, vá, meu patrão; Vmcê não deve perder um lance de fortuna, que vem mesmo agora a talho de foice, por amor de um velho camarada, que já não é tão criança que não possa sair sozinho pelo mundo, e eu, a dizer a verdade, mais lhe iria servir de peso que de outra coisa. - Contudo, Simão, não tenho ânimo de deixar-te assim. Se adoeceres. . . - Não banze com isso. tenho por aqui muito conhecimento, e muito patrão bom, que há de ter dó de mim. Vá, patrão, e N. S. do Patrocínio permita que seja para bem. No entanto, cá para mim, a minha fé é mesmo com este garimpo daqui. É deste chão que nós havemos de um dia arrancar a sua estrela de pedra. - Não creias tal, Simão, deste chão só podem brotar espinhos para mim e urtigas, lágrimas e misérias. - Está bem! . . . um dia Vmcê se há de desenganar; bote sentido no que estou dizendo. Vá para o seu Sincorá, e N. S. da Guia que lhe acompanhe. Vá procurar sua estrela de pedra lá por esse mundo de meu Deus, e deixe-me cá ficar procurando ela por aqui mesmo. Havemos de ver quem acha primeiro. Elias nenhuma importância ligava àqueles pressentimentos do pobre Simão. Era simplicidade ou caduquice de seu velho camarada. Depois de conversarem mais algum tempo sobre sua próxima separação, ambos adormeceram: o camarada sobre um couro ao pé do fogo, e o patrão sobre sua pobre cama estendida sobre um girau a um canto do rancho. Daí a alguns dias Elias abraçou chorando seu velho camarada, era o único amigo que deixava na Bagagem! deu-lhe todo o dinheiro que inda lhe restava, e, tirando uma carta da algibeira, entregou-lhe dizendo: - Esta carta é para Lúcia, Simão; tu mesmo a irás levar em sua casa na fazenda do Major; é um último favor que quero te merecer. Ninguém lá te conhece, pedirás pousada, e é impossível que despertes a menor suspeita. Lá procurarás entrega-la ocultamente a uma velha escrava por nome Joana, que a levará fielmente às mãos de Lúcia. - Vá sossegado, patrão; a carta há de ser entregue. A carta de Elias era assim: “Já lá vão seis meses que nos separamos e que me acho aqui na Bagagem, onde a fortuna me não sorriu. Manda-me agora destino que eu vá tenta-la bem longe daqui, porém com muito melhores esperanças. Parto hoje para o Sincorá. Não te assustes, minha querida, com a distância que vai separar- nos. Em qualquer parte que eu vá, te amarei sempre com o mesmo ardor e lealdade. Falta-me ainda ano e meio para cumprir o meu fadário. mas não esmoreçamos; conserva-me fiel e puro o teu amor, tua confiança no futuro e na Providência, e o céu nos protegerá. Adeus, até o prazo marcado. ” Daí a um instante Elias, em companhia de seu protetor, partia para o Sincorá. O Garimpeiro, de Bernardo Guimarães Fonte: GUIMARÃES, Bernardo. O garimpeiro. São Paulo : Ática, [19-?]. 118 p. Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais. Texto-base digitalizado por: Tatiana Lissa Bastos Soares – São Paulo/SP *** *** http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000058.pdf *** *** FESTIVAL DE CHORINHO *** ...capitaneadas pelo cantor e compositor Carlos Pitta. ***
*** Nos dias 30 e 31 de março, a cidade de Mucugê sediará a segunda edição do Festival de Chorinho, com a presença do grupo Os Ingênuos, *** O evento será realizado na Praça dos Garimpeiros, *** no Sábado de Aleluia (30 de março), moradores realizam, a partir das 18h, a festa da Queima do Judas, *** A História do Cavaleiro Enluarado com A Donzela Das Terras de Bem Amar *** Carlos Pitta *** *** Donzela: Cavaleiro Enluarado, De onde vens que não se chega? De que terras traz, partida, Coração sujo de estrada? Vem clareia nos meus braços Que quero sonhar contigo. Me dizes qual o teu nome E serei de ti amada. Cavaleiro: Donzela, sou a lua nova No sertão a clarear. Sou pó, poeira, estrada. Sou nuvem de ver passar. Sou fogo de terra ardendo, sereno cor de cantar. Quando ando sou Tirana. } Quando amo sou luar. } bis Donzela: E que queres, cavaleiro, Em terras de Bem Amar? Cavaleiro: Ando atrás de ti, donzela, A mando do meu sonhar. Donzela: Anda. Conta-me as caídas Que encontrou no caminhar. Cavaleiro: São bem poucas pra quem ama. Não merece nem contar. Donzela: Meu reino é bem guardado } Por caminhos de adivinhar. } Quero só, de ti, saber: } bis Como conseguiste entrar? } Cavaleiro: Foi o vento do querer Que me deu a montaria E que me trouxe a teu morar. Donzela: Então venceste o meu encanto E, de ti, serei amada. Pois amor pra ser verdade Tem que ter muito lutar. Cavaleiro: Que seja como a madrugada, } Que pra cada cavaleiro } bis Dá uma estrela de guiar. } *** *** https://www.letras.mus.br/carlos-pitta/a-historia-do-cavaleiro-enluarado-com-a-donzela-das-terras-de-bem-amar/ *** ***

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