segunda-feira, 16 de maio de 2022

POLÍTICA PREVISÍVEL

*** Pinterest Lago do Parque Halfeld. Juiz de Fora, MG. 1950. | Parque, Homenagem ao filho, Lago ************************************************************************************************** - Da famosa aventura do barco encantado ***
*** "— Não entendo isso de lógicos — disse Sancho — e nunca ouvi esse vocábulo em todos os dias da minha vida. — Longínquos — respondeu D. Quixote — quer dizer apartados, e não é maravilha que o não entendas, porque não és obrigado a saber latim, como alguns que presumem sabê-lo e afinal o ignoram. — Já estão amarrados — respondeu Sancho — agora que havemos de fazer? — O que? — respondeu D. Quixote — benzer-nos e levantar ferro; quero dizer, embarcar e soltar a amarra que prende este barco à terra."... Leia mais em https://scriv.com.br/miguel-de-cervantes/b/dom-quixote/capitulo-xxix-da-famosa-aventura-do-barco-encantado ************************************************************************************************** *** Nara Leão e Roberto Menescal - O barquinho , O pato , Manhã de carnaval ********************************************* Os fatos falam, é preciso interpretar sua linguagem que se bem feita pode bafejar a sorte dos que forem capazes disso. *************************************
*** Ateliê de Humanidades Fios do Tempo. Não há mal que sempre dure – Luiz Werneck Vianna *** Luiz Werneck Vianna*: Lendo e interpretando os sinais Os antigos acreditavam que as vísceras de animais sacrificados em rituais podiam decifrar acontecimentos futuros, já os navegadores observando em alto mar o voo dos pássaros podiam antever de que logo teriam a terra à vista, predições fazem parte do engenho humano para encontrar confiança nas iniciativas a que se dedicam. Nas circunstâncias brasileiras atuais poucas vezes foi tão fácil prever, os véus da incerteza foram descerrados e a transparência impera, um golpe militar se prepara à vista de todos, faltando a data se antes ou se no decurso do processo eleitoral. Diante desse cenário aziago a sociedade prende a respiração e especula sobre qual forma conheceria esse infausto evento. Será a do modelo de 1964, com tanques na rua, prisões em massa de lideranças políticas, de movimentos sociais e personalidades selecionadas, com cassações de mandatos políticos; os grandes jornais serão submetidos à censura prévia nas suas edições, o STF será posto sob intervenção por um cabo e dois soldados? Nesse ponto, o futuro escapa à previsão do observador limitado ao campo de visão das ações dotadas de racionalidade, fora delas, como na Alemanha dos anos 1930, reina o imprevisível em que uma vontade tirânica se impõe sem outro propósito que não a acumulação de poder político no exercício do seu poder coercitivo. É da lógica da situação que, caso vingue o golpe, seu desdobramento natural será a institucionalização do fascismo sempre latente entre nós desde o Estado Novo de 1937 a 1945. No caso, é preciso descortinar o panorama visto da perspectiva dos golpistas que, embora contem com trunfos importantes para atingir seus desígnios imediatos, é de alto risco não só para sua execução como sobretudo após seu eventual êxito, uma vez que não dispõe de um projeto de governo e tem entre seus suportes forças de sustentação pouco afeitas a soluções tecnocráticas refratárias à política e aos partidos como o Centrão. De alto risco também por que a inscrição do país na cena internacional, particularmente nas Américas, onde reina inconteste a hegemonia dos EUA, em que se manifesta, nas condições atuais, forte rejeição a regimes políticos autocráticos, como prevalece na Rússia que assim poderia estabelecer uma segura cabeça de ponte num vizinho próximo ao seu maior rival no mundo de hoje. Sanções econômicas que viessem a incidir sobre o nosso país impostas pelo governo Biden teriam efeitos devastadores numa situação já crítica do nosso sistema produtivo com óbvias repercussões no campo de política. No que se refere ao tema ambiental, hoje objeto preferencial das políticas públicas no mundo ocidental, a confirmação por parte de um governo Bolsonaro, revigorado pelo golpe, de suas práticas predatórias quanto ao meio ambiente, em particular na questão altamente sensível da Amazônia, tem o condão de produzir uma reação que institua um cordão sanitário em torno do país, asfixiando sua economia, inclusive a do agronegócio. Dado que a política não resulta apenas dos fatos imediatamente contingentes, na aparência favoráveis a uma solução golpista, mas também do que se manifesta nos processos latentes que atuam sobre a sociedade que podem aflorar por imperícia dos eventuais operadores no terreno da política, o cenário pode ser revertido no sentido de barrar os seus caminhos em razão dos altíssimos riscos que tem pela frente. Face à complexidade da atual conjuntura, nacional e internacional, todo e qualquer passo deve ser sopesado sobre suas possíveis consequências. Do ângulo das oposições democráticas, impedir as soluções golpistas reclama uma ação desassombrada na ampliação de suas alianças sem ignorar os apenas descontentes com o regime atual. Os fatos falam, é preciso interpretar sua linguagem que se bem feita pode bafejar a sorte dos que forem capazes disso. *Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio ***************************************************
*** segunda-feira, 16 de maio de 2022 Carlos Pereira: Servindo a dois senhores O Estado de S. Paulo Presidentes são agentes de eleitor e de legislador que nem sempre compartilham da mesma preferência É muito difícil um presidente ser ao mesmo tempo popular e desfrutar de um bom relacionamento com o Legislativo. O presidencialismo multipartidário brasileiro, na realidade, carrega um paradoxo quase que inexorável entre popularidade e governabilidade. As preferências do eleitor mediano, que elege o presidente pelo voto majoritário em dois turnos no território nacional, na grande maioria das vezes não são alinhadas com as preferências do legislador mediano, eleito pelo voto proporcional nos Estados. Se o presidente priorizar os eleitores, muito provavelmente aumentará a sua popularidade. Por outro lado, se ignorar o legislador mediano, possivelmente enfrentará problemas de governabilidade, caracterizados por insucesso legislativo, alto custo de governabilidade e maior escrutínio e controle de suas atividades pelo Congresso, podendo levar, inclusive, à interrupção prematura de seu mandato. É míope supor que, em eleições proporcionais para o Legislativo, o partido do presidente estaria competindo pelas preferências dos eleitores apenas contra partidos de ideologia oposta. Partidos que poderiam ser agrupados no mesmo espectro ideológico competem entre si para ganhar a representação de subgrupos específicos de eleitores. Como resultado, a preferência agregada do Legislativo pode ser muito distante da que elegeu o presidente. Esse paradoxo está normalmente ausente em regimes presidencialistas majoritários bipartidários, como nos EUA, pois as preferências tanto do Executivo como do legislador mediano tenderiam a coincidir, especialmente se o partido do presidente tiver maioria no Congresso. Já em presidencialismos multipartidários, os legisladores, por representarem preferências de subgrupos específicos na sociedade, podem não ter interesse em apoiar o presidente, mesmo que este seja popular. Esse apoio dependerá fundamentalmente dos incentivos ofertados pelo presidente aos partidos e da congruência da sua coalizão com a preferência mediana do Legislativo. Temer, por exemplo, governou eficientemente servindo ao legislador mediano por meio de uma coalizão congruente, mas negligenciou o eleitor mediano e terminou com baixíssima popularidade. Lula, por outro lado, priorizou sua conexão com os eleitores, mas montou coalizões distantes da mediana do Congresso, sucumbindo a pressões crescentes de recompensas paralelas e ilegais. Já Bolsonaro ignorou tanto o legislador como o eleitor mediano, acumulando insucessos no Congresso, alto custo de governabilidade e baixa popularidade. *****************************
*** Marcus André Melo*: Polarização e voto Folha de S. Paulo A economia afeta o voto, ou o voto afeta a percepção da economia? A polarização política afeta a percepção sobre o desempenho do governo e da economia. Mas muitas análises tendem a focar a avaliação do governo ou dos governantes, obtidas em pesquisas, como determinantes cruciais do voto. As respostas às pesquisas são contaminadas por uma espécie de torcida partidária (no jargão, "partisan cheerleading"); elas são uma forma de comportamento expressivo: o(a)s eleitores querem comunicar emoções com suas respostas. Não analisar. Em "A Política da Beleza: os Efeitos do Viés Partidário sobre Atratividade Física", Nicholson et al concluíram que a polarização atual nos EUA leva os indivíduos a acharem seus copartidários fisicamente mais atraentes que os do partido adversário. Sim, entre nós ela tem levado algumas pessoas a terem um "crush" nos candidatos do partido com o qual simpatizam. Assim, a polarização política contamina a percepção das pessoas praticamente em todos os domínios da vida social. Não seria diferente no que se refere à economia e às políticas públicas. Mas aqui a forma convencional de pensar a causalidade entre economia e política é posta de ponta-cabeça: os analistas se perguntam como o comportamento da economia afeta o voto, e não o oposto, que é o foco. Entretanto, temos o conhecido problema da endogeneidade: a economia afeta a política, mas a política afeta a percepção da economia e a avaliação do governo. O termo genérico ‘política’ é usualmente utilizado no sentido de identidade partidária, mas no caso brasileiro, caracterizado por baixíssima identificação partidária, trata-se de clivagem governo vs oposição, ou entre ‘campos’, associados a lideranças individuais (lulismo, bolsonarismo). As respostas obtidas em pesquisas são expressive cheap talk (fala expressiva): refletem o apoio (ou falta dele) ao governo. As pessoas tipicamente escolhem o(a)s líderes primeiro, e só depois o conjunto de políticas que ele(a)s defendem, como argumentou Lenz, em "Siga o Líder, Como os Eleitores Respondem ao Desempenho e às Políticas dos Governos". Aqui, no nosso caso, é com base na sua lealdade política (ou falta dela) que avaliam o comportamento da economia. A polarização afetiva exacerba estes problemas de endogeneidade. É óbvio que a inflação, a taxa de juros, e o emprego influenciam o voto e, no momento atual, esta é a questão crucial. Mas não se pode entender esta influência com base em pesquisas com eleitores. O único segmento para o qual este exercício faz sentido são os chamados eleitores voláteis, devido a sua baixa lealdade política. Sim, na intensa polarização atual as políticas públicas importam pouco; as emoções políticas predominam. Mas a chave da disputa são os voláteis. *Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA). **********************************
*** Política - Estadão Previsível, Bolsonaro é lacuna brasileira no cenário internacional 22 de set. de 2020 — Na inconstância e no arrebatamento de seu líder, o governo Bolsonaro é previsível e banal. Foge ao modelo de. ************************************************** POLÍTICABRASIL O Brasil de Bolsonaro – um anão no cenário internacional Philipp LichterbeckPhilipp Lichterbeck ***
*** Philipp Lichterbeck ColunaCartas do Rio 28/07/202128 de julho de 2021 Na falta total de interlocutores de primeiro escalão, Bolsonaro se encontrou com uma obscura deputada ultradireitista alemã. O encontro sublinha o desastre que o bolsonarismo perpetrou na política externa do país. ***
*** Bolsonaro entre a deputada Beatrix von Storch e o marido dela, Sven von StorchFoto: Team von Storch/dpa/picture alliance *** No momento, praticamente não existe um chefe de governo democrático que queira se encontrar com Jair Bolsonaro. Na União Europeia, evita-se prudentemente o presidente brasileiro, pois isso não pegaria bem junto ao eleitorado. Nem mesmo os fãs do britânico Boris Johnson devem ter uma opinião muito boa de Bolsonaro, conhecido no exterior sobretudo por duas coisas: a devastação da Floresta Amazônica e sua catastrófica gestão da pandemia, com mais de 550 mil brasileiros mortos. Como ninguém quer se encontrar com Bolsonaro, ele aceita o que vem. Nesse caso foi, justamente, Beatrix von Storch, deputada federal e vice-porta-voz da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). Não se trata de um partido normal: o Departamento Federal de Proteção da Constituição – uma espécie de Abin alemã – levantou suspeitas de que a sigla abrigaria extremistas e impunha ameaças à ordem democrática, chegando a colocá-la sob observação do serviço secreto. Além disso, o presidente do Brasil se encontrou com uma mulher que tachou a chefe de governo alemã, Angela Merkel, de "a maior criminosa da história da Alemanha do pós-guerra". O fato de ele se deixar ser visto ao lado dessa pária sublinha mais uma vez o desastre que o bolsonarismo perpetrou na política externa brasileira. A perda de importância do país é dramática: Bolsonaro reduziu o Brasil de peso-pesado internacional a mero peso-mosca. É mais ou menos como se Merkel marcasse uma reunião com o deputado (e palhaço) brasileiro Tiririca, para discutir com ele o futuro da Europa e da América Latina. O problema não são os avós Como mostram as fotos do encontro, Bolsonaro e Von Storch se divertiram à beça. Poucas vezes se viu o presidente com um sorriso tão largo, e a ultradireitista alemã tão relaxada. O problema do encontro não é a ascendência de Beatrix von Storch – como enfatizaram diversos veículos de imprensa brasileiros. De fato, ambos seus avôs estiveram profundamente envolvidos nos crimes nazistas: um como ministro de Adolf Hitler (e criminoso de guerra condenado), e o outro como membro convicto do Partido Nacional-Socialista (NSDAP) e oficial da milícia SA. Só que milhões de alemães têm antepassados que veneravam Hitler, injuriavam os judeus e se apoderaram de suas fortunas quando foram deportados e assassinados. Os avôs e bisavôs da maior parte dos alemães eram soldados da Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas, ou até membros do NSDAP ou da força paramilitar SS. Um de meus avôs viveu por um breve período num apartamento em Gleiwitz (hoje Gliwice, na Polônia) que pertencia a judeus deportados. A cidade fica próximo ao campo de extermínio de Auschwitz, e minha mãe se lembra até hoje que em certos dias "chovia cinza". Ninguém lhe explicava por quê. Meu outro avô voltou para casa de um campo de prisioneiros soviético cinco anos após o fim da Segunda Guerra, mudo e sem reconhecer os filhos. Ele jamais falou sobre a guerra. Nós supomos que ele vivenciou coisas terríveis e talvez também tenha participado de atrocidades. "Pérolas" da ultradireita alemã Não se pode condenar os alemães de hoje à punição coletiva. E tampouco se pode acusar Beatrix von Storch de ter a família que tem. O que pode lhe ser imputado é ela dar continuidade à ideologia criminosa de seu avô. Ela disse que é lícito atirar em refugiadas e seus filhos que tentem atravessar a fronteira para a Alemanha, e pertence a uma sigla, a AfD, cujos deputados e funcionários disseram coisas como estas: "Afinal, agora nós temos tantos estrangeiros no país que valeria a pena mais um Holocausto." "Eu desejo tanto uma guerra civil e milhões de mortos, mulheres, crianças. Para mim, tanto faz. Seria tão bonito. Quero mijar nos cadáveres e dançar em cima dos túmulos. Sieg Heil!" "Esse tipo de gente [estrangeiros e esquerdistas], é claro que temos que eliminar." "Quando a gente chegar, vai ter arrumação, vai ter purgação!" "Homossexuais na prisão? A gente também devia fazer isso na Alemanha!" "Precisamos atacar e acabar com os meios de comunicação impressos." "Lares para refugiados em chamas não são um ato de agressão." "Fuzilar a corja ou mandar de volta para a África abaixo de pancadas." Solidão patética É possível que tais declarações nem soem tão estranhas para os leitores brasileiros. Seu presidente já soltou coisas do gênero, por exemplo: "Fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente." Portanto, é inegável o parentesco de espírito entre Bolsonaro e Von Storch. Ambos são representantes da nova ultradireita global, que prega racismo, homofobia e autoritarismo, e para tal se serve de táticas, formulações e teorias de conspiração análogas. O mais absurdo que compartilham é a afirmação de que defenderiam "valores conservadores e cristãos". Eles não defendem valor nenhum! Jair Bolsonaro e Beatrix von Storch são irmão e irmã no espírito. O fato de o presidente brasileiro – assim como seu filho Eduardo, ou o ministro da Ciência Marcos Pontes – se encontrar com essa pária da política alemã mostra, acima de tudo, quão solitário e absolutamente incompetente esse governo se tornou. Está isolado por ser incapaz de travar um diálogo com quem pense diferente. Diplomacia lhe é uma palavra desconhecida. Para o Brasil, que há poucos anos ainda tinha um peso no mundo como país de referência, é uma tragédia. -- Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. 10 fotos
*** 10 fotos Philipp LichterbeckPhilipp Lichterbeck Philipp Lichterbeck Colunista e correspondente da DW Brasil @Lichterbeck_Rio https://www.dw.com/pt-br/o-brasil-de-bolsonaro-um-an%C3%A3o-no-cen%C3%A1rio-internacional/a-58663839 *******************************************************************************************************
*** O Globo Parque Guinle é reduto de cisnes, gansos e plantas graças a moradores - Jornal O Globo *** O Pato Gilberto Gil *** *** O pato vinha cantando alegremente, quén, quén Quando um marreco sorridente pediu Pra entrar também no samba O ganso gostou da dupla e fez também quén, quén Olhou pro cisne e disse assim "vem, vem" Que o quarteto ficará bem, muito bom, muito bem Na beira da lagoa foram ensaiar para começar O tico-tico no fubá A voz do pato era mesmo um desacato Jogo de cena com o ganso era mato Mas eu gostei do final Quando caíram n'água E ensaiando o vocal Quén, quén, quén Quén, quén, quén Quén, quén, quén... compositores: JAYME SILVA, NEUZA GENTIL TEIXEIRA NUNES TEIXEIRA álbum Gilbertos Samba - Gilberto Gil Gravadora: Sony Music Entertainment Ano: 2014 Faixa: 3 https://www.kboing.com.br/gilberto-gil/o-pato/ ******************************************************** “…com um olho no peixe e outro no gato…”O Pato O pato *** Diogo Mainardi ***
*** Diogo Mainardi 16.05.22 10:21 ***
*** O pato Foto: Divulgação Caí feito um pato na lorota da Terceira Via. Era só uma manobra dos partidos para negociar o butim com Lula ou Jair Bolsonaro. E eu, estupidamente, acreditei nela. Mais grave do que ser um pato é não pedir desculpas pelos próprios erros. Que eu me lembre, não fiz isso até agora. O pedido de desculpas, portanto, tem de ser duplo: por ser um pato e por não ter pedido desculpas imediatamente. Notícias relacionadas: "A situação é bizarra""A situação é bizarra" Me recuso a votarMe recuso a votar O terceiro olho de BivarO terceiro olho de Bivar Em destaque: terceira via Mainardi Mais notícias Anterior: Bolsonaro planeja novas trocas na Petrobras, diz jornal Próxima: A briga é pela derrota de João Doria Mais lidas Moristas rejeitam 'Bivar presidente' 25 minutos atrás Recruta zero 7 minutos atrás Bolsonaro planeja troco no TSE por lista “hostil” de ministros 8 minutos atrás O pato 3 horas atrás Ponte para a derrota 5 horas atrás https://oantagonista.uol.com.br/despertador/o-pato/ ************************************************************ Em carta, Doria cobra que PSDB “respeite” decisão das prévias A Executiva Nacional do partido disse ao Poder360 que prévias não garantem a indicação e que discutirá na próxima 3ª feira ***
*** Presidente do PSDB, Bruno Araújo, de mãos dadas com o governador de São Paulo e pré-candidato nas prévias tucanas, João Doria, durante lançamento da candidatura do paulista na disputa presidencial *** PODER360 14.maio.2022 (sábado) - 23h28O pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, João Doria, enviou uma carta ao presidente do partido, Bruno Araújo, cobrando respeito pela decisão das prévias, que definiram seu nome na chapa ao Planalto. “A decisão partidária em torno do nosso nome, e pela candidatura própria à Presidência, já está tomada desde então e, assim como respeitamos as regras objetivas e previamente estabelecidas […], solicitamos que você respeite o estatuto do PSDB e a vontade democraticamente manifestada pela ampla maioria dos trinta mil eleitores do nosso partido”, escreveu o ex-governador de São Paulo em trecho da carta. Eis a íntegra do documento (5,4 MB). Doria diz, ainda, que as pesquisas de intenção de voto não podem ser “guia único” e “muito menos podem servir para guiar os destinos do partido na eleição”. Retomou trecho de carta assinada por Araújo depois das prévias, em novembro de 2021, dizendo que a escolha do nome de Doria seria respeitada pelo partido. Em seguida, o ex-governador diz que, a cada semana, o presidente da sigla muda suas movimentações políticas, criando insegurança política aos filiados. Encerrou dizendo que não abrirá mão da posição de protagonista do projeto nacional do partido e que não concorda com outras pesquisas de opinião, apenas com a que foi feita internamente com os filiados. Ao Poder360, o PSDB disse que as prévias não validam único caminho do partido ao Planalto e que recebeu a carta de Doria como uma mensagem à Executiva Nacional. O partido disse, ainda, que foi convocada uma reunião na 3ª feira (17.mai.2022) para tratar sobre a carta. DORIA OU TEBET? Partidos da 3ª via, formada pelo PSDB, MDB e Cidadania, encomendaram pesquisas para avaliar o desempenho dos pré-candidatos João Doria e Simone Tebet (MDB-MS). A ideia é que elas ajudem a definir o nome, entre as possibilidades apresentadas pela 3ª via, a ser lançado como candidato à vaga ao Planalto. Os questionários serão feitos entre sábado e domingo (14 e 15.mai). Os resultados devem ser divulgados na 4ª feira (18.mai). autores Poder360 https://www.poder360.com.br/partidos-politicos/em-carta-doria-cobra-que-psdb-respeite-decisao-das-previas/ ********************************
*** segunda-feira, 16 de maio de 2022 Fernando Gabeira: O golpe nosso de cada dia O Globo Férias. Pensei em escrever artigos sobre novos temas. Mas como fugir da ameaça de golpe que domina o noticiário? O problema é que nem sobre isso posso escrever como queria. A preparação para resistir a um golpe implica inúmeras iniciativas. Vivi dois, um no Brasil, outro no Chile, sem contar tentativas fracassadas. Lembro-me de ter escrito em Santiago um artigo para a revista Punto Final sobre o golpe no Brasil e algumas lições sobre seu êxito. Escrever sobre resistência a um golpe num jornal nacional acabaria dando ao próprio golpe algumas ideias de como melhor se instalar no país, neutralizando a resistência. Prefiro, no momento, outro caminho: escrever sobre as vantagens da democracia. Isso me dá a possibilidade de abordar alguns temas sepultados no Brasil de hoje. Refiro-me a políticas públicas que melhoram a vida das pessoas. Participei ativamente de uma delas: o combate à aids no Brasil. Fui o braço parlamentar da decisão de distribuir gratuitamente os coquetéis antivirais. José Serra, então ministro da Saúde, foi mais longe questionando, internacionalmente, as patentes que davam exclusividade aos laboratórios, numa questão de vida ou morte. Meu objetivo hoje era escrever sobre a doença de Alzheimer. Na época, consegui um estudo produzido pelo governo francês. No princípio do século, quase ninguém falava disso no Brasil. Procurei Serra e perguntei: — Já ouviu falar de Alzheimer? Ele disse, sorridente: — Sim. Tenho muito medo disso. Serra era visto como hipocondríaco e estava brincando com sua fama. Eu ainda não tinha lido todo o estudo, mas disse apenas que a conclusão central para uma política era reconhecer que as famílias sozinhas não tinham condições de administrar o problema. O tempo passou, a doença ficou mais conhecida, foi tema de um interessante filme, “Meu pai”, protagonizado por Anthony Hopkins. Alguns amigos e conhecidos já foram atingidos por essa doença e, cada vez que ouço um novo caso, fico muito triste. Dizem, não tenho condições de confirmar cientificamente, que 20% dos octogenários podem ser atingidos por Alzheimer. Será um grande problema social e de saúde. Não conseguimos criar uma política nacional abrangente para o Alzheimer. As famílias continuam desamparadas. Com as redes sociais, pelo menos podem trocar informações e atenuar seu fardo. O processo democrático é importante porque abre a possibilidade para essas políticas. Hoje, estão muito mais distantes. O orçamento secreto é um assalto ao dinheiro público para fins paroquiais. É muito difícil apoiar políticas públicas que favoreçam a todos. Esse é um tema importante quando pensamos na resistência ao golpe. O que restou da democracia, sequestrada pela extrema direita, religiosos, militares e políticos? A passividade diante de absurdos como o orçamento secreto é, na verdade, uma ajuda ao golpe, na medida em que suprime uma das vantagens centrais da democracia: destinar racionalmente os recursos orçamentários. Da mesma forma, a presença de pastores no Ministério da Educação, subvertendo o conceito de Estado laico, não pode ser entendida exceto como uma preparação para o golpe. A educação deixa de formar as crianças para os novos tempos e as entope de bíblias superfaturadas. A presença das Forças Armadas num processo eleitoral de que deveriam manter distância segura, os supersalários de generais que se dizem salvadores da pátria, mas salvam seu próprio bolso — tudo isso fortalece um golpe porque reduz o potencial da própria democracia. Um roteiro para enfrentar o golpe, desde o princípio, é lutar milímetro por milímetro por uma democracia plena. Tivemos mais demonstrações contra ela do que a favor, figuras autoritárias e grotescas concentram a atenção da mídia no Parlamento. Há muito o que fazer, especificamente, para derrotar um golpe. Mas tudo será mais difícil se a gente não reconhecê-lo no cotidiano, na simplicidade das notícias que aparentemente não têm relação entre si. ****************************************************************************************************
*** www.publiconsulting.com Second Part. Chapter XXIX – Don Quixote of la Mancha *** Capítulo XXIX - Da famosa aventura do barco encantado 13 min Dois dias depois de saírem da alameda, chegaram D. Quixote e Sancho ao rio Ebro, e o vê-lo foi uma coisa que deu grande gosto a D. Quixote, porque contemplou a amenidade das suas margens, a lucidez das suas águas, o sossego da sua corrente e a abundância dos seus líquidos cristais, cuja alegre vista renovou na sua memória mil amorosos pensamentos; especialmente, cismou no que vira na cova de Montesinos; que, ainda que o macaco de mestre Pedro lhe dissera que parte daquelas coisas eram verdade, e parte mentira, ele contentava-se com o dizer-se-lhe que algumas eram verdadeiras, para as considerar todas assim, às avessas de Sancho, que as tinha a todas por igual patranha. Caminhando, pois, deste modo, ofereceu-se-lhe à vista uma pequena barca, sem remos nem velas, que estava amarrada na praia a um tronco de uma árvore. Olhou D. Quixote para todos os lados e não viu pessoa alguma, e logo sem mais nem menos apeou-se de Rocinante, e mandou a Sancho que fizesse o mesmo ao ruço, e que a ambos os animais os amarrasse, muito bem amarrados, ao tronco de um álamo ou salgueiro que ali estava. Perguntou-lhe Sancho o motivo daquele súbito apear e de semelhante amarração. Respondeu-lhe D. Quixote: — Hás-de saber, Sancho, que este barco que aqui está não tem outro fim senão chamar-me e convidar-me a que entre nele e vá socorrer algum cavaleiro ou outra pessoa principal e necessitada, que deve de estar posta nalguma grande aflição; porque este é o estilo dos livros das histórias cavaleirescas e dos mgromantes que nelas se intrometem; e, quando algum cavaleiro está metido nalguns trabalhos que não possa ser libertado deles senão por mão de outro cavaleiro, ainda que os separem duas ou três mil léguas, ou ainda mais, costumam, ou arrebatá-lo numa nuvem, ou depararlhe um barco em que se meta, e em menos de um abrir e fechar de olhos, levam-no, ou pelos ares, ou pelo mar, aonde querem e aonde é necessário o seu auxílio; de forma que, ó Sancho, este barco está posto aqui para o mesmo efeito; e isto é tão verdade, como ser agora dia, e antes que o dia acabe prende juntos o ruço e Rocinante, e a mão de Deus nos proteja, que não deixarei de embarcarme, nem que mo peçam frades descalços. — Pois se assim é, e se Vossa Mercê quer cair a cada passo nestes que não sei se lhes chame disparates, não tenho remédio, senão obedecer e abaixar a cabeça, atendendo ao rifão, que diz: Faze o que manda teu amo, e senta-te com ele à mesa; mas, com tudo isso, pelo que toca ao descargo da minha consciência, quero advertir a Vossa Mercê que me parece que este barco não é dos encantados, mas de alguns pescadores deste rio, porque nele se pescam as melhores bogas do mundo. Isto dizia Sancho, enquanto prendia os animais, deixando-os entregues à proteção dos nigromantes, com grande dor da sua alma. Disse-lhe D. Quixote que não tivesse pena do desamparo dos animais, que aquele que a eles os levasse por tão longínquos caminhos e regiões, trataria de os sustentar. — Não entendo isso de lógicos — disse Sancho — e nunca ouvi esse vocábulo em todos os dias da minha vida. — Longínquos — respondeu D. Quixote — quer dizer apartados, e não é maravilha que o não entendas, porque não és obrigado a saber latim, como alguns que presumem sabê-lo e afinal o ignoram. — Já estão amarrados — respondeu Sancho — agora que havemos de fazer? — O que? — respondeu D. Quixote — benzer-nos e levantar ferro; quero dizer, embarcar e soltar a amarra que prende este barco à terra. E, dando um pulo para dentro dele, e seguindo-o Sancho, cortou o cordel, e o barco foi-se apartando a pouco e pouco da praia; e, quando Sancho se viu a obra de duas varas pelo rio dentro, começou a tremer, receando ver-se perdido; mas nada lhe deu mais pena do que ouvir ornear o ruço, e ver que Rocinante procurava soltar-se: e disse para seu amo: — O ruço zurra, condoído da nossa ausência, e Rocinante procura soltar-se, para correr atrás de nós. Ó caríssimos amigos, ficai-vos em paz, e a loucura, que nos aparta de vós outros, convertida em desengano nos volva à vossa presença. E nisto, começou a chorar tão amargamente, que D. Quixote, mofino e colérico, lhe disse: — De que tens tu medo, cobarde criatura? por que choras, coração de manteiga? quem te persegue ou quem te acossa, alma de rato caseiro? o que é que te falta, necessitado nas entranhas da abundância? vais por acaso caminhando a pé e descalço pelas montanhas Rífeas, ou vais sentado numa tábua como um arquiduque, deslizando pela tranqüila corrente deste plácido rio, donde em breve espaço sairemos para o mar alto? Mas isso até já devemos ter saído, e devemos ter caminhado, pelo menos, setecentas ou oitocentas léguas; e, se eu tivesse aqui um astrolábio para tomar a altura do pólo, eu te diria as que andamos, ainda que, ou pouco sei, ou já passamos, ou estaremos quase a passar a linha equinocial, que divide e corta os dois contrapostos pólos em igual distância. — E, quando chegarmos a essa lenha que Vossa Mercê diz — perguntou Sancho — quanto teremos andado? — Muito — replicou D. Quixote — porque, de trezentos e sessenta graus que o globo contém de água e de terra, segundo o cálculo de Ptolomeu, que foi o maior cosmógrafo, teremos andado metade desses trezentos e sessenta graus, em chegando à linha que eu te disse. — Por Deus — disse Sancho — Vossa Mercê sempre traz para testemunha uma fresca pessoa, a quem chama tolo meu, e de quem diz que faz mofa! Riu-se D. Quixote da interpretação que Sancho dera ao nome de Ptolomeu e à designação de cosmógrafo, e disse-lhe: — Saberás, Sancho, que os espanhóis e os que embarcam em Cádis para ir às Índias Ocidentais, um dos sinais que têm para saber que passaram a linha equinocial que eu te disse, é que a todos que vão no navio morrem os piolhos, sem que fique um só, que não se encontrará em todo o baixel, nem que se pese a ouro, e assim podes, Sancho, verificar o caso. Se encontrares coisa viva, sairemos com certeza desta dúvida. — Não creio nada disso — respondeu Sancho; — contudo, farei o que Vossa Mercê manda, ainda que não sei que necessidade haja de se fazerem essas experiências, porque não nos apartamos da margem nem cinco varas, nem nos afastamos duas varas do sítio onde ficaram as alimárias; ainda vejo perfeitamente Rocinante e o ruço no sítio onde os deixei, e aposto que não andamos nem um passo de formiga. — Faze a averiguação que eu te disse, Sancho, e não trates de mais nada, porque tu não sabes o que são linhas, paralelos, zodíacos, eclípticas, pólos, solstícios, equinócios, planetas, signos, pontos, medidas de que se compõe a esfera celeste e terrestre, que, se soubesses todas estas coisas ou parte delas, verias claramente os paralelos que cortamos, que signos vimos e que imagens deixamos atrás de nós, e vamos deixando agora, e torno-te a dizer que te cates, que aposto que estás mais limpo que um pedaço de papel liso e branco. Catou-se Sancho e, pondo a mão na barriga da perna esquerda, levantou a cabeça, olhou para seu amo e disse: — Ou a experiência é falsa, ou ainda não chegamos aonde Vossa Mercê diz, nem estamos a poucas léguas do tal sítio. — Pois que! — perguntou D. Quixote — encontraste algum? — Alguns, diga Vossa Mercê — respondeu Sancho. E, sacudindo os dedos, lavou a mão toda no rio, por onde sossegadamente deslizava o barco, seguindo a corrente, sem que o impelisse inteligência alguma secreta, ou qualquer nigromante escondido, a não ser o próprio correr da água, então brando e suave. Nisto, descobriram umas grandes azenhas, que estavam no meio do rio, e apenas D. Quixote as viu, bradou em alta voz para Sancho: — Vês amigo, ali se descobre a cidade, castelo ou fortaleza, onde deve de estar algum cavaleiro oprimido, ou alguma rainha, infanta, ou princesa mal parada, para socorrer a qual aqui sou chamado. — Que diabo de cidade, fortaleza, ou castelo diz Vossa Mercê? — perguntou Sancho — pois não vê claramente que aquilo são azenhas, que estão no rio, onde se mói o trigo? — Cala-te, Sancho — disse D. Quixote — que, ainda que parecem azenhas, não acredito que o sejam. Já te disse que todas as coisas se mudam do seu ser natural com os encantamentos. Não quero dizer que se mudam realmente, mas que assim o parece, como o mostrou a experiência na transformação de Dulcinéia, único refúgio das minhas esperanças. Nisto, o barco, entrado no meio da corrente do rio, começou a caminhar menos vagarosamente do que até ali. Os moleiros das azenhas, que viram vir aquele barco água abaixo, e que se ia a meter no redemoinho das rodas, saíram com presteza muitos deles com varas largas a demorá-lo. Como vinham enfarinhados, apresentavam um estranho aspecto, e davam grandes brados, dizendo: — Demônios de homens, aonde ides? Vindes desesperados e quereis afogar-vos e despedaçar-vos nestas rodas? — Não te disse eu, Sancho — acudiu D. Quixote — que tínhamos chegado a sítio onde hei-de mostrar até onde chega a força do meu braço? Vê quantos malandrinos me saem ao encontro; vê quantos vampiros se me opõem; vê que de feias cataduras nos querem assustar. Pois agora vereis, velhacos. E, pondo-se em pé no barco, principiou a ameaçar com grandes brados os moleiros, dizendo-lhes: — Canalha malvada e pior aconselhada, deixai na sua liberdade a pessoa que na vossa fortaleza ou prisão tendes oprimida, alta ou baixa, de qualquer categoria que seja, que eu sou D. Quixote de la Mancha, denominado o cavaleiro dos Leões, a quem está reservado, por ordem expressa dos altos céus, o dar termo feliz a esta aventura. E, dizendo isto, deitou mão à espada, e começou-a a esgrimir no ar contra os moleiros, os quais, ouvindo e não entendendo semelhantes sandices, puseram-se com as suas varas a desviar o barco, que já ia entrando no redemoinho formado pelas rodas. Pôs-se Sancho de joelhos, pedindo devotamente ao céu que o livrasse de tão manifesto perigo, como efetivamente o livrou pela indústria e presteza dos moleiros que, opondo-se com as suas varas ao andamento do barco, o detiveram, mas não de modo que não virassem o batel, dando com D. Quixote e com Sancho na água; serviu de muito a D. Quixote o saber nadar como um pato, ainda que o peso das armas por duas vezes o levou ao fundo; mas, se não fossem os moleiros, que se deitaram à água e os salvaram a ambos, ali, para eles, teria sido Tróia. Tirados, pois, para terra, mais ensopados que mortos de sede, o bom do Sancho, ajoelhado, de mãos postas e com os olhos cravados no céu, pediu a Deus, em larga e mui devota oração, que daí por diante o livrasse dos atrevidos cometimentos de seu amo. Nisto, chegaram os pescadores, donos do barco, que as rodas da azenha tinham despedaçado, e vendo-o em fanicos, principiaram a despir Sancho e a pedir a D. Quixote que lho pagasse. D. Quixote, com grande sossego, como se não se tivesse passado nada de extraordinário, disse aos moleiros e pescadores que pagaria o barco da melhor vontade, com a condição de lhe entregarem livres completamente a pessoa ou pessoas que naquele seu castelo estavam oprimidas. — Que pessoas e que castelo são esses? — tornou um dos moleiros — Homem sem juízo, queres levar por ventura os fregueses que vêm moer trigo a esta azenha? — Basta — disse consigo D. Quixote — aqui era o mesmo que pregar no deserto querer reduzir esta canalha a praticar um ato virtuoso, por pedidos; e nesta aventura devem ter-se encontrado dois valentes nigromantes, um dos quais estorva o que o outro intenta: um deparou-me o barco, outro deu comigo na água; Deus o remedeie, que todo este mundo se compõe de máquinas e de traças contrárias umas às outras. Eu não posso mais. E, levantando a voz, prosseguiu, dizendo e olhando para a azenha: — Amigos, quem quer que sejais, que nessa prisão ficais encerrados, perdoai-me, que, por minha desgraça, e por desgraça vossa, não vos posso tirar dessa aflição. Para outro cavaleiro deve de estar guardada e reservada esta aventura. Dizendo isto, concertou-se com os pescadores e pagou pelo barco cinqüenta reais, que Sancho entregou de muito má vontade, dizendo: — Com duas barcadas como esta, damos com todo o cabedal no fundo. Os pescadores e moleiros estavam admirados, contemplando aquelas duas figuras tão estranhas, e não eram capazes de perceber as perguntas de D. Quixote; e, tendo-os por loucos, deixaram-nos, e recolheram-se os moleiros para a sua azenha, e os pescadores para as suas choças. Voltaram para os seus animalejos D. Quixote e Sancho, e este fim teve a aventura do barco encantado. Capítulo anterior Capítulo XXVIII - Das coisas que diz Benengeli, que saberá quem as ler, se as ler com atenção Próximo capítulo Capítulo XXX - Do que sucedeu a D. Quixote com uma bela caçadora Tags clássico crítica romance modernista ***
*** Miguel de Cervantes @miguel-de-cervantes Miguel de Cervantes Saavedra foi um romancista, dramaturgo e poeta castelhano. A sua obra-prima, Dom Quixote, muitas vezes considerada o primeiro romance moderno, é um clássico da literatura ocidental e é regularmente considerada um dos melhores romances já escritos. https://scriv.com.br/miguel-de-cervantes/b/dom-quixote/capitulo-xxix-da-famosa-aventura-do-barco-encantado

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