Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 21 de maio de 2022
A Vitória
"Em resumo, não se pode privar os eleitores da chance de sonhar com um futuro melhor, em que prevaleçam a razão, o diálogo e o respeito à democracia – ainda que, ao fim e ao cabo, a vitória não venha."
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A MINHA criada Vitória anda em cinqüenta anos, é meio surda e possui um
papagaio inteiramente mudo, que pretende educar assim :
Currupaco, cagaco,
A mulher do macaco
Ela fia, ela cose,
Ela toma tabaco
Torrado no caco.
O papagaio prega na velha o olho redondo. Em seguida cerra as pálpebras e
baixa a cabeça. Às vezes se aborrece da gaiola e bate as asas. A dona corre para
o quintal e espia a folhagem da mangueira:
- Meu louro, meu louro! Currupaco, papaco. Meu louro! Onde andará o semvergonha desse papagaio?
Só se acomoda depois de percorrer a vizinhança e encontrar o fugitivo. Pega
então a parolar com ele, que não diz nada. Quando se cansa, agarra o jornal e lê
com atenção os nomes dos navios que chegam e dos que saem. Nunca embarcou,
sempre viveu em Maceió, mas tem o espírito cheio de barcos. Dá-me
freqüentemente notícias deste gênero:
- O Pedro II chega amanhã. O Aratimbó vem com atraso. Terá havido
desastre?
Não sei como se pode capacitar de que a comunicação me interessa. Há três
anos, quando a conheci, a mania dela me espantava. Agora estou habituado. Leio
o jornal e deixo-o em cima da mesa, dobrado na página em que se publica o
movimento do porto. Vitória toma a folha e vai para a cozinha ler ao papagaio a
lista dos viajantes.
No princípio do mês, quando se aproxima o recebimento do ordenado,
excita-se e não larga o Diário Oficial.
- Faltam dois dias, falta um dia, é hoje.
E faz cálculos que não acabam, cálculos inúteis porque não gasta nada: usa
os meus sapatos velho: e traz um xale preto amarelento que deve ter dez anos.
Recolhe a mensalidade e mete-se no fundo do quintal põe-se a esgaravatar
a terra como se plantasse qualquer coisa. Esquece os navios e as lições ao
papagaio. Volta a tratar das ocupações domésticas, mas de quando em quando lá
vai rondar a mangueira e acocorar-se junto ao canteiro das alfaces. Dá um salto à cozinha, fala com o louro, tempera a bóia. Minutos depois está novamente
remexendo a terra.
Observo esses manejos. Sentindo-se observada, levanta-se, deita água no
caco das galinhas, vai ao banheiro, sai com uma braçada de roupa, que estende
no arame esticado entre a cerca e um dos ramos da mangueira. Entra em casa,
abre o jornal e anuncia:
- O delegado fiscal viajou ontem.
Nota, pela minha cara, que o delegado fiscal não me interessa e dá uma
notícia importante:
- O arcebispo chegou do Rio.
Escapole-se, vai consertar a cerca, tapar os buracos por onde passam
bichos que estragam a horta. Da minha cadeira vejo-lhe o cocó grisalho, a cabeça
curva atenta sobre a terra que escava, fingindo tratar dos canteiros ou fincar as
estacas da cerca. No outro dia tirará as estacas, que, de tanto removidas, fizeram
ali uma espécie de porteira. Nem à noite a pobre descansa: levanta-se pela
madrugada e abre a porta do fundo, cautelosamente.
Cautela inútil. Como é meio surda, pensa que não faz barulho, mas arrasta
os sapatões com força, e as pernas reumáticas atiram-na contra os móveis, às
escuras tropeçam nos degraus de cimento quebrado. Ausenta-se uma hora.
Depois a porta range de novo e as pisada reaparecem. Daí a pouco está a criatura
resmungando fazendo contas intermináveis. Erra os números e recomeça. Esta
agitação dura quatro, cinco dias por mês.
Sossega, volta às listas dos passageiros, à tagarelice com o papagaio :
Currupaco, papaco,
A mulher do macaco...
A voz é áspera e desdentada. E, acompanhando a cadência, tremem as
pelancas do pescoço engelhado como um pescoço de peru, tremem os pêlos do
buço e as duas verrugas escuras. É terrivelmente feia.
Logo que me entrou em casa, descobri nela uma particularidade alarmante.
Sou um desleixado. Quando mudo a roupa, esqueço papéis nos bolsos. Deixo
freqüentemente níqueis e pratas sobre os móveis. Essas frações de pecúnia
somem-se, e certa vez desapareceu-me da carteira uma cédula de cinqüenta milréis. As faltas coincidem com uma grande excitação da velha.
Recomeçam as fugas para o quintal. Vendo-lhe o cocó bambeante entre as
folhas de alface, sei perfeitamente que ela está enterrando o dinheiro. Descubro ao
pé da cerca, junto à raiz da mangueira, covas frescas.
Assustei-me a princípio, depois me tranqüilizei.
A nota de cinqüenta mil-réis foi achada entre as páginas de um livro. E as
moedas voltam para os lugares donde saíram. Finjo não prestar atenção a elas,
para a mulher não se ofender, meto algumas no bolso, com indiferença. Só quando
estou necessitado, digo por alto, escolhendo as palavras:
- Vitória, hoje pela manhã deixei cair umas pratas no chão. Apanhei duas ou
três, mas parece que as outras rolaram para trás da cama. Você, varrendo o
quarto, não terá encontrado algumas?
Vitória estica-se, o pescoço encarquilhado incha, os olhos miúdos fuzilam, as
verrugas tremem indignadas:
- O senhor tem cada uma! Se não está satisfeito comigo, é dizer. Já vivi em
muita casa de gente rica, seu Luís. Criei-me vendo dinheiro, seu Luís. Se o está
achando bom, é arriar a trouxa. Desconfiança comigo, não.
- Deixe disso, criatura. Quem falou em desconfiança? E que derrubei as
moedas. Que você não viu está, claro, não se discute. Dê uma busca.
- Ah! exclama Vitória. Eu não tinha compreendido bem.
Torna-se amável, coça o queixo cabeludo, puxa conversa fora de propósito,
a voz sumida, uns risinhos encabulados. Julgando-me distraído, afasta-se nas
pontas dos pés, olhando-me com o rabo do olho, e vai apanhar alfaces. Daí a
pouco volta, entra no quarto, arrasta a cama, examina os cantos da parede:
- Só vejo teia de aranha.
De repente aparece chocalhando as moedas:
- Estão aqui. Não sei quando o senhor quer tomar jeito. A vida inteira
perdendo dinheiro!
Guardo algumas pratas e deixo o resto em cima da mesa. Não há perigo.
Receio é que Vitória se engane nas contas e me traga mais que o que tirou.
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ANGÚSTIA
GRACILINO RAMOS
https://professordiegodelpasso.files.wordpress.com/2016/05/graciliano-ramos-angustia1.pdf
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sábado, 21 de maio de 2022
Eduardo Affonso: Camões, poeta e profeta
O Globo
Que Nostradamus, que nada! Quem profetizou sobre os eventos neste Brasil do ano da graça de 2022 foi Luís Vaz de Camões, o maior poeta vivo da língua portuguesa (morreu em 1580 apenas para os leitores ingratos).
Está tudo lá, no soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver”, publicado há 424 anos sob o disfarce de ser apenas mais um poema a respeito da servidão amorosa.
“Fogo que arde sem se ver” é uma metáfora para Simone Tebet — a senadora sul-mato-grossense que não falta ao trabalho (compareceu a 95% das sessões), não rasga dinheiro público (gastou só cerca de 40% da verba de gabinete e da cota parlamentar), nem responde a processo judicial. Teve atuação firme na CPI da Covid e tem baixa rejeição. Pode crescer e aparecer. A menos que o vice seja o Aécio, porque aí incinera tudo.
“Ferida que dói, e não se sente” é referência a Lula. Responsável pelos maiores escândalos de corrupção da nossa História, há quem acredite que “não tem, nesse país, uma viv’alma mais honesta”. Mas sejamos justos: pelo menos uma vez não faltou com a verdade — foi quando disse que no Congresso havia 300 picaretas. Tanto havia que comprou vários deles, assim que teve oportunidade.
“É um andar solitário entre a gente” remete a Ciro Gomes, que não tem conseguido fazer alianças ou agregar apoios. Com seu destempero e incontinência verbal, parece “querer estar preso por vontade” a uma posição de coadjuvante na disputa.
“É um cuidar que ganha em se perder” alude, obviamente, a Luciano Bivar. Político profissional (não necessariamente na melhor acepção dos termos), neutralizou (e rifou) Sergio Moro e agora pode fazer acordos à direita e à esquerda, acima e abaixo, dentro e fora. Terá R$ 770 milhões para ser fragorosamente derrotado (fará campanha “pró-forma”) e eleger uma megabancada de deputados com poder de barganha. Perde e sai ganhando, seja qual for o futuro presidente.
“É servir a quem vence, o vencedor” descreve João Doria. Levou a melhor nas prévias do PSDB — e só nelas. O partido não o quer e parece que os eleitores também não fazem muita questão. Foi importantíssimo na luta contra a Covid-19, mas a vaidade — como cantou Billy Blanco — põe o bobo no alto e retira a escada.
Em “É ter com quem nos mata, lealdade”, Camões conseguiu retratar, à perfeição, a relação dos bolsonaristas com seu mito. O presidente se opôs à vacinação, ao distanciamento social, ao uso de máscaras — e se a Covid-19 não matou mais foi porque prefeitos, governadores e a população fizeram o que precisava ser feito. Bolsonaro conseguiu ser o pior presidente desde 1889 — o que não é pouca coisa, num país que já teve Sarney, Collor e Dilma.
“Tão contrário a si é o mesmo Amor” fala dos eleitores que tentaram se curar da dilmite tomando Bolsonariol e agora acham que dá para combater bolsonarite com uso de Lulalckmin, um genérico transgênico.
Claro que a profecia camoniana pode ter outras interpretações (quanto mais polissêmica uma previsão, maiores as chances de dar certo). Mas é evidente, ora pois, que Camões (pre)via melhor com um olho só do que Nostradamus com dois.
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sábado, 21 de maio de 2022
Oscar Vilhena Vieira*: Confronto e erosão como método
Folha de S. Paulo
Essa concepção tribal de política foi descaradamente plagiada pelo bolsonarismo
Bolsonaro pratica uma concepção primitiva de política, baseada no confronto, na intimidação dos adversários e no arbítrio, em detrimento de uma política fundada na competição eleitoral, no debate público e na legalidade.
Essa concepção tribal de política, defendida por Carl Schmitt, que marcou a ascensão de regimes totalitários nos anos 1930, repaginada pela extrema direita norte-americana nas últimas décadas —com sua idolatria fálica às armas, à supremacia racial e a ideias liberticidas—, foi descaradamente plagiada pelo bolsonarismo.
Para os praticantes dessa concepção pervertida de política, a democracia constitucional —que pacifica e institucionaliza a competição política e impõe limites jurídicos àqueles que exercem poder— aparece como um entrave inaceitável ao poder soberano devendo, portanto, ser suprimido. A verdadeira soberania, de acordo com Schmitt, não pode ser confinada pela Constituição, pelo império do direito. Ela somente se expressa no contexto do estado de exceção.
Afirmar que se trata de um modelo primitivo de política, não significa, portanto, dizer que é uma concepção destituída de método. No caso brasileiro, o constitucionalismo democrático vem sendo atacado de duas formas: o intenso confronto político deliberado e a erosão difusa da ordem jurídica e da integridade das instituições.
Politicamente, o bolsonarismo conduz um interminável confronto com as instituições e os valores da democracia liberal. Promove uma guerra cultural permanente pelas redes sociais e, ao mesmo tempo, ataca as instituições de controle e aplicação da lei, com o objetivo de minar a credibilidade, e a capacidade dessas instituições de exercerem a função de freios contrapesos ao poder presidencial.
O ataque às urnas eletrônicas, ao Supremo e aos ministros que têm conduzido o processo eleitoral é parte essencial dessa estratégia de fragilização institucional. Como demonstra relatório da organização Democracia em Xeque, publicado esta semana, após Bolsonaro propor ação de abuso de autoridade contra Alexandre de Moraes, o ministro vem sendo alvo de uma gigantesca onda de ataques nas redes sociais, voltada a intimidar e restringir sua credibilidade. Dentro dessa mesma estratégia, o bolsonarismo fomenta a animosidade das Forças Armadas contra o Supremo e o TSE.
No plano jurídico, por sua vez, o governo tem empregado as prerrogativas presidenciais, como decretos, nomeações, restrições orçamentárias, estabelecimento de sigilo e ordens para institucionais, para subverter a ordem constitucional. Essa estratégia parece ser uma consequência da incapacidade do governo de promover mudanças mais amplas com apoio de ambas casas do Congresso Nacional.
Esse ataque infralegal fica muito evidente no campo do meio ambiente, dos direitos indígenas, do combate ao trabalho escravo, da reforma agrária, da Polícia Federal e, especialmente, na área das armas de fogo, prejudicando não apenas a política de segurança pública, como fortalecendo milícias e grupos radicalizados que ameaçam a democracia.
Trata-se, assim, de um perigoso avanço em direção ao estado de exceção, como decorrência da associação entre confronto político sistemático e erosão jurídica como método de subversão da ordem constitucional, que precisa ser imediatamente contido, sob o risco de comprometer definitivamente o edifício democrático brasileiro. Esse é o desafio colocado às elites políticas, econômicas e sociais brasileiras neste momento.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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sábado, 21 de maio de 2022
Alvaro Costa e Silva: Bolsonaro e Vargas Llosa
Folha de S. Paulo
Primeiro romance do Nobel peruano denuncia violência e corrupção em colégio militar
Seria um assombro, na melhor tradição do realismo mágico. Mas vamos supor que aconteça: animado com o apoio que recebeu de Mario Vargas Llosa, Bolsonaro resolve adiar os passeios de moto e jet-ski e reservar 15 minutos por dia para ler o Nobel. Escolhe "A Cidade e os Cachorros" (ou "Batismo de Fogo", o outro título com que a obra foi traduzida entre nós), primeiro romance do escritor que, ainda bem jovem, resolveu tornar-se o Faulkner do Peru.
Bolsonaro não entende bem os diferentes pontos de vista narrativos, o discurso indireto livre e a mistura entre passado e presente. Mas reconhece, ao virar uma página depois de lamber a ponta do dedo, algo familiar: a palavra coturno. O esforço sobre-humano é recompensado quando ele finalmente percebe que a história se passa em um colégio militar. Aquele ambiente é o seu, pensa o presidente, ali um menino aprende a ser homem.
Se tivesse adquirido o hábito de leitura nos bancos escolares, Bolsonaro descobriria que o livro é uma condenação do código de conduta imposto aos alunos do colégio Leoncio Prado, de Lima, onde Llosa estudou. Uma formação educacional que, sob o disfarce da ordem e da disciplina militar, está baseada em violência, covardia, machismo, intolerância, abuso psicológico, corrupção.
É um modelo semelhante ao das escolas cívico-militares, vitrine bolsonarista cujo orçamento mais do que triplicou (R$ 18 milhões em 2020; R$ 64 milhões em 2022), mesmo representando apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras. Na outra ponta do desastre na educação, agravado pelo impacto da pandemia, a Câmara aprovou o projeto que regulamenta o ensino doméstico, bandeira ideológica do governo rejeitada por oito em cada dez brasileiros, segundo o Datafolha.
Não por acaso, o presidente, a cabeça embaralhada com tantas letrinhas, joga fora o livro de Vargas Llosa e corre para o jet-ski. Fim do relato fantástico.
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sábado, 21 de maio de 2022
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
Candidato não é mercadoria
O Estado de S. Paulo
Pesquisa não pode ser decisiva na definição de candidaturas. Importa a capacidade de estimular a esperança com propostas sólidas para os problemas do presente e as ambições do futuro
É desanimadora a notícia de que o candidato da chamada “terceira via”, aquele cuja incumbência é atrair os muitos eleitores que desprezam os populistas que lideram as pesquisas, pode ser escolhido por meio de pesquisas para avaliar sua viabilidade eleitoral.
Há uma clara inversão de valores aqui. O que dá solidez a uma candidatura, sobretudo uma candidatura que se propõe a enfrentar a demagogia de Lula da Silva e Jair Bolsonaro, é a capacidade do postulante e de seu partido de se apresentarem ao eleitorado como veículos de um projeto concreto de país. É isso que tem potencial de atrair votos. Ao definir uma candidatura não por sua substância programática, ora inexistente, mas apenas pelo grau de rejeição dos nomes apresentados, a “terceira via” parece estar disputando não a chefia do governo, mas o lugar de maior destaque na prateleira de um supermercado.
É óbvio que política envolve carisma, isto é, a qualidade extraordinária de transpirar poder. Logo, nem a mais sofisticada das plataformas eleitorais é suficiente para vencer uma eleição se o candidato que a propõe não inspirar essa força nos eleitores. No entanto, um candidato escolhido somente por ser supostamente mais bem aceito que outros em enquetes, e não por suas ideias ou propostas, tende a ser apenas mais um enlatado na gôndola. Pode até ganhar a eleição, mas empobrece a política e, por tabela, a democracia.
Hoje, infelizmente, os partidos são apenas veículos das ambições pessoais de seus donos ou caciques. Votar neste ou naquele partido faz pouca ou nenhuma diferença para os eleitores, que são convidados não a pensar nos grandes problemas nacionais, mas somente no atendimento imediato – e invariavelmente precário – de suas necessidades. É por isso que os dois líderes das pesquisas de intenção de voto para presidente sejam rematados irresponsáveis, a prometer unguentos mágicos para solucionar problemas que demandam remédios bem mais amargos.
É fundamental que haja entre os postulantes à Presidência uma candidata ou um candidato que represente genuinamente os valores da democracia liberal, especialmente nesta quadra histórica, marcada pelo que o sociólogo Larry Diamond, da Universidade Stanford, chamou de “recessão democrática”, a ascensão de líderes autoritários em diversos países mundo afora. Ou bem se constrói uma candidatura com esse propósito claro, disposta a disputar votos sem abrir mão de convicções liberais nem fazer concessões a demandas estranhas à livre-iniciativa e às liberdades, ou não restará aos brasileiros alternativa senão ter que escolher o “mal menor” entre candidaturas retrógradas. Não é assim que se faz um país.
Não se pode criticar o cidadão verdadeiramente democrata que olhe para o quadro político-eleitoral de momento e não seja tomado por um misto de frustração e desalento. Até aqui, em instante algum se viu os partidos do centro democrático discutindo propostas concretas para tirar o País do atoleiro político, econômico, social e moral em que se encontra há muito tempo. Fala-se muito em impedir que o futuro do Brasil continue condicionado aos desvarios de um presidente demagogo, seja de que partido for. De fato, seria um desastre de consequências funestas.
Mas o que oferecer ao eleitor no lugar da gritaria iliberal bolsonarista ou do retrocesso estatólatra do lulopetismo? As possíveis candidaturas alternativas até agora postas não deram uma resposta sólida a essa questão. Pelo contrário: perdem tempo e energia digladiando-se em público, pensando unicamente em meios de ganhar a eleição, e não em articular e defender projetos, com confiança e honestidade. É legítimo que todo partido almeje o poder, mas, antes disso, deve ter claro e dizer a todos o que pretende fazer com esse poder. Só então o eleitor fará sua escolha.
Em resumo, não se pode privar os eleitores da chance de sonhar com um futuro melhor, em que prevaleçam a razão, o diálogo e o respeito à democracia – ainda que, ao fim e ao cabo, a vitória não venha.
Investimentos muito limitados
O Estado de S. Paulo
O aumento da taxa de investimentos deveu-se apenas a dois segmentos da economia, e o setor público investe cada vez menos; o quadro só mudará com crescimento vigoroso
O salto da taxa de investimentos no Brasil entre 2015 e 2021, de 15,52% para 19,17% do Produto Interno Bruto (PIB), com aumento de quase 3,7 pontos porcentuais, traz expectativas animadoras. Aferido pelo Centro de Estudos de Mercados de Capitais (Cemec) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) com base em dados do IBGE e estimativas próprias, esse avanço pode sugerir que a economia brasileira recuperou sua capacidade de investir. Desse modo, o Brasil teria conseguido reduzir sua distância em relação aos países em desenvolvimento que cresceram em ritmo intenso nas últimas décadas e, assim, readquirido sua própria capacidade de voltar a crescer com maior velocidade.
Embora auspiciosos, os dados precisam ser examinados com cuidado, como faz o Cemec, e estão longe de projetar crescimento rápido e sustentado nos próximos anos. Problemas recentes e históricas restrições estruturais ao aumento dos investimentos do setor público ainda desafiam o País e, se não enfrentados, manterão a economia em ritmo exasperantemente lento, com o que velhos problemas sociais persistirão, se não ficarem mais graves.
Mesmo eliminados os registros de exportações fictícias de plataformas de petróleo, a evolução da taxa de investimentos é expressiva. Entre 2019 e 2021, ela passou de 16,2% para 18,2% do PIB, uma evolução de 2 pontos porcentuais num período marcado pela pandemia da covid-19.
Mas, em boa medida, o aumento se deveu a uns poucos segmentos da economia. Ele foi puxado, em primeiro lugar, por máquinas e equipamentos, mas, desses itens, os que mais cresceram foram os voltados para o setor agrícola. O segundo fator foi a construção civil. Outros setores tiveram papel pouco expressivo nos investimentos nos últimos anos.
A eficiência da agropecuária tem sido demonstrada há décadas. Seus ganhos de produtividade e a expansão notável de sua produção, bem como seu papel na geração de superávits excepcionais da balança comercial, o destacam dos demais setores. É o campo que, num período de estagnação ou baixo crescimento, tem evitado resultados econômicos ainda mais decepcionantes. É preciso observar, no entanto, que o aumento recente de sua demanda por bens de capital tem muito a ver com a boa cotação internacional. Surgem indicações fortes de que o bom momento do mercado mundial para os produtos agrícolas pode estar passando.
No caso da construção, o grande estímulo nos últimos tempos foi a oferta abundante de crédito a custos historicamente baixos. Desde meados do ano passado, porém, os juros básicos vêm sendo elevados pelo Banco Central para conter a inflação, que já passa de 12% em 12 meses. O aumento do custo dos empréstimos imobiliários, a maior cautela das instituições financeiras em razão da evolução da inadimplência e a corrosão da renda real pela inflação podem reduzir os negócios no setor.
Além dessas mudanças para os dois setores que mais têm estimulado os investimentos, há o caso do setor público. Os investimentos públicos estagnaram e os bons resultados observados nos últimos anos são frutos apenas dos investimentos privados. O desafio é, ao mesmo tempo, recuperar a capacidade de investimento do setor público e assegurar condições para atrair mais e mais investimentos privados.
Quanto ao setor público, na atual estrutura fiscal, as despesas correntes crescem mais do que a inflação, o que, paulatinamente, reduz o espaço para os investimentos. Romper essa evolução que degenera o gasto público exigirá uma verdadeira reforma do Estado, que permita o controle efetivo da evolução dos gastos correntes de modo a assegurar o aumento dos investimentos.
Ao mesmo tempo, a economia terá de crescer mais rapidamente, com ganhos de produtividade por meio da incorporação das inovações tecnológicas em ritmo e em volumes compatíveis com os observados no exterior. A economia terá de se abrir efetivamente ao mercado mundial.
É difícil ver algo parecido com isso entre as muito poucas ideias e raríssimos projetos que os principais candidatos à Presidência vêm apresentando.
Risco estratégico no custo da construção
O Estado de S. Paulo
Inflação e juros atingem um setor especialmente importante para a criação de empregos e o crescimento da economia
Custos em alta pressionam a construção civil, um setor importante pela criação de empregos e pela ampla demanda de insumos, como aço, alumínio, cobre, cimento, concreto, vidro, plásticos, produtos de cerâmica e madeira, além de equipamentos variados. Puxados principalmente pelos materiais, os custos da construção subiram 1,21% em abril, a maior taxa desde agosto do ano passado, e aumentaram 15% em 12 meses, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As pressões tendem a intensificar-se. Grandes fornecedoras anunciaram elevações de preços entre 10% e 16% para cimento, concreto e argamassas. Além disso, algumas deixaram de trabalhar com vendas antecipadas, passando a cobrar preços novos pelos produtos entregues depois de cada reajuste, segundo noticiou o Estadão na quarta-feira.
O aumento de custos da construção civil é parte do surto inflacionário iniciado em 2021. Com preços mais altos, ganhos menores e juros elevados, consumidores perdem acesso ao crédito imobiliário. Esse tipo de financiamento atingiu R$ 41,2 bilhões no primeiro trimestre deste ano, com redução de 3,7% em relação ao valor de um ano antes, pelos dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). As unidades financiadas passaram de 188,4 mil para 176 mil, com diminuição de 6,6%. Na contramão dos bancos privados, no entanto, a Caixa vem procurando ampliar seus empréstimos, com redução de juros da linha atrelada à poupança e maiores facilidades para os tomadores de recursos. No ano passado, a participação da Caixa nesse mercado recuou de 69,3% para 66,5%. Com o novo impulso, essa perda talvez seja mais que compensada.
Esse movimento é especialmente importante quando a maior parte do poder central pouco faz para estimular a economia e garantir um crescimento maior que as taxas projetadas pelo mercado. Essas projeções têm raramente superado 1%.
Pelos vínculos com muitas indústrias fornecedoras de insumos, assim como por seu potencial de criação de empregos, a construção civil tem considerável importância estratégica. No ano passado, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,6%, a produção das construtoras aumentou 9,7%, compensando com folga a perda de 6,3% ocorrida em 2020. No primeiro trimestre deste ano o setor produziu 3,7% mais que nos três meses finais de 2021. Além disso, cresceu 12,4% nos 12 meses até março, segundo o Monitor do PIB-FGV, importante prévia das contas nacionais trimestrais do IBGE.
No balanço do emprego em 2021, o maior crescimento porcentual, 13,8%, ocorreu na construção, com aumento líquido de 845 mil postos de trabalho. No primeiro trimestre deste ano, porém, o setor perdeu 252 mil pessoas, segundo o IBGE, mas ainda manteve aumento de 815 mil em relação a um ano antes. Apesar disso, o quadro geral da ocupação se manteve muito ruim, com 11,9 milhões de desempregados no trimestre inicial de 2022. Os brasileiros estariam mais seguros se o poder central desse alguma importância a esses números.
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FEM - Unicamp
Considerações Finais
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Angústia é um romance em que o Realismo objetivo, tão caro aos
autores do século XIX, passa a perder espaço para a perspectiva intimista,
pois, a partir de um relato subjetivo e perturbado, Graciliano Ramos pode
expor a trágica forma de existência de um indivíduo em meio a uma
sociedade hostil e repleta de valores tradicionais, alguns, até mesmo,
ultrapassados.
Mergulhando em um poço real na infância, Luís da Silva, quando
adulto, encontra-se em outras água profundas: o silêncio, a solidão e o
desejo não realizado. Mas, desse poço conotativo, o narrador não encontra
saída que o contente e permita-lhe respirar livremente.
Romance de foco narrativo de primeira pessoa, o relato de Angústia
gira em torno da lente distorcida do olhar do narrador, que aproxima passado
e presente, realidade e delírio, vividos por um náufrago social, eternamente
sem ar, asfixiado pela angústia de uma existência vazia.
A partir de diversas influências literárias, como Machado de Assis, Aluísio
Azevedo, Adolfo Caminha, Eça de Queirós, Balzac, Émile Zola, Tolstói,
Dostoiévski, Graciliano Ramos destaca-se pela brevidade narrativa, estilo claro
e econômico da escrita, que contrasta com a profundidade da análise do perfil
psicológico de suas personagens, de seus heróis problemáticos.
Luís da Silva é um indivíduo infeliz, degradado numa sociedade moderna
que não consegue compreender, ou aceitar, e, por isso, fecha-se em sua
autoestima quase inexistente. Sua dificuldade de socialização decorre de ele
não se achar pertencente a nenhum meio, pois não é rico, nem é totalmente pobre. Assim, acreditando-se diferente do comum e sem encontrar seu espaço
de sobrevivência, o narrador isola-se em seu mundo, aceitando a ordem social
vigente.
A solidão de Luís da Silva é física, moral e temporal, até ele descobrir
a vizinha que lhe desperta os desejos e a possibilidade de satisfação. Mas, o
ciúme, a insegurança e as suposições quanto à traição de Marina, levam o
narrador à execução de Julião Tavares, o qual antes de ser morto por
enforcamento, é executado por meio da palavra que o desqualifica, assim
como ocorre também com Marina.
Essa visão distorcida da realidade de Luís da Silva faz Graciliano Ramos
desfilar pelo Expressionismo. Por exemplo, a voz de Julião Tavares é oleosa,
suas palavras são gordas; Marina uma sujeitinha vermelha, de boca, sapatos
e roupas vermelhas; Antônia também sempre colorida de vermelho e branco;
as luzes do farol têm essas mesmas cores; o rosto do pai de Luís da Silva
apresentava uma nódoa vermelha e preta.
As emoções, distorções do real, deformações subjetivas, cores
associadas a tons vermelhos, que remetem à força e agressividade,
confirmam os ingredientes expressionistas, frequentes no retrato dramático
feito pelo narrador de tudo que o rodeia, colaborando no registro da angústia
existencial de Luís da Silva e na complexidade em que se encontra a ponto
de alterar o real, filtrá-lo apenas a partir de seu olhar de vítima social.
Após a tentativa de se unir à Marina (e até presenteá-la com um anel e
um relógio-pulseira, ícones de algemas, pois o casamento manteria Marina
presa a um homem de visão possessiva e dominadora) e a morte de Julião
Tavares, uma forte instabilidade emocional acomete Luís da Silva: a
alucinação final. Imagens, personagens, situações do passado, lembranças
mórbidas, cordas, canos, poços, cobras, tudo é apresentado numa
simultaneidade que caracteriza a confusão mental de Luís da Silva após a
morte de seu adversário.
O suicídio de seu Evaristo, a cobra enrolada no pescoço do avô, os sons
que vinham do banheiro da casa vizinha, o corpo e o fantasma do bacharel,
Moisés comentando os jornais, seu Ivo e a corda, um grande emaranhado de
elementos configuram o período de transe, de instabilidade emocional após
o momento de suposta autoafirmação que seria conquistada com o
assassinato de Julião Tavares.
O número do bilhete da loteria anunciado pelo cego, 16.384, assombra
Luís da Silva, lembrando-o constantemente de que é um homem pobre, que
matou um bacharel rico. Se aquele bilhete estivesse premiado, o narrador teria
conquistado Marina com o desejado enxoval. Mas não ocorreu a premiação
e a borboleta, Marina, fugiu do avestruz de cabeça baixa, Luís da Silva, para
entregar-se ao touro, Julião Tavares. Embora aspectos místicos e simbologias
mágicas não sejam traço dominante na obra de Graciliano Ramos,
percebe-se que o milhar 16. 384 pode estar vinculado à representatividade
animal do jogo do bicho, sendo o número 16 equivalente à borboleta;
3, avestruz; e 84, ao touro. Note-se que o número 3 está entre as duas dezenas
que representariam Marina e Julião Tavares, simbolizando a dependência de
Luís da Silva aos dois ícones de suas maiores frustrações: desejo sexual e a
ambição social.
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8Recomenda-se a leitura do anexo de fragmentos de Ficção e Confissão – Ensaios sobre
Graciliano Ramos, de Antonio Candido, no final deste trabalho.
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4. PERSONAGENS DE ANGÚSTIA
A apresentação das personagens, traços físicos, personalidade, linguagem,
hábitos, aspectos morais, é toda filtrada a partir do olhar do narrador, e, tal
como seu estado psicológico perturbado, as características dos indivíduos, com
os quais Luís da Silva conviveu, aparecem de maneira fragmentária e subjetiva,
uma vez que o narrador conduz todo o enredo e, talvez, reproduza-o de maneira
distinta do que seria a realidade. Assim, vejamos como Luís da Silva descreve
a si próprio e às demais personagens do romance:
4.1 Personagens principais
Luís da Silva – narrador e protagonista, 35 anos, solteiro, funcionário
público na Diretoria da Fazenda de Maceió, trabalho que lhe rende quinhentos
mil réis de salário mensal. Segundo ele mesmo, é tímido, feio, inseguro,
marcado pelo complexo de inferioridade e baixa autoestima. Intelectual
frustrado, escreve artigos para jornais (alguns sob encomenda de poderosos
da cidade), e deseja redigir um livro de qualidade literária. Odeia os ricos,
despreza os falsos intelectuais e não consegue administrar suas frustrações sociais, econômicas e sexuais. Inveja a sexualidade que percebe nas outras
pessoas e, mesmo chegando a julgar o ato sexual sórdido e animalesco, vive
carregado de desejos frustrados, o que o leva a pensar em indecências.
Perseguido por pesadelos, irrita-se com facilidade com os ruídos que lhe são
frequentes companheiros, sejam dos animais (os ratos, gatos e galos) com que
convive, sejam dos objetos que o cercam (relógios, armadores de redes), ou,
ainda, dos barulhos produzidos pelas pessoas (tosses, cochichos, gemidos). O
ciúme lhe é uma arma pronta a ser disparada e evolui com a certeza de que
Marina trocou-o por Julião Tavares. Além disso, a falta de perspectivas
positivas futuras e a impossibilidade de alterar o rumo de seu destino, deixam
o narrador tomado pela neurose e pela angústia existencial, cujos conflitos o
levam à certeza de que os obstáculos devem ser eliminados e a morte de seu
opositor iminente, concretizando-se a vingança contra os infortúnios da sorte:
Sou tímido: quando me vejo diante de senhoras, emburro, digo besteiras.
Trinta e cinco anos, funcionário público, homem de ocupações marcadas
pelo regulamento. O Estado não me paga para eu olhar as pernas das
garotas. E aquilo era uma garota. Além de tudo sei que sou feio.
Perfeitamente, tenho espelho em casa. Os olhos baços, a boca muito
grande, o nariz grosso. (Angústia2
, 1998, p. 34)
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4.2 Personagens secundárias
Currupaco – papagaio de Vitória:
Vitória dizia a lista dos passageiros. Tentara fazer Currupaco decorar
uma das listas, mas Currupaco não dera conta do recado e ficara nos
versos da mulher do macaco, que fia e cose e toma tabaco há muitos
anos. (Angústia, 1998, p. 160)
Vitória – empregada da casa de Luís da Silva, 50 anos, um pouco surda,
cheia de pelancas, pelos no buço e pescoço engelhado. É caracterizada como
uma velha decrépita em franca decadência física. Possui um papagaio e tenta
fazê-lo aprender a falar. Tem mania de enterrar o dinheiro que recebe no
quintal e apoderar-se de moedas que Luís da Silva deixa perdidas pela
residência. Lê nos jornais as notícias que informam sobre os navios que
aportam em Maceió:
A minha criada Vitória anda em cinquenta anos, é meio surda e possui
um papagaio inteiramente mudo, que pretende educar assim:
Currupaco, papaco,
A mulher do macaco
Ela fia, ela cose,
Ela toma tabaco
Torrado no caco. (Angústia, 1998, p. 29)
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7. APÊNDICES
7.1 Carta de Graciliano Ramos a Antonio Candido
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1945
Antonio Candido:
Só agora, lido o último artigo da série que V. me dedicou, posso
mandar-lhe estas linhas e conversar um pouco. Muito obrigado. Mas não
lhe escrevo apenas por causa dos agradecimentos: o meu desejo é
trazer-lhe uma informação ajustável ao que V. assevera num dos seus
rodapés.
Arriscar-me-ia a fazer restrições ao primeiro e ao segundo, se isto não
fosse considerado falsa modéstia. E impertinência: com as vivas atenções
dispensadas ao meu romance de estreia, foram apontados vários defeitos,
o que de certo modo atenua a parcialidade otimista.
Onde as nossas opiniões coincidem é no julgamento de Angústia. Sempre
achei absurdos os elogios concedidos a este livro, e alguns, verdadeiros
disparates, me exasperaram, pois nunca tive semelhança com Dostoiévski
nem com outros gigantes. O que sou é uma espécie de Fabiano9
, e seria
Fabiano completo se a seca houvesse destruído a minha gente, como V.
muito bem reconhece.
Por que é que Angústia saiu ruim? Diversas pessoas procuraram razões,
que não me satisfizeram. Olívio Montenegro usou frases ingênuas e 9 Fabiano é o herói problemático personagem de Vidas Secas de Graciliano Ramos.
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9 Fabiano é o herói problemático personagem de Vidas Secas de Graciliano Ramos.
10Romance de Graciliano Ramos de caráter autobiográfico.
11Romance de Graciliano Ramos, publicado em 1934.
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OS LIVROS DA FUVEST
ANGÚSTIA
GRACILIANO RAMOS
Análise da obra, seleção de textos e questionário
MARIA DE LOURDES DA CONCEIÇÃO CUNHA
https://www.objetivo.br/arquivos/folhetos_obras_fuvest_unicamp/obra-fuvest-livro-analise-angustia.pdf
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