Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
“Mente pouco, quem a verdade toda diz.”
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Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
Exmo. Sr. Governador:
Trago a V. Excia. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Indios em
1928.
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COMEÇOS
O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi
estabelecer alguma ordem na administração.
Havia em Palmeira innumeros prefeitos: os cobradores de impostos, o commandante do
destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Municipio tinha a sua
administração particular, com prefeitos coroneis e prefeitos inspectores de quarteirões. Os fiscaes, esses, resolviam questões de policia e advogavam.
Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
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SerTÃO Des-ENCANTADO - Blogger
SerTÃO Des-ENCANTADO: Filosofia Sertaneja - Ditos e Frases em Grande Sertão: veredas
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Ambev, Vivo, Pão de Açúcar: conheça os 10 maiores devedores dos Estados brasileiros, segundo a Fenafisco
OCTOBER 22, 2021
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Dívida das empresas com Estados somava R$ 896 bilhões em 2019. Companhias negam irregularidades e dizem que valores são fruto de 'divergências na interpretação da lei tributária' Imagem: Divulgação
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Thais Carrança Da BBC News Brasil em São Paulo 22/10/2021 11h34Atualizada em 22/10/2021 11h34
Os Estados brasileiros somavam R$ 896,2 bilhões em dívidas a receber de empresas em 2019, aponta estudo inédito realizado pela Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), entidade sindical que representa os servidores públicos fiscais tributários.
Entre 2015 e 2019, esse montante de dívida cresceu 31,4%. E o valor devido pelas empresas aos Estados equivale a 13,2% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, diz o levantamento.
São impostos, contribuições e multas que deixaram de ser pagos pelo setor privado, registrados como dívida ativa após o fim do prazo legal para pagamento ou após decisão final em processo administrativo regular.
As empresas negam irregularidades e dizem que os valores são fruto de "divergências na interpretação da lei tributária" e que ainda contestam as obrigações na Justiça.
O Atlas da Dívida Ativa dos Estados Brasileiros foi feito a partir de dados de 17 Estados que divulgaram seus números publicamente na internet ou mediante requisição da Fenafisco. Não há sigilo sobre a dívida ativa, os dados são públicos, mas alguns Estados ainda falham na transparência desses dados, conforme revelou a dificuldade na obtenção dos números.
Segundo o economista Juliano Goularti, autor do estudo encomendado pela entidade, o levantamento revela como bilhões de reais em recursos públicos estão indevidamente em poder da iniciativa privada, quando poderiam estar sendo destinados para políticas públicas de saúde, educação e segurança pública, por exemplo.
"No Brasil, não tem crime tributário", diz Goularti. "Se você rouba uma caixa de leite ou um pacote de bolachas, está sujeito ao Código Penal. Mas, na tributação, você faz planejamento tributário e elisão fiscal e não é criminalizado."
O planejamento tributário e a elisão fiscal são manobras feitas para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos dentro da legalidade ? diferentemente da evasão fiscal, que tem o mesmo objetivo, mas por meios ilícitos.
"Nesse momento no Brasil, estamos passando por um período longo de ajuste fiscal, de corte de despesas e de teto de gastos, para ajustar a despesa pública. Mas não vemos uma política ativa, tanto por parte da União, como dos Estados, para recuperar essa dívida ativa", observa.
"Essa dívida vai crescendo ao longo do tempo, enquanto crescem em paralelo os problemas sociais: a desigualdade, a fome", observa Charles Alcantara, auditor Fiscal de Receitas do Estado do Pará e presidente da Fenafisco. Segundo ele, caso a dívida fosse recuperada, seria possível pagar 11 anos de Bolsa Família aos mais vulneráveis com valor de R$ 400.
A média nacional de recuperação da dívida ativa estadual gira em torno de 0,6%. "Isso chega a ser vexatório, o Estado que é tão preocupado em honrar a dívida pública, diminuindo recursos da saúde e educação e não combatendo a fome e a miséria para pagar seus credores, deixa os privados que devem ao Estado sem ser incomodados", critica Alcantara.
Goularti avalia que um dos fatores que estimulam as empresas a não pagarem devidamente suas obrigações tributárias é a realização recorrente de programas do tipo Refis (Programa de Recuperação Fiscal), em que as dívidas são renegociadas a valores muito mais baixos e com prazos longos. Como as empresas sabem que sempre vai haver uma nova edição desse tipo de negociação, elas já fazem seu planejamento tributário contando com isso.
Para Goularti a solução para o problema da dívida ativa crescente é apertar o cerco na fiscalização e na cobrança e criar regras que inibam a elisão e o planejamento tributário, como a criminalização dessas práticas.
Ele reconhece, no entanto, que isso é desafiador, como mostrou a tramitação da reforma do imposto de renda, que incluía um pacote antielisão bastante ousado, cujas principais medidas ? como a tributação do patrimônio de brasileiros em offshore e alíquotas diferenciadas sobre dividendos para paraísos fiscais ? foram derrubadas pelo Congresso.
"A dívida ativa se dá a partir de relações de poder políticas e econômicas. São lobbies muito fortes e essas relações de poder contribuem para a formação dos estoques da dívida ativa", diz o economista. "Por trás dessa dívida ativa existe um conjunto de lobbies."
Confira os dez maiores devedores dos Estados brasileiros, segundo a Fenafisco:
1) Refinaria de Petróleo de Manguinhos (R$ 7,7 bilhões) ? refinaria de petróleo brasileira localizada no Estado do Rio de Janeiro. Entrou com pedido de recuperação judicial (mecanismo usado para tentar evitar a falência de empresas através de negociações com seus credores) em 2013. O processo foi encerrado em 2020 e a empresa mudou de nome para Refit.
2) Ambev (R$ 6,3 bilhões) ? cervejaria que domina cerca de 55% do mercado brasileiro e 26% do mercado mundial, dona de marcas como Brahma, Skol, Antarctica, Stella Artois e Budweiser, além dos refrigerantes Guaraná Antarctica e Pepsi. Tem como controladores os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Lemann é o segundo brasileiro mais rico do mundo, segundo ranking da revista Forbes.
3) Telefônica - Vivo (R$ 4,9 bilhões) ? empresa de telecomunicação controlada pela espanhola Telefónica, atua em telefonia fixa móvel, banda larga e TV por assinatura. Formada pela fusão de antigas empresas de telefonias estatais brasileiras.
4) Sagra Produtos Farmacêuticos (R$ 4,1 bilhões) ? distribuidora de medicamentos.
5) Drogavida Comercial de Drogas (R$ 3,9 bilhões) ? rede varejista de medicamentos com sede em Ribeirão Preto (SP).
6) Tim Celular (R$ 3,5 bilhões) ? empresa de telefonia celular, subsidiária no Brasil da Telecom Italia.
7) Cerpa Cervejaria Paraense (R$ 3,3 bilhões) ? fabricante tradicional de cerveja controlada pela família Seibel. Dona das marcas Cerpa Export, Cerpa Prime, Tijuca, Draft Sound, Gold e Nevada, além de refrigerantes e do energético Amazon Power.
8) Companhia Brasileira de Distribuição (R$ 3,1 bilhões) ? mais conhecida como Grupo Pão de Açúcar (GPA) e controlada pelo grupo francês Casino, atua no ramo de supermercados com as bandeiras Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem.
9) Athos Farma Sudeste (R$ 2,9 bilhões) ? distribuidora de medicamentos, em recuperação judicial.
10) Vale (R$ 2,8 bilhões) ? mineradora brasileira que é uma das maiores produtoras e exportadoras de minério de ferro do mundo. Fundada em 1942 como Companhia Vale do Rio Doce, foi privatizada em 1997.
O que dizem as empresas
A BBC News Brasil procurou as empresas para se posicionarem sobre o estudo.
A Vale informou que "cumpre rotineiramente todas as suas obrigações fiscais", que "mantém discussões tributárias na esfera estadual em decorrência de divergências de interpretação da legislação tributária desses entes", e que todas as discussões estão garantidas ou com a exigibilidade suspensa, o que lhe confere o certificado de regularidade fiscal nessas jurisdições.
O GPA afirmou que não tem dívida em aberto, e que todos os débitos estão em discussão judicial e devidamente garantidos.
A Ambev afirmou que "os valores indicados são fruto de discussões em que discordamos da cobrança e que ainda estão em andamento nos tribunais. Considerando o porte da empresa e, ainda, por sermos uma das maiores pagadoras de impostos do país é natural que, na soma, o valor em discussão seja expressivo."
A TIM e a Vivo optaram por não se pronunciar. A Refit, antiga Refinaria Manguinhos, não retornou ao pedido de posicionamento e a BBC News Brasil tentou contato com a Sagra Produtos Farmacêuticos, Drogavida Comercial de Drogas, Cerpa Cervejaria Paraense e Athos Farma Sudeste, mas não obteve resposta.
Caso as empresas se manifestem, os posicionamentos serão publicados em versão atualizada desta reportagem.
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EPIDEMIA
Morte por negacionismo não é novidade
Por Natalia Pasternak
25/10/2021 • 04:30
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HIVHIV | AFP
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Que negar a ciência mata já sabemos. Negar a eficácia e segurança de vacinas tem sido a causa do adoecimento — e, muitas vezes, da morte — de crianças e adultos há séculos.
Na pandemia de agora, segundo estimativa do grupo do professor Pedro Hallal, da Universidade de Pelotas, cerca de três em cada quatro mortes de brasileiros por Covid-19 poderia ter sido evitada se o curso racional e responsável — máscaras, distanciamento e vacinas adquiridas no momento certo — não tivesse sido sabotado pelo governo de Jair Bolsonaro. Gostaríamos de pensar que a tragédia brasileira foi um fato único na História, que pode servir de lição para o mundo: vejam o que acontece quando o negacionismo da ciência é promovido pelo próprio Presidente da República.
Ocorre que houve lições anteriores. Bolsonaro não é o primeiro líder nacional a negar a ciência durante uma grande epidemia. Na África do Sul, durante o governo de Thabo Mbeki, a epidemia da Aids crescia de forma assustadora. Outros países já adotavam as drogas antirretrovirais como política pública de saúde, com excelentes resultados no controle da doença, diminuindo até a transmissão vertical, de mãe para o bebê. O número de bebês infectados na África do Sul era preocupante, a taxa de mortalidade, também.
No entanto, Mbeki abraçou teorias conspiratórias negacionistas, que defendiam que a Aids não era causada pelo vírus HIV, mas por problemas de desnutrição, uso de drogas e pelos próprios medicamentos antirretrovirais, que sua ministra de Saúde chamava de venenos. O “tratamento” recomendado era uma dieta à base de azeite, alho e limão.
Ao contrário de países vizinhos, Mbeki não permitiu o uso de antirretrovirais como política pública de saúde. Estudos com modelagem matemática estimaram que a conduta negacionista do presidente causou entre 300 e 350 mil mortes, entre 2000 e 2005. A estimativa foi feita comparando a mortalidade sul-africana à de países vizinhos que adotavam antirretrovirais como políticas públicas, como Botswana e Namíbia. A recusa de Mbeki em adotar tratamentos comprovados pela ciência era tanta que ele chegou a recusar a oferta da farmacêutica Boehringer Ingelheim de doar o medicamento nevirapina, utilizado para diminuir a transmissão da mãe para o bebê. Mbeki restringiu o uso do medicamento a apenas duas localidades dentro do país.
Essa decisão só foi revertida em 2003, após intensa pressão da oposição. Com o atraso, em 2005 havia somente 23% de cobertura e apenas 30% de prevenção de transmissão mãe-bebê, enquanto Botswana e Namíbia atingiram 85% e 71% de cobertura, respectivamente, com aproximadamente 70% de redução de transmissão.
Estima-se que 35 mil crianças, infectadas ao nascer, poderiam ter sido poupadas. Tudo por falta de um programa de distribuição de antirretrovirais.
Não se tratava de algo controverso. A ciência que explica a Aids e confirma a eficácia dos antirretrovirais era, e é, sólida. Os tratamentos eram eficazes e seguros, e com elevado custo-benefício. Tratava-se, como se trata hoje com a Covid-19, de negar uma realidade clara, por motivos políticos ou ideológicos. Se hoje temos Bolsonaro, e tivemos Trump, negando a ciência da pandemia para promover uma agenda política de direita, com as desculpas da liberdade de escolha e preservação do mercado e da economia a qualquer custo, com Mbeki tivemos a negação da Aids como uma manifestação de ideologia de esquerda, permeada por teorias conspiratórias sobre a “medicina hegemônica” do ocidente colonialista, algo muito parecido com a cantilena dos promotores de medicina alternativa.
Negacionismo, portanto, embora mais comum e letal — hoje — na faixa ocupada pela direita conservadora do espectro político, pode emergir em qualquer ideologia. E mata, independentemente da posição política.
*** *** https://blogs.oglobo.globo.com/a-hora-da-ciencia/post/morte-por-negacionismo-nao-e-novidade.html *** **
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Conceito de semiótica
A semiótica é a teoria geral dos signos. Esta ciência trata do estudo dos signos na vida social, à semelhança da semiologia. Ambos os conceitos são considerados sinónimos pelo dicionário da Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, ainda que os especialistas estabeleçam algumas diferenças.
Alguns sustentam que a semiótica inclui todas as restantes ciências que se dedicam ao estudo dos signos em determinados campos do conhecimento. A semiótica, neste sentido, aparece como uma ciência do funcionamento do pensamento, destinada a explicar como é que o ser humano interpreta o entorno/ambiente envolvente, cria conhecimento e partilha o mesmo.
Outros especialistas definem a semiologia como sendo a ciência que trata dos estudos associados à análise dos signos em geral, tanto linguísticos (relacionados com a semântica e a escrita) como semióticos (os signos humanos e da natureza).
Por signo linguístico entende-se a associação mais importante na comunicação humana. É formado por um significante (a imagem acústica) e um significado (uma ideia que se tem em mente relativamente a uma palavra qualquer). Para Charles Peirce (1839-1914), o signo é uma entidade composta pelo significante (o suporte material), pelo significado (a imagem mental) e pelo referente (o objeto real ou imaginário a que o signo faz alusão).
As características fundamentais do signo linguístico são a arbitrariedade, a mutabilidade, a imutabilidade e a linearidade.
A semiótica é vista como algo essencial para áreas como da filosofia, antropologia e da sociologia.
É válido dizer que a semiótica possui ligação estreita com a comunicação, seja ela verbal ou não-verbal. Para Umberto Eco, um semiólogo e romancista italiano, todo fenômeno cultural pode ser estudado como uma forma de comunicação.
Há semióticos que dão prioridade para dimensões da ciência que sejam lógicas. E eles também fazem análise de áreas que pertençam as ciências da vida (a exemplo disso tem-se como os organismos preveem e conseguem adaptar-se ao seu nicho semiótico no planeta). De modo geral, a semiótica estuda não apenas os signos, mas, ainda, grupos de signos.
Quanto a origem da semiótica, conta-se que ela se originou na mesma época em que a filosofia, por exemplo. E a semiótica tem se desenvolvido de forma continua desde a Grécia Antiga até os dias atuais. Mas foi somente depois de cerca de três séculos que surgiram aqueles que se apelidaram como os pais da semiótica.
Quando num âmbito especifico, a semiótica surge para o estudo linguístico, de gestos, notação musical, de sistemas de sinalização (tais como os sinais de trânsito), entre outros. Ou seja, ele possui um cunho mais gramático.
Por outro lado, num âmbito mais geral, ela ganha um significado mais filosófico, agora não dedicando-se a análise dos sinais, senão construindo esses sinais de forma teórica e, com isso, passando a explicar fenômenos que aparentam não serem similares.
No âmbito da medicina, por fim, a semiótica é a área que se dedica ao tratamento dos sinais/sintomas das doenças/patologias com base no diagnóstico e no prognóstico.
Cabe dizer que o estudo da semiótica cobre muitos objetos, uma vez que consiste em qualquer tipo de signo social: gestos, música, religião, cinema, fotografia, entre outros.
Publicado: 2012 / Atualizado: 2021.
*** *** https://conceito.de/semiotica *** ***
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História de Alagoas
Um brasão de armas e uma bandeira para as Alagoas – História de Alagoas
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30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
https://pt.wikisource.org/wiki/Relatorio_ao_Governador_do_Estado_de_Alagoas 1/7
Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas
por Graciliano Ramos
Relatório oficial elaborado por Graciliano Ramos relatando sua gestão como prefeito da cidade de Palmeira dos
Índios do ano de 1928, publicado no ano seguinte.
ESTADO DE ALAGOAS
Prefeitura Municipal de Palmeira dos Indios
RELATORIO
— AO —
GOVERNADOR DO ESTADO DE ALAGOAS
Imprensa Official — MACEIÓ
1929
Prefeitura Municipal de Palmeira dos Indios
RELATORIO
ao Governador do Estado de Alagoas
Exmo. Sr. Governador:
Trago a V. Excia. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Indios em
1928.
Não foram muitos, que os nossos recursos são exiguos. Assim minguados, entretanto, quasi
insensiveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Municipio se achava, muito
me custaram.
COMEÇOS
O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi
estabelecer alguma ordem na administração.
Havia em Palmeira innumeros prefeitos: os cobradores de impostos, o commandante do
destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Municipio tinha a sua
administração particular, com prefeitos coroneis e prefeitos inspectores de quarteirões. Os fiscaes, esses,
30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
https://pt.wikisource.org/wiki/Relatorio_ao_Governador_do_Estado_de_Alagoas 2/7
resolviam questões de policia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desapparecesse luctei com tenacidade e encontrei obstaculos dentro
da Prefeitura e fóra della — dentro, uma resistencia molle, suave, de algodão em rama; fora, uma
campanha sorna, obliqua, carregada de bilis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor,
que administra melhor do que todos nós; outros me davam tres mezes para levar um tiro.
Dos funccionarios que encontrei em Janeiro do anno passado restam poucos: sahiram os que faziam
politica e os que não faziam coisa nenhuma. Os actuaes não se mettem onde não são necessarios,
cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Dêvo muito a elles.
Não sei se a administração do Municipio é boa ou ruim. Talvez pudesse ser peor.
RECEITA E DESPESA
A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o anno ter sido pessimo, a 71:649$290, que não
foram sempre bem applicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com
intelligencia e porque fiz despesas que não faria se ellas não estivessem determinadas no orçamento.
PODER LEGISLATIVO
Despendi com o poder legislativo 1:616$484 — pagamento a dois secretarios, um que trabalha,
outro aposentado, telegrammas, papel, sellos.
ILLUMINAÇÃO
A illuminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha: é de quem fez o
contracto com a empresa fornecedora de luz.
OBRAS PUBLICAS
Gastei com obras publicas 2:908$350, que serviram para construir um muro no edificio da
Prefeitura, augmentar e pintar o açougue publico, arranjar outro açougue para gado miudo, reparar as
ruas esburacadas, desviar as aguas que, em epocas de trovoadas, inundavam a cidade, melhorar o curral
do matadouro e comprar ferramentas. Adquiri picaretas, pás, enxadas, martellos, marrões, marretas,
carros para aterro, aço para brocas, alavancas, etc. Montei uma pequena officina para concertar os
utensilios estragados.
EVENTUAES
Houve 1:069$700 de despesas eventuaes: feitio e concerto de medidas, materiaes para aferição,
placas.
724$000 foram-se para uniformizar as medidas pertencentes ao Município. Os litros aqui tinham
mil e quatrocentas grammas. Em algumas aldeias subiam, em outras desciam. Os negociantes de cal
usavam caixões de kerozene e caixões de sabão, a que arrancavam taboas, para enganar o comprador.
Fui descaradamente roubado em compras de cal para os trabalhos publicos.
CEMITERIO
No cemiterio enterrei 189$000 — pagamento ao coveiro e conservação.
ESCOLA DE MUSICA
A philarmonica 16 de Setembro consumiu 1:990$660 — ordenado de um mestre, aluguel de casa,
material, luz.
FUNCCIONARIOS DA JUSTIÇA E DA POLICIA
30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
https://pt.wikisource.org/wiki/Relatorio_ao_Governador_do_Estado_de_Alagoas 3/7
Os escrivães do jury, do civel e da policia, o delegado e os officiaes de justiça levaram 1:843$314.
ADMINISTRAÇÃO
A administração municipal absorveu 11:457$497 — vencimento do prefeito, de dois secretarios
(um effectivo, outro aposentado), de dois fiscaes, de um servente; impressão de recibos, publicações,
assignatura de jornaes, livros, objectos necessarios á secretaria, telegrammas.
Relativamente á quantia orçada, os telegrammas custaram pouco. De ordinario vai para elles
dinheiro consideravel. Não ha vereda aberta pelos matutos, força dos pelos inspectores, que prefeitura do
interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ella; communicam-se as datas
historicas ao governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos politicos são badalados.
Porque se derrubou a Bastilha — um telegramma; porque se deitou uma pedra na rua — um
telegramma; porque o deputado F. esticou a cannela — um telegramma. Dispendio inutil. Toda a gente
sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós chorámos e que em 1556 D. Pero
Sardinha foi comido pelos cahetés.
ARRECADAÇÃO
As despesas com a cobrança dos impostos montaram a 5:602$244. Foram altas porque os
devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em relatorio, que aqui os contribuintes pagam ao
Municipio se querem, quando querem e como querem.
Chamei um advogado e tenho seis agentes encarregados da arrecadação, muito penosa. O
Municipio é pobre e demasiado grande para a população que tem, reduzida por causa das seccas
continuadas.
LIMPEZA PUBLICA — ESTRADAS
No orçamento limpeza publica e estradas incluiram-se numa só rubrica. Consumiram 25:111$152.
Cuidei bastante da limpeza publica. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo accumulado
pelas gerações que por aqui passaram; incinerei monturos immensos, que a Prefeitura não tinha
sufficientes recursos para remover.
Houve lamurias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de
quintaes; lamurias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos;
lamurias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas
praças.
POSTO DE HYGIENE
Em falta de verba especial, inseri entre os dispendios realizados com a limpeza publica os relativos
á prophylaxia do Municipio.
Contractei com o Dr. Leorne Menescal, chefe do Serviço de Saneamento Rural, a installação de um
posto de hygiene, que, sob a direcção do Dr. Hebreliano Wanderley, tem sido de grande utilidade á nossa
gente.
VIAÇÃO
Concertei as estradas de Quebrangulo, da Porcina, de Olhos d'Agua aos limites de Limoeiro, na
direcção de Canna Brava.
Foram reparos sem grande importancia e que apenas menciono para que esta exposição não fique
incompleta. Faltam-nos recursos para longos tractos de rodovias, e quaesquer modificações em
caminhos estreitos, ingremes, percorridos por animaes e vehiculos de tracção animal, depressa
30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
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desapparecem. É necessario que se esteja sempre a renoval-as, pois as enxurradas levam num dia o
trabalho de mezes e os carros de bois escangalham o que as chuvas deixam.
Os emprehendimentos mais serios a que me aventurei foram a estrada de Palmeira de Fóra e o
terrapleno da Lagoa.
ESTRADA DE PALMEIRA DE FORA
Tem oito metros de largura e, para que não ficasse estreita em uns pontos, larga em outros, uma
parte della foi aberta em pedra.
Fiz cortes profundos, aterros consideraveis, valletas e passagens transversaes para as aguas que
descem dos montes.
Cerca de vinte homens trabalharam nella quasi cinco mezes.
Parece-me que é uma estrada razoavel. Custou 5:049$400.
Tenciono prolongal-a á fronteira de Sant'Anna do Ipanema, não nas condições em que está, que as
rendas do Municipio me não permittiriam obra de tal vulto.
OUTRA ESTRADA
Como, a fim de não inutilizar-se em pouco tempo, a estrada de Palmeira de Fóra se destine
exclusivamente a pedestres e a automoveis, abri outra parallela ao transito de animaes.
TERRAPLENO DA LAGOA
O espaço que separa a cidade do bairro da Lagoa era uma coelheira immensa, um vasto
acampamento de tatús, qualquer coisa deste genero.
Buraco por toda a parte. O aterro que lá existiu, feito na administração do prefeito Francisco
Cavalcante, quasi que havia desapparecido.
Em um os lados do caminho abria-se uma larga fenda com profundidade que variava de tres para
cinco metros. A agua das chuvas, impetuosa em virtude da inclinação do terreno, transformava-se ali em
verdadeira torrente, o que augmentava a cavidade e occasionava serio perigo aos transeuntes. Além disso
outras aberturas se iam formando, os invernos cavavam galerias subterraneas, e aquillo era inaccessivel a
vehiculo de qualquer especie.
Emprehendi aterrar e empedrar o caminho, mas reconheci que o solo não fendido era inconsistente:
debaixo de uma tenue camada de terra de alluvião, que uma estacada sustentava, encontrei lixo. Retirei o
lixo, para preparar o terreno e para evitar fosse um monturo banhado por agua que logo entrava em um
riacho de serventia publica. Quasi todos os trabalhadores adoeceram.
Estou fazendo dois muros de alvenaria, extensos, espessos e altos, para supportar o aterro. Dei á
estrada nove metros de largura. Os trabalhos vão adiantados.
Durante mezes mataram-me o bicho do ouvido com reclamações de toda a ordem contra o
abandono em que se deixava a melhor entrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros — outras
reclamações surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de réis, dizem.
Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pyramides do Egypto, comtudo. O que a
Prefeitura arrecada basta para que nos não resignemos ás modestas tarefas de varrer as ruas e matar
cachorros.
Até agora as despesas com os serviços da Lagoa sobem a 14:418$627.
30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
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Convenho em que o dinheiro do povo poderia ser mais util se estivesse nas mãos, ou nos bolsos, de
outro menos incompetente do que eu; em todo o caso, transformando-o em pedra, cal, cimento, etc.,
sempre procedo melhor que se o distribuisse com os meus parentes, que necessitam, coitados.
(Os gastos com a estrada de Palmeira de Fora e com o terrapleno estão, naturalmente, incluidos nos
25:111$152 já mencionados).
DINHEIRO EXISTENTE
Deduzindo-se da receita a despesa e acrescentando-se 105$858 que a administração passada me
deixou, verifica-se um saldo de 11:044$947.
40$897 estão em caixa e 11:004$050 depositados no Banco Popular e Agricola de Palmeira. O
Conselho autorizou-me a fazer o deposito.
Devo dizer que não pertenço ao banco nem tenho lá interesse de nenhuma especie. A Prefeitura
ganhou: livrou-se de um thesoureiro, que apenas serveria para assignar as folhas e embolsar o ordenado,
pois no interior os thesoureiros não fazem outra coisa, e teve 615$050 de juros.
Os 40$897 estão em poder do secretario, que guarda o dinheiro até que elle seja collocado naquelle
estabelecimento de credito.
LEIS MUNICIPAES
Em Janeiro do anno passado não achei no Municipio nada que se parecesse com lei, fora as que
havia na tradição oral, anachronicas, do tempo das candeias de azeite.
Constava a existencia de um codigo municipal, coisa inattingivel e obscura. Procurei, rebusquei,
esquadrinhei, estive quasi a recorrer ao espiritismo, convenci-me de que o codigo era uma especie de
lobishomem.
Afinal, em Fevereiro, o secretario descobriu-o entre papeis do Imperio. Era um delgado volume
impresso em 1865, encardido e dilacerado, de folhas soltas, com apparencia de primeiro livro de leitura
do Abilio Borges. Um furo. Encontrei no folheto algumas leis, aliás bem redigidas, e muito sêbo.
Com ellas e com outras que nos dá a Divina Providencia consegui aguentar-me, até que o Conselho,
em Agosto, votou o codigo actual.
CONCLUSÃO
Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só ha curvas onde as rectas
foram inteiramente impossiveis.
Evitei emmaranhar-me em teias de aranha.
Certos individuos, não sei porque, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam com
autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos.
Não me entendi com esses.
Ha quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anonymas, e adoeça, e se morda
por não ver a infallivel maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais
preciosa ainda para os que della se servem como assumpto invariavel; ha quem não comprehenda que
um acto administrativo seja isento da idéa de lucro pessoal; ha até quem pretenda embaraçar-me em
coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325:500 de multas.
30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
https://pt.wikisource.org/wiki/Relatorio_ao_Governador_do_Estado_de_Alagoas 6/7
Não favoreci ninguem. Devo ter commetido numerosos disparates. Todos os meus erros, porem,
foram erros da intelligencia, que é fraca.
Perdi varios amigos, ou individuos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Ha descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois annos dependesse de um
plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.
Palmeira dos Indios, 10 de Janeiro de 1929.
GRACILIANO RAMOS.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PALMEIRA DOS INDIOS
BALANÇO (Exercicio de 1928)
Receita Despesa
Licenças para estabelecimentos 9:265$000
Decima Urbana 4:914$040
Carnes verdes 18:742$000
Pesos e medidas 4:250$000
Officinas e artistas 210$000
Cercas e alicerces 204$000
Vendedores ambulantes 410$000
Feiras 16:780$100
Vehiculos 380$000
Depositos de inflammaveis 450$000
Bazares e botequins em festas 399$000
Construcção e reconstrucção 210$000
Serviço domestico 180$000
Torcedores de canna 10$000
Vendedores de leite 20$000
Vendedores de dôce 40$000
Terras do Estado 6:191$100
Bilhares 100$000
Aluguel de medidas 3:101$800
Cemiterio 340$000
Taxa sanitaria 282$000
Biqueiras 316$000
Cartas de chauffeurs 150$000
Divertimentos publicos 150$000
Placas para vehiculos 120$000
Casas de farinha 625$000
Compradores de madeira 500$000
Restituições 68$100
Eventuaes 615$050
30/09/2017 Relatorio ao Governador do Estado de Alagoas - Wikisource
https://pt.wikisource.org/wiki/Relatorio_ao_Governador_do_Estado_de_Alagoas 7/7
*** **** https://www.tnh1.com.br/fileadmin/user_upload/especiais/licoes-graciliano-ramos-tempos-lava-jato/img/relatorio-01.pdf *** ***
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Migalhas
Pérolas de Rosa - Migalhas
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“Mente pouco, quem a verdade toda diz”
Sandra Mara Moraes Lima
PUC-SP
sandralima605@gmail.com
RESUMO: O trabalho analisa a letra da canção “Dom de iludir”, de Caetano Veloso, apresentando uma reflexão acerca das práticas discursivas construídas a
partir das relações estabelecidas, demonstrando como a linguagem constrói
sentidos e estabelece poder tendo em vista os valores socialmente construídos,
dinâmica que implica sempre um caráter axiológico. Evidencia-se, portanto, o
caráter inexoravelmente sócio-histórico-ideológico da linguagem. Nessa direção,
a letra de “Dom de iludir” será analisada a partir dos fundamentos da filosofia da
linguagem apresentada pelo Círculo bakhtiniano no que diz respeito à concepção de linguagem e sujeito, segundo a qual o ato discursivo se materializa num
enunciado concreto como uma resposta responsável que comporta uma entonação expressiva cujos valores e intenções estão socialmente marcados. Nessa
perspectiva, a análise linguístico-enunciativo-discursiva do enunciado concreto
em questão terá como foco os papéis sociais masculino e feminino na orientação de intenções e construção dos sentidos estabelecidos em uma sociedade
patriarcal que pode ser lida na letra da canção.
Palavras-chave: Linguagem. Verdade. Poder.
220 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
ABSTRACT: This work analyzes the lyric of the song “Dom de iludir”, from Caetano
Veloso, performing a reflection about the speech practice built from established
relations, demonstrating how the language built senses and establish power regarding social construced values, a dynamic that always involves an axiological
character. It evidences, hence, the inexorable social-historical-ideological character of the language. Towards this, the Gift to Deceive letter (ou words) will be
evauated based on language philosophy fundaments presented at the bakhtiniano Circle regarding the language concept and subject, according to the materialization of a discursive act in one real enunciation as one responsible response
that admits an expressive intonation whose values and intentions are socially
labeled. According to this perspective the linguistics-enunciative-discoursive of
the concrete enunciate under debate will have as a focus on the male and female
roles in the orientation of purposes and construction of senses established in
one patriarchal society that can be read in music letter (ou words).
Key-words: Language. True. Power.
A proposta deste trabalho é analisar a letra da canção “Dom
de iludir”, de Caetano Veloso, apresentando uma reflexão acerca
das práticas discursivas construídas a partir das relações sócio-históricas, revelando o caráter axiológico e ideológico da linguagem.
Não me venha falar
Na malícia de toda mulher
Cada um sabe a dor
E a delícia de ser o que é
Não me olhe como se a polícia
Andasse atrás de mim
Cale a boca
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 221
E não cale na boca
Notícia ruim
Você sabe explicar
Você sabe entender
Tudo bem
Você está, você é
Você faz, você quer
Você tem
Você diz a verdade
A verdade é seu dom de iludir
Como pode querer que a mulher
Vá viver sem mentir?
Lemos na letra da canção “Dom de iludir” um embate entre
um homem e uma mulher em que a voz feminina se coloca, possibilitando a leitura de alguns pressupostos no que diz respeito
ao conceito do gênero masculino e feminino ali exposto. Há na
letra da canção um conceito de mulher e de homem construído sócio-historicamente e a referência para a construção desses
conceitos não são os aspectos biológicos, mas as relações sociais
que se fazem baseadas no estabelecimento de poder, determinando o que é feminilidade e masculinidade.
Não há como refletir sobre a construção do conceito de gênero sem antes considerarmos que toda construção humana se
fez na e pela linguagem.
Pode-se dizer que toda a epopéia humana inicia na tentativa
do homem organizar o caos existente em si mesmo. A partir dessa necessidade começa o homem a nomear o mundo, nomeando
222 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
o mundo, cria-o para si. O princípio foi o verbo.
Havendo, pois o senhor Deus formado da terra
todo o animal do campo e toda ave dos céus,
os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo que Adão chamou a toda alma
vivente, isso foi o seu nome. E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo
animal do campo (GÊNESIS: 19 e 20).
A palavra nomeia e organiza o mundo. A partir dela o homem pode pensar, agir, teorizar, argumentar e também enganar, oprimir uma vez que, em algum momento, a palavra terá a
função de revelar o mundo e a ordem em que tudo deve estar,
assumindo seu caráter ideológico. Esse processo de dar sentido
implicará sempre um caráter axiológico, uma hierarquia de valores, dependendo do ponto de onde o sujeito olha ou concebe
o mundo. Assim, a inserção do homem no mundo e no “real”
dependerá de suas possibilidades em relação à linguagem, suas
necessidades, suas perspectivas e o momento histórico-social em
que se encontra.
Para Bakhtin e o Círculo a linguagem é tomada como atividade que emerge de uma interação e de uma atitude ativamente
responsiva e valorativa em relação à realidade, ao mundo. Essa
concepção traz embutido o caráter inexoravelmente ideológico
da linguagem, isto é, para o Círculo bakhtiniano não existe ideologia sem signo e signo sem ideologia, o que significa dizer que
“O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos:
são mutuamente correspondentes. (BAKHTIN, 1988, p. 32).
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 223
Essa perspectiva considera que toda a construção ideológica
é feita semioticamente, a linguagem é fundante do sujeito e de
toda construção sócio-ideológica, que por sua vez constituem
os discursos que circulam, trazendo aí materializados o sujeito
e o processo sócio-histórico-ideológico que o envolve, a ordem
do discurso e os diversos saberes veiculados. Isso remete ao fato
de que a linguagem está no sujeito e o sujeito está na linguagem. Assim, forçoso é, mesmo que redundantemente, dizer que
a significação dos objetos está sempre prenhe de valores, pois a
relação do sujeito e o mundo (o caos) não é um processo direto,
será antes, sempre uma relação oblíqua, uma vez que há uma
impossibilidade de um conhecimento totalmente objetivo, um
adentramento perfeitamente direto e transparente na realidade.
Esse processo é sempre metafórico, cria um mundo paralelo ao
mundo real, que é incognoscível. Dessa maneira, o processo de
dar sentido ao mundo é sempre orientado por intenções e valores, o que significa dizer que, embora a linguagem seja o caminho para significar e organizar o mundo, ela será sempre fundada numa simulação, a real e lisa verdade não existe puramente e,
nesse sentido, a verdade pode ser o dom de iludir.
Dessa maneira, a ideologia para Bakhtin nasce junto com o
signo e, sem linguagem, não há ideologia. O signo não é apenas
a expressão de uma idéia, ele representa sempre uma tomada de
posição em relação a valores sociais, tem irremediavelmente um
caráter axiológico.
Um signo não existe apenas como parte de
uma realidade; ele também reflete e refrata
224 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
uma outra. Ele pode distorcer essa realidade,
ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de
vista específico, etc. Todo signo está sujeito
aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se
é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom,
etc.). (BAKHTIN, 1988, p. 32).
A refração da linguagem do signo Bakhtin atribui às relações
sociais, o confronto de interesses, a luta de classes. A ideologia,
em Bakhtin, remete aos interesses de uma classe em se manter
dominante e isso se verifica em todos os campos das relações sociais, sejam eles econômicos, religiosos ou acadêmicos. E aqui,
acrescentamos a relação entre os gêneros, entre homem e mulher. Assim a ideologia é concebida, nesse contexto, como um
conjunto de valores e interesses de um determinado grupo social
ou classe. E essa ideologia é inerente ao signo. A linguagem, assim, não pode ser vista fora da ideologia e é o fator primordial de
constituição da consciência.
Nesse ponto, Bakhtin recusa completamente o idealismo e a visão psicologista que situam a ideologia na consciência, colocando
o signo como uma realidade externa utilizada pelo sujeito interiormente. Afirma Bakhtin que a consciência não pode se manifestar
sem um material semiótico e, assim, é constituída desse material: “A
consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social.” (BAKHTIN, 1988, p. 34).
Nessa perspectiva, o sujeito é um fato sócio-ideológico. A
consciência sozinha nada pode explicar ou ser, ela depende das
relações para se constituir e toda análise desse sujeito, segundo
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 225
Bakhtin/Volochinov, não pode estar desvinculada dos aspectos
sócio-históricos, uma vez que a matéria, alimento da consciência individual, é o signo em cuja origem está a ideologia. Isso
significa que a consciência refletirá a mesma lógica e leis da
linguagem em que foi construída. Bakhtin é categórico ao afirmar que “A única definição objetiva possível da consciência é de
ordem sociológica”. (1988, p. 35).
Dessa maneira, o processo de dar sentido e organizar o mundo se dá no ato discursivo, ou seja, na resposta dada ao mundo
através da linguagem. E essa linguagem promoverá sempre um
mundo a partir de uma atitude participativa, interessada, estabelecendo as ideologias, as relações socialmente organizadas, que
por sua vez serão determinantes na constituição do sujeito que
se colocará, pensará o mundo não de forma fortuita, mas vinculado ao fator social. Obviamente se estabelecem aí a tensão, os
conflitos nos discursos. A construção de todo e qualquer sentido
é sempre interessado, seja ele individual ou coletivo.
Para Bakhtin (1997, p. 17), a verdade se instaura no ato. É o
ato discursivo, o colocar-se através da linguagem que propicia a
construção dos sentidos a uma dada realidade e isso implica que as
verdades existem no ato e não antes dele. Não pode haver verdades
a priori, ela se faz na ação, no passo dado, o que só é possível na linguagem a partir das relações estabelecidas social e historicamente.
Nessa direção voltemos nosso olhar para a letra da canção,
um enunciado concreto em que uma voz feminina se enuncia e
expressa um conceito de mulher construído a partir de certos valores sócio-histórico-ideológicos. Ela anuncia: “Não me venha falar
da malicia de toda mulher”. Nesse verso traz um pressuposto, o
226 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
de que toda mulher possui malícia. E o que vem a ser essa malícia e de onde se originou esse pressuposto? A palavra malícia é
atribuída, entre outros significados, ao que é picante, levemente
impudico ou, ainda, pode significar sagacidade, astúcia, esperteza
conseguida pela experiência. No caso do verso dessa canção consideramos possíveis para o contexto esses significados.
A atribuição à mulher de determinados predicados, comum a
todas elas, é justificada através do processo histórico no que diz
respeito a organização social e em relação aos valores religiosos
greco-judaico-cristãos que nortearam o desenvolvimento da sociedade ocidental. Nesse caso, duas instancias, a econômica e
a religiosa, estão correlacionadas, fazem parte do processo civilizatório. Em relação à organização econômica, com a necessidade de formação da família e a garantia de herdeiros legítimos
houve uma valorização extrema da fidelidade feminina, colocando nela a responsabilidade de todo fracasso que houvesse
nas relações entre homem/mulher, imputando a ela uma natureza pervertida que deveria ser combatida. O mito de Adão e Eva
traz a mulher como a que foi responsável pela queda do homem
e como punição ser expulso do paraíso. A história e a literatura
humana são fartas de exemplos de como o conceito de feminilidade foi construído para a função de salvar a família, ser o apoio
do homem, ser e estar para ele.
Segundo Comenius, no século XVI, em Didática magna defende que a educação deve ser ministrada igualmente às mulheres, pois estas não deveriam ser privadas da instrução e apela
para que não argumentem com as palavras de Paulo: “Não permito, porém, que a mulher ensine” (PAULO, TM II apud CO-
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 227
MENIUS, 2006, p. 92) ou a de Hipólito em Eurípedes: “Odeio
a mulher douta, e que em minha casa/Nenhuma haja que saiba
mais do que convém a uma mulher[...]”. (EURÍPEDES apud COMENIUS, 2006, p. 92), afirmando que a sua defesa para a educação da mulher não se opunha ao pensamento veiculado por
Paulo e Eurípedes, pois
[...] visto que não defendemos a instrução das
mulheres para induzi-las à curiosidade, mas à
honestidade e à bem-aventurança. Sobretudo
com relação às coisas que lhe convêm saber e
obrar: para administrar bem a casa e para promover seu próprio bem, o do marido, dos filhos
e de toda família. (COMENIUS, 2006, p. 92).
As diferenças de gênero foram construídas nas práticas discursivas, tendo em vista a supremacia masculina e a mulher como
devedora de fidelidade ao homem, de modo a atender à necessidade de uma organização social baseada na propriedade privada.
No registro histórico da humanidade, empreendido preponderantemente pelos homens, as mulheres aparecem excluídas, diminuídas. Consideramos que seria pouco produtivo, nesse momento,
apresentar todas os fatos da história que evidenciam o desprestígio
social e a opressão a que foram submetidas as mulheres em função do estabelecimento do poder masculino na sociedade patriarcal. Importa, aqui, considerar que a voz feminina que se enuncia
na letra da canção de Caetano Veloso aponta pra esse conceito de
mulher construído a partir de valores culturais instituídos numa sociedade em que prevalece a supremacia da voz masculina.
228 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
Notamos na voz dessa mulher que dialoga com um suposto
companheiro masculino que ela está a questionar esses valores.
Assume-se como dotada de valores positivos e negativos, remete à
condição humana comum a homem e mulher: “Cada um sabe a dor
e a delicia de ser o que é” e apela para que não a condene: “Não
me olhe como se a polícia andasse atrás de mim”. Ou seja, não era
criminosa. Naturalmente, como sugere o texto, por ter ocorrido um
adultério, o que para os homens não é considerado crime. É pertinente assinalar que até bem recentemente o adultério era considerado crime, em nossa sociedade, mas só para a mulher que poderia
ser punida até com a morte, lavando a honra masculina.
Nesse texto vemos a resposta de uma voz feminina que rompe
(ou tenta) com toda a supremacia masculina, aquele que sabe explicar, que sabe entender tudo bem, diz a ele que “cale a boca” e,
paradoxalmente, “não cale na boca notícia ruim”. O que parece
ser calar no sentido de abrir mão de sua voz e não calar a ofensa
na boca. Em outras palavras, não é calar no sentido de não falar
e continuar na mesma posição, pensando do mesmo jeito, é no
sentido de abrir mão de um ponto de vista, de um lugar.
Esse interlocutor a que se refere o eu lírico evidencia-se
como o homem, o macho da espécie humana caracterizado pela
supremacia em relação à figura feminina. Há uma contraposição
de papéis homem/mulher explicitado nessa resposta feminina,
uma vez que ela explicita o poder que ele enverga fazendo oposição a ela que é mulher: “Você diz a verdade e a verdade é o
seu dom de iludir/ Como pode querer que a mulher vá viver sem
mentir”. Há claramente a tensão estabelecida nas posições de
homem e mulher.
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 229
Essa voz feminina se coloca como interagindo com um interlocutor que é o senhor, o detentor do poder, da verdade. Todos os
verbos usados demonstram a soberania desse interlocutor. “Você
está”: Ele ocupa os espaços do mundo, ela historicamente esteve
atrás dele, acompanhando-o. “Você é”: Ele é reconhecido como
ser, o que aparece socialmente, ele é alguém. A começar na definição do dicionário:
Homem s.m. (lat. Homo, hominis). 1. Mamífero primata social de posição ereta, que se
distingue dos outros animais por apresentar linguagem articulada, raciocínio desenvolvido e
produção de cultura. 2. A espécie humana considerada de maneira geral; a humanidade. 3.
Qualquer ser humano. 4. Ser humano do sexo
masculino; varão. 5. Ser humano que atingiu
a idade adulta. 6. Fig. Pessoa corajosa, forte,
viril. 7. Pop. Ser humano de sexo masculino
que mantém relacionamento com uma mulher;
amante, marido. 8. Indivíduo (operário, soldado, etc.) que executa ordens de seus superiores.
Mulher s.f. (lat. Mulier). 1. Ser humano do sexo
feminino. 2. Aquela que atingiu a puberdade.
3. Esposa. 4. Ser humano do sexo feminino
considerado com suas especificidades. 5. Amásia, concubina.
A maneira de definir o homem e a mulher no dicionário revela todo o caráter ideológico e axiológico na instituição do significado atribuído às coisas. O significado das palavras não é construído desinteressadamente, a despeito das relações sociais. Ao
230 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
contrário, “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou
de um sentido ideológico ou vivencial.” (BAKHTIN, 1988, p. 95).
A primeira definição para o homem é como o primata que
se distingue dos outros animais, é o que produz cultura. O significado que se segue a esse traz outro como sendo o sinônimo de
humanidade. As características fisiológicas de idade adulta e relacionamento sexual não são preponderantes. No entanto para o
conceito de mulher o que irá prevalecer é a definição de um ser
a partir do homem, definida pelo papel exercido em função dele.
É como se estivesse implícito que a mulher é um ser para o outro.
Embora a significação da palavra seja reiterável e ela possa
produzir diversos sentidos em diversos contextos, de acordo com
o tom emocional, a intenção a que está servindo, há, segundo
Bakhtin, um caminho construído do qual ela não se perde e nem
pode se libertar totalmente dos contextos que a integrou. O texto
do dicionário não é neutro como poderia se pensar, pois
Todo signo, como sabemos, resulta de um
consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão pela qual as formas do signo são
condicionadas tanto pela organização social de
tais indivíduos como pelas condições em que
a interação acontece. (BAKHTIN, 1988, p. 44
–grifos do autor).
“Você faz”: Ele é o ser ativo, que faz o mundo, ela o ser passivo,
só recebe. “Você quer/ Você tem”: Ele age de acordo com seus interesses, ele quer e tem. Ela, historicamente, foi sugestionada a não
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 231
querer, a aceitar apenas. “Elas não tem gosto ou vontade, tem medo
apenas,” diz a canção de Chico Buarque e Augusto Boal (1989, p. 144)
sobre as mulheres de Atenas, berço de nossa civilização.
Para Bakhtin (1997) todo enunciado é uma resposta que implica
uma autoria, uma responsabilidade e a verdade se constrói na instauração desse ato/ação responsável. Convém considerar que esse ato
responsivo inclui não só a resposta, o colocar-se em relação ao mundo,
ao outro, mas também uma responsabilidade, ou seja, inclui uma autoria, uma assinatura que não é expressão deliberada subjetivamente,
ela é inerente ao ato e revela uma posição do sujeito. Esse processo
não é determinado individualmente, é uma contingência da linguagem, não há como ser de outra forma, não há como não assinar, não se
responsabilizar, não há álibi. Estar no mundo significa estar no âmbito
da linguagem, significa ser convocado a pensar o mundo e, portanto,
todo pensamento, todo ato implica essa responsividade.
Esse colocar-se no mundo, dar uma resposta, implica sempre
uma tomada de posição. Por isso Bakhtin atribui ao ato discursivo,
de maneira inalienável, o tom emocional-volitivo, a intencionalidade.
Ou seja, é através dessa entonação, dessa posição assumida em relação aos valores constituídos que o ato discursivo se dá.
É pertinente esclarecer que esse tom emocional-volitivo,
intencionalidade, embora possa ocorrer por razões estranhas à
consciência, segundo Bakhtin (1997), a interconexão entre esse
tom emocional-volitivo e o conteúdo sentido, experimentado no
ato discursivo, não é fundamentalmente fortuita. O que significa
dizer que o ato discursivo é sempre uma resposta prenhe de
responsabilidade que não comporta álibi.
No enunciado em questão, presenciamos um posicionamento do
232 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
eu lírico que se enuncia, denunciando uma autoria, não em termos
de autor empírico, mas de um sujeito que se materializa, revelando a
posição assumida. Assim, podemos afirmar que nesse enunciado há
uma voz feminina que se coloca num enfrentamento contra práticas
discursivas de uma sociedade patriarcal em que a voz masculina é a
dona da verdade.
Essa mulher questiona a verdade do outro, asseverando que a
verdade é o seu dom de iludir e que essa “verdade” estava a serviço do interesse do outro (tom emocional-volitivo). Não haveria
como não mentir, pois ela também teria direitos a ser defendidos,
ela poderia e deveria, tendo em vista seu lugar de desprestígio,
tomar outra posição. Ao anunciar o paradoxo da verdade como
ilusão, coloca em xeque a idéia de que existe uma única verdade
e que, se assim fosse, estar fora dessa verdade significaria mentir.
Do ponto de vista bakhtiniano, há que se eliminar a tese de
uma verdade única representativa da realidade. Pensar a realidade, nessa concepção, deixa de ser representação, é criação. A realização do real, a organização do mundo, é processo que implica sempre o caráter socio-histórico-ideológico. Isso aponta para
o caráter da linguagem humana enquanto criadora de realidades,
de verdades, de mundo e, consequentemente, remete ao caráter
constitutivo da linguagem no que diz respeito ao estabelecimento das subjetividades, em que somos formatados grandemente
pela linguagem e, sobretudo, pela palavra instituída socialmente
com seus acentos e sentidos, que, a priori, estão nos domínios de
outrem, servindo a interesses de outrem.
Ao dizer que a verdade é o dom de iludir e que, dessa maneira, não se pode querer que o outro viva sem mentir, esse eu lírico
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 233
afirma que verdade e mentira são maneiras distintas de conceber
o mundo. Assim, pode-se dizer que a apreensão do real é sempre
relativa, ainda que haja uma realidade de consenso instituída. A
linguagem cria uma realidade para nós, nos impõe e ao mesmo
tempo nos confere poder sobre o mundo, quando a usamos a favor de nossos interesses. As verdades são colocadas onde se quer
estabelecer determinados valores, defender certos interesses.
A voz feminina que se enuncia na letra da canção busca um
viés fora do que está formatado nas práticas discursivas estabelecidas social e historicamente, não aceita a realidade que lhe
foi apresentada, olha de outro ponto, é capaz de se colocar, se
posicionar, contra o estabelecido, indo ao encontro de si mesma
e de seus interesses.
Na perspectiva bakhtiniana a verdade não é uma categoria
universal e anterior, pré-existente, ela se faz no processo de experimentar e pensar o mundo. É a atitude concreta do sujeito
enquanto um autor responsável do ato que promove a construção do sentido, do que é verdade. O sentido, a verdade, faz-se
na relação, o conteúdo do ato é apenas um de seus constituintes
que não pode ser visto sem a ação participativa do sujeito. Isso
significa dizer que sempre que se instaura uma verdade, um sentido, tem-se ali um posicionamento de um sujeito, um interesse,
uma intencionalidade, uma responsabilidade.
O real se dá na instauração de um posicionamento do sujeito que implica uma entonação, uma assunção de determinados
valores. Esse posicionamento valorativo, se assim podemos dizer,
não é determinado por um Ser objetivo e universalmente válido a
priori, se dá na realização do ato que coaduna o mundo dado e o
234 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
mundo apreendido. Em outras palavras, a realidade não é nada,
só vem a ser alguma coisa no momento em que é dita ou é pensada. Assim, o mundo humano não é um mundo apenas dado
naturalmente, mas é construído a partir das inserções realizadas
no ato por sujeitos situados social e historicamente em lugares
únicos. Nesse sentido, sobre o que é a essência da coisa, do que
vem a ser o real, afirma Gilvan Fogel:
[...] o ser de uma coisa é aquilo que a coisa
realmente é. E o que uma coisa realmente é,
é o seu como. Então, se quisermos realmente
perguntar tanto pelo “é” como pela “coisa”, é
preciso apertar o cerco a este como, para ver
como ele se faz ou se dá. Parece que tanto
´”é” quanto a “coisa”, cada qual, é sempre um
modo de ser possível, isto é, um como. (2003,
p. 19 – grifos do autor).
Isso significa dizer que, nessa perspectiva, a realidade não é a
priori, não há uma realidade por si mesma existente, não há uma
lisa e real verdade, mas a realidade se dá no como, nas inserções
efetuadas, como diz Bakhtin, no ato. Dessa maneira, conceber o
mundo, pensá-lo, organizá-lo, é sempre dentro de certo enquadramento, de um dado ponto, possibilitado pela linguagem. A
linguagem realiza o real, sem argumentos não há fatos, a verdade
pode iludir e “Mente pouco, quem a verdade toda diz.” (Rosa,
1986, p. 340). Isto é, a verdade estará sempre comprometida
com um olhar. Os graus de variação da verdade/mentira podem
variar, mas nunca haverá um grau zero.
REVISTA CONTEXTO - 2011/2 235
Referências
BAKHTIN, Mikhail (Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem – Problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência
da Linguagem. Tradução: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São
Paulo: Hucitec, 1988.
BAJTIN, Mijail. Hacia uma filosofía del acto ético. De los borradores: y otros escritos. Traducción del ruso de Tatiana Bubnova. Universidad de Puerto Rico, 1997.
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução: João Ferreira de Almeida. Ed. Ver. São Paulo: Sociedade bíblica do Brasil, 1995.
COMENIUS (1592 – 1670). Didática magna; aparelho crítico Marta
Fattori; Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
FOGEL, Gilvan. Conhecer e criar: Um ensaio a partir de F. Nietzsche. São Paulo: Discurso Editorial; Ijuí: Editora Unijuí, 2003.
HOMEM. MULHER. In: Larousse, Ática: Dicionário da Língua Portuguesa – Paris: Larousse/ São Paulo: Ática, 2001.
BUARQUE, Chico, BOAL, Augusto. Mulheres de Atenas In: Chico
Buarque – letra e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MALÍCIA. In: Larousse, Ática: Dicionário da Língua Portuguesa – Paris: Larousse/ São Paulo: Ática, 2001.
236 Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em Letras - Ufes
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Não me venha falar
Na malícia de toda mulher
Cada um sabe a dor
E a delícia
De ser o que é...
Não me olhe
Como se a polícia
Andasse atrás de mim
Cale a bôca
E não cale na bôca
Notícia ruim...
Você sabe explicar
Você sabe
Entender tudo bem
Você está
Você é
Você faz
Você quer
Você tem...
Você diz a verdade
A verdade é o seu dom
De iludir
Como pode querer
Que a mulher
Vá viver sem mentir...
compositores: CAETANO EMANUEL VIANA TELES VELOSO
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