sexta-feira, 1 de outubro de 2021

“A necessidade da arte”

"a obra de arte, além de favorecer a interpretação do mundo, reivindica transformações." ***
*** 2 – Ernst Fischer, na obra "A necessidade da arte". Rio: Zahar, 1983 ***
*** Pra Que Discutir Com Madame João Gilberto *** Ouvir: *** *** *** Madame diz que a raça não melhora Que a vida piora por causa do samba Madame diz o que samba tem pecado Que o samba, coitado, devia acabar Madame diz que o samba tem cachaça Mistura de raça, mistura de cor Madame diz que o samba democrata É música barata sem nenhum valor Vamos acabar com o samba Madame não gosta que ninguém sambe Vive dizendo que samba é vexame Pra quê discutir com madame? Vamos acabar com o samba Madame não gosta que ninguém sambe Vive dizendo que samba é vexame Pra quê discutir com madame? No carnaval que vem também concorro Meu bloco de morro vai cantar ópera E na Avenida, entre mil apertos Vocês vão ver gente cantando concerto Madame tem um parafuso a menos Só fala veneno, meu Deus, que horror O samba brasileiro democrata Brasileiro na batata é que tem valor Composição: Janet De Almeida / Haroldo Barbosa. *** *** https://www.letras.mus.br/joao-gilberto/920038/ *** *** *** "Por que a primeira-dama pode obter juros menores com um telefonema?" Diego Amorim Diego Amorim 01.10.21 11:03 O deputado Fábio Trad comentou a reportagem da Crusoé que mostra como Michelle Bolsonaro agiu para favorecer empresas amigas “Por que a primeira-dama pode obter juros menores com um telefonema?” ***
*** Foto: Adriano Machado/Crusoé *** O deputado Fábio Trad, do PSD do Mato Grosso do Sul, disse a O Antagonista que a reportagem de capa da nova edição da Crusoé revela, no mínimo, que “os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade foram violados” pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Trad falou em “injustificável quebra de isonomia e favorecimento indevido”. Documentos obtidos pela revista mostram que a primeira-dama agiu, pessoalmente, para favorecer empresas amigas e adeptas do bolsonarismo no auge da pandemia da Covid. Empréstimos foram liberados pela Caixa depois que ela falou com o presidente do banco, Pedro Guimarães, e enviou e-mails com uma lista de indicados: leia mais aqui. “Se todos são iguais perante à lei, por que a primeira-dama pode obter juros menores com um telefonema e os outros milhões de brasileiros clientes da Caixa não podem? É imperioso que os órgãos de controle apurem esse caso, para alcançarem a profundidade da dimensão desse privilégio usufruído com dinheiro público.” *** *** https://www.oantagonista.com/brasil/por-que-a-primeira-dama-pode-obter-juros-menores-com-um-telefonema/ *** ***
*** Questão PET - Ernst Fischer, na obra “A necessidade da arte”. 2 – Ernst Fischer, na obra “A necessidade da arte”. Rio: Zahar, 1983, considera a arte como o elemento essencial para a compreensão da realidade, na medida em que ajuda o homem, não apenas nessa compreensão, mas também porque possibilita o suporte necessário para o aumento da “determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade.” A partir dessa afirmação, é correto afirmar que a) a obra de arte, além de favorecer a interpretação do mundo, reivindica transformações. b) não importa o nível de letargia da arte, o que interessa é que funcione como bálsamo para espíritos exaustos. c) se a arte acompanha as transformações do mundo, e se vivemos em uma época explicitamente mercadológica, então a obra de arte deve adequar-se às exigências de mercado. d) a força transformadora da arte, assim como numa perspectiva místico-espiritualista, prescinde de conotações sociopolíticas e históricas. e) os seres humanos que não buscam uma forma de expressão através da arte têm capacidade de compreender a si mesmos e à realidade. Resposta: Letra A. *** *** https://suburbanodigital.blogspot.com/2021/06/questao-pet-ernst-fischer-na-obra.html *** *** ***
*** Assista aqui: *** *** Dean Martin & Caterina Valente - One Note Samba *** *** *** https://www.youtube.com/watch?v=AuEv942wOZs *** *** *** *** https://youtu.be/AuEv942wOZs *** *** ***
*** YouTube Teresa Cristina e Grupo Semente - Pra Que Discutir com Madame - YouTube *** Ouvir: *** *** Pra que Discutir com Madame? A busca da identidade cultural de um povo pela música Prof. Dr. Marcelo A. Leite Fundação Educacional D. André Arcoverde Doutor em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa Resumo O problema da identidade brasileira permeou todo o universo de preocupações antropológicas dos nossos intelectuais no fi nal do século XIX e na primeira metade do século XX. E, é claro, a música, uma das manifestações culturais idiossincráticas mais signifi cativas de nosso povo, não poderia fi car de fora dessa questão. Este artigo busca relacionar a identidade cultural de um povo pela música. Palavras-chave: Identidade Cultural. Música. Povo. Abstract Th e problem of Brazilian identity has permeated the entire universe of anthropological concerns of our intellectuals in the late nineteenth and fi rst half of the twentieth century. And, of course, the music, one of the most signifi cant cultural events idiosyncratic of our people could not get out of this issue. Th is article seeks to relate the cultural identity of a people through music. Keywords: Cultural Identity. Music. People. Introdução O problema da identidade brasileira permeou todo o universo de preocupações antropológicas dos nossos intelectuais no fi nal do século XIX e na primeira metade do século XX. E, é claro, a música, uma das manifestações culturais idiossincráticas mais signifi cativas de nosso povo, não poderia fi car de fora dessa questão. Hoje, consagrada e cultuada em muitos países do mundo, nossa música nos representa como povo e cultura distinta e orgulhosa de si. O samba, carro chefe de nossa identidade musical, seja em sua versão mais lenta como Bossa, Samba Canção ou Samba Carnavalesco, entre outros, atravessou as fronteiras do Brasil. Entretanto, as primeiras fronteiras a serem rompidas foram as sociais dentro do próprio país. Não se trata de um ritmo sempre discriminado e banido das castas mais aristocráticas de nossa sociedade, mas de uma vítima do “ranço” nobiliárquico que reservava a essas «castas» a mais fi na e nobre das músicas dos pianos, cravos e obóes dos salões europeus. Isto, ainda que se saiba, que as modinhas começavam aos poucos ganhando espaço dentro da corte portuguesa já no fi nal do século XVIII. 368 Foi, então, de ritmo maldito à música de identidade nacional, motivo de orgulho e pujança cultural. O Brasil mestiço e com sentimento de inferioridade frente “branquitude” do Velho Mundo ergue a cabeça e assume sua mestiçagem como orgulho nacional, símbolo de adaptação do homem à adversidade dos trópicos. Sendo assim, pretendemos traçar aqui em breves linhas o que foi esta trajetória. Nas letras do samba de Janet de Almeida “Pra Que Discutir Com Madame”, década de 40, (e no fi nal, providencialmente, Meu Guri, de Chico Buarque) buscamos inspiração para contar o que foi esse processo de identifi cação de um povo que precisava de uma identidade, de algo que o caracterizasse como nação. Mistura de raça “Madame diz que o samba tem cachaça, Mistura de raça, mistura de cor. Madame diz que o samba democrata É música barata sem nenhum valor.” Um namoro antigo. Se há uma maneira de defi nir a relação do samba (ou dos primórdios do que chamamos hoje de samba), a forma é essa. O que ocorre na década de 20/30 é, com licença da metáfora, como o homem casado com a cultura clássica européia que assume sua amante mulata com quem já mantinha um caso há muitos anos. A divisão entre música erudita, européia, civilizada, burguesa e as “outras” sempre esteve presente nas sociedades colonizadas pelo Velho Mundo. De um lado, uma cultura importada de culto ao belo e ao perfeito, cultura de minuetes e clássicos ao som bem comportado do cravo de compositores consagrados pelas cortes e, de outro lado, o nativo, com suas músicas batucadas e suas danças de libido incontida, seus temas, muitas vezes, lascivos, e seus acordes de peculiar estética das crioulas violas da terra. Entretanto, o namoro ao qual nos referimos se intensifi ca em fi nais do século XVIII, quando encontramos uma corte que começa a ser impregnada com nossa mestiçagem. Na fi gura do padre, carioca e mulato Domingos Caldas Barbosa (TINHORÃO, 1986:20), fi zemo-nos representar com sucesso nos salões de Lisboa por volta de 1775, ora escandalizando pela abordagem, por vezes, libidinosa, do tema amoroso, ora deslumbrando com a mistura de ritmos tocados ao som das violas ou bandolim. Apesar de manifestações contrárias como do próprio poeta português Bocage, o fato é que “Caldas Barbosa infl uenciou compositores eruditos portugueses que passaram, então a assinar suas modinhas” (VIANNA, 1995:39). A chegada da corte ao Brasil em 1808 foi um divisor de águas digno de menção, pois se instaura, na época, uma proximidade cada vez maior entre estes dois universos musicais. Tal fato é marcado de forma magistral por cronistas desse período e chamamos atenção para as referências feitas a esse período por Manuel Antônio de Almeida em “Memórias de Um Sargento de Milícia”. Observemos o que narra o romancista: 369 “O compadre foi quem tocou o minuete na rabeca; e o afi lhadinho, deitado no colo da Maria, acompanhava cada arcada com um guincho e um esperneio. Isto fez com que o compadre perdesse muitas vezes o compasso, e fosse obrigado a recomeçar outras tantas. Depois do minuete foi desaparecendo a cerimônia, e a brincadeira aferventou, como se dizia naquele tempo. Chegaram uns rapazes de viola e machete1 : o Leonardo, instado pelas senhoras, decidiu-se a romper a parte lírica do desenvolvimento. Sentou-se num tamborete, em lugar isolado da sala, e tomou uma viola. Fazia um belo efeito cômico vê-lo em trajes do ofício, de casaca, calção e espadim, acompanhado com um monótono zunzum nas cordas do instrumento o garganteado de uma modinha pátria.” Este trecho romance nos mostra que Leonardo Pataca se encontra em uma espécie de sarau que se divide nitidamente entre o fi m dos minuetes, compassados e tradicionais e início das modinhas que caem no gosto dos presentes por seu ar despretensioso e leve. Tudo isto sempre ao som dos violões e “cavaquinhos”. Segundo Gilberto Freyre, “a modinha (...) foi um agente musical de unifi cação brasileira, cantada como foi no segundo reinado, por uns ao som do piano, no interior das casas nobres e burguesas; por outros, ao som do violão, ao sereno ou à porta até de palhoças” (FREYRE, 1974:107). Mas nem sempre a aceitação dos ritmos populares (“pré-samba”) se deu com tamanha facilidade e, ainda que assíduo frequentador das rodas e saraus da “nobreza luso-tupiniquim” no século XIX, as modinhas e lundus recebiam direta distinção quando tratavam do tema música. Fato este que ocorria também com outras modalidades de música da época e sobre o qual Machado de Assis escreve em seu conto “Um Homem Célebre”: “Finda a quadrilha, mal tendo descansado uns dez minutos, a viúva correu novamente ao Pestana para um obséquio mui particular. “Diga, minha senhora.” É que nos toque agora aquela sua polca “Não bula comigo, nhonhô” Pestana fez uma careta, mas dissimulou depressa, inclinou-se calado e sem gentileza foi ao piano sem entusiasmo. Ouvidos os primeiros compassos, derramou-se pela sala uma alegria nova. Machado não trata de modinhas ou lundus, mas de polcas. Uma música que, para seu personagem Pestana, tinha um valor menor. Pestana se considerava um músico de nível mais elevado, um músico mais clássico. Ele nos chama atenção para a eterna associação de prestígio social e o tipo de música que se ouvia. Referência esta à moda do famoso desenho de Raul Pederneiras no início do século: “Dize-me o que cantas... direi de que bairro és”. A partir daí, a inserção da fi gura de indivíduos como Francisco de Paula Brito coloca no quadro cultural brasileiro um novo elemento de suma importância para a transformação do samba de ritmo “distinto” em música nacional, o mediador. ________________________ 1 S.m. Violinha ou cavaquinho. 370 Os mediadores que exerciam esse papel eram indivíduos que surgiam como ponto de interseção entre a elite e as camadas mais populares em que o lundu, as modinhas e, posteriormente, o samba eram cultuados e produzidos como legítimo bem cultural. O processo de mediação era um reforço para uma relação que já existia. Vale observar que, para se ter uma idéia, o violão, embora condenado e tendo seu uso reprimido pela polícia, nunca foi totalmente afastado dos saraus familiares cariocas, “apesar de toda tendência re-europeizante do piano” (VIANNA, 1995:44). Muitos mediadores fi caram famosos por sua ousadia como Nair de Teff é, mulher do presidente Hermes da Fonseca, que trouxe Catulo da Paixão Cearense para cantar no Palácio do Catete. Se por um lado a valorização dos ritmos nacionais não expulsou totalmente as vogas estrangeiras, consolidou, por sua vez, uma tendência miscigenadora do brasileiro. Inclusive, alguns ritmos que vinham da Europa com seu ar aristocrático, recebiam uma “temperada” em solo brasileiro e eram novamente enviados para o Velho Mundo com cara nova. Este foi o caso da Polca que, depois de uma temporada no Brasil, retorna à Europa como Polca-Lundu. O próprio carnaval brasileiro, uma das manifestações mais arraigadas e típicas de nossa cultura, até a década de 40, apresentava um repertório extremamente eclético. Incluía desde ritmos sertanejos nacionais e africanos aos ritmos norte-americanos da época como o Charleston e o Jazz. Para se ter uma idéia dessa mistura, basta destacar que “em 1916, o maior sucesso do carnaval carioca foi o one-step “Caraboo”, do jamaicano Sam Marshall, disfarçado de marchinha brasileira” (TINHORÃO, 1986:86). E isso só vem a comprovar que o gosto pelo nacional e o interesse pelos modismos andavam de mãos dadas. Finalmente, durante o Estado Novo, Getúlio Vargas e sua máquina de propaganda vêem no samba, principalmente, no Carnaval, uma grande jogada de marketing e colocam regras aos desfi les cariocas que passam a ser atração do Rio de Janeiro. Surgem os fi nanciamentos de empresas como o Jornal “O Globo” e a tutela do governo ao evento que fi gura agora no calendário de atividades culturais da cidade. Por esta época, delimitam-se os temas em assuntos nacionais e o ritmo se fi xa como a típica batucada carnavalesca que perdurará por muitos anos sem muitas inovações. É, nesse quadro, que começa a acontecer a adoção do samba como identidade de que o país precisava. Gente cantando concerto “E na avenida entre mil apertos vocês vão ver gente cantando concerto.” A confusão de ritmos que imperava em nossa música criava um quadro peculiar. Músicos como Pixinguinha, Donga entre outros tocavam em orquestra que traziam em seu repertório não só o ritmo nacional, mas toda uma diversidade de infl uências, do jazz ao fox, do maxixe ao tango. No próprio estilo de cantar, até a metade do século XX, predominava entre os cantores da MPB a voz alongada com notas altas e estendidas à moda do consagrado 371 canto lírico europeu. Refl exo da confusão que ainda existia entre qual seria o jeito de cantar brasileiro. A partir daí, os cantores de samba começavam então a criar um estilo todo próprio de interpretar a música nacional. Após o modismo do gosto pelo exótico nacional, o samba produzido pelos cariocas passa a ser encarado como a típica música brasileira em detrimento do fato de que o país era composto por inúmeros ritmos. E, dessa forma, o excedente ao samba carioca é considerado regionalismo. Aliás, essa unifi cação foi algo providencial, pois como observa Tristão de Athayde, utilizando-se da terminologia de Freud, o grande drama da unidade pátrica brasileira era a luta de duas libidos: “a concupiscência do grande mundo e a concupiscência da pequena pátria”. Essa preocupação não só o inquieta como a muitos no Brasil desde o período colonial. Sendo assim, segundo VIANNA (1995:56), “podemos mesmo interpretar a transformação do samba em musical nacional (e a de uma determinada cultura popular em cultura nacional) como uma destas respostas no plano cultural. O samba carioca, então, é assumido como algo decorrente de uma necessidade brasileira, a identifi cação cultural. Entretanto, já ao contrário do período colonial e do império, o Estado Novo contava com um fantástico instrumento de propaganda para esse projeto de unifi cação cultural nacional: o rádio. E dele fez “uso e abuso” para consolidar a ideologia que apregoava. As ondas das primeiras rádios alcançavam pontos antes inimagináveis desse país e, a partir delas, difundiu-se e “vendeu-se” para todo o Brasil uma imagem com a qual se identifi car. Essas maravilhas do século XX chegam ao Brasil antes de Getúlio ascender ao poder. Em 1922, por ocasião do centenário da independência, a primeira emissora começa a funcionar por iniciativa do antropólogo Roquette Pinto e do cientista Carlos Henrique Morize. Logo após, inauguram outras como a Rádio Mayrink Veiga (1926) e a Rádio Educadora (1927). Essas radios apresentavam sempre, a princípio, uma programação erudita, mas não tardou para que começasse em pouco tempo a vincular a música popular em seus programas. Nessa abertura da mídia ao mercado de sambas brasileiros, Noel Rosa, entre outros, deixou seu nome. O poeta da Vila era um assíduo frequentador de rádios no Rio de Janeiro e divulgou sua música marcando a história da MPB com sua genialidade. Na leva de modernidade, pelas ondas do rádio, chega o samba do Rio de Janeiro, capital da república aos distantes aparelhos desse imenso país e não tarda para que a esse projeto some-se o cinema, outro elemento que irá ser responsável pelo projeto de unifi cação que tanto preocupava antropólogos, intelectuais e políticos brasileiros da virada do século e do início do século XX. Nas décadas de 30/40, o samba vai para dentro dos lares e não mais soa como uma ode ao exótico nacional nem como unicamente um ritmo dos excluídos do morros e subúrbios, mas como o “nosso ritmo”. Já faz parte inclusive dos cerimoniais às visitas estrangeiras e, daí, podemos concluir que uma atitude como a de Nair de Teff é, nessa época, seria algo considerado como normal. E Carmen Miranda corria mundo mostrando um Brasil sambista, ritmado, um Brasil mestiço vestido de “baiana2 ”. ________________________ 2 Para se ter uma idéia da confusão que se fazia quando se falava em identidade nacional. Carmen Miranda, branca, portuguesa de nascimento, cantava samba (carioca) vestida de baiana(?). 372 Um parafuso a menos “Madame tem um parafuso a menos Só fala veneno Meu Deus, que horror.” Entretanto, o samba continuava marcado por um certo ranço de música dos arrabaldes cariocas. O peso pejorativo dessa rotulação diminuía progressivamente, mas os redutos do samba, onde se produzia samba, continuavam a ser um ambiente marginalizado. Subúrbios perigosos e locais de “freqüência ruim”. Vila Isabel, no Rio, destaca-se, nesse cenário, como o berço do samba da década de 30/40. O samba ultrapassa essas divisões territoriais e chega a zona sul, mas o que chega é o samba que é produzido nos redutos que muito longe dali se encontravam. As distâncias sociais permaneciam, ainda que, pelas rodas de samba, já freqüentasse gente de classe média alta carioca. Todavia, nessa época, já havia o que se chamaria de o samba original aquele a que se atribuía a legítima identidade brasileira e uma discussão nasce sobre os novos ritmos que surgiam com base no samba. O purismo musical assumia, então, tom de argumento de legitimação da típica música popular brasileira. A Bossa Nova foi um dos principais alvos dessas críticas por diversos motivos, entre eles, pelo fato de ser uma música cujo berço encontrava-se no outro extremo da cidade, na área nobre e privilegiada do Rio, muito longe da Vila, o berço do samba legítimo. Chamada de música de carpete, os primeiros acordes da Bossa Nova saíam de apartamentos da Zona Sul temperados com uma dissonância, até então, um pouco ousada. Somava-se a isto um cantar manso e, muitas vezes, acusado de desafi nado, um estilo que marcou época. Críticas que João Gilberto responde, cantando, encerrando a questão: “Só privilegiados tem ouvido igual ao seu Eu possuo apenas o que Deus me deu...” Alheios às críticas de fazerem Jazz brasileiro, criaram um estilo refi nado de samba, regado a uísque, no lugar da cachaça; apartamentos, no lugar dos botecos freqüentados pela vida boêmia carioca. Foi um período em que não só o amor, mas “barquinhos”, “lobos maus” e “patos” marcaram época. A discussão quanto à pureza segue até década de 60 e 70, passando pelo polêmico apelo de Paulinho da Viola em seu samba Argumento: “Tá legal! Eu aceito o argumento Mas não altere o samba tanto assim.” Hoje, a polêmica bate sobre o Pagode, novo estilo de samba que conquistou a mídia brasileira. Entretanto, nesse breve estudo sobre a história do samba e do que po- 373 deríamos chamar de ritmos “pré-samba” e “pós-samba”, constatamos que o que temos são múltiplas variações evolutivas de um mesmo ritmo. Ainda que se insistam nas nuanças que há entre esses tipos de samba, o fato é que de uma forma ou de outra todos representam nossa cultura, nosso ritmo, nossa língua, ou seja, acima de tudo, quem somos. O grande projeto de identidade nacional e mestiçagem foi um sucesso e, hoje, sob a bandeira de pátria autônoma e soberana está um povo que traz consigo não uma identidade emprestada do negro, do índio ou do europeu, mas a soma de todas as três que, antes de tudo, o faz brasileiro. Conclusão: uma bolsa já com tudo dentro. “Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço, patuá Um lenço, uma penca de documento Pra fi nalmente eu me identifi car...” A identidade sempre foi ponto nevrálgico de qualquer povo. Precisávamos de uma bolsa já com tudo dentro... A necessidade que temos de nos identifi car como uma nação cria no homem uma desesperada busca por traços que digam quem sou eu. Não somente a partir do que sou, mas também do que não sou. Com o nosso país não foi diferente. O processo de independência nos arremessou em uma profunda crise de identidade. Quem somos nós? Português? Neoportugueses? Ameríndios? Mulatos? Africanos, mestiços de toda ordem? Nós somos brasileiros. Mas o que é ser brasileiro? Ser brasileiro é ser e não ser um grande número de coisas. Somos inferiores? Por quê? Ou somos simplesmente diferentes. A música, o samba, nos deu parte desta identidade. Ainda que tenha sido assumido como identidade decorrente de uma necessidade quase urgente de saber quem somos. Através de um ritmo tão nosso cantamos nossas ansiedades, nossas alegrias e nossos amores... Cantamos na língua pátria a alma de um povo. Uma alma aos poucos desnudada dos hábitos europeus, uma alma nua dos trópicos. O rádio se encarregou de fazer ouvir no Brasil o elemento com que nós brasileiros deveríamos nos identifi car. O cinema leva às telas do país qual é a cara dessa nação. O futebol vem para mostrar que a mestiçagem faz “deuses”, deuses, não gregos, mas negros e mulatos que com a bola nos pés mostram do que se é capaz e atraem-se para o Brasil os olhos do mundo3 . O projeto de dar ao povo brasileiro uma identidade atingiu seu objetivo. Somos a terra do Samba, do Carnaval, do Futebol; pátria de chuteiras, fi lhos do sincretismo afro-brasileiro, povo musical que canta pra ver se os males espanta. Enfi m, Terra em que os sabiás não cantam como em outro lugar. Pois os sabiás daqui cantam... quem sabe... Samba! ________________________ 3 A copa de 50 foi marcada por uma grande dor: a perda na fi nal para o Uruguai. O que estava em jogo ali não era só um título, era a crença no sucesso da miscigenação brasileira. Era o êxito do projeto de identifi cação nacional, da integração étnica. Assunto discutido, inclusive, na elaboração da constituição de 1934. 374 Referências Bibliográfi cas ALMEIDA, Manuel Antônio. Memórias de um sargento de milícias. S/l: Klick Editora: O Globo, s/d. (Coleção Livros “Oglobo” Volume V) ASSIS, Machado. Os melhores contos de Machado de Assis. Seleção Domício Proença Filho. 8.ed. São paulo: Global, 1993. (Os melhores contos Volume VI) pag. 253 – 263. FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Art, 1986. VIANNA, Ermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: UFRJ Ed., 1995. *** *** file:///C:/Users/Vitor/Downloads/49-1-58-1-10-20170819.pdf *** *** ***
*** Estate João Gilberto Ouvir "Estate" *** *** *** Estate Sei calda come i baci che ho perduto Sei piena di un amore che è passato Che il cuore mio vorrebbe cancellare Estate Il sole che ogni giorno ci scaldava Che splendidi tramonti dipingeva Adesso brucia solo con furore Tornerà un altro inverno Cadranno mille petali di rose La neve coprirà tutte le cose E forse un po' di pace tornerà Estate Che hai dato il tuo profumo ad ogni fiore L'estate che ha creato il nostro amore Per farmi poi morire di dolore Ouvir "Estate" Composição: Bruno Brighetti / Bruno Martino *** *** https://www.letras.mus.br/joao-gilberto/46559/#radio:joao-gilberto *** ***
*** "Estate" Sheet Music by Joao Gilberto *** *** https://www.sheetmusicnow.com/products/estate-p381826 *** ***

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