Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 1 de julho de 2025
CASA DE NOCA
1. “Casa de Noca” – Maria Rita
2. “Partido Comunista do Chile terá protagonismo inédito após vitória de Jeannette Jara nas primárias” – Rafael Carneiro, O Estado de S. Paulo, terça-feira, 1º de julho de 2025
3. “IOF atrai o STF para estresse entre Poderes” – Luiz Carlos Azedo, terça-feira, 1º de julho de 2025
Casa de Noca
Maria Rita
o couro comeu na casa de noca, nêgo
não teve jeito
na casa de noca, quando o couro come,
é sinal que a dona quer respeito
tem nego pensando que a casa de noca
é farra, é fofoca
é canjerê
que é só ir chegando,
entrando e pegando
levando na marra a primeira que vê
ah, nêgo!
mexeu com fogo
deu uma de bobo,
e bobo não pode beber
da água que jorra da fonte
não fale, não conte,
pois ele não vai entender
pisou na entrada e na saída
e nessa vida tem que ter molejo,
jogo de corpo, uma boa visão
tem que ser maleável,
olha lá meu irmão
bote a bola no chão
Composição: Elson Do Pagode / Nei Jota Carlos / Serginho Meriti." https://www.letras.mus.br/maria-rita/1084309/
🎶 Silvio Rodríguez - La Canción de La Trova
Compositor: Silvio Rodríguez
🔗 Ouça aqui no YouTube
📝 Letra Original (Espanhol)
Aunque las cosas cambien de color,
no impota pase el tiempo,
las cosas suelen transformarse
siempre al caminar.
Pero tras la guitarra siempre habrá una voz
:/más vista o más perdida po la incomprensión
de ser uno que siente, como en otro tiempo
fue también./:
Hay también corazones que hoy se sienten detenidos.
Aunque sean otros tiempos hoy,
y mañana se´ra también:
se sigue conversando con el mar.
Aunque las cosas cambien de color,
no importa pase el tiempo,
no importa la palabra
que se diga para amar,
pues siempre que se cante con el corazón
habrá un sentido atento para la emoción de ver
:/que la guitarra es la guitarra
sin envejecer/:
🇧🇷 Tradução em Português
A Canção da Trova
Mesmo que as coisas mudem de cor,
não importa que o tempo passe,
as coisas costumam se transformar
sempre ao caminhar.
Mas por trás do violão sempre haverá uma voz
:/mais vista ou mais perdida pela incompreensão
de ser alguém que sente, como em outro tempo
também foi./:
Há também corações que hoje se sentem parados.
Mesmo que hoje sejam outros tempos,
e amanhã também o será:
segue-se conversando com o mar.
Mesmo que as coisas mudem de cor,
não importa que o tempo passe,
não importa a palavra
que se diga para amar,
pois sempre que se cante com o coração
haverá um sentido atento para a emoção de ver
:/que o violão é o violão
sem envelhecer/:
🧾 Síntese da Letra
A canção reflete sobre a permanência da sensibilidade artística, representada pela guitarra (ou violão), frente às mudanças do tempo e das circunstâncias. Silvio Rodríguez fala do papel da trova e do trovador como alguém que sente profundamente, mesmo sendo incompreendido. Apesar da passagem do tempo, das mudanças e das palavras diferentes usadas para expressar o amor, o que importa é cantar com o coração — pois isso mantém viva a emoção e a essência da arte.
The Americas | Faded dreams
Brazil’s president is losing clout abroad and unpopular at home
Luiz Inácio Lula da Silva put Brazil on the map, but he hasn’t adapted to a changed world
This illustration shows Luiz Inácio Lula da Silva in a suit with Brazil's presidential sash holding a large blue balloon. A hand with a pin is about to pop the balloon. The background is the Brazilian flag.
Illustration: Lehel Kovács
Jun 29th 2025
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São Paulo
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6 min read
On June 22nd, hours after the United States struck Iranian nuclear sites with huge bunker-buster bombs, Brazil’s foreign ministry put out a statement. It said that Brazil’s government “strongly condemns” the American attack, and that the strikes were a “violation of Iran’s sovereignty and international law”. This strength of language put Brazil at odds with all other Western democracies, which either supported the strikes or merely expressed concern.
terça-feira, 1 de julho de 2025
Partido Comunista do Chile terá protagonismo inédito após vitória de Jeannette Jara nas primárias
El Pueblo Unido Jamás Será Vencido
Quilapayún - Tema
Rafael Carneiro / O Estado de S. Paulo
Militante do partido desde 1999, a esquerdista tem um perfil mais moderado e poderá enfrentar embates com a sua sigla
SANTIAGO - A escolha de Jeannette Jara como candidata governista nas eleições presidenciais do Chile, que serão realizadas no final do ano, marcam um feito histórico. Pela primeira vez, desde a redemocratização, em 1990, o Partido Comunista terá um candidato para disputar o principal cargo do Executivo. No último domingo, 29, a ex-ministra do governo de Gabriel Boric obteve 60,16% dos votos, derrotando com facilidade os seus adversários.
Fundado em 1922, o Partido Comunista do Chile tem sua origem ligada aos movimentos trabalhistas e sociais do início do século 20, à difusão da filosofia política marxista e à Revolução Russa, de 1917. Após o fim da ditadura militar, quando foi considerado ilegal pelo governo de Augusto Pinochet, o partido ressurgiu no cenário político avançou de maneira lenta. Em 1999, fez oposição à Concertação (antiga coalizão de centro-esquerda), em 2010 conquistou cadeiras no parlamento e somente em 2014 conseguiu integrar um governo. Isso ocorreu no segundo mandato de Michelle Bachelet por meio da coalizão Nova Maioria. Ainda assim, sem protagonismo. Oito anos depois, o partido esteve na base que ajudou a eleger Boric.
“Apesar do triunfo do Partido Comunista, acredito que ficou claro que a população votou por Jeannette Jara como pessoa e não no partido propriamente dito. Agora, o desafio que ela tem, e que já teve durante o processo eleitoral, é se mostrar alguém maior do que o PC. É claro que isso gera tensão porque há posições mais radicais que lhe pedem para manter a linha do ‘partido dos trabalhadores’ e, por outro lado, haverá vozes de centro que vão pedir moderação nos seus discursos. Agora mais ainda”, afirma o cientista político Cristóbal Rovira.
Ainda segundo o acadêmico da Universidad Católica de Chile, Jara já tem um perfil moderado. “Ela não tem o discurso comunista clássico sobre o povo, a ditadura do proletariado. O que ela tem feito é se apresentar como uma chilena de classe média, que nunca fez parte da elite, e isso acaba criando um vínculo emocional com parte da sociedade”, acrescenta Rovira.
Nascida em 1974, em Santiago, Jeannette Jara é advogada, administradora pública e desde o final da década de 90 milita no Partido Comunista. Entre 2016 e 2018 foi subsecretária de Previdência Social do segundo governo de Bachelet (2014-2018). Alguns anos mais tarde, já na gestão de Boric, ocupou o cargo de ministra do Trabalho e Previdência Social, ganhando destaque após a aprovação de leis importantes, como a diminuição na carga horária de trabalho (de 45 horas para 40 horas semanais) e a reforma previdenciária. Deixou a pasta em abril de 2025 para concorrer às eleições primárias.
Eleitor de Jara no último domingo, José Miguel del Canto, 19, não temeu o frio de 5ºC e foi ao Estádio Nacional do Chile para depositar seu voto. “Além dela ser muito carismática, as suas propostas vão de encontro com o que eu quero para o país”, disse o estudante de engenharia mecânica. Ele estava acompanhado dos pais e da namorada Francista, que votava pela primeira vez. “Primeiro, me informei pela imprensa tradicional porque acho bastante perigoso utilizar as redes sociais para isso, e vi os debates na TV. Votei em Jara porque ela tem espírito de liderança e propostas factíveis”, comentou a jovem de 18 anos.
Baixa participação
Sem a obrigação de votar, pouco mais de 1,4 milhões de chilenos foram às urnas. Um número aquém do que o governo esperava e abaixo do registrado no pleito de 2021, o primeiro após a onda de protestos que tomou conta do Chile em 2019. Na ocasião, 1,7 milhões de eleitores participaram, apesar de todas as restrições impostas pela pandemia da covid-19.
De acordo com o jornal chileno The Clinic, um dado que pode preocupar o governo a partir de agora é que Jeannette Jara obteve 825.095 votos, o equivalente a 5,3% do total de eleitores do país (15.499.071). Somados os votos de todos os candidatos que concorreram nas eleições primárias, esse índice chega a 9%.
“Ainda que Jara tenha ganhado com uma diferença importante, o cenário nos mostra que os candidatos da esquerda e centro-esquerda falam apenas para os seus eleitores. Agora, o desafio de Jara é ampliar esse nicho e formar uma aliança maior. Para mim, isso é uma grande incógnita”, salienta Rovira.
Reviravolta na corrida presidencial
Logo após a eleição de Jeannette Jara, uma nova pesquisa eleitoral foi divulgada e apresentou mudanças significativas na opinião do eleitorado chileno. Realizada pelo instituto Cadem, os números mostram a comunista em segundo lugar nas intenções de voto, desbacando Evelyn Matthei, até então considerada uma das favoritas para ocupar o Palácio La Moneda. A candidata do Renovação Nacional já vinha em uma tendência de queda.
Jara aparece com 16% e perderia somente para José Antonio Kast, de extrema direita, que tem 24%. Dessa forma, os dois avançariam para um possível segundo turno. Neste cenário, a candidata do governo seria derrotada por Kast, que venceria as eleições com mais de 20 pontos percentuais de diferença (50% contra 30%). Em 2021, o candidato do Partido Republicano foi derrotado por Gabriel Boric.
Para Héctor Carvacho, pesquisador do Centro de Estudos de Conflito e Coesão Social, existe a possibilidade de que Kast e Matthei, dois representantes da direita, cheguem ao segundo turno. “O eleitor de centro tem um sentimento anticomunista significativo e Matthei pode ter mais espaço para crescer em direção a esses eleitores, que formam um grupo grande, do que em direção à direita, onde já estão Kast e Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário)”, afirma.
Cristóbal Rovira sinaliza que a campanha eleitoral começa agora e com isso será possível ver até que ponto Matthei e Jara são capazes de crescer para o centro. A respeito da esquerdista, ele avalia que também é importante observar o quanto a coalizão que atualmente apoia Boric se manterá ampla. “Ela tem que construir uma campanha que a desvincule o máximo possível do ‘rótulo’ Parido Comunista, na qual se mostre como liderança de uma ampla coalizão”, acrescenta.
Segundo o politólogo, o ponto fraco de Jara é a política internacional, principalmente no que se refere a Cuba. “Ela ainda segue presa à linha clássica do Partido Comunista chileno, que se diz um aliado de Cuba e que o país é uma democracia. Isso é indefensável e, mais cedo ou mais tarde, ela vai ter que desmentir o partido e isso provocará tensões”.
O primeiro turno das eleições presidenciais do Chile está marcado para o dia 16 de novembro. Caso nenhum candidato consiga a maioria absoluta de votos, o segundo turno será no dia 14 de dezembro. Além de presidente da república, os chilenos vão eleger 23 senadores e renovar completamente a Câmara dos Deputados. Dessa vez, o voto será obrigatório." https://www.letras.mus.br/maria-rita/1084309/
terça-feira, 1 de julho de 2025
IOF atrai o STF para estresse entre Poderes – Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
A judicialização do caso do imposto é mais um episódio da crise de governabilidade estrutural entre Lula e o Congresso. Alexandre de Moraes será testado mais uma vez
A decisão de redistribuir para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a relatoria da ação movida pelo PSol contra a sustação do decreto do IOF amplia e transfere o estresse entre Executivo e Legislativo para a Corte. Ainda mais porque o ministro é o relator das ações contra os golpistas de 8 de janeiro de 2023, que estão sendo julgadas na Primeira Turma, sendo o ex-presidente Jair Bolsonaro o mais importante dos réus. Embora a constitucionalidade da decisão do Congresso seja uma questão técnica, o que está em xeque é a relação de poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Ao editar o decreto que reonerava parcialmente o IOF em operações de crédito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscava reforçar a arrecadação em linha com os compromissos do novo arcabouço fiscal. No entanto, encontrou ampla resistência no Congresso, que derrubou o decreto em uma rara convergência entre oposição, Centrão e parte da base governista. A decisão foi uma demonstração de que o Legislativo não aceitará aumentos de carga tributária via regulamentos infralegais, ainda que baseados em leis vigentes.
A decisão abriu uma disputa política entre Lula e os aliados do Centrão, que estão com um pé em cada canoa, ou seja, participam do governo e, ao mesmo tempo, se opõem. Na guerra de narrativas, que envolve a tributação de setores considerados privilegiados pela atual ordem tributária, o governo assume o papel de Robin Hood, o herói medieval que tira dos ricos para distribuir aos mais pobres, posição que obviamente desagrada e provoca reação das lideranças do Congresso. A volta do "nós contra eles" por parte de Lula acirra ainda mais a radicalização, que transborda da política fiscal para a questão social.
Do ponto de vista institucional, o que está em jogo agora é a interpretação do artigo 49, inciso V, da Constituição, que dá ao Congresso o poder de sustar atos do Executivo que exorbitem o poder regulamentar. O STF terá que decidir se o decreto do IOF apenas regulamentava a lei existente — portanto é legítimo — ou se ultrapassava os limites da regulamentação, configurando uma alteração de conteúdo que exigiria aprovação parlamentar.
A escolha de Moraes como relator acirra a polêmica sobre a questão. A matéria originalmente foi distribuída ao ministro Gilmar Mendes, porém, foi redistribuída pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, porque Moraes já era relator de uma ação correlata.
Moraes é protagonista de dois casos judiciais de alta tensão política: os inquéritos das fake news e os eventos do 8 de Janeiro. Sua condução do processo será observada de perto por todos os Poderes, e sua decisão poderá tanto restaurar a autoridade do Executivo, quanto reforçar o papel fiscalizador do Congresso. Independentemente do desfecho, a judicialização da crise evidencia o esgotamento da capacidade de articulação política do governo. Sem base sólida no Congresso e enfrentando uma agenda legislativa volátil, o Planalto volta-se cada vez mais ao Supremo em busca de respaldo jurídico para medidas que não consegue sustentar politicamente.
Ciranda política
É um momento perigoso. Ao transformar o STF em árbitro constante de disputas entre os Poderes, corre-se o risco de corroer a confiança nas soluções políticas e sobrecarregar a Corte com decisões que deveriam ser resolvidas no terreno da negociação institucional. A batalha do IOF, portanto, é uma face da crise de governabilidade que marca o presidencialismo de coalizão em seu estágio mais frágil. Resta saber se o Supremo, ao decidir, contribuirá para pacificar o cenário ou aprofundará a sensação de que, no Brasil, o Judiciário é a última trincheira da política.
Diante da derrota no Legislativo, o PSol entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), alegando que a sustação do decreto pelo Congresso violaria o princípio da separação dos Poderes, pois o Executivo apenas regulamentou um imposto previsto em lei. Há precedentes importantes do STF que tratam dos limites da atuação do Congresso frente aos atos do Executivo, que podem ser sustados se excederem o poder regulamentar (art. 49, V da Constituição). Entretanto, o Congresso não pode sustar decretos legítimos de execução de leis já aprovadas.
A análise de Moraes deve se concentrar em saber se o decreto do IOF meramente executava a lei existente ou se, na prática, alterava o conteúdo tributário, o que exigiria aprovação legislativa. Uma decisão do STF pacificaria a questão. Porém, não é assim que a banda toca. O governo aposta no STF para restaurar o decreto e reforçar a autoridade presidencial em matéria tributária e fiscal. Uma vitória daria fôlego à equipe econômica de Fernando Haddad e ao discurso de responsabilidade fiscal.
Entretanto, se STF revogar a sustação, o Legislativo pode se sentir desautorizado, o que tende a aumentar o espírito de revanche nas próximas votações. Em qualquer situação, é importante que Moraes seja visto como árbitro apartidário, o que exige um voto com consistência técnica.
Trocando em miúdos, a judicialização do caso do IOF é mais um episódio da crise de governabilidade estrutural entre Lula e Congresso. A fragilidade da coalizão política do governo e a autonomia do Congresso, comandado por lideranças que operam com lógica orçamentária e pragmática, criam um cenário instável. Moraes será testado mais uma vez como guardião da institucionalidade, como figura central no equilíbrio entre Poderes." https://gilvanmelo.blogspot.com/2025/07/iof-atrai-o-stf-para-estresse-entre.html
terça-feira, 1 de julho de 2025
Poesia | Restos de carnaval, de Clarice Lispector
Restos do carnaval
PorNOVA ESCOLA
19/09/2016
Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas à idéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho, que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos, já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.
Conto publicado no livro Felicidade Clandestina, Ed. Rocco
Clarice Lispector, investigadora de intimidades
Clarice Lispector mergulha na intimidade dos seus personagens e a investiga profundamente, em busca do que seria o próprio núcleo existencial dessas criaturas. Utiliza para isso uma prosa rica em características poéticas sonoridades, analogias, figuras de linguagem e a exposição do fluxo psicológico dos personagens. Muitas vezes, eles adquirem a consciência do próprio existir a partir de uma iluminação repentina produzida por um fato aparentemente menor. Esse momento crucial de descoberta de si mesmo e toda a solidão e as dúvidas que essa descoberta revela ao ser humano constituem os temas recorrentes da ficcionista.
Escrever é, assim, um processo de conhecimento da realidade psicológica dos seres, essencialmente emocional e intuitivo. E por meio dele se desvendam segredos íntimos, desejos reprimidos, pensamentos constrangedores, atinge-se a intimidade mais profunda. Esse mergulho na alma humana é marca de muitos prosadores de nossos dias. Lygia Fagundes Telles, Osman Lins, Ivan Ângelo, Samuel Rawet, Nélida Piñon produzem textos que revelam alguma influência dos de Clarice, feiticeira das palavras.
Construir uma síntese crítica e dialógica que conecte os três conteúdos anteriores com o quarto elemento recentemente incorporado.
1. “Casa de Noca” – Maria Rita
2. “Partido Comunista do Chile terá protagonismo inédito após vitória de Jeannette Jara nas primárias” – Rafael Carneiro, O Estado de S. Paulo, terça-feira, 1º de julho de 2025.
Militante do partido desde 1999, a esquerdista tem um perfil mais moderado e poderá enfrentar embates com sua própria sigla.
3. “IOF atrai o STF para estresse entre Poderes” – Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense, terça-feira, 1º de julho de 2025.
A judicialização do caso do imposto é mais um episódio da crise de governabilidade estrutural entre Lula e o Congresso. Alexandre de Moraes será testado mais uma vez.
4. Resultados Eleitorais Históricos (1930–1945) – Fonte: TRE-RJ – Contexto Histórico
Presidência da República:
Dutra (PTB-PSD), eleito com 3.250.000 votos (55%)
Eduardo Gomes (UDN), 2.040.000 votos (35%)
Yedo Fiúza (PCB), 600.000 votos (10%)
Congresso Nacional:
PSD: 151 representantes (42%)
UDN: 77 (26%)
PTB: 22 (10%)
PCB: 14 (9%)
Outros partidos: 30 (13%)
Contexto histórico – Crise de 1929:
Iniciada nos Estados Unidos, a crise econômica atingiu duramente a exportação do café brasileiro. A quebra da Bolsa de Nova Iorque ocorreu em meio à campanha eleitoral de 1929. Falidos, os cafeicultores exigiam moratória das dívidas e financiamento a juros baixos do Banco do Brasil, o que foi negado pelo então presidente Washington Luís.
Serginho Meriti - CASA DE NOCA
Serginho Meriti
8 de jan. de 2017
Autores: Serginho Meriti, Nei Jota Carlos e Elson do Pagode
Conclusão
Os quatro conteúdos analisados convergem em uma estrutura dialética que revela, sob distintas linguagens e contextos, um mesmo eixo de tensão: o embate entre autoridade instituída e vozes de resistência, entre centro de poder e suas margens. Essa síntese crítica reforça o entrelaçamento de cultura, política e história como campos complementares na disputa por legitimidade, respeito e transformação institucional.
Tese: a ordem dominante, marcada por estruturas consolidadas — sejam elas o Estado, o sistema político tradicional ou as elites de poder — impõe sua lógica de controle, exclusão e centralidade.
Antítese: forças simbólicas e políticas oriundas das margens — como o comunismo moderado de Jara, a denúncia cultural de "Casa de Noca", a tensão entre Executivo e Judiciário no Brasil atual ou a insurgência histórica do PCB nos anos 1940 — contestam essa ordem, exigindo espaço, voz e visibilidade.
Síntese: a possibilidade de reconfiguração institucional e simbólica, sustentada por estratégias de negociação, moderação crítica, ampliação da representatividade e afirmação de novos sujeitos políticos e culturais. Trata-se da construção de um novo equilíbrio, mais inclusivo e respeitoso das diferenças.
Desse modo, a “Casa de Noca” se consolida como metáfora estruturante desta leitura transversal: um território em disputa onde o respeito não é concedido, mas reivindicado. Seja na arena política chilena, nos embates institucionais brasileiros ou nos momentos de inflexão histórica do país, o recado permanece claro: onde não há respeito, o “couro come” — e a margem cobra sua centralidade com jogo de corpo e estratégia.
João Gilberto - O Amor, O Sorriso E A Flor - 1960 - Full Album
Lula perde influência no exterior e é impopular em casa, diz The Economist | CNN NOVO DIA
CNN Brasil
30 de jun. de 2025 #CNNBrasil
Para quem olha o Brasil de fora, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), perdeu sua influência com seus pares internacionais, enquanto sua popularidade afunda no país, segundo o noticioso inglês The Economist. #CNNBrasil
The Economist: ‘Lula perde influência no exterior e popularidade em casa’
Em editorial, revista britânica fala em 'política externa incoerente' e critica aproximação entre Brasil e China em detrimento de relações com os EUA
Por Redação
Atualizado em 30 jun 2025, 12h50 - Publicado em 30 jun 2025, 09h56
A revista britânica The Economist publicou no último domingo, 29, um artigo de opinião com severas críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos rumos da política externa brasileira. Sob o título “Presidente do Brasil perde influência no exterior e popularidade em casa”, o editorial afirma que o petista “colocou o Brasil no mapa, mas não se adaptou a um mundo em mudança”.
Segundo o artigo, a rápida e incisiva condenação do Itamaraty aos ataques conduzidos pelos Estados Unidos contra o Irã, na semana passada, “coloca o Brasil em atrito com as demais democracias ocidentais, que apoiaram os bombardeios ou apenas expressaram preocupação”. O texto argumenta que a presença de delegações iranianas e russas na cúpula anual dos BRICS, que ocorre no Rio de Janeiro a partir do próximo domingo, 6, dificulta a imagem de “não-alinhamento” do governo brasileiro em conflitos internacionais e “faz o Brasil parecer cada vez mais hostil ao Ocidente”.
Além do discurso em relação ao Oriente Médio, o editorial classifica a política externa do Brasil como “incoerente”, afirmando que Lula não se esforça para manter relações com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mas se encontrou duas vezes no ano passado com Xi Jinping, líder da China. Há críticas, também, à visita do petista à Rússia, em maio, para o evento organizado por Vladimir Putin em celebração ao papel soviético na Segunda Guerra Mundial. “Talvez a manobra mais sensata de Lula seja tentar tirar vantagem da perda global de confiança nos EUA como parceiro comercial […] mas isso vem com esforços de grandeza que superam, e muito, o peso do Brasil no palco mundial”, diz o texto.
Outra suposta contradição na diplomacia brasileira, segundo a The Economist, é o distanciamento da Argentina por “divergências ideológicas” com Javier Milei acompanhada de um endosso, no início do mandato, à ditadura liderada por Nicolás Maduro na Venezuela. Sobre as relações com os vizinhos latinoamericanos, o artigo pontua que “Lula parece indisposto ou incapaz de unir as nações da América Latina em uma frente unida contra as deportações e a guerra tarifária de Trump”.
O editorial ressalta, ainda, a queda da aprovação de Lula entre o eleitorado brasileiro, atribuindo a popularidade do petista nos dois primeiros mandatos ao “apoio de sindicatos, católicos socialistas e pobres beneficiários de esmolas do governo” e à riqueza colhida com o boom das commodities. “Hoje, porém, o Brasil é um país onde o cristianismo evangélico está disparando, empregos na agricultura e na economia temporária estão crescendo rápido e a direita também oferece esmolas”, afirma o artigo da revista britânica.
Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/the-economist-lula-perde-influencia-no-exterior-e-popularidade-em-casa/
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🇧🇷 Sonhos Desbotados: O presidente do Brasil perde influência no exterior e popularidade em casa
The Economist, 29 de junho de 2025
Luiz Inácio Lula da Silva colocou o Brasil no mapa, mas não conseguiu se adaptar a um mundo em mudança.
No dia 22 de junho, horas após os Estados Unidos atacarem instalações nucleares iranianas com bombas destruidoras de bunkers, o Itamaraty divulgou uma nota oficial. O governo brasileiro “condenou veementemente” o ataque americano, classificando-o como uma “violação da soberania do Irã e do direito internacional”. Essa linguagem forte colocou o Brasil em desacordo com outras democracias ocidentais, que apoiaram ou apenas expressaram preocupação com os ataques.
Essa atitude reflete a política externa de Lula, que busca se distanciar das potências ocidentais tradicionais e fortalecer uma posição de liderança entre os países do Sul Global. No entanto, essa tentativa tem tido pouco sucesso prático. Reuniões e cúpulas internacionais têm mostrado um Brasil mais isolado, com aliados frustrados e poucos resultados concretos.
Internamente, Lula também enfrenta dificuldades. A economia anda fraca, com inflação alta e crescimento lento. A confiança do público diminui diante de denúncias de corrupção e promessas não cumpridas. Além disso, o presidente enfrenta um Congresso resistente, o que torna a governabilidade difícil.
Em comparação com seus mandatos anteriores, quando tirou milhões da pobreza e projetou o Brasil no cenário global, Lula parece ter perdido o toque, enfrentando um país e um mundo muito diferentes de 20 anos atrás.
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