Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 26 de julho de 2025
Democracia em xeque: entre o caos global, o abuso da soberania e o ciclo da polarização
“A democracia é uma construção frágil, sustentada por instituições, mas firmada no diálogo e na crítica mútua.”
— Parafraseando Norberto Bobbio
📌 Introdução
Três artigos publicados simultaneamente em julho de 2025, nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo, colocam em pauta, sob diferentes ângulos, a crise global e interna da democracia. Os autores — Marco Aurélio Nogueira, Oscar Vilhena Vieira e Pablo Ortellado — analisam os desafios que têm desestruturado os regimes democráticos no Brasil e no mundo: a erosão institucional, a deturpação do conceito de soberania e o veneno da polarização.
Lidos em conjunto, os textos compõem uma espécie de “tríptico crítico” sobre os dilemas contemporâneos da política, propondo saídas que passam por mais cidadania, mais Constituição e mais diálogo.
A democracia em um mundo fora de controle - Marco Aurélio Nogueira
🌍 1. Democracia no Olho da Tempestade
(Marco Aurélio Nogueira – O Estado de S. Paulo)
Marco Aurélio parte de um diagnóstico inquietante: o planeta está fora de controle. As transformações tecnológicas, as guerras, o populismo, a crise ambiental e o desarranjo das estruturas sociais geraram uma verdadeira “tempestade” que fragilizou os fundamentos da democracia representativa.
A democracia, segundo ele, só pode sobreviver se passar por uma recomposição institucional e cultural. Isso exige mais do que eleições: requer cidadãos politicamente educados, imprensa livre, equilíbrio entre poderes e cooperação entre Estados. A crise democrática é também fruto da ausência de referências e da ascensão de autocratas que corroem o sistema sem derrubá-lo — apenas enferrujam a cidadania por dentro.
“Pequenas bolhas de oxidação vão enferrujando a democracia.”
Que soberania? - Oscar Vilhena Vieira
⚖️ 2. Soberania sob Ataque (por Dentro e por Fora)
(Oscar Vilhena Vieira – Folha de S. Paulo)
Oscar Vilhena questiona: que soberania estamos defendendo? Diante das investidas externas — como as declarações do presidente dos EUA contra o Judiciário brasileiro —, o autor resgata a soberania constitucional, fundada na Constituição de 1988. Diferente da noção absolutista da Idade Média, a soberania democrática está ancorada na separação dos poderes, nos direitos fundamentais e no respeito à ordem internacional.
Vilhena alerta contra os que, em nome de um nacionalismo oportunista, atacam instituições sob a fachada de defender a pátria. Para ele, a soberania não é um escudo contra o mundo, mas um compromisso com a justiça, a inclusão e a civilidade, internamente e nas relações exteriores.
“Saberão se proteger agora dos traidores da pátria, assim como daqueles que atentam contra a sua democrática soberania.”
Está na hora de soltar as mãos - Pablo Ortellado
🔄 3. O Pacto Silencioso da Polarização
(Pablo Ortellado – O Globo)
Ortellado aborda a psicologia da polarização. Em vez de fortalecer a república, os grupos políticos têm protegido seus aliados de qualquer crítica e recusado o diálogo com adversários. A frase símbolo da resistência progressista em 2018 — “ninguém solta a mão de ninguém” —, transformou-se num pacto de silêncio e lealdade incondicional, que impede o autopoliciamento moral dos grupos.
Ele aponta que tanto a esquerda quanto a direita se radicalizaram em resposta ao medo do outro. A crítica ao adversário apenas reforça sua identidade; a indignação diante de ataques une ainda mais os radicais. O caminho, defende Ortellado, é “soltar as mãos” — não em sinal de abandono, mas como gesto de maturidade republicana.
“Precisamos trocar a lealdade incondicional pela crítica honesta e a identidade de grupo pela consciência cívica.”
💭 Considerações Finais
Embora distintos em tom e foco, os três textos convergem em um ponto essencial: a democracia está sendo desmontada tanto por forças autoritárias quanto por práticas e omissões dentro do campo democrático. A erosão não é sempre explícita. Às vezes, ela vem pelo silêncio, pela omissão crítica, pela fragmentação e pelo sectarismo.
Se quisermos reconstruir o edifício democrático, precisamos superar tanto o caos sistêmico quanto os vícios internos. Isso exige uma nova cidadania, atenta aos direitos, aos deveres e, sobretudo, ao outro — aquele com quem discordamos, mas com quem compartilhamos o destino político.
🔎 Sugestões para Aprofundamento
Norberto Bobbio – O Futuro da Democracia
Chantal Mouffe – Por um Populismo de Esquerda
Francis Fukuyama – Identidade
Shoshana Zuboff – A Era do Capitalismo de Vigilância
Pierre Rosanvallon – A Contrademocracia
✅ Conclusão
A democracia do século XXI não será salva com gestos simbólicos ou lealdades automáticas, mas com coragem cívica, reinvenção institucional e responsabilidade crítica. Precisamos recuperar o valor do diálogo entre diferentes, da educação política, da ética pública, e da cooperação global. Só assim conseguiremos reconstruir os alicerces de uma república viva, plural e solidária.
Assinar:
Postar comentários (Atom)



Nenhum comentário:
Postar um comentário