quinta-feira, 31 de julho de 2025

Água de Chuva No Mar

"O clarão iluminou A DANÇA DA SOLIDÃO. O brilho da fonte luminosa dourou PAULINHO DA VIOLA, as bordas de sua camisa e chapiscou o seu cabelo. A camisa, com suas golas, ficou ilhada no breu da solidão." Dança da Solidão Paulinho da Viola 🎶 Entre o traço e a melodia, o retrato suave de uma voz que sabe silêncios. Capa do LP A Dança da Solidão (1972), de Paulinho da Viola, escolhida ontem (30/07/2025) durante a Oficina da Autoria. A imagem inspirou um dos quatro textos produzidos na atividade — um mergulho do lirismo ao concreto, sem jamais perder a ternura que marca o samba e a poesia de quem canta para o coração atento.
O silêncio dos pequenos: entre o pelego de luxo e o mercado estrangeiro Em meio a uma crise comercial sem precedentes, provocada pelo tarifaço do governo Trump e agravada pelo novo acordo entre União Europeia e Estados Unidos, o governo federal brasileiro parece mais empenhado em preservar sua popularidade eleitoral do que em defender, com firmeza, os interesses dos que mais precisam. Em nome de uma soberania usada como escudo retórico, o Planalto se acomoda como um intermediário confortável entre os grandes interesses econômicos e os trabalhadores, pequenos produtores e consumidores populares, que não têm lobby em Washington nem voz em Bruxelas. Em vez de liderar uma resposta soberana e democrática à afronta norte-americana — que não é só comercial, mas institucional, como bem apontou a professora Maria Hermínia Tavares — o governo contenta-se em celebrar o “alívio” das exceções negociadas diretamente pelas grandes corporações. O Executivo federal age como se representar Embraer, agronegócio e multinacionais fosse suficiente para representar o povo brasileiro. Mas não é. O povo, que votou esperando um governo para todos, hoje assiste ao abandono silencioso de sua defesa em nome de cálculos eleitorais e relações bilaterais seletivas. As exceções ao tarifaço pouparam os grandes, como mostrou Adriana Fernandes, mas deixaram os pequenos produtores de café, etanol, açúcar e carne — que sustentam comunidades inteiras — sob o peso de uma punição que não provocaram. O Estado, que deveria ser a voz dos invisíveis, delegou a negociação ao poder econômico organizado, desertando de sua missão republicana e democrática. Pior: o governo se posiciona como único defensor possível contra os poderosos internacionais, mas atua, na prática, como pelego institucional, buscando se beneficiar da polarização entre potências estrangeiras, enquanto não mobiliza políticas de proteção real aos que mais sofrem. O discurso de soberania virou palanque, e a estratégia virou marketing. Nas ruas, o custo da crise se mede em inflação de alimentos, incerteza no campo, endividamento das famílias, retração no consumo e precarização do trabalho. Mas esses dados não aparecem nas planilhas de Brasília — apenas nas urnas, quando o povo se dá conta de que foi deixado para trás. É preciso romper com essa lógica que toma o Estado como gestor das vontades de cima e distribuidor de migalhas para os de baixo. O Brasil não pode continuar terceirizando sua dignidade nem tratando os pobres como escada para ambições políticas. O momento exige uma política externa articulada, que represente o interesse nacional em sua totalidade — não só o PIB, mas também o prato de comida, o pequeno agricultor, o operário da indústria e a consumidora da periferia. Ou o governo volta a ser governo de todos, ou confirmará que se tornou apenas o melhor aliado dos grandes — disfarçado de herói dos pequenos. Rochedo Beth Carvalho Está mais pra chorar do que sorrir Está mais pra perder do que ganhar Está mais pra sofrer que se alegrar Está mais para lá do que pra cá Amigo, esta vida não tá boa O sufoco vem à proa Desse barco que é a vida E nessa briga da maré contra o rochedo Sou marisco e tenho medo De não ter uma saída Composição: Noca da Portela / Zé Do Maranhão.
terça-feira, 29 de julho de 2025 Opinião do dia - Nicolau Maquiavel* (ricos e pobres) “Tratemos agora do outro aspecto da questão, isto é, vejamos o que ocorre quando um cidadão torna-se príncipe de sua pátria, não por meio de crime ou de outra intolerável violência, mas com a ajuda dos seus compatriotas. O principado assim constituído podemo-lo chamar civil, e para alguém chegar a governá-lo não precisa de ter ou exclusivamente virtude [virtù] ou exclusivamente fortuna, mas, antes, uma astúcia afortunada. Pois bem, a ajuda nesse caso é prestada pelo povo ou pelos próceres locais. É que em qualquer cidade se encontram estas duas forças contrárias, uma das quais provém de não desejar o povo ser dominado nem oprimido pelos grandes, e a outra de quererem os grandes dominar e oprimir o povo. Destas tendências opostas surge nas cidades, ou o principado ou a liberdade ou a anarquia. O principado origina-se da vontade do povo ou da dos grandes, conforme a oportunidade se apresente a uma ou a outra dessas duas categorias de indivíduos: os grandes, certos de não poderem resistir ao povo, começam a dar força a um de seus pares, fazem-no príncipe, para à sombra dele terem ensejo de dar largas aos seus apetites; o povo, por sua vez, vendo que não pode fazer frente aos grandes, procede pela mesma forma em relação a um deles para que esse o proteja com a sua autoridade” *Nicolau Maquiavel (1469-1527) filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política. O Principe (1515), Capitulo lX, p. 45. Editora Martins Afonso, 2014.
"O editorial a seguir parece ter adotado um ponto de vista aparentemente favorável aos ricos, considerando a divisão estabelecida no texto anterior 'Opinião do dia – Nicolau Maquiavel (ricos e pobres)'. Vejamos o editorial citado: 'Ao aceitar acordo com Trump, UE traz mais desafios ao Brasil'."* Valor Econômico A UE não sancionou ainda o acordo com o Mercosul e o acerto com os EUA pode dar vantagens aos bens americanos sobre os brasileiros no território europeu Depois que a União Europeia (UE) concordou em fazer um acordo com os Estados Unidos que aumenta as tarifas de importação de seus produtos para 15%, o maior obstáculo à ofensiva comercial do presidente Donald Trump ruiu. Maior bloco econômico mundial e principal parceiro comercial americano, a UE era quem tinha as melhores condições para enfrentar o protecionismo de Trump. No domingo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, aceitou os termos americanos, após uma ameaça de taxação de 30% a partir de 1 de agosto. As tarifas cobrirão 70% das exportações para os EUA (US$ 532 bilhões em 2024), e o entendimento prevê compromissos de compra de energia (US$ 350 bilhões) e investimentos (US$ 600 bilhões) no mercado americano. A decisão dividiu a UE, com manifestações de resignação de Alemanha e Espanha, protestos da França e certa indiferença da Itália. A presidente da UE, não à toa, aceitou o asfixiante acordo com Trump logo após uma péssima reunião com a China, o principal destino de suas exportações. Mesmo hostilizado por Trump, Xi Jinping, aliado da Rússia, que trava uma guerra de conquista em solo europeu, não deu o menor sinal de que pretenda aliança com os europeus na atual guerra comercial — um possível prenúncio de que também não a considera essencial na nova reconfiguração geopolítica global em curso. A decisão europeia tem grande importância para os planos de Trump e traz mais desafios para o Brasil no tabuleiro comercial mundial. A UE não sancionou ainda o acordo com o Mercosul, e os entendimentos sobre o acesso americano a seu mercado pode brindar os produtos americanos com vantagens sobre os brasileiros no território europeu. A informalidade dos acordos impede conhecer em detalhes sobre quais bens os Estados Unidos garantiram tarifas zero. Segundo von der Leyen, elas incidirão sobre 70 bilhões de euros em mercadorias estratégicas, não especificadas. As exportações brasileiras de carne para a Europa estão sujeitas a cotas e enfrentam forte oposição da Irlanda e da França, dois dos principais lobistas contra o produto brasileiro. Provavelmente os americanos conseguiram furar esse bloqueio. Além disso, 50% das importações de soja e farelo na União Europeia são provenientes do Brasil, e os EUA são grandes competidores, que podem ter obtido vantagens pelo acordo. Como analistas ressaltaram, o entendimento, como impõe Trump, desrespeita as regras internacionais, deixando de lado a cláusula de nação mais favorecida, que estende aos demais países com que a UE comercia os benefícios obtidos por seu parceiro mais bem aquinhoado. A aceitação do ultimato americano, por outro lado, pode retardar o entendimento da UE com o Brasil. Ao abrir uma brecha no protecionismo europeu, em especial o agrícola, os produtores nacionais tenderão a aceitar o acordo como uma fatalidade e se tornar mais recalcitrantes para sua extensão a outros concorrentes muito competitivos, como o Brasil, por meio do acordo com o Mercosul. A posição de negociação do Brasil pode ficar pior em vários aspectos. A chance de acelerar o acordo com o Mercosul por parte de Bruxelas é uma forma de a UE se reforçar na arena global, hoje dividida entre as duas maiores potências mundiais, EUA e China. A urgência pode ter arrefecido no curto prazo com a anuência ao ultrajante ultimato americano. Se o Brasil deixou para depois a ideia de uma retaliação tarifária aos produtos americanos, ela se tornou agora quixotesca diante das desistências de potências como Europa e Japão. Se os EUA impuserem tarifas de 50% sobre exportações brasileiras, não só fecharão o maior mercado do mundo ao país como facilitarão claramente seus concorrentes até dentro do Mercosul. A Argentina, cujo presidente, Javier Milei, é um adepto fervoroso de Trump, foi contemplada com taxação de 10% e é um grande exportador rival de soja e carne. Ademais, na exportação de automóveis e autopeças, com tarifas em vigor de 25%, europeus e japoneses entrarão no mercado americano pagando menos, 15%, rebaixando a competitividade do Brasil e criando enorme problema para as próprias montadoras do país, que se abastecem no México e importarão pagando mais que seus grandes concorrentes japoneses e europeus. A equação comercial será hostil com o fechamento do mercado americano e vantagens oferecidas aos EUA no resto do mundo. A exportação de manufaturados terá de bater às portas de outros mercados, depois de rejeitada pelo seu maior comprador. China e países asiáticos são mais competitivos em bens de média e alta tecnologia que o Brasil exporta. Mesmo a bem concebida ideia de retaliar os EUA não elevando as tarifas para seus bens, mas rebaixando a de outros parceiros comerciais (Valor, ontem), não é de fácil execução. Com o Mercosul, o Brasil não pode reduzir sua proteção unilateralmente sem apoio de Argentina, Paraguai e Uruguai. Ações hostis podem ser bloqueadas pela Argentina, que pretende dar benefícios aos EUA e, se pudesse, faria um acordo em separado com Washington. Se os interesses comerciais prevalecerem, o Brasil tem ainda boas chances de negociar condições menos desvantajosas. A lógica de Trump, porém, pode não ser essa." "A seguir, este editorial deve ser emulado por meio de um texto que adote o ponto de vista dos pobres, conforme a divisão estabelecida em 'Opinião do dia – Nicolau Maquiavel (ricos e pobres)', apresentada anteriormente. Para isso, os dois artigos — 1º Texto e 2º Texto, reproduzidos a seguir — servirão como referência para a fundamentação, argumentação, justificação e conclusão, sempre em cotejo crítico com a perspectiva adotada pelo editorial do jornal Valor Econômico, anteriormente citado."*
1º texto: quinta-feira, 31 de julho de 2025 Lista de exceções no tarifaço traz alívio - Adriana Fernandes Folha de S. Paulo Não ocorreu cataclismo, mas não dá para achar que o pior já acabou A lista de exceções à sobretaxa de 50% imposta pelo governo Donald Trump aos produtos importados do Brasil mostrou o peso e a capacidade de mobilização das empresas do setor privado do país. Ela pode ser tão efetiva quanto uma negociação de governo e tende a ser um padrão mais frequente, daqui para a frente, num cenário em que os canais de diálogo estão contaminados pelo ativismo da família Bolsonaro na Casa Branca. A decisão dos EUA de poupar da tarifa adicional produtos da Embraer retira um problema gigantesco para o governo administrar no curto prazo. O impacto de um eventual socorro à empresa traria custo elevado para as contas públicas e não resolveria o problema da empresa. A fabricante de aeronaves é estratégica e faz parte do grupo de empresas que seriam afetadas pelo tarifaço, sem condições de migrar sua produção para outros mercados. O CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, foi até os Estados Unidos e abriu canais diretos com três secretários do governo Trump: Scott Bessent (Tesouro), Howard Lutnick (Comércio) e Sean Duffy (Transportes). Empresários de outros setores com poder de negociação também trabalharam, com apoio dos seus parceiros no mercado americano, para ficar de fora do tarifaço. A ação foi estimulada pelo governo Lula. As exceções interessaram aos americanos. O sentimento em Brasília é de um certo alívio. O principal ficou de fora: aço, petróleo, derivados, aeronaves, laranja. O que foi atingido é importante, mas globalmente não machuca tanto: café, carne, açúcar e etanol. Não significa que os danos estejam afastados. O governo vai gastar dinheiro para socorrer as empresas afetadas. O "dia D" do tarifaço começou antes. Não ocorreu cataclismo. Mas não dá para achar que o pior já acabou. A disputa com Trump não vai esfriar e podemos ter novas surpresas, inclusive na área financeira. É hora de reunir com inteligência as cartas na manga que o Brasil tem na negociação, sem tirar o foco de quem está fustigando o ataque ao país.
2º Texto: quinta-feira, 31 de julho de 2025 Nossa democracia na mira de Trump - Maria Hermínia Tavares Folha de S. Paulo A afronta à independência nacional visa, mais que tudo, agredir o sistema democrático no Brasil A soberania está em alta, constatou o correspondente do New York Times no Brasil. Afirmá-la com estridência foi a resposta dos governantes de países contra os quais Trump ameaçou aumentar tarifas ou usar a força para exigir decisões de âmbito doméstico, como fez com o Canadá, o México, o Panamá, a Colômbia e o Brasil. Aqui, governo e organizações da sociedade civil abraçaram a defesa da soberania —no discurso presidencial; na comunicação política oficial; em manifestações como a que enlaçou entidades representativas de numerosos setores; e o entusiasmado público que lotou a Faculdade de Direito da USP, na manhã de 25/7. Com o passar do tempo, o presidente americano acrescentou outras "razões", tais como o Pix; a intenção de responsabilizar as big techs por atos criminosos praticados nas redes sociais; o interesse americano por minerais críticos, para impor um tarifaço sem precedentes a todos os produtos nacionais. Mas a motivação principal do ocupante da Casa Branca estava clara desde o início: investir contra a Justiça brasileira em represália ao fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro ser acusado por crimes contra a democracia e o Estado de Direito. No limite, a afronta à independência do Estado nacional visa agredir o sistema democrático no Brasil. Este, em passado recente, mostrou força e resiliência diante dos reiterados ataques do ex-presidente contra as instituições eleitorais e o resultado das urnas, conspirando para fulminá-lo com um golpe de Estado. O gesto de Trump, embora abominável, tem lógica e propósito: destruir o sistema representativo nos Estados Unidos e dar força aos que contra ele conspiram aqui e pelo mundo afora. Como observou a escritora Anne Applebaum em seu último livro, publicado no Brasil como "Autocracia S.A", hoje em dia governos autoritários trabalham juntos para manter-se no poder e promover globalmente seus sistemas de dominação. É sempre bom lembrar que a soberania não é um valor absoluto, o que tornaria ilegítima qualquer pressão externa. Tampouco são claros seus limites na vida real. Sua defesa, aqui e agora, tem servido para preservar a democracia da aliança obscurantista entre extremistas de direita de dentro e de fora do país. Mas não raro foi utilizada como escudo por governos que perseguem opositores e usam a força para limitar a liberdade de seus cidadãos. Levado ao pé da letra, o respeito ao princípio da soberania não permitiria as sanções impostas à África do Sul, ao tempo do apartheid; ou à Venezuela de Maduro, que forjou resultados eleitorais e persegue opositores; tampouco justificaria as pressões do então presidente americano Jimmy Carter sobre o governo militar brasileiro pelo fim da tortura aos opositores, nos anos 1970; ou a discreta —e bem-vinda— gestão do governo Joe Biden para lembrar aos altos escalões militares os custos envolvidos na aventura golpista de Bolsonaro. Hoje, a soberania está em alta no país, permitindo que em seu nome se juntem brasileiros de diferentes afinidades políticas, isolando a direita radical aliada do trumpismo. Mas, se a derrocada da democracia é o alvo dos extremistas de várias nacionalidades, sua defesa poderá demandar, em algum momento, o apoio e pressão de aliados externos. Água de Chuva No Mar Beth Carvalho O meu coração hoje tem paz Decepção ficou pra trás Eu encontrei um grande amor Felicidade, enfim, chegou Como o brilho do luar Em sintonia com o mar Nessa viagem de esplendor Meu sonho se realizou A gente se fala no olhar (no olhar) É água de chuva no mar (no mar) Caminha pro mesmo lugar Sem pressa, sem medo de errar É tão bonito, é tão bonito o nosso amor A gente tem tanto querer (querer) Faz até a terra tremer (tremer) A luz que reluz meu viver O Sol do meu amanhecer é você Composição: Wanderley Monteiro / Carlos Caetano / Gerson Gomes.

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