sábado, 2 de julho de 2022

SOPRO DE LIBERDADE

Como votar A ‘política’, no Brasil, é o campo aberto à criação de novas elites e de milionários… Roberto DaMatta, O Estado de S.Paulo ***
*** Quando fui votar pela primeira vez, perguntei a meu pai em quem ele ia votar. A resposta foi curta e grossa: “O voto, meu filho, é secreto!”. Não perguntei mais, mas guardei a lição que papai me liberava de ser “filho obediente” quando se tratava de política e escolha eleitoral. No papel de “eleitor”, eu era livre e teria que exercer essa liberdade sem sua ajuda. Tal atitude contrastava com a de alguns amigos, que votavam em conjunto, seguindo o pai e suas simpatias políticas que, naqueles tempos, eram, como ainda são, muito idealizadas, pois os eleitos devidamente empossados cometem todo tipo de traição às promessas feitas quando eram candidatos e estavam em campanha. Uma disputa até hoje vista no Brasil como um combate no terreno do “vale-tudo”. É parte do nosso “realismo político” que “politicar” não é brincar. A “política”, no Brasil, é o campo aberto à criação de novas elites e de milionários… Urna eletrônica O primeiro turno das eleições de 2022 ocorrerá no dia 2 de outubro com um eventual segundo turno programado para o dia 30 do mesmo mês. Foto: Antonio Augusto/TSE Conforme eu tenho chamado atenção, no Brasil não é o cargo público que dirige o eleito, muito pelo contrário: é o eleito que “toma posse” do cargo, usando-o como um instrumento de seus interesses pessoais, que podem ou não coincidir com os ideais de um conjunto desconjuntado de partidos, muitos deles feitos para obter ganhos privados, jamais para promover valores públicos. Daí a raridade de candidatos fiéis aos papéis públicos que conquistaram pelo voto. Como o voto é obrigatório, vota-se – conforme diria o cientista político Guillermo O’Donnell – delegativamente em fulano ou sicrano e, em seguida, vamos aproveitar o “feriado”. O voto não é discutido como um elemento fundamental de representação do eleitor: de seus interesses e suas necessidades, mas era dado ou delegado como um presente ou em confiança ao candidato. Em um caso, há uma entrega que faculta a segmentação porque se o candidato tudo promete e, quando é “empossado”, ele vira invisível porque o sistema foi desenhado para dificultar inovações e sua operação superburocrática é feita para promover mediações. Em suma, mesmo quando o candidato eleito quer cumprir o que prometeu, as instâncias de mudança são muito complexas. Hoje, velho, eu sei que as marcas registradas da espécie humana são a incompletude e a transitoriedade. E, justo por isso, os hábitos têm força. No Brasil, a força da tradição afirma que, da porta de casa para fora, quem deve “cuidar” é o “governo”. E o “governo” é feito justamente por esses eleitos nos quais votamos que, empossados, se divorciam de nós. Roberto DaMatta: ‘precisamos pensar melhor o voto. E as instituições’ Por Luiz Claudio Latgé | aseguirniteroi@gmail.com Atualizado 3 de novembro de 2021 No aniversário do “A Seguir: Niterói”, o antropólogo fala sobre a pandemia, o futuro e Niterói: ‘quando eu vejo Icaraí, a praia ainda é deslumbrante’ ***
*** Roberto DaMatta: 'precisamos pensar melhor o voto. E as instituições' Roberto da Matta em seu escritório, em casa: o mundo cabe em Niterói. Foto: Acervo pessoal *** O antropólogo Roberto DaMatta viveu entre os índios Gaviões e Apinayé, na Amazônia, morou nos Estados Unidos, passou temporadas na Europa, trabalhou a vida toda no Rio, mas mantém seu endereço fixo na cidade em que nasceu, em 1936: Niterói. Em artigo recente publicado no jornal O Globo, ele falou sobre o ator Paulo Gustavo, convencido de que só poderia ter surgido em Niterói, cidade a que se refere como aldeia. Na aldeia de DaMatta, aparece a forte relação com a paisagem, bicicletas, mulheres bonitas, a praia, cinemas e um sentimento de pertencimento. Não que seja um paraíso perdido, isolado de todo o Brasil, não: vê na cidade problemas parecidos com os do Rio, que perdeu o encanto e toda a maravilha. Para ele, o Rio resiste na melhor vista que se pode ter da cidade, a vista de Niterói. Ao completar um ano de existência, o A Seguir: Niterói apresenta, nas próximas semanas, uma série de entrevistas com personalidades que vivem e pensam a cidade como um lugar de desafios, conflitos, afetos, encontros e realizações, o território da vida em sociedade. O antropólogo Roberto DaMatta é um pensador singular, autor de vasta obra dedicada a estudar o Brasil e o brasileiro. Uma sociedade fundada sob valores da aristocracia, que perpetua o compadrio e leva ao extremo o exercício da máxima “sabe com quem esta falando?”, tema recorrente da sua obra. DaMatta escreveu sobre a cultura, o carnaval, o jogo do bicho, a opressão da mulher, o patrimonialismo, a violência no trânsito… Nos momentos de folga, entre as aulas na PUC, artigos para o Globo e para o Estadão, livros e conferências, DaMatta gosta mesmo é de sentar no Seu Antônio e passar a tarde com os amigos. Quer dizer, gostava. Na pandemia, se protege em casa, num condomínio da Região Oceânica. Mas a janela mira o mundo. E o restaurante Seu Antônio tem delivery. A entrevista começa antes da primeira pergunta, quando comento o artigo em que falava de Paulo Gustavo e sua relação com Niterói. No Globo, ele dizia que era fruto da aldeia, que só as peculiaridades de Niterói poderiam explicar a forma como se apresentava. De certa modo, o mesmo que Caetano Veloso enxergou quando se referiu a ele como “este talento que Niterói nos deu”. A conversa será sempre entremeada por recordações da cidade. ROBERTO DA MATTA: Esse humor do Paulo Gustavo só podia mesmo ter nascido em Niterói. Ele se movia pela cidade, com naturalidade, na aldeia. Era gay, sem nunca ter levantado bandeira. Ele simplesmente fez a prática. Ele era incontrolável, imprevisível, não tinha script para ele. Eu vi aquela “peça da mãe”, logo que começou, levado pelo meu irmão, que conhecia Dona Déa Lúcia. O Paulo Gustavo traz à tona os relacionamentos complicados que temos com a nossa mãe, o autoritarismo brasileiro, que começa dentro de casa. Ele expôs as relações da família. As expectativas da família em relação a você, que lança nas costas do brasileiro uma tonelada de obrigações. E você tem que reproduzir isso, porque tem todo o peso da autoridade do seu pai, do seu avô, da família. (Agora, sim, a entrevista) A Seguir: Niterói: O senhor sempre teve um atividade intensa e agora com a pandemia está preso em casa. Como está sendo este período? ROBERTO DAMATTA: Vou dizer uma coisa, com sinceridade, eu fui me tornando muito sedentário. Para mim a diferença foi pequena. É claro que você deixa de ir aos lugares que gosta, perde o contato com os amigos. Eu viajei muito. Fui conhecer os índios Gaviões, na Amazônia, que quase não tinham contato com a civilização. Fui estudar em Harvard, morei fora. Trabalhei a vida toda no Museu Nacional, no Rio… Mas sempre vivi muito a cidade. A praia, os cinemas, o Petit Paris (casa noturna de Icaraí, que fez sucesso nos anos dos anos 50 aos 70 e foi palco da MPD). Depois, a minha movimentação foi se restringindo. Eu ia todo dia para o Museu Nacional, que pegou fogo… Ainda dou aula na PUC, toda quinta-feira, mas hoje é pela internet. Fico mais em casa, prestando atenção nos netos. E com muito cuidado com a pandemia. Minha secretária e o marido tiveram Covid, ficaram muito mal, mas sobreviveram. Aqui no condomínio se estabeleceu uma discussão num grupo de vizinhos sobre a vacina, se deveriam tomar ou não, porque uma vizinha era comunista, a outra teve medo de virar jacaré. É inacreditável como uma pessoa com algum estudo pode pensar assim… Parece que ninguém lê mais. Nem precisa ler muito… Já tomou a vacina? – Já tomei a vacina. As pessoas precisam se dar conta que a população envelheceu, tem muita gente que tem este perfil. Papai morreu aos 82. Mamãe morreu aos 85. Mas ela tocava piano, isso faz a pessoa mais longeva. Niterói é um exemplo, as pessoas vão viver mais. Há recursos para isto, é preciso ter cuidado. As aulas continuam pela internet? – Gosto muito de dar aula. Agora estou dando um curso de pós graduação na PUC, “Rotinas e rituais”. Pela internet. Faço muita coisa pela internet. Vou a lugares incríveis, vou a festas maravilhosas, mulheres lindas. Tudo pela internet. Para um cara que nasceu em 1936 e teve que subir no alto de um prédio para ver uma mulher pelada… É incrível. E nem preciso sair correndo do prédio, porque o pai dela me apontou uma arma… Então está tudo bem mais seguro pela internet Voltamos ao começo, a juventude em Niterói. Como surgiu a antropologia na sua vida? – Eu estudei na Faculdade de Filosofia, ali em São Domingos. Foi ali que conheci minha mulher. Diziam que era curso para mulher. O primeiro impulso intelectual que eu tive era para ser escritor. Eu escrevia uns contos e levava para o Roberto Gonzaga, que era filho do dramaturgo Armando Gonzaga. Ele me orientou muito. Se você quer escrever, ele dizia, você tem que ler. E eu lia muito. Pensava: posso ser professor de história e continuar escrevendo. Entrei no Museu Nacional como estagiário. E ali conheci o professor Roberto Cardoso de Oliveira, que tinha trabalhado com o Darcy Ribeiro e dava um curso de antropologia. O que me ajudou muito foi falar inglês. Tinha aprendido nos filmes americanos com Nat King Cole e Frank Sinatra. O cinema auxiliava. E Niterói tinha todos aqueles cinemas. O cinema Icaraí, o Central, tinha o São Bento… (vamos ter que voltar a este ponto da trajetória depois, porque os cinemas devolvem a conversa para a cidade) … E tinha o Petit Paris. Foi ali que começou o Sérgio Mendes. A gente tinha a cidade inteira. Andava muito de bicicleta. Lembro da cidade cheia de bicicletas, e a gente ia à praia de bicicleta. Niterói é uma cidade plana, é uma aldeia, como estávamos falando… (agora, sim, voltamos ao Museu Nacional) … Eu estava estudando uma tribo indígena e as relações sociais na tribo e ele me convidou e, em 63, fui estudar em Harvard. Eu me saí bem. E os professores me chamaram para fazer o doutorado lá. Só voltei para o Brasil nos anos 70. E minha vida desde então foi o Museu Nacional. E Niterói? – Eu vivi Niterói num tempo em que a gente tomava banho na Praia de Icaraí, com a água transparente. Hoje a água não é tão limpa. Mas, quando eu vejo a praia de Icaraí, de longe ainda é deslumbrante. Já teve a chance de ir naquele hotel H? É uma das paisagens mais belas do Rio, a vista do Rio, de Niterói. Não tem mais a cidade Maravilhosa. Você anda no Centro do Rio e vê tudo abandonado… Não tem mais cidade Maravilhosa, só a vista que ainda temos daqui. A praia era muito viva. E todo mundo era bonito e não tinha barriga… Eu vivi a Niterói do Liceu Nilo Peçanha, do Petit Paris, da Gruta de Capri… Acabou a Gruta de Capri…? A Praia de Itaipu… Eu não vou mais à praia. Mas gosto ir no Noi e no Seu Antônio (do Bacalhau), porque chego lá, ou chegava, antes da pandemia, e já me conhecem, sabem o que quero comer. Agora vou ter que sair, porque a máquina de lavar quebrou e preciso comprar outra. Vou ao Plaza, na Fast. Mas toda vez que vou lá acabo comprando outra televisão. Porque elas são cada vez maiores e melhores. Sem cinema, eu tenho todos os filmes que gosto. Muitos filmes eu usei nas minhas aulas, comecei a fazer isso na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. O senhor estudou manifestações culturais na tentativa de desvendar a alma brasileira. Com a pandemia, a atividade cultural está parada. O Brasil fica mais triste? – A pergunta contém a resposta. As artes e as ciências não matam a fome de arroz e feijão, elas não são feitas para isso. O belo é o belo, dizia Emanuel Kant. O problema é maior do que a pandemia. Você tem uma elite que está governando o Brasil que é o pior populismo que existe. Porque é destrutivo, não leva a nada. Nesta área de cultura, se você não tem recursos nada funciona. Você tem que investir no palco, na orquestra, no teatro. E a pandemia ainda agrava mais isto, porque com tudo fechado não tem outra forma de financiar, não tem o ingresso que mantém para manter o espetáculo, não tem mais isto. E nós ficamos sem saída. Imagine se o Brasil entrasse em guerra? Ia ter discussão, superfaturamento, embargos, provocações e ainda iam comprar a munição errada…não ia ter bala. O problema é que não há nenhum projeto, o projeto é destruir tudo. A gente tem que pensar o voto, porque também não faz sentido achar que quem era culpado de todos os problemas agora seja a salvação. O problema é que o Brasil inverte tudo. É o país do compadrio, da malandragem. São séculos de domínio da aristocracia. O Brasil foi sede do Reino de Portugal e Algarves. A burocracia veio para cá. E a escravidão foi o primeiro negócio a prosperar no Brasil e a chance do comerciante mudar de classe. E o Geddel está solto. Foi a imagem mais imoral que eu já vi na vida, aquele apartamento com malas cheias de dinheiro, 50 milhões. E o Geddel está solto (Geddel Vieira Lima, ex-Deputado Federal do PMDB da Bahia, e ex-ministro, preso e condenado por corrupção, em 2017, e hoje em liberdade). O Brasil criou esta cultura de que é possível ser privado e público. Falei disso no livro “A casa e a rua”. Temos que pensar as instituições. E pensar a educação, que é o que pode transformar uma sociedade. Como vai ser a vida depois da pandemia? A vida mudou muito. Posso dar aula pela internet, fazer muita coisa sem sair de casa. Não preciso ir a banco. As cidades precisam ser repensadas. Os fluxos, a casa, o trabalho. Não é só aqui. Você vê o Centro do Rio. Toda aquela infraestrutura, o comércio, negócios, tudo abandonado. Como vão fazer para recuperar isso depois da pandemia? Niterói e o Brasil, com certeza, ainda renderiam algumas horas de conversa com o professor Roberto da Matta. Combinamos, então, que a conversa continua, depois da vacina, depois da pandemia, com um chopp no Antônio. Nada mais niteroiense. Combinado. COMPARTILHE Leia Também as sete vidas de alva - peça Estreias no teatro, campeonato de canoa havaiana e piquenique literário: os destaques deste fim de semana em Niterói Maré baixa Chuva dará trégua e Niterói terá, enfim, um fim de semana de sol Itacoatiara, uma das mais belas praias do país e atração em Niterói. Foto Prefeitura ‘Meu programa favorito’ em Niterói. O roteiro energizante da ambientalista e velejadora, Andrea Grael SOBRE A CIDADE FALE CONOSCO HOME NOTÍCIAS VIVA NITERÓI COLUNAS E BLOGS ESPECIAIS FOTOS TV NIKITY Facebook-f Instagram Twitter Youtube © 2022 – A Seguir Niterói. Todos os direitos reservados. Roberto DaMatta recebe o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras Antropólogo que investigou o "você sabe com quem está falando?" interpretou o Brasil a partir da cultura popular Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo 16/06/2022 16h20 Atualizado há 2 semanas ***
*** Roberto DaMatta recebe o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de LetrasO antropólogo Roberto DaMatta, que recebeu Prêmio Machado de Assis nesta quarta-feira (15) Roberto Moreyra *** Bem-humorado, o antropólogo Roberto DaMatta brinca que ganhar o Prêmio Machado de Assis prova que ele não é nenhum gênio. Se o fosse, teria sido laureado "ainda garoto", com cerca de 40 anos, e não "com 85 e indo para 86". Colaborador por anos do GLOBO, DaMatta não esconde a alegria por ter recebido, anteontem, o mais prestigioso prêmio concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), o Machado de Assis — que vem junto com R$ 100 mil. Imortal: José Paulo Cavalcanti Filho toma posse na ABL Imortal (2): Godofredo de Oliveira Neto é eleito para a cadeira 35 da ABL — Estou muito honrado. Receber o prêmio da Academia fundada por Machado de Assis é uma felicidade e coloca uma baita reponsabilidade nas minhas costas. Sou admirador e leitor de Machado. Usei muitos contos dele em minhas aulas na PUC-Rio e na Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos — afirma. Nascido em Niterói, DaMatta se notabilizou por seus ensaios de interpretação do Brasil. Interessado na cultura popular, o antropólogo escreveu sobre Carnaval, futebol, malandragem, sociedades indígenas e o tal "jeitinho brasileiro" em livros como "Um mundo dividido: a estrutura social dos Apinayé", "A casa & a rua" e "O que faz o brasil, Brasil?". "Você sabe com quem está falando?", seu livro mais famoso, reúne três ensaios sobre o autoritarismo brasileiro e investiga a "carteirada", hábito ancestral das elites para humilhar os subalternos e reafirmar os próprios privilégios. Francisco Bosco: 'As redes sociais operam por meio de uma agitação permanente do nosso narcisismo' A interpretação original de DaMatta foi recuperada durante a pandemia para explicar o comportamento de pessoas que tentavam driblar as restrições sanitárias com base no "você sabe com quem está falando?". O antropólogo recorda que suas reflexões sobre a cultura brasileira são fruto do choque que tomou ao voltar ao país após temporadas no exterior. — Esse livro é resultado do estranhamento que eu tive em relação ao Brasil após ter passado um tempo longe. Vivi em aldeias indígenas e fiquei muitos anos ligado à Universidade Harvard, nos EUA, onde fiz meu doutorado — conta. — Até então, o pensamento social brasileiro clássico interpretava o país "de dentro para fora". Eu fui o primeiro a interpretá-lo de uma perspectiva externa. No fim, o mundo ficou muito mais parecido com o Brasil e nós, brasileiros, descobrimos que nem lá fora há sociedade perfeita. Há apenas sociedades que tentam se corrigir. Prêmio literário mais antigo do país, o Machado de Assis é entregue, desde 1941, a escritores e intelectuais que se destacaram pelo conjunto da obra. Já foram homenageados autores como Gilberto Freyre, Fernando Sabino e Ruy Castro. Os vencedores são escolhidos pelos membros da ABL e o prêmio é patrocinado pela Light. — Roberto da Matta é um antropólogo reconhecido internacionalmente por tratar de questões basicamente brasileiras: Carnaval, as ruas, o jeitinho brasileiro, o "você sabe com quem está falando"? Ele compreendeu a alma brasileira como poucos porque conheceu a metrópole e a selva, tendo passado pela experiência de conviver com os indígenas — afirma Merval Pereira, presidente da ABL e colunista do GLOBO. https://oglobo.globo.com/cultura/livros/noticia/2022/06/roberto-damatta-recebe-o-premio-machado-de-assis-da-academia-brasileira-de-letras.ghtml **************************************************************** *** Um Sopro de Liberdade - Filme 98 visualizações 25 de set. de 2017 Filme sobre a Revolução Pernambucana de 1817 produzido pelo 7Cine e pela Escola Municipal Gal. Emídio Dantas Barreto. https://www.youtube.com/watch?v=uIQjYJKSrrM *************************************************** Eu tenho um sopro Segurança de mandato ******************************* domingo, 3 de julho de 2022 ***
*** Entrevista | José Murilo de Carvalho:‘Tenentismo levou ao generalismo dos anos 60’ Pesquisador aponta que jovens oficiais que queriam reformar a República passaram mais tarde ao campo conservador e apoiaram golpes em 45, 54 e 64 Por Wilson Tosta / O Estado de S. Paulo RIO – O tempo e os expurgos domaram o ímpeto reformista dos tenentes dos anos 1920 e os levaram ao campo conservador, aponta o historiador José Murilo de Carvalho, no aniversário de cem anos do dramático massacre dos 18 do Forte, marco inicial do tenentismo. Adesões à esquerda e à direita e expulsões causadas por mais de 80 revoltas afastaram muitos jovens oficiais da corrente reformadora, aponta. Quem daquela corrente ficou na vida militar ativa aderiu ao projeto do general Pedro Aurélio de Góes Monteiro – repressor dos oficiais reformistas em 1924 e chefe da Revolução de 1930 – de fazer do Exército um ator político. “A maioria dos tenentes enquadrou-se e passou a fazer parte do establishment militar”, explica. Segundo ele, muitos desses oficiais “foram escalando a hierarquia militar” e passaram a atuar no campo conservador. “Vários deles estiveram presentes nos golpes de 1945, 1954, 1961, 1964.” José Murilo lembra que o presidente Arthur da Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar e um ex-tenente dos anos 20, ligava explicitamente o golpe de 1964 a 1922. Expoente da “linha dura”, Costa e Silva foi contra devolver o poder aos civis após a derrubada do presidente João Goulart – em 1968, assinou o Ato Institucional Número 5. Como ele, outros ex-tenentes apoiaram o movimento civil-militar que destruiu a República populista e implodiu o regime democrático pós-1945 no Brasil. “O tenentismo fez um logo percurso cujo ponto final foi o “generalismo” dos anos 60, incluindo o golpe de 1964 que teve o apoio de vários deles”, diz ele. A seguir, a entrevista de José Murilo ao Estadão. Os oficiais que lideraram o tenentismo eram um grupo relativamente pequeno de jovens militares, que se voltaram contra o sistema político dominante há um século. O que explica que tenham tido tanta influência no Brasil, nos anos seguintes à Revolta de 22? Como reconheceu Góes Monteiro, os “tenentes” da década de 1920 incluíam capitães para baixo. Foram derrotados em 1922 e em 1924. Centenas foram expulsos da corporação, mas pegaram carona na revolta de 1930, cujo chefe militar era o próprio Góes que os combatera em 1924. Muitos voltaram à corporação, onde de início eram chamados de melancias, verdes por fora, vermelhos por dentro. Permaneceram atuantes até o golpe de 1964 que apoiaram. O que diferenciava aquele grupo de tenentes e capitães que participaram da Revolta de 1922 de seus antecedentes que derrubaram o Império, mais de 30 anos antes? Os “tenentes” de 1889 formavam um grupo de sonhadores enfeitiçados pela doutrina positivista que lhes era ensinada pelo tenente-coronel Benjamin Constant. Passadas as turbulências da década de 1890, causadas pela Revolta da Armada, pela Revolta Federalista e pela guerra de Canudos, um delírio do fanatismo dos tenentes endossado por Floriano Peixoto. Campos Sales organizou as oligarquias estaduais e restabeleceu a hegemonia civil num pacto que durou três décadas. Qual foi a relação, se é que existiu, entre o movimento militar que derrubou o Império, a República da Espada, com Deodoro e Floriano, o militarismo político de Hermes da Fonseca e o tenentismo dos anos 20 e 30? A única relação era familiar: Hermes era sobrinho de Deodoro. Ele não era militarista, como Rui Barbosa tentou pintá-lo – fake-news... Em política, era pau mandado de Pinheiro Machado. Mas, no que se refere ao Exército, adotou política de modernização e profissionalização da corporação mandando oficiais estagiarem no Exército alemão. Em quais aspectos desses eventos podemos identificar uma continuidade, se é que ela existiu? O tenentismo fez um logo percurso cujo ponto final foi o “generalismo” dos anos 1960, incluindo o golpe de 1964 que teve o apoio de vários deles. Entre as lideranças golpistas estavam Juarez Távora, Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias, Juraci Magalhães, Nelson de Melo, os dois Etchegoyen, João Alberto, para citar alguns. Sobretudo, estava Costa e Silva, líder da linha dura, que se opôs a devolver o governo aos civis após a derrubada de Goulart. Ele chegou a ligar explicitamente 1964 a 1922. Os tenentes, então generais, opunham-se ao trabalhismo de Vargas e tinham aderido ao anticomunismo incentivado pela Guerra Fria. Há quem identifique a ascensão dos tenentes com a emergência das classes médias urbanas no Brasil. O senhor concorda? As revoltas tenentistas dos anos 1920 foram exclusivamente militares. O que se pode alegar é que o arranjo oligárquico estava fazendo água, sobretudo nas cidades. Arthur Bernardes, eleito em 1922, teve que tomar posse com apoio da Polícia Militar de Minas e governou boa parte do tempo sob estado de sítio. Em termos de imagem pública, havia admiração pela coragem dos jovens que lutaram até a morte na areia de Copacabana e dos que compuseram a Coluna Miguel Costa-Prestes que girou pelo País sem ser derrotada. Relatos sobre a Revolta de 22 transcrevem declarações que mostram um certo messianismo dos oficiais que participaram do levante. Enquanto iam para o confronto suicida com as tropas do governo, em Copacabana, os militares diziam que se dirigiam para a morte, que precisavam resgatar a honra da farda etc. O que explica essa disposição? Não diria messianismo. Boa parte da reação dos tenentes teve a ver com a ideia de honra – dizia-se pundonor – que faz parte do ethos militar de qualquer exército. No exército alemão, resolviam-se questões de honra pelo duelo. Morria tanto oficial que tiveram que proibir a prática. Em 1922, houve enorme agitação entre jovens oficiais contra uma carta atribuída falsamente a Artur Bernardes na qual o autor se referia ao marechal Hermes como um “sargentão sem compostura” e mandava comprá-lo com todos os seus galões. O reformismo pregado por Juarez Távora misturou-se ao revanchismo contra Artur Bernardes, representante da república oligárquica. Esse messianismo continuou com os militares ao longo da República? O ímpeto dos tenentes de reformar a República oligárquica continuou por um tempo em união com civis no Clube e 3 de Outubro. Mas o Clube logo perdeu força, muitos tenentes foram sendo promovidos, uns aderiram à Ação Integralista Brasileira, outros à Aliança Nacional Libertadora. Os que ficaram foram aderindo ao projeto de Góes Monteiro de fazer do Exército um ator político relevante, se não hegemônico, e foram escalando a hierarquia militar passando a atuar no campo conservador. Vários deles estiveram presentes nos golpes de 1945, 1954, 1961, 1964. Em quais outros episódios esse messianismo ou sentido de missão se manifestou, na atuação dos tenentes? Esse sentimento ainda está presente nos militares brasileiros de hoje? Entre 1930 e 1939, houve 88 manifestações de militares, incluindo generais, tenentes e praças. Os sargentos lideraram várias delas. Como consequência, houve grandes expurgos de alto a baixo da hierarquia, facilitando a tarefa reformista de Góis. A maioria dos tenentes enquadrou-se e passou a fazer parte do establishment militar. Uns poucos mantiveram a postura reformista, se não revolucionária, nas revoltas de 1935, de cunho comunista, da Aliança Nacional Libertadora, ANL, e de 1938, fascista, Ação Integralista Brasileira. Foram derrotados. Não vejo messianismo no comportamento dos tenentes. Há hoje no Exército um senso de tutela sobre a República que proclamou no golpe de 1889, sem participação popular e contra a posição da Armada. Quais foram as consequências políticas da Revolta de 1922? Foi indício e fator de agravamento da crise da Primeira República, dominada pelas oligarquias estaduais. A década apresentou vários outros sintomas de malaise, como a Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista, ambos em 1922, o uso do Estado de Sitio. O arranjo oligárquico fazia água. O movimento de 1930 foi liderado por dois estados importantes que venceram usando suas polícias militares. A República era um fruto maduro, como o era o Império em 1889. Há quem diga que o Império só foi encerrado pela eclosão do tenentismo, que atingiu em cheio a política da Primeira República, que guardaria elementos oligárquicos remanescentes do regime imperial. O senhor concorda? Não concordo. O Império caiu por esgotamento do sistema do Poder Moderador que não servia mais às oligarquias agrárias. Se a República não fosse proclamada por golpe militar, ela o seria por uma Constituinte, como queriam os republicanos civis. O golpe adiou por alguns anos (até Campos Sales) a consolidação do novo regime. O Exército, avesso aos políticos, não tinha força para sustentar um governo só com base militar. Podemos dizer que a República brasileira nasceu tardiamente, em 1922, em Copacabana? A República brasileira ainda está por nascer, se vai nascer algum dia.

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