sexta-feira, 15 de julho de 2022

O Que Será

*** sexta-feira, 15 de julho de 2022 Fernando Luiz Abrucio*: Bolsonaro quer a rota venezuelana Valor Econômico / Eu & Fim de Semana Quem acredita que as instituições resolverão por inércia a situação política não entendeu o momento do país. Qual é o projeto estratégico e de longo prazo do bolsonarismo? Responder a essa pergunta é decisivo para entender o sentido das próximas eleições. O caminho almejado por Bolsonaro é muito similar ao traçado na Venezuela chavista. É uma rota de destruição paulatina das instituições democráticas, substituindo-as por um modelo concomitantemente autocrático e populista, que reduz o controle independente sobre os governantes e mobiliza constantemente setores populares, inclusive por meio da violência, em apoio ao líder máximo. Não é possível saber se essa ideia vai vingar no Brasil, mas o atual presidente tentará, com todas as suas forças, alcançar esse objetivo. À primeira vista, trata-se de uma grande ironia da história. Nas eleições de 2018 o bolsonarismo não cansou de dizer que o PT queria que o Brasil se transformasse na Venezuela. Aproveitava-se do fato de que os governos petistas tinham se imiscuído demais na política interna venezuelana, o que foi um erro enorme de política externa. Mas, observando mais atentamente a trajetória de Bolsonaro, desde aquela época já se percebia que ele tinha mais similaridades com Chávez do que qualquer outra liderança política. Ambos têm origem militar e praticamente foram expulsos da instituição por seu personalismo golpista. Ideologicamente seguem um populismo autoritário no qual não há espaço para partidos nem para uma sociedade civil independente. Quando chegou ao governo, Bolsonaro aumentou ainda mais as similaridades em sua luta contra a Justiça e a imprensa, na campanha pelo armamento de seus aliados na sociedade e na política externa maniqueísta e isolacionista. Por fim, e mais importante: os dois optaram não pelo golpe clássico de Estado, mas sim por usar a democracia para jogar o povo contra as instituições - Chávez por meio de plebiscitos e Bolsonaro usando as redes sociais para insuflar uma revolta contra o sistema. Evidentemente que haverá também dissonâncias entre essas duas figuras políticas, principalmente por conta da diferença de contextos. Bolsonaro tem uma ditadura militar prévia como base de suas ideias, ao passo que o chavismo criou o seu próprio modelo autocrático num país que tinha ficado imune da onda de regimes autoritários que assolaram a região entre as décadas de 1960 e 1980. Outras diferenças entre Brasil e Venezuela poderiam ser citadas, porém, o fato marcante é que ambos os líderes escolheram uma estratégia política similar de construir uma autocracia pela destruição e, ressalte-se, desmoralização paulatina do jogo democrático. Embora admire muito Viktor Orbán, governante da Hungria, além de reverenciar Trump e Putin, o caminho bolsonarista é muito mais parecido com o do chavismo, por causa de peculiaridades sul-americanas e pelo perfil militar de seu líder. Assim, é possível listar cinco passos estratégicos desse modelo político. O primeiro é o de construir o poder político com base numa lógica da violência. Há dois pilares aqui, o oficial e o informal, de modo a criar uma unidade (artificial) entre o Estado e o povo. No primeiro pilar está a conquista do apoio das Forças Armadas, tornando-as cúmplices do projeto, mas não comandantes dele, diferentemente do que ocorrera no Brasil no regime fundado em 1964. Para conseguir isso, usa as benesses dos cargos e recursos públicos, o aumento do prestígio público - isso explica em boa medida a escolha do candidato a vice na chapa bolsonarista - e a criação ou reforço de um inimigo comum - no caso brasileiro, os “comunistas”, imaginariamente identificados como o PT. Bolsonaro e Chávez buscaram cooptar os militares para dizer que as armas são o árbitro final do conflito político, e não juízes ou qualquer ator civil. A lógica da violência também está presente na campanha pelo armamento da população civil. Embora o discurso bolsonarista diga que todo cidadão pode e deve ter sua arma, o foco é o mesmo da Venezuela de Chávez: aumentar o poderio bélico de indivíduos (lobos solitários) e milícias favoráveis ao grande líder - ou mito. Neste caso, trata-se não só de somar o poderio estatal com o de grupos civis, mas também uma forma de seguro contra uma possível traição dos militares. O pensamento populista autoritário não confia completamente no Estado e precisa de seguidores extremistas e fanáticos para pressionar o poder formal. O incentivo à ação direta e violenta de civis contra os inimigos é algo que Bolsonaro faz desde o início do seu mandato - como Chávez também o fizera. Neste sentido, os atentados políticos, como o de Foz de Iguaçu, uma tragédia terrível, não é a consequência mais grave. O pior pode vir não com lobos solitários, mas com milícias organizadas que sigam as ordens do líder máximo. Tais grupos provavelmente terão em suas camisas uma imagem do presidente fazendo a arminha com a mão. A rota venezuelana vai além da lógica da violência e tem como segundo passo estratégico o enfraquecimento e a desmoralização dos controles democráticos dos governantes. Bolsonaro já conseguiu dominar completamente ou em boa medida algumas das instituições de fiscalização, como o Ministério Público Federal. Ainda não chegamos ao modelo autocrático chavista que hoje vigora sob a regência do presidente Maduro. Isso se deve principalmente a dois obstáculos: o controle judicial e o social. No primeiro caso, a grande barreira à expansão do poder autocrático bolsonarista são o STF e o TSE. Não por acaso, o presidente brasileiro semanalmente mobiliza seu eleitorado pelas redes sociais contra os ministros da Suprema Corte. O objetivo é emparedá-los, para que não tomem nenhuma decisão que possa atrapalhar a reeleição ou adotem um comportamento neutro frente ao resultado eleitoral. Se houver reação dos juízes, há a ameaça de ações dos bolsonaristas ou das Forças Armadas contra o sistema eleitoral. Mesmo que não ocorra efetivamente, essa espada estará sobre a cabeça da cúpula do Judiciário brasileiro nos próximos meses. Se conseguir vencer ou dar um golpe contra o sistema eleitoral, Bolsonaro vai repetir o modelo chavista: irá mudar o perfil majoritário dos ministros da Suprema Corte. Para construir um modelo autocrático populista, é preciso que não haja uma maioria de juízes independentes. Caso seja necessário, será mudado inclusive o tamanho do STF para gerar uma nova maioria. O outro controle que é um obstáculo ao projeto estratégico do bolsonarismo é a sociedade civil independente. Tal como Chávez, desde o início do mandato há uma guerra aberta entre Bolsonaro e a imprensa. Para enfrentar isso, em parte apostou-se nas redes sociais, mas houve também uma cooptação, maior ou menor, de parte dos órgãos de comunicação. De todo modo, uma parcela importante da mídia não se curvou, e talvez a saída seja, pela ótica bolsonarista, formas mais severas de intervenção, que sempre aparecem como ameaças em discursos do próprio presidente da República. Além disso, há várias outras organizações sociais que são a maior barreira ao projeto autoritário populista, algumas inclusive com forte conexão internacional. Qualquer ação mais violenta nesse campo poderá gerar um enorme isolamento do país, com fortes impactos econômicos. Dois outros passos estratégicos para a adoção do modelo chavista são criar uma nova Constituição e obter algum apoio externo para viabilizar a rota venezuelana. A revisão constitucional já aparece nas discussões dos grupos bolsonaristas do Telegram e de forma sub-reptícia nos próprios discursos do presidente. Afinal, o grande inimigo institucional do atual governo é o pacto social-democrata representado pela Constituição de 1988, que busca evitar a concentração de poderes. Já o front externo é uma enorme preocupação dessa via populista autoritária, pois com certeza haverá pressões contra um golpe institucional no Brasil vindas da Europa e especialmente dos EUA, porque seria uma enorme derrota para a política externa americana ter uma segunda Venezuela no continente. Antecipando-se a isso, e percebendo uma possível mudança geopolítica no mundo, Bolsonaro já escolheu seu protetor: a Rússia de Putin. Já se ensaiam, inclusive, alguns discursos de cunho antiamericano. Mas o passo decisivo é o de manter o poder presidencial a qualquer custo, usando os ensinamentos de Chávez. Há várias ações possíveis aqui: multiplicar o populismo eleitoral de maneira nunca vista, gerar uma enorme balbúrdia nas eleições (inclusive com atentados) e, no limite, usar algum tipo de golpismo para evitar a vitória da oposição. Bolsonaro não seguirá os manuais democráticos, e embora ele possa fracassar em suas ações, uma coisa precisa ser dita: o bolsonarismo só perde o controle do poder se houver um contra-ataque democrático. O projeto de venezuelização do Brasil não são favas contadas. Ao contrário, muita coisa pode ser feita para evitá-lo, unindo partidos, juízes, militares, líderes da sociedade civil, a mídia, a comunidade internacional e o eleitorado mais pobre do país contra esse projeto autoritário populista de Bolsonaro. Contudo, é preciso mobilização desde já contra o golpismo, pois quem acredita que as instituições resolverão por inércia a situação política não entendeu o momento do país. Afinal, o que vem por aí será pior do que o atentado político de Foz do Iguaçu. *Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas. *************************
*** sexta-feira, 15 de julho de 2022 José de Souza Martins*: A vitória do industrialismo Valor Econômico / Eu & Fim de Semana São Paulo perdeu militarmente a Revolução de 1932, mas ganhou os rumos transformadores e modernizadores que sua situação econômica e social continha Na Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932, combatida pelo Exército, São Paulo acabou derrotado militarmente. Mas os fatos a ela paralelos mostraram que São Paulo perdeu a revolução, mas ganhou os rumos transformadores, modernizadores e industrialistas que sua situação econômica e social continha, a indústria desbloqueada como fundamento de um novo Brasil. Aquilo que Roberto Simonsen preconizava: o passo definitivo da história brasileira que a libertasse da sucessão de ciclos: o da cana-de-açúcar, o do ouro, o do café, para ser o da economia abrangente e superadora de ciclos, o da indústria. É uma pena que os industriais brasileiros tenham uma consciência superficial do seu protagonismo e de sua responsabilidade históricos e da importância criativa da diferenciação social própria da sociedade de classes, que nasce da industrialização. Aqui, começara ela a emergir politicamente na greve geral de 1917. Ganhara sua expressão cultural na Semana de Arte Moderna, de 1922, porque o modernismo teve precedência na fábrica. Começara a ganhar sua expressão política na Revolução de Outubro de 1930, cuja essência bloqueada foi revelada na Revolução Constitucionalista de 1932. Fernando Henrique Cardoso, num ensaio sociológico de 1977, chamou a atenção para a anomalia de que, diversamente do que ocorrera em outros países latino-americanos, a sociedade brasileira não fez uma revolução política em 1822. Foi o próprio Estado, na pessoa do príncipe regente, que fez a Independência e se tornou criador de uma sociedade civil que, podemos dizer, do Estado depende. Não é estranho que, desde a República, os militares, sobretudo do Exército, presumam-se senhores de um mandato messiânico, como neste atual período governamental, para enquadrar a sociedade na ideologia de quartel própria do que o sociólogo canadense Erving Goffman define como instituições totais. O que é expressão do crônico vazio de protagonismo civil do Estado brasileiro, o da precariedade da sociedade civil. Nessa perspectiva histórica, nossa Constituição de 1988 é a mais completa manifestação do lento processo de definição do Brasil social e politicamente moderno e, finalmente, da precedência da sociedade civil em relação ao Estado, que é dela necessária mediação. É assim que a Revolução de 1932 só se cumprirá em 1988, que pôs as coisas democraticamente no devido lugar. Mesmo contra o que os revolucionários achavam ter sido a revolução que fizeram. A Constituição tornou-se instrumento de soberania da sociedade civil. O governo provisório de Getúlio (1930-1934) em seus quadros tinha paulistas como José Maria Whitaker, banqueiro e comerciante de café. Foi seu ministro da Fazenda. A decisão de queimar os estoques acumulados de café, por falta de mercados em decorrência da crise econômica internacional, de 1929, revolucionou a economia brasileira. Foi ela uma política econômica keynesiana antes de John Maynard Keynes, cuja “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda” foi publicada em 1936. O relatório em que Whitaker explica a decisão e os propósitos da queima do café é de 1933. O objetivo era, com a queima dos estoques, assegurar a colheita pendente, pagá-la, injetar dinheiro por meio da manutenção dos salários e manter o fluxo de renda e a economia em funcionamento. Com isso, animou a indústria já instalada, que não era o propósito, que operava com capacidade ociosa, como relatórios americanos dos 1920 mostraram. Graças ao capital social representado pelo talento empresarial acumulado em silêncio desde o fim da escravatura. A Revolução de 1932 ocorreu nesse momento em que a economia brasileira passava por sua própria e inesperada revolução em decorrência de uma decisão de política econômica de um banqueiro ligado ao agronegócio. Os industriais, como Roberto Simonsen, que se separaram da Associação Comercial, em 1928, e criaram o Centro das Indústrias, que apoiaram a Revolução Constitucionalista e nela se envolveram, perceberam que a crise e o fim da República Velha abrira o caminho para a modernização tanto da economia, quanto da sociedade, quanto da política. Getúlio também se deu conta de que o desafio da Revolução de Outubro era o de reconhecer as possibilidades modernizadoras e socialmente transformadoras abertas pelas causas inesperadas da economia em crise. Imediatamente após a derrota da revolução paulista, Getúlio aproximou-se dos paulistas, Roberto Simonsen tornou-se seu interlocutor e se tornou um pensador do nacional-desenvolvimentismo. Ao animar o desenvolvimento industrial, com a política de Whitaker, Getúlio deu sentido à Revolução de 1930, o que fez da derrota paulista em 1932 uma vitória. *José de Souza Martins foi professor titular de sociologia na Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Sociologia do desconhecimento Ensaios sobre a incerteza do instante" (Editora Unesp, 2021) ********************************************************************** *** Projeto Memória resgata história do ex-vereador Lindolfo Hill 33 visualizações 15 de jul. de 2022 Neste episódio, conversamos com Alexandre Hill, sobrinho neto do ex-vereador Lindolfo Hill, e autor do livro, “LINDOLFO HILL – UM OUTRO OLHAR PARA A ESQUERDA” A Câmara Municipal de Juiz de Fora, em cumprimento à Instrução Normativa SG-PR Nº 01, de 11 de abril de 2018, a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, vai manter desativado o campo de comentário no Youtube. Mensagens diretas por inbox estão mantidas, o que deve permanecer em todo o período eleitoral. https://www.youtube.com/watch?v=UOb5DcNTvFQ *************************************************** *** Milton Nascimento & Chico Buarque: O Que Será A Flor da Pele *****************************************************************
*** Qual a diferença entre tática e estratégia? *** Prudência e urgência (razões de tática e estratégia políticas) Paulo Fábio Dantas Neto - Março 2020 Pouco mais de um ano de governo Bolsonaro e tornou-se um bordão, aceito em amplos ambientes, a ideia de que os democratas brasileiros precisam se articular e se entender para derrotar a estratégia de enfraquecimento da democracia representativa, levada a cabo pelo Presidente da República. Situação limite essa, pois caberia, a quem ocupa esse posto, ser justamente o mais poderoso e eficaz defensor do regime e da Constituição, graças aos quais chegou aonde está. Os fatos, porém, já não deixam dúvida de que temos um presidente subversivo da lei e da ordem. Esse ponto é tacitamente reconhecido, seja por quem aplaude, seja por quem abomina a sua conduta golpista. Quem aplaude admite lhe dar ainda mais poderes para, supostamente, mandar os políticos embora. Quem abomina busca a melhor maneira de atalhar esse seu caminho. No campo bolsonarista, eventuais dúvidas táticas sobre como levar ao sucesso a sua estratégia golpista resolvem-se com ordens do dia de um capitão que se tornou especialista em constranger generais. A ordem em vigor, no momento, convoca abertamente, para o próximo domingo, 15/03, uma manifestação de rua, fisicamente próxima à Praça do Três Poderes, para aclamar o presidente e contestar as autoridades ocupantes dos dois outros poderes da República. A essa altura, a sociedade, apreensiva, já se pergunta, com razão, o que farão a Polícia Militar e as Forças Armadas se algum dos dois poderes postos na berlinda solicitar, legitimamente, sua proteção, em caso dessa manifestação sair dos limites razoáveis e degenerar em agressão direta como, aqui e ali, há muito tempo se ensaia. Augusto Heleno esteve só, em sua provocação golpista? Poderia ser devidamente “enquadrado”, por seus interlocutores na ativa, depois daquelas declarações? Autoridades militares responsáveis e comprometidas com a democracia terão força para não deixar que o ovo da serpente alimente os apetites e contamine a corrente sanguínea de seus pares e comandados? Essas perguntas não calam porque nenhuma pessoa sensata, que observe com atenção a cena política atual, ignora que as cúpulas dessas corporações já podem estar sofrendo uma dupla pressão nas bases que, por hierarquia profissional, comandam. Refiro-me à disseminação, pelo aparelho de doutrinação bolsonarista, em estratos mais baixos da oficialidade das forças armadas, de uma nostálgica ideologia golpista e salvacionista que a derrota do regime autoritário na transição democrática dos anos de 1980, seguida de três décadas de democracia, puseram em desuso naquele ambiente. Em que grau essa subversão de valores democráticos já avançou recentemente na corporação é algo que só pode ser sabido por quem detém informações privilegiadas. Mas o processo preocupa, assim como deve preocupar também a pressão corporativa que pode emanar, em grau crescente, ainda mais embaixo, diante de uma eventual indisposição, por dever constitucional, de comandantes militares com um presidente subversivo. Sim, pois esse presidente e seus filhos propagam um discurso demagógico que acena às tropas com vantagens materiais e, no caso de policiais transgressores da lei, também com uma odiosa impunidade. Já nas instituições civis e no campo político heterogêneo que se opõe a essa aventura, parece ainda estar longe o momento em que uma estratégia comum será pactuada. Ela convém, entre outras razões, para tornar consequente a tática de evitar o confronto, que tem sido intuitivamente adotada por todos, por cálculo político racional e/ou por receio de retrocesso institucional. Paciência e moderação têm sido as contraordens que até aqui interditaram o caminho, democraticamente justificável, de um processo de impeachment, para o qual o presidente já forneceu vários motivos, cometendo sucessivos crimes de responsabilidade. O bom senso já nos sugere supor que esses crimes estão sendo cometidos deliberadamente, como um risco calculado, para antecipar um confronto político, num momento em que se sabe ainda não existir, no Congresso, maioria qualificada para impedir o presidente. E ela não existe justamente porque ainda não há, no eleitorado, clara rejeição ao presidente (como já existe na sociedade civil) nem há, no empresariado, convicção sobre o malogro da atual política econômica. Com eleitores divididos e empresários indecisos, o Congresso fica neutralizado para um confronto, embora possa operar — e tem operado — como importante força política de contenção do golpismo presidencial. Assim, ao usarem o cálculo político, lideranças do Congresso e das demais instituições civis têm conseguido evitar que Bolsonaro converta a eventual rejeição de uma denúncia contra si em capital político, isto é, em trunfo para avançar mais em sua estratégia golpista. Ao falarem com prudência sobre o tema, as forças políticas mais responsáveis do País têm evitado dar, ao bolsonarismo, o pretexto que busca para colocar a sociedade (e as forças armadas) diante de um dilema crucial entre um quadro de desordem e uma solução autoritária. Cenário plausível, pois não temos mais direito a duvidar de que a lógica miliciana que guia o Presidente não hesitará em fomentar (inclusive apelando à violência e ao terror) tal quadro problemático para obter tal solução. Tudo correto, portanto, com a tática dos democratas. Mas alguma tática, por mais racional e prudente que seja, pode ter sucesso, em política, se não estiver ligada, de modo politicamente convincente, a uma estratégia? É possível defender a democracia com eficácia política, pensando só em prevenir, isto é, tratando-a — para reiterar jargão conhecido — como plantinha tenra que se deve regar todo dia, tal qual bem alertava Octávio Mangabeira, como sugestão de conduta virtuosa para tempos normais? Se não estamos em estado de exceção, mas estamos num tempo de gravidade excepcional, é preciso ver que a democracia é mais que uma planta tenra. Sequer é só uma árvore. É complexa floresta de instituições, direitos e interesses, que pode ser agredida, inclusive, pelo manejo demagógico dessa malha. A democracia representativa precisa não apenas ter, mas demonstrar, sempre, a força necessária para dissuadir aventureiros, quando eles a testam. A missão não é fácil, pois o terreno do trabalho atual é pantanoso. A estratégia dos golpistas é ajudada pela imagem má que políticos e partidos têm perante a sociedade e o eleitorado. Aqui não tenho como me deter sobre razões e não razões desse fenômeno, mas chamo a atenção para o fato de que a imagem negativa se refere a apenas um lado da realidade da democracia representativa. O outro lado, muito positivo, é o suculento inventário de conquistas democráticas que encontram no Congresso uma usina de processamento. A agenda de políticas públicas socialmente positivas avançou muito no Brasil desde que superamos a ditadura militar e isso se deve, fortemente, a processos de elaboração e negociação legislativa. No fundo, o povo sabe disso e não se pode precipitadamente achar que sua insatisfação com outros aspectos da atividade de representação política leve a que ele queira abrir mão dela, seja para entregar seu futuro a ditadores, seja para cair na ilusão de que pode, como povo, governar diretamente o País. Podem ter faltado ao povo brasileiro, no passado, ocasiões de participação maior para exercer uma cidadania mais qualificada e pode estar lhe faltando hoje um cardápio de representantes de melhor qualidade. Mas algum senso de medidas não lhe falta, mesmo quando suas necessidades e medos abrem espaço a demagogias populistas. Por isso, entre nós, jamais tiveram durabilidade aventuras caudilhescas irresponsáveis ou discursos meramente utópicos. Nossas elites políticas, mesmo quando não democráticas, precisaram sempre negociar sua legitimação no terreno das realizações concretas. Mas preocupa, e muito, a ausência ou, ao menos, a invisibilidade, na atual conjuntura, de uma estratégia política comum das forças democráticas que se preocupe com movimentos táticos, mas também as prepare, desde já, para desdobramentos que não se podem prever de antemão. Deixo claro que não se trata de propor que persigam objetivos político-eleitorais que supostamente possam unir democratas de direita, de centro e de esquerda. Isso é quimera. Trata-se de cuidar, em conjunto, da preservação de condições para que disputas democráticas continuem acontecendo. Isso passa por não deixar dúvidas na opinião pública sobre a capacidade de as instituições se fazerem respeitar, inclusive pelos poderosos. Do mesmo modo, não se trata de fazer análises adivinhadoras de cenários futuros, como se ações políticas devessem se orientar por essas especulações. Sabemos que nenhuma linha de ação tem futuro se não se ancorar no que há, no aqui e no agora. Trata-se é de não deixar que um poderoso inimigo da democracia representativa jogue solto e decrete o futuro como resultado de ações ousadas no presente. Ponho-me entre aspas para recorrer a uma metáfora que usei em artigo publicado há três meses: “um desafio à política positiva é ser eficaz na conjuntura. Seus praticantes não podem ser uma zaga que olha para a bola, com foco eleitoral em 2022, sem marcar o atacante demolidor” (“Política positiva e política negativa”, Estadão, 01.12.2019). Na ausência de estratégia defensiva comum, cada zagueiro age à sua maneira. Declarações do ex-presidente Lula, em recente homenagem que recebeu da esquerda francesa, se ajustam como uma luva à metáfora acima. Aposta suas fichas num novo embate eleitoral polarizado, em 2022. Nessa posição há dupla racionalidade política: objetivamente, ele lidera, de fato, o partido que ainda é a maior força eleitoral da oposição e que, por isso, pode pensar em desafiar eleitoralmente o bolsonarismo, nem que seja para conservar essa condição de polo de oposição, que conquistou em 2018. E, subjetivamente, Lula raciocina ser esse o melhor modo de seguir politizando seu embate com a Justiça brasileira. Porém, ao dizer que esperar 2022 é dever democrático, ele não apenas descarta, por ora e por realismo político, a defesa de um processo de impeachment. Vai mais longe e admite que Bolsonaro ainda não cometeu crime de responsabilidade que o justifique. Relaxando assim na marcação do atacante agressivo, esse “bom mocismo” fará, da ala do lado esquerdo da defesa democrática, uma avenida. Quantos gols serão marcados por ali até um zagueiro democrata poder se arriscar a um contra-ataque nesse sonhado 2022? Em quanto já estará o placar em favor do time cuja estratégia é asfixiar a democracia? Que chance haverá de haver uma eleição livre? Zagueiros democráticos mais ao centro (os do fugidio centro político e os que ocupam posições institucionais centrais) costumam usar retórica crítica mais contida que a do PT, porém têm sido mais diligentes na marcação do atacante. Ainda assim não escapam da carapuça da metáfora. Marcam por zona, evitando o enfrentamento individual, justamente porque operam instituições e — é preciso reconhecer — elas objetivamente têm impedido, até aqui, demolições explícitas. Mas os recuos que conseguem impor revelam-se efêmeros porque dirigem ao atacante seguidas advertências, mas não sanções por violação das regras. Assim, no momento seguinte, novos ataques voltam a deixar a defesa em permanente estado de tensão e perigo. Contudo, prevalece sempre a tática da paciência de jardineiros de plantas tenras, sancionada por recentes declarações do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um experimentado político orgânico que a realidade quer converter em outsider. Aos atores com seu perfil político e aos que detêm poder real também cabe fazer a mesma pergunta que pode ser feita à esquerda petista: até que ponto arranhões parciais restantes após cada escaramuça poderão esgarçar — ou já esgarçaram, de algum modo — o tecido da democracia, a ponto de comprometer a chance de chegar-se a 2022 ao menos no compasso da situação atual? O enfrentamento, que táticas prudenciais querem evitar agora, poderá ser evitado se, em dado momento, a infiltração antidemocrática tiver corroído o Estado a ponto de setores decisivos seus comportarem-se como milícias? Haverá eleições “normais” se o bolsonarismo pressentir uma derrota eleitoral? E havendo eleições que, porventura, confirmem sua derrota, haverá paz para que haja governo? Que poder de retaliação terão, então, caminhoneiros em pé de guerra e policiais amotinados, se os laços que os unem hoje ao bolsonarismo prosperarem por um continuado e desabrido uso não republicano do poder? E que reação se pode esperar das instâncias judiciais diante dessas retaliações, após as mudanças que podem ser feitas no STF até lá? Zagueiros com um terceiro tipo de perfil político são imprescindíveis numa hora dessas. Refiro-me a uma direita conservadora que ainda não entrou para valer em campo e precisa entrar. Um cochilo da ala direita, na marcação de um atacante que se apresenta como conservador, embora seja o seu oposto, pode ter efeito bem mais devastador para a democracia representativa do que cálculos políticos e eleitorais de uma esquerda fora do poder. Um conservadorismo político que mereça esse nome não pode, depois de tantas lições do passado, compactuar com uma estratégia desestabilizadora da ordem e das instituições moderadoras, que tenta emparedar o Congresso, intimidar o Judiciário e sabotar, ao modo do chavismo (ver Demétrio Magnoli, “O povo e Exército”, FSP, 29.02.2020), a hierarquia das forças armadas. Principalmente não pode chancelar uma propaganda ideológica que quer desacreditar a conciliação como método, no intuito (quimérico, mas nem por isso menos perigoso) de eliminar a chamada “dialética da ambiguidade”, uma marca de origem da nossa tradição política. Conservadores que se prezam não podem coonestar com a conspiração de um governo passageiro para sufocar e assassinar uma tradição nacional. Democratas ao centro e à esquerda não podem perder de vista que convencer conservadores a tirar o oxigênio da aventura golpista é o objetivo que pode firmar uma estratégia política comum, que falta aos democratas de todos os matizes para darem consequência política realista — portanto, eficácia — à conduta tática prudencial que têm adotado. Essa conduta precisa deixar de ser só intuitiva e reativa, para ser também racional e propositiva. O momento exige equilibrar sensos de prudência e de urgência para dar à sociedade a confiança em que a democracia é a melhor opção e golpistas serão enfrentados não só no terreno das ideias, mas também no da política real. Se a consequência dessa atitude realista será a abertura de um processo de impeachment, não é possível antecipar. Mas não se pode tirar a hipótese da agenda, ainda que ela não esteja na ordem do dia. Criar um abismo lógico entre essa eventualidade e a conduta prudencial é um suicídio político prévio. Equivale a subestimar o poder do adversário de provocar destruição e desordem. A conduta prudencial ajuda-nos não apenas a evitar esses males. Também nos afasta da conduta imprudente de, num ambiente polarizado, fazer política sem um objetivo estratégico no horizonte. ---------- Cientista político e professor da UFBA ---------- Factoide golpista na ressaca da Copa Rotas eleitorais para uma democracia em trânsito Democratas não alinhados diante da urna Insigths de Mark Lilla e chances de uma política democrática no Brasil Tabata Amaral e a esquerda Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil. ********************************************* Revolta Praieira: a disputa política e o problema social em Pernambuco ***
*** 3 Ponte boa Vista t A Ponte da Boa Vista, na capital pernambucana. Nas ruas, o clima político se tornava cada vez mais tenso entre liberais e conservadores. Litografia de Luís Schlappriz, década de 1860. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital *** Movimentava-se em Pernambuco, aos poucos, vindo das ruas, segundo Amaro Quintas, um "turbilhão popular" que não seria contido, mesmo que alguns membros da cúpula praieira tivessem intuitos puramente políticos, desejando apenas alcançar posições de mando. O embate em gestação, principiado na imprensa, evoluía para uma disputa política – mais tarde armada – acirrada. Nas ruas, os versos populares instigam, provocando: "Machado que corta lenha Também corta mulungu Praieiro que tem vergonha Não fala com guabiru". O problema social em Pernambuco preocupava extremamente todos aqueles que eram impelidos por razões humanitárias e idealistas e desejavam encontrar soluções para os problemas mais emergentes da sociedade da província. Por isso, Antônio Pedro de Figueiredo, imbuído desse espírito de reforma social, escrevia: "Que são as reformas políticas sem as reformas sociais? Uma máscara e nada mais". ***
*** 1 O Nazareno 2 t O jornal O Nazareno, Diário da Tarde reivindicava reformas sociais na província de Pernambuco. Detalhe da edição de 29/3/1848. Domínio público, Bilioteca Nacional Digital *** Outros, do lado oposto, situacionistas, eram movidos, segundo o que se comentava, por interesses pessoais e eleitorais. Borges da Fonseca, que costumava declarar que "só tinha compromissos com o povo", prevenia em 23 de junho de 1848, em O Nazareno: "Não se iluda o povo. Há espertalhões que (...) querem uma oligarquia onde só governem os brancos (...) A liberdade deve ser conquistada para todos (...) porque todos somos filhos de Deus". ***
*** 2 Antonio Pichorro t O liberal Antônio Chichorro, presidente da província eleito em 1844. Seu governo foi marcado pelo desmonte da política da poderosa família Cavalcanti e pelo clima cada vez mais turbulento nas ruas. Domínio público, Portal do Professor *** Em 2 de fevereiro de 1844 os liberais voltaram ao poder com a subida do gabinete chefiado por Almeida Torres, futuro Visconde de Macaé. Entretanto, em Pernambuco, não ocorreria uma mudança significativa e favorável à facção vitoriosa. Apesar do controle dos "guabirus", as eleições à Assembleia Geral tiveram como resultado uma bancada maciçamente praieira. No ano de 1845, foi nomeado para a presidência da província o desembargador Antônio Pinto Chichorro da Gama, liberal e pessoa de confiança dos praieiros. Sua administração foi assinalada pelo desmonte da estrutura política herdada do período do domínio dos Cavalcanti. Abriu inquéritos, devassando engenhos, onde chegou a encontrar inúmeros escravos roubados. Paralelamente, enfrentava agitação e inquietude provocada pelos antagonismos políticos. Em Recife, Chichorro enfrentou constantes motins e levantes, como os "mata-mata" de 1847, quando portugueses foram atacados. Esses negociantes estrangeiros, vistos como inimigos, classe exploradora, "marotos", motivavam o canto que se ouvia por Recife afora: "Corja de vis marotos, Amigos das borracheiras Dar-vos-emos a resposta Nas pontas das lambedeiras". ***
*** Pedro Araujo Lima t O conservador Marquês de Olinda, Pedro de Araújo Lima, nomeado presidente do Conselho de Ministros, em 1848, após a queda do gabinete liberal de D. Pedro II. Litografia de S. A. Sisson, 1861. Domínio público, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin *** A cidade vivia em polvorosa, prenunciando um movimento armado que se aproximava cada vez mais. Nesse clima turbulento, em 2 de abril de 1848 o presidente Chichorro da Gama foi exonerado. No período de quase sete meses, cinco outros presidentes ocuparam o governo da província sem conseguir conter as agitações que se alastravam. A situação de Pernambuco ressoara no Rio de Janeiro, ocasionando a queda dos liberais no governo do Império. Para formar o novo ministério conservador, D. Pedro II chamou, em 29 de setembro de 1848, Pedro de Araújo Lima, Marquês de Olinda, parente dos Cavalcanti. Quase ao mesmo tempo, na França, a reação burguesa contivera e abatera as transformações mais radicais iniciadas em fevereiro daquele ano. Isso mereceu uma observação de Nabuco, que, percebendo os fatos, declarara: "O efeito da Revolução de Fevereiro em França estava gasto". Notice: Undefined property: stdClass::$idPai in /srv/www/multirio/html/templates/historiadobrasil/html/com_content/article/default.php on line 85 História Galeria de Imagens ***
*** A Ponte da Boa Vista, na capital pernambucana. Nas ruas, o clima político se tornava cada vez mais tenso entre liberais e conservadores. Litografia de Luís Schlappriz, década de 1860. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital ***
*** O jornal O Nazareno, Diário da Tarde reivindicava reformas sociais na província de Pernambuco. Detalhe da edição de 29/3/1848. Domínio público, Bilioteca Nacional Digital ***
*** O liberal Antônio Chichorro, presidente da província eleito em 1844. Seu governo foi marcado pelo desmonte da política da poderosa família Cavalcanti e pelo clima cada vez mais turbulento nas ruas. Domínio público, Portal do Professor ***
*** O conservador Marquês de Olinda, Pedro de Araújo Lima, nomeado presidente do Conselho de Ministros, em 1848, após a queda do gabinete liberal de D. Pedro II. Litografia de S. A. Sisson, 1861. Domínio público, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin << < > Revolta Praieira: a imprensa pernambucana e O Diário NovoRevolta Praieira: deflagração da insurreição http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-do-brasil/brasil-monarquico/92-governo-pessoal-de-d-pedro-ii/8964-revolta-praieira-a-disputa-pol%C3%ADtica-e-o-problema-social-em-pernambuco ************************************** Libertas quae sera tamen *** Pelas montanhas de Minas Entre essas serras guardado Brilha o berço do herói Na fazenda do Pombal Seus quatro nomes imortais Joaquim José da Silva Xavier” – (Trecho da música “Canção do Herói”). *** *** Marcus Viana e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais - Canção do Herói (Tiradentes) 37.376 visualizações 20 de abr. de 2017 Canção do Herói foi composta por Marcus Viana atendendo a um pedido para a criação de um hino em homenagem ao mártir da inconfidência Jose Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes. Marcus utilizou o formato de canção em compasso ternário para fazer o hino. Aqui neste video aparece sua versão orquestral com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Cumpre ressaltar que Marcus Viana foi por 7 anos violinista desta mesma orquestra, desde sua fundação em 1977 até 1984 quando saiu e iniciou seus trabalhos na área fonográfica. Este vídeo foi gravado no dia 21 de maio de 21012 com a OSMG regida pelo maestro Lincoln Andrade. https://www.youtube.com/watch?v=VergXFt7-Uo

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