segunda-feira, 25 de julho de 2022

OS ASSASSINATOS DA RUA MORGUE

*** "É possível que o dom de solucionar muito se fortaleça com o estudo da matemática, sobretudo aquele ramo superior que injustamente, e apenas devido às suas operações retrógradas, se chama, par excellence, de análise. Contudo, cálculo não é em si análise." "toma-se por profundo o que é apenas complexo (um erro não incomum)." "Observar com atenção é lembrar com clareza;" "Mas é em questões além dos limites da simples regra que se evidencia a habilidade do analista." "e a diferença no grau de informação obtida está não tanto na validade da dedução quanto na qualidade da observação. O conhecimento necessário é do que observar." "Há entre a engenhosidade e a capacidade de análise uma diferença muito maior, na verdade, que entre a fantasia e a imaginação, mas de caráter estritamente análogo. Ver-se-á, de fato, que o engenhoso é sempre fantasioso, e o verdadeiramente imaginativo nunca mais que analítico."
*** “Que canções cantava a Sereia, ou que nome assumiu Aquiles quando se escondeu entre mulheres, apesar de serem questões intrigantes, não estão além de toda conjetura.” Sir Thomas Browne ***
*** Flickr Acume | Stefano Fiaschi | Flickr *** acume 4. Fig. Raciocínio, argumentação apurada, sutileza de espírito; ACUIDADE; AGUDEZA; ARGÚCIA; PERSPICÁCIA; VIVACIDADE [ Antôn.: estupidez, imbecilidade, inaptidão. ] [F.: Do lat. acumen,ìnis] **************************************** As características mentais descritas como analíticas são, em si, muito pouco susceptiveis de análise. Só as apreciamos nos efeitos que causam. Delas sabemos, entre outras coisas, que sempre são, para quem as possui em excesso, motivo do mais intenso prazer. Como o homem forte exibe sua capacidade física deliciando-se nos exercícios que lhe exigem os músculos, também se rejubila o analista com a atividade moral de destrinçar enredos. Tem prazer até mesmo com as ocupações mais triviais que ponham em jogo seus talentos. Gosta de enigmas, adivinhações, hieróglifos, exibindo nas soluções de cada um deles um grau de acume que parece sobrenatural à compreensão comum. Seus resultados, proporcionados pela alma e essência mesmas do método, têm na verdade toda a aparência da intuição. É possível que o dom de solucionar muito se fortaleça com o estudo da matemática, sobretudo aquele ramo superior que injustamente, e apenas devido às suas operações retrógradas, se chama, par excellence, de análise. Contudo, cálculo não é em si análise. O jogador de xadrez, por exemplo, faz o primeiro sem exercitar a segunda. Segue-se que o jogo de xadrez, em seus efeitos sobre o caráter mental, é muitíssimo mal compreendido. Não estou escrevendo agora um tratado, mas apenas prefaciando uma narrativa um tanto estranha com observações bastante casuais; aproveito pois a ocasião para afirmar que os mais altos poderes do intelecto reflexivo são empregados de maneira mais decisiva e útil pelo não ostentoso jogo de damas que por toda a complicada frivolidade do xadrez. Neste último, onde as peças têm movimentos diferentes e bizarros, com valores vários e variáveis, toma-se por profundo o que é apenas complexo (um erro não incomum). Entra em jogo poderosamente, aqui, a atenção. Se ela falha por um instante, se se comete um descuido, isso resulta em prejuízo ou derrota. Sendo os movimentos possíveis não apenas múltiplos, mas intricados, multiplicam-se as possibilidades de tais descuidos; e em nove em cada dez casos, vence o jogador com maior capacidade de concentração, e não o mais perspicaz. Na dama, ao contrário, onde os movimentos são únicos e têm apenas pouca variação, diminuem-se as probabilidades de inadvertência, e como queda relativamente sem uso a mera atenção, as vantagens obtidas por cada parte o são por um acume superior. Para sermos menos abstratos, suponhamos um jogo de damas onde as peças estejam reduzidas a quatro pedras, e onde, decerto, não se espera nenhum descuido. É óbvio que aqui a vitória só pode ser decidida (sendo os jogadores iguais) por um movimento recherché, resultado de algum poderoso trabalho do intelecto. Privado de recursos comuns, o analista lançase no espírito do adversário, identifica-se com ele, e não raras vezes vê assim, numa olhada, os únicos meios (às vezes de fato absurdamente simples) pelos quais pode atraí-lo ao erro ou apressá-lo para que erre um cálculo. O uíste (whist) há muito é conhecido por sua influência no que se chama de poder de cálculo; e sabe-se de homens do mais alto nível intelectual que sentem com ele um inexplicável prazer, enquanto se abstêm do xadrez como um jogo frívolo. Sem dúvida, nada de natureza semelhante onera tanto a faculdade de análise. O melhor jogador de xadrez da cristandade só pode ser pouco mais que o melhor jogador de xadrez; mas a competência no uíste implica capacidade de sucesso em toda empresa mais importante que ponha uma mente contra outra. Quando digo competência, refiro-me àquela perfeição no jogo que inclui a compreensão de todas as fontes de onde se pode extrair vantagem legítima. Não são múltiplas, e muitas vezes estão em recessos de pensamento inteiramente inatingíveis pela compreensão normal. Observar com atenção é lembrar com clareza; e, até aí, o jogador de xadrez concentrado se dará muito bem no uíste; uma vez que as próprias regras de Hoyle (baseadas elas mesmas no simples mecanismo do jogo) bastam e são em geral compreensíveis. Assim, ter uma memória retentiva e seguir "o manual" são pontos geralmente encarados como a soma total do jogar bem. Mas é em questões além dos limites da simples regra que se evidencia a habilidade do analista. Ele faz em silêncio uma legião de observações e deduções. O mesmo fazem, também, seus companheiros; e a diferença no grau de informação obtida está não tanto na validade da dedução quanto na qualidade da observação. O conhecimento necessário é do que observar. Nosso jogador não se limita, em absoluto; nem, uma vez que o objetivo é o jogo, rejeita deduções de coisas externas ao jogo. Examina o rosto do companheiro, comparando-o cuidadosamente com o de cada um dos adversários. Pensa na maneira de distribuir as cartas em cada mão; muitas vezes contando trunfo por trunfo, e honra por honra, pelos olhares dados por quem os tem a cada um deles. Observa a variação de cada rosto à medida que avança o jogo, recolhendo um fundo de idéias das diferenças na expressão de certeza, surpresa, triunfo ou pesar. Pela maneira de fazer uma vaza, julga se a pessoa que a faz pode fazer outra no naipe. Reconhece o que se joga como blefe pela maneira de lançar as cartas na mesa. Uma palavra inadvertida ou casual; a queda ou virada acidental de uma carta, com a ansiedade ou indiferença em relação a escondê-Ia; a contagem das vazas, com a ordem de sua arrumação; embaraço, hesitação, avidez ou trepidação - tudo oferece, à sua intuição visivelmente perceptiva, indícios do verdadeiro estado de coisas. Jogadas as primeiras duas ou três rodadas, ele está de plena posse do conteúdo de cada mão, e daí em diante joga as cartas com uma determinação tão absolutamente precisa quanto se os demais houvessem revelado as suas. Não se deve confundir poder de análise com simples engenhosidade; pois enquanto o analista é necessariamente engenhoso, o homem de engenho muitas vezes se mostra visivelmente incapaz de análise. O poder de construção ou combinação, pelo qual em geral se manifesta a engenhosidade, e ao qual os frenologistas (a meu ver de forma errada) atribuíram um órgão separado, supondo-o uma faculdade primitiva, tem-se visto com tanta freqüência naqueles cujo intelecto fora isso beira a idiotia, que chamou a atenção geral dos autores de tratados morais. Há entre a engenhosidade e a capacidade de análise uma diferença muito maior, na verdade, que entre a fantasia e a imaginação, mas de caráter estritamente análogo. Ver-se-á, de fato, que o engenhoso é sempre fantasioso, e o verdadeiramente imaginativo nunca mais que analítico. A narrativa seguinte parecerá ao leitor, de certa forma, um comentário sobre as proposições que acabei de apresentar. Morando em Paris na primavera e parte do verão de 18**, conheci ali um certo Monsieur C. Auguste Dupin. Esse jovem cavalheiro era de uma excelente família, na verdade ilustre, mas, por uma variedade de acontecimentos infaustos, fora reduzido a tal pobreza que a energia de seu caráter sucumbira, e ele deixara de freqüentar o mundo, ou de cuidar da recuperação de sua fortuna. Por cortesia dos credores, ainda permanecia em seu poder um pequeno resíduo do patrimônio; e, com a renda resultante disso, ele conseguia, graças a uma rigorosa economia, satisfazer as necessidades da vida, sem perturbar-se com seus aspectos supérfluos. Os livros, na verdade, eram o seu único luxo, e em Paris pode-se obtê-los com facilidade. Nosso primeiro encontro foi numa obscura livraria na Rue Montmartre, onde o acaso de estarmos os dois à procura do mesmo volume, muito raro e notável, nos pôs em mais estreita comunhão. Tornamos a ver-nos repetidas vezes. Eu estava profundamente interessado na pequena história familiar que ele me detalhou, com toda a franqueza que se permite o francês sempre que o tema é o simples eu. Fiquei espantado, também, com a vasta extensão de suas leituras; e, acima de tudo, senti minha alma atiçada pelo desvairado fervor e o vivido frescor de sua imaginação. Buscando em Paris os objetos que então buscava, senti que a companhia de um homem daqueles seria para mim um inestimável tesouro; e confiei-lhe francamente essa sensação. Combinou-se por fim que devíamos morar juntos durante minha estada na cidade; e como minhas circunstâncias mundanas eram um pouco menos apertadas que as dele, coube-me arcar com a despesa necessária para alugar e remobiliar, num estilo apropriado à melancolia um tanto fantástica de nosso temperamento comum, uma mansão devastada pelo tempo e grotesca, há muito desabitada, devido a uma superstição que não investigamos, e a ponto de cair, numa parte isolada e triste do Faubourg St. Germain. Fosse a rotina de nossa vida nessa casa conhecida pelo mundo, deveríamos ser encarados como loucos - embora, talvez, como loucos de natureza inofensiva. Nossa reclusão era total. Não recebíamos visitantes. Na verdade, a localização de nosso retiro fora cuidadosamente mantida em segredo até de meus próprios conhecidos anteriores; e fazia muitos anos que Dupin deixara de conhecer ou ser conhecido em Paris. Existíamos apenas dentro de nós mesmos. Era um capricho da fantasia do meu amigo (pois que mais devo chamá-Ia?) estar enamorado da noite pela noite; e nessa bizarrerie, como em todas as suas outras, eu caí tranqüilamente; entregando-me aos seus loucos caprichos com perfeito abandon. A negra divindade não morava ela mesma conosco sempre; mas podíamos falsificar sua presença; à primeira luz da madrugada, fechávamos todas as muitas janelas de nosso prédio; acendíamos duas velas que, com forte perfume, lançavam apenas os mais lívidos e débeis raios. Com a sua ajuda, ocupávamos nossas almas em sonhos - lendo, escrevendo ou conversando, até o relógio avisar o advento da verdadeira Treva. Então saíamos para as ruas, de braço dado, continuando os assuntos do dia, ou vagando por lugares distantes até altas horas, à cata, entre as alucinadas luzes e sombras da populosa cidade, daquela infinidade de excitação mental que oferece a tranqüila observação. Nessas ocasiões, eu não podia deixar de observar e admirar em Dupin (embora, pela sua riqueza de idéias, estivesse preparado para esperá-Ia) uma peculiar capacidade de análise. Também ele parecia sentir um ávido prazer em exercê-Ia - embora não exatamente exibi-Ia - e não hesitava em confessar o prazer que assim usufruía. Gabava-se comigo, dando uma baixa risadinha chocalhada, de que a maioria dos homens, para ele, trazia janelas no peito, e acompanhava tais afirmações com provas diretas e bastante espantosas do íntimo conhecimento que tinha do meu. Nesses momentos, exibia uns modos frígidos e abstratos; uma expressão vaga nos olhos; enquanto a voz, em geral um rico tenor, subia num agudo que teria soado petulante, não fosse a enunciação deliberada e inteiramente distinta. Observando-o nesses estados de espírito, eu muitas vezes me lembrava, meditativo, da antiga filosofia da Alma Bipartida, e divertia-me com a fantasia de um duplo Dupin - o criativo e o solucionador. Não se suponha, pelo que acabei de dizer, que estou expondo algum mistério, ou iniciando alguma história fantástica. O que descrevi no francês era apenas resultado de uma inteligência excitada, ou talvez doentia. Mas é melhor dar uma idéia do caráter de suas observações. Descíamos certa noite uma longa rua de terra, nas vizinhanças do Palais Royal. Estando os dois aparentemente ocupados em pensamentos, nenhum de nós dissera uma sílaba havia pelo menos quinze minutos. De repente, Dupin rompeu o silêncio com as seguintes palavras: - É um sujeitinho muito pequeno, deveras, e ficaria melhor no Théâtre des Variétés. - Não há a menor dúvida - respondi, sem o perceber, e não observando a princípio (tão absorvido vinha em reflexões) a maneira extraordinária como ele entrara em minhas meditações. Um instante depois, refiz-me, e meu espanto foi profundo. - Dupin - disse, gravemente -, isto está além da minha compreensão. Não hesito em dizer que estou espantado, e dificilmente consigo acreditar em meus sentidos. Como foi possível você saber que eu estava pensando em... - Fiz então uma pausa, para assegurar além de qualquer dúvida que ele de fato sabia em que eu pensava. - ...em Chantilly - ele disse. - Por que parou? Estava observando para si mesmo que o diminuto físico dele não lhe servia para a tragédia. Era exatamente o que constituía o objeto de minhas reflexões. Chantilly era um sapateiro quondam da Rue St. Denis, que, ensandecido pelo palco, tentara fazer o papel de Xerxes, na tragédia do mesmo nome de Crébillon, e como recompensa fora notoriamente desancado nos pasquins. - Diga-me, pelo amor de Deus - exclamei - o método... se método há... que lhe possibilitou sondar assim minha alma nesse assunto. Na verdade, sentia-me mais espantado do que me dispunha a expressar. - Foi o fruteiro - respondeu meu amigo - que o levou à conclusão de que o remendão de solas não tinha altura suficiente para Xerxes et id genus omne. - Fruteiro!.. . você me deixa pasmo... eu não conheço fruteiro nenhum. - O homem que lhe deu um encontrão quando entramos na rua. . . mais ou menos uns quinze minutos atrás. Lembrei-me então que, de fato, um fruteiro, levando na cabeça um grande cesto de maçãs, quase me derrubara, por acidente, quando passamos da Rue C** para a avenida onde agora estávamos; mas o que isso tinha a ver com Chantilly, eu não entendia. Não havia em Dupin uma só partícula de charlatônerie. - Vou explicar - ele disse. - E para que você compreenda tudo claramente, refarei primeiro o curso de suas meditações, do momento em que falei com você até o rencontre com o fruteiro em questão. As maiores ligações de pensamento são as seguintes: Chantilly, Orion, Dr. Nichols, Epicuro, estereotomia, as pedras da rua, o fruteiro. Poucas pessoas não se divertiram, num ou noutro período da vida, refazendo os passos pelos quais chegaram a determinadas conclusões em suas próprias mentes. A ocupação muitas vezes é de grande interesse; e quem a tenta pela primeira vez fica espantado com a distância e incoerência aparentemente ilimitáveis entre o ponto de partida e a chegada. Qual, pois, não deve ter sido o meu espanto quando ouvi o francês dizer o que acabara de dizer, e não pude deixar de reconhecer que dissera a verdade. Ele continuou: - Nós vínhamos falando de cavalos, se me lembro bem, pouco antes de deixarmos a Rue C**. Foi o último assunto que discutimos. Quando atravessamos para entrar nesta rua, o fruteiro, com um grande cesto na cabeça, passou roçando rápido por nós, jogou você sobre um monte de paralelepípedos, num lugar onde a rua está em obras. Você tropeçou num grande pedaço solto, escorregou, torceu levemente o tornozelo, pareceu constrangido ou mal-humorado, murmurou algumas palavras, voltou-se para olhar o monte de pedras e continuou a andar em silêncio. Eu não prestava particular atenção ao que você fazia; mas comigo a observação se tornou, ultimamente, uma espécie de necessidade. "Você manteve os olhos no chão - olhando, com expressão petulante, os buracos e calombos no calçamento (de modo que vi que ainda pensava nas pedras), até chegarmos ao pequeno beco chamado Lamartine, que foi calçado, à guisa de experiência, com blocos de madeira superpostos e pregados. Ali seu rosto se iluminou, e vendo seus lábios se moverem, não pude duvidar que você murmurou a palavra "estereotomia", um termo muito afetadamente empregado para essa espécie de calçamento. Sei que não poderia haver dito "estereotomia" para si mesmo sem ser levado a pensar em átomos, e portanto na teoria de Epicuro; e como, quando discutimos o assunto há não muito tempo, eu lhe disse como os vagos palpites desse nobre grego tiveram, de maneira singular, mas com pouca atenção, confirmação na última cosmogonia nebular, senti que você não deixaria de lançar o olhar para a grande nebufa de Orion acima, e sem dúvida esperei que o fizesse. Você olhou para cima; e eu me assegurei então de que seguira corretamente seus passos. Mas naquela irritada tirade sobre Chantilly publicada no Musée, o satirista, fazendo algumas vergonhosas alusões à mudança de nome do remendão ao assumir a arte trágica, citou um verso latino sobre o qual conversamos muitas vezes depois. Refiro-me ao verso: Perdidit antiquum litera prima sonum. Eu lhe havia dito que se trata de uma referência a Orion, que antes se escrevia Urion; e, por certos sarcasmos ligados a essa explicação, sabia que você não podia havê-lo esquecido. Estava claro, pois, que não deixaria de combinar as idéias de Orion e Chantilly. Vi que você as tinha combinado pelo aspecto do sorriso que passou por seus lábios. Você se lembrou da imolação do coitado do remendão. Até então, ia andando curvado; mas então eu o vi empertigar-se em toda a sua altura. Tive então certeza de que pensara na figura diminuta de Chantilly. Nesse ponto, interrompi sua meditação com a observação de que, de fato, ele era um sujeitinho muito pequeno - que Chantilly ficaria melhor no Théâtre des Variétés" Não muito depois disso, dávamos uma olhada numa edição vespertina da Gazette des Tribunaux, quando os seguintes parágrafos detiveram nossa atenção: "EXTRAORDINÁRIOS ASSASSINATOS. - Hoje de manhã, por volta das três horas, os moradores do Quartier St. Roch foram despertados do sono por uma sucessão de gritos terríveis, vindos, aparentemente, do quarto andar de uma casa na Rue Morgue, ocupada apenas por Madame L'Espanaye e sua filha, Mademoiselle Camille L'Espanaye. Com certo atraso, ocasionado pelas infrutíferas tentativas de entrar na casa à maneira habitual, o portão foi arrombado com um pé-de-cabra, e entraram oito ou dez vizinhos, acompanhados de dois gendarmes. A essa altura, os gritos já haviam cessado; mas, quando o grupo se lançou pelo primeiro lance de escada acima, distinguiram-se duas ou mais vozes rudes, em furiosa disputa, que pareciam vir da parte superior da casa. Quando se alcançou o segundo lance, também esses ruídos já haviam cessado, e tudo ficara em total silêncio. O grupo espalhou-se, e correu de aposento em aposento. Ao chegarem a um grande quarto nos fundos do quarto andar (cuja porta, trancada, com a chave por dentro, foi forçada), apresentou-se um espetáculo que causou a todos presentes não menos horror que pasmo. "O apartamento estava na mais completa desordem - os móveis quebrados e jogados para todos os lados. Só havia uma armação de cama; e dela o colchão e a roupa de cama haviam sido arrancados e jogados no meio do chão. Numa cadeira, via-se uma navalha, coberta de sangue. Na lareira, dois ou três toros e grossas tranças de cabelos humanos grisalhos, também encharcadas de sangue, e parecendo haver sido arrancadas pelas raízes. No chão, três napoleões, um brinco de topázio, três grandes colheres de prata, três menores de métal dAlger e duas bolsas contendo quase quatro mil francos em ouro. As gavetas de um bureau, que ficava num canto, estavam abertas, e haviam sido, aparentemente, revistadas, embora permanecessem nelas muitos artigos. Descobriu-se um pequeno cofre de ferro sob o colchão e a roupa de cama (não sob a armação). Estava fechado, com a chave ainda na porta. Nada continha, além de algumas velhas cartas e outros papéis de pouca importância. "Não se viam ali traços de Madame L'Espanaye; mas havendo-se observado uma quantidade incomum de fuligem na lareira, fez-se uma busca nas chaminés, e (horrível de contar!) o cadáver da filha, de cabeça para baixo, foi puxado dali para fora; haviam-no assim enfiado à força, a uma considerável distância, pela pequena abertura. O corpo estava bastante quente. Examinado, viram-se muitas escoriações, sem dúvida causadas pela violência com que fora empurrado para cima e puxado para baixo. Tinha muitos e severos arranhões no rosto, e, na garganta, manchas roxas e profundas marcas de unhas, como se a falecida houvesse sido morta por estrangulamento. "Após uma completa investigação de cada parte da casa sem outras descobertas, o grupo saiu para um pequeno pátio calçado no fundo do prédio, onde se achava o cadáver da velha senhora, com a garganta tão inteiramente cortada que, ao tentarem erguê-Ia, a cabeça caiu. O corpo, como a cabeça, estava mutilado de uma forma pavorosa - a cabeça de tal maneira que dificilmente retinha alguma semelhança de humanidade. "Para esse horrível mistério, ainda não há, acreditamos, a mais leve pista.” O jornal do dia seguinte tinha as seguintes informações a mais: "A Tragédia da Rue Morgue. Muitos indivíduos foram interrogados em relação a esse extraordinaríssimo e pavorosíssimo affaire" [a palavra affaire ainda não tinha, na França, o pouco peso que nos transmite a nós], "mas nada surgiu que lance alguma luz sobre ele. Damos abaixo o material dos depoimentos recolhidos: "Pauline Dubourg, lavadeira, declara que conhecia as falecidas havia três anos, tendo lavado para elas nesse período. A velha senhora e sua filha pareciam viver em bons termos - muito carinhosas uma com a outra. Eram excelentes pagadoras. Não podia falar sobre seu modo ou meios de vida. Acredita que Madame L. lia a sorte para ganhar o sustento. Tinha fama de possuir dinheiro guardado. Nunca encontrou ninguém na casa quando ia buscar as roupas e as levava para casa. Tinha certeza de que elas não dispunham de criados a seu serviço. Parecia não haver móveis em qualquer parte da casa, além do quarto andar. "Pierre Moreau, tabaqueiro, declara que vendeu pequenas quantidades de tabaco e rapé a Madame L'Espanaye durante quase quatro anos. Nasceu no bairro e sempre residiu ali. A falecida e sua filha ocupavam a casa em que os cadáveres foram encontrados havia mais de seis anos. Antes, era ocupada por um joalheiro, que sublocava os aposentos de cima a várias pessoas. A casa era propriedade de Madame L'Espanaye. Ela ficou insatisfeita com o abuso das instalações pelo locatário e mudou-se para lá, recusando-se a alugar qualquer parte. A velha senhora era caduca. Testemunhas viram a filha umas cinco ou seus vezes em três anos. As duas viviam uma vida demasiado reclusa - tinham fama de ter dinheiro. Ouvira dizer entre os vizinhos que Madame L'Espanaye lia a sorte - não acreditava. Nunca viu ninguém entrar na casa, a não ser a velha senhora e a filha, um carregador, uma ou duas vezes, e um médico, umas oito ou dez vezes. "Muitas outras pessoas, vizinhos, deram depoimentos no mesmo sentido. Não se falou de ninguém que freqüentasse a casa. Não se sabia se havia algum parente vivo de Madame L. e sua filha. As janelas da frente raras vezes eram abertas. As do fundo viviam fechadas, com exceção da do grande quarto de trás do quarto andar. A casa era boa -não muito velha. "Isidore Muset, gendarme, declara que foi chamado à casa por volta das três horas da manhã, e encontrou vinte ou trinta pessoas no portão, tentando entrar. Abriu-o à força, finalmente, com uma baioneta - não com um pé-de-cabra. Teve pouca dificuldade para abri-lo, por ser um portão duplo ou dobrável, e sem ferrolho embaixo ou em cima. Os gritos continuaram até o portão ser forçado - e então cessaram de repente. Pareciam gritos de uma pessoa (ou pessoas) em grande agonia - altos e prolongados, não curtos e rápidos. Uma testemunha subiu a escada na frente. Ao chegar ao primeiro andar, ouviu duas vozes em ruidosa e furiosa discussão - uma delas grossa, a outra muito mais aguda - uma voz muito estranha. Distinguiu algumas palavras da primeira, que era de um francês. Tinha certeza de que não era voz de mulher. Distinguiu as palavras 'sacré' e 'diable'. A voz aguda era de estrangeiro. Não tinha certeza se era voz de homem ou mulher. Não entendeu o que dizia, mas acreditava que a língua era a espanhola. O estado do quarto e dos corpos foi descrito por essa testemunha como o descrevemos ontem. "Henry Duval, vizinho, artesão em prata de ofício, declara que foi o primeiro do grupo a entrar na casa. Corrobora em geral o depoimento de Muset. Assim que forçaram a entrada, tornaram a fechar a porta, para manter fora a multidão que se formou muito depressa, apesar do tardio da hora. A voz aguda, pensa essa testemunha, era italiana. Tinha certeza de que não era francesa. Não tinha certeza se era voz de homem. Podia ser de mulher. Não conhecia a língua italiana. Não distinguiu as palavras, mas estava convencido pela entonação de que quem falava era italiano. Conhecia Madame L. e a filha. Conversara freqüentemente com as duas. Tinha certeza de que a voz aguda não era de nenhuma das falecidas. Odenheimer, restaurateur. Essa testemunha apresentou-se espontaneamente para depor. Não falando francês, foi interrogado por meio de um intérprete. É nativo de Amsterdã. Passava pela casa na hora dos gritos. Duraram vários minutos - provavelmente dez. Eram longos e altos - muito terríveis e angustiantes. Foi um dos que entraram no prédio. Corroborou os depoimentos anteriores em todos os aspectos, menos um. Tinha certeza de que a voz aguda era de homem - um francês. Não podia distinguir as palavras. A voz era áspera - não tanto aguda como áspera. Não podia chamar de uma voz aguda. A voz grossa disse repetidas vezes 'sacré' e 'diable', e uma vez 'mon Dieu'. "Jules Mignaud, banqueiro, da firma Mignaud et fils, Rue Deloraine. É o Mignaud pai. Madame L'Espanaye tinha algumas posses. Abrira uma conta em sua casa bancária na primavera do ano de *** (oito anos antes). Fazia freqüentes depósitos em pequenas somas. Não tirara nada até o terceiro dia antes da morte, quando sacou em pessoa a soma de quatro mil francos. Essa soma foi paga em ouro, e mandaram um funcionário à sua casa com o dinheiro. "Adolphe Le Bon, funcionário da Mignaud et fils, declara que no dia em questão, por volta do meio-dia, acompanhou Madame L'Espanaye à sua residência com os quatro mil francos, em duas bolsas. Aberta a porta, apareceu Mademoiselle L'Espanaye, que tomou de suas mãos uma das bolsas, enquanto a velha senhora o aliviava da outra. Ele então fez uma mesura e partiu. Não viu ninguém na rua no momento. É uma rua lateral - muito solitária. "William Bird, alfaiate, declara que fez parte do grupo que entrou na casa. É inglês. Mora em Paris há dois anos. Foi um dos primeiros a subir a escada. Ouviu a discussão. A voz grossa era de um francês. Distinguiu várias palavras, mas não se lembra de todas. Ouviu claramente 'sacré' e 'mon Dieü. Havia um barulho no momento, como de pessoas lutando - um barulho de coisas arrastadas e passos. A voz aguda era muito alta - mais alta que a grossa. Tem certeza de que não era voz de inglês. Parecia de alemão. Podia ser de mulher. Não entende alemão. "Quatro das testemunhas acima referidas, chamadas de novo, declararam que a porta do quarto no qual se encontrou o corpo de Mademoiselle L. estava trancada por dentro quando o grupo lá chegou. Tudo em completo silêncio - nenhum tipo de barulho ou gemido. Ao forçarem a porta, não se viu ninguém. Encontraram as janelas, dos quartos da frente e dos fundos, fechadas e aferrolhadas por dentro. Uma porta entre os dois quartos estava fechada, mas não trancada. Também fechada a porta que dava do quarto da frente para o corredor, com a chave por dentro. Um quartinho na frente da casa, no quarto andar, no fim do corredor, estava aberto, a porta entreaberta. Velhas camas, caixas e coisas assim amontoavam-se nesse quartinho. Foram cuidadosamente retiradas e revistadas. Nenhuma polegada de qualquer parte da casa deixou de ser cuidadosamente revistada. Fizeram-se varreduras, acima e abaixo, nas chaminés. A casa tem quatro andares, com águas-furtadas. Uma porta de alçapão no teto estava pregada firme - parecia não haver sido aberta em anos. O tempo transcorrido entre as vozes ouvidas em discussão e o arrombamento da porta do quarto foi diferente nas declarações das testemunhas. Algumas estimaram o tempo em, no mínimo, três minutos - outras, no máximo, em cinco. A porta foi aberta com dificuldade. "Alfonso Garcio, agente funerário, declara que mora na Rue Morgue. É nativo da Espanha. Fez parte do grupo que entrou na casa. Não subiu a escada. É nervoso, e receou as conseqüências daquela agitação. Ouviu as vozes discutindo. A voz grossa era de um francês. Não distinguiu o que se dizia. A voz aguda era de um inglês - disso tem certeza. Não entende a língua inglesa, mas conclui pela entonação. "Alberto Montani, confeiteiro, declara que estava entre os primeiros a subirem a escada. Ouviu as vozes em questão. A grossa era de um francês. Distinguiu várias palavras. Quem falava parecia estar repreendendo. Não distinguiu as palavras da voz aguda. Falava rápido e desigual. Pensa que era a voz de um russo. Corrobora o testemunho geral. É italiano. Jamais conversou com um nativo da Rússia. "Várias testemunhas, chamadas de novo a depor, atestaram que as chaminés de todos os quartos do quarto andar eram estreitas demais para admitir a passagem de um ser humano. Com 'varreduras', referiam-se a escovas cilíndricas, como as empregadas pelos limpadores de chaminés. Passaram-se essas escovas para cima e para baixo em cada fumeiro da casa. Não há passagem nos fundos pela qual alguém pudesse haver descido quando o grupo subia a escada. O corpo de Mademoiselle L'Espanaye estava tão firmemente socado na chaminé que só pôde ser baixado depois que quatro ou cinco do grupo juntaram suas forças. "Paul Dumas, médico, declara que foi chamado para ver os corpos por volta do amanhecer. Achavam-se os dois lá no colchão da cama, no quarto onde se encontrou Mademoiselle L. O cadáver da senhorita estava muito machucado e escoriado. O fato de haver sido enfiado pela chaminé acima bastaria para explicar essa aparência. A garganta fora muito esfolada. Havia vários arranhões fundos logo abaixo do queixo, junto com uma série de manchas lívidas, que eram evidentes marcas de dedos. Tinha o rosto pavorosamente descorado, e os globos oculares saltados. A língua fora em parte decepada com os dentes. Descobriu-se uma grande mancha na boca do estômago, produzida, ao que parecia, pela pressão de um joelho. Na opinião de M. Dumas, Mademoiselle L'Espanaye fora estrangulada até a morte por pessoa ou pessoas desconhecidas. O cadáver da mãe achava-se horrivelmente mutilado. Todos os ossos da perna e braço direitos haviam sido mais ou menos despedaçados. A tíbia esquerda muito rachada, assim como todas as costelas do lado direito. Todo o corpo pavorosamente machucado e descolorado. Não foi possível dizer como os ferimentos haviam sido infligidos. Um pesado porrete de madeira, ou uma larga barra de ferro - uma cadeira -, qualquer arma grande, pesada e contundente haveria produzido tais resultados, se brandida nas mãos de um homem muito forte. Nenhuma mulher poderia haver infligido os golpes, com qualquer arma. A cabeça da falecida, ao ser vista pelas testemunhas, achava-se inteiramente separada do corpo, e também muito despedaçada. A garganta fora evidentemente cortada com um instrumento muito afiado - provavelmente uma navalha. "Alexandre Etienne, barbeiro, foi chamado com M. Dumas para examinar os corpos. Corroborou o depoimento e as opiniões de M. Dumas. "Nada mais de importância veio à luz, embora se interrogassem várias outras pessoas. Um assassinato tão extraordinário, e tão intrigante em todos os aspectos, jamais foi cometido em Paris - se de fato se cometeu um assassinato afinal. A polícia está inteiramente perdida - uma ocorrência incomum em casos dessa natureza. Não se vê, no entanto, sombra de alguma pista." A edição vespertina do jornal declarava que continuava a maior excitação no Quartier St. Roch - que a casa fora cuidadosamente revistada de novo, mas sem nenhum resultado. Um pós-escrito, porém, dizia que Adolphe Le Bon fora detido e preso - embora nada parecesse incriminá-lo, além dos fatos detalhados. Dupin pareceu singularmente interessado no andamento do caso - pelo menos, foi o que julguei pela maneira como não fez comentários. Só depois do anúncio de que Le Bon 'ora preso foi que ele pediu minha opinião sobre os assassinatos. Eu só podia concordar com toda a Paris, considerando-os um mistério insolúvel. Não havia meios de identificar o assassino. - Não devemos julgar os meios - disse Dupin - por essa casca de investigação. A polícia parisiense, tão gabada por seu acume, é astuta. Não há método em seus processos, além do método do momento. Eles fazem uma enorme ostentação de medidas; mas, não raro, são tão maladaptados aos objetivos propostos que nos lembram Monsieur Jourdain pedindo o seu robe-dechambre - pour mieux entendre la musique. Os resultados atingidos por eles não raras vezes são surpreendentes, mas, na maioria, alcançados por simples diligência e atividade. Quando não se dispõe dessas qualidades, seus planos fracassam. Vidocq, por exemplo, tinha bons palpites, e era homem perseverante. Mas, sem pensamento educado, errou continuamente pela própria intensidade da investigação. Prejudicava sua visão segurando o objeto perto demais. Podia ver, talvez, um ou dois pontos com incomum clareza, mas ao fazer isso, necessariamente, perdia de vista a questão como um todo. Portanto, é possível sermos profundos demais. A verdade não está sempre num poço. De fato, no que se refere ao conhecimento mais importante, creio que está invariavelmente na superfície. A profundidade está nos vales onde a procuramos, não nos topos das montanhas onde ela se encontra. Os modos e origens desse tipo de erro estão bem exemplificados na contemplação dos corpos celestes. Olhar uma estrela em relances... vê-la de uma forma lateral, voltando para ela as partes exteriores da retina (mais susceptíveis a fracas impressões de luz que o interior), é ver distintamente a estrela ... é ter a melhor apreciação de seu brilho ... um brilho que enfraquece na mesma proporção em que voltamos nossa atenção em cheio para ela. No último caso, um maior número de raios bate de fato no olho, mas no primeiro há uma capacidade mais refinada de compreensão. Com uma profundidade indevida, confundimos e debilitamos o pensamento; e é possível fazer a própria Vênus desaparecer do firmamento com um escrutínio demasiado permanente, demasiado concentrado ou demasiado direto. "Quanto a esses assassinatos, façamos uma certa investigação nós mesmos, antes de formarmos uma opinião sobre eles. Vai nos proporcionar diversão. [Eu julguei esse um termo curioso, assim aplicado, mas nada disse.] E além do mais, Le Bon certa vez me prestou um serviço pelo qual não sou ingrato. Vamos ver a casa com nossos próprios olhos. Conheço G**, o Prefeito de Polícia, e não terei dificuldade para obter a permissão necessária." Obtivemos a permissão e fomos logo à Rue Morgue. Trata-se de uma dessas vias públicas miseráveis, que liga a Rue Richelieu e a Rue St. Roch. Era tarde avançada quando lá chegamos, pois esse bairro fica muito longe daquele em que moramos. Encontramos logo a casa; ainda havia muitas pessoas olhando as janelas de cima fechadas, com uma curiosidade inútil, do lado oposto da rua. Era uma casa parisiense comum, com um portão, ao lado do qual havia uma casinha envidraçada, com uma portinhola corrediça na janela, indicando uma loge de concierge. Antes de entrarmos, percorremos a rua, descemos por um beco e depois, virando mais uma vez, passamos pelos fundos do prédio - Dupin examinando, enquanto isso, toda a vizinhança, além do casa, com minuciosa atenção, para a qual eu não via objetivo possível. Refazendo nossos passos, chegamos de novo à frente da morada, tocamos e, após mostrarmos nossas credenciais, fomos admitidos pelo agente encarregado. Subimos a escada - e entramos no quarto onde fora encontrado o corpo de Mademoiselle L'Espanaye, e onde ainda jaziam as duas falecidas. Havia-se deixado, como sempre, permanecer a desordem do quarto. Nada vi além do que fora dito na Gazette des Tribunaux. Dupin escrutinizou cada coisa - não excetuando os corpos das vítimas. Passamos então aos outros quartos, e ao pátio; um gendarme nos acompanhando a toda parte. A investigação nos ocupou até o anoitecer, quando partimos. A caminho de casa, meu companheiro entrou por um momento na redação de um dos jornais diários. Eu disse que os caprichos de meu amigo eram múltiplos, e que je les ménagais {9} . -para esta frase não há equivalente inglês. Deu-lhe na veneta, então, recusar toda conversa sobre o tema do assassinato, até o meio-dia do dia seguinte. Então me perguntou, de repente, se eu observara alguma coisa peculiar na cena da atrocidade. Alguma coisa na maneira de ele enfatizar a palavra peculiar me causou um arrepio, sem saber por quê. - Não, nada peculiar - eu disse; - nada mais, peio menos, do que eu e você vimos publicado no jornal. - Receio que A Gazette - ele respondeu - não compreendeu o verdadeiro horror da coisa. Mas deixe para lá a ociosa opinião desse jornal. Parece-me que este mistério é considerado insolúvel pelo motivo mesmo que devia fazê-lo ser visto como de fácil solução... quer dizer, o caráter outré de suas características. A polícia foi confundida pela aparente ausência de motivo... não pelo próprio assassinato ... mas pela atrocidade do assassinato. Também estão intrigados pela aparente impossibilidade de conciiiar as vozes ouvidas na discussão com o fato de que não se encontrou ninguém lá em cima, além da assassinada Mademoiselle L'Espanaye, e de que não havia meios de saída sem que o grupo a subir visse. A louca desordem do quarto; a pavorosa mutilação do corpo da velha senhora; essa consideração, junto com as há pouco mencionadas, e outras que não preciso citar, bastou para paralisar as forças, fazendo falhar completamente seu louvado acume, dos agentes do governo. Caíram no erro grosseiro, mas comum, de confundir o incomum com o abstruso. Mas é por esses desvios do plano do comum que a razão tateia seu caminho, se o faz, na busca da verdade. Em investigações como a que agora fazemos, não se deve tanto perguntar "que aconteceu", mas "que aconteceu que nunca aconteceu antes" Na verdade, a facilidade com que vou chegar, ou já cheguei, à solução do mistério está na proporção direta de sua aparente insolubilidade aos olhos da polícia. Eu o fitava mudo, pasmo. - Estou agora à espera - ele continuou, olhando a porta de nosso aposento -, estou agora à espera de uma pessoa que, embora talvez não seja o autor da carnificina, deve ter estado em alguma medida implicado em sua perpetração. Da pior parte dos crimes cometidos, é provável que ele seja inocente. Espero estar certo nesta suposição; pois sobre ela construo minha expectativa de interpretar todo o enigma. Espero o homem aqui. .. nesta sala. .. a qualquer momento. É verdade que ele pode não vir; mas a probabilidade é de que venha. Se vier, será necessário detê-lo. Aqui estão as pistolas; e nós dois sabemos usá-las quando a ocasião o exige. Peguei as pistolas, mal sabendo o que fazia ou acreditando no que ouvia, enquanto Dupin prosseguia, em grande parte como num solilóquio. Já falei de sua maneira abstrata nesses momentos. Dirigia seu discurso a mim; mas a voz, embora de jeito nenhum alta, tinha aquela entonação em geral empregada quando se fala a alguém muito distante. Os olhos, com um ar vazio, olhavam só a parede. - Que as vozes ouvidas a discutir - ele disse - pelo grupo na escada não eram das próprias mulheres, foi plenamente provado pelos depoimentos. Isso nos livra de toda dúvida sobre a questão de saber se a velha senhora poderia primeiro haver destruído a filha e depois se suicidado. Toco neste ponto apenas por uma questão de método; pois a força de Madame L'Espanaye não estaria absolutamente à altura da tarefa de enfiar o cadáver da filha pela chaminé acima, como foi encontrado; e a natureza dos ferimentos em sua própria pessoa exclui inteiramente a autodestruição. O assassinato, pois, foi cometido por uma terceira parte; e as vozes dessa terceira parte foram as ouvidas na discussão. Deixe-me chamar sua atenção agora... não para todos os depoimentos sobre essas vozes... mas para o que havia de peculiar nesses depoimentos. Você observou alguma coisa peculiar neles? Observei que, embora todas as testemunhas concordassem em supor que a voz grossa era de um francês, havia muito desacordo sobre a voz aguda, ou, como a qualificou um indivíduo, áspera. - Esse era o próprio depoimento - disse Dupin -, não a peculiaridade do depoimento. Você não observou nada diferente. E no entanto, havia uma coisa a ser observada. As testemunhas, como você observa, concordaram sobre a voz grossa; nesse ponto, foram unânimes. Mas em relação à voz aguda, a peculiaridade é... não que hajam discordado. .. mas que, quando um italiano, um inglês, um espanhol, um holandês e um francês tentaram descrevê-Ia, cada um falou dela como de um estrangeiro. Todos têm certeza de que não era a voz de um dos seus compatriotas. Todos a dizem parecida ... não com a voz de um indivíduo de algum país cuja língua ele fala... mas o inverso. O francês supõe que era a voz de um espanhol, e que "poderia haver distinguido algumas palavras se conhecesse espanhof'. O holandês afirma que era de um francês; mas vemos declarado que, "não entendendo francês, essa testemunha foi interrogada por intermédio de um intérprete". O inglês acha que a voz era de um alemão, e "não entende alemão". O espanhol "tem certeza" de que era de um inglês, mas "julga pela entonação", inteiramente, "uma vez que não tem conhecimento de inglês". O italiano acredita que a voz era russa, mas "nunca conversou com um nativo da Rússia". Um segundo francês diverge, além disso, do primeiro, e tem certeza de que a voz era de um italiano; mas "não conhecendo essa língua", é, como o espanhol, convencido "pela entonação". Ora, como deve ter sido estranhamente não familiar essa língua, sobre a qual se pôde obter depoimentos desses!... em cujos tons, mesmo cidadãos de cinco grandes divisões da Europa não reconheceram nada familiar! Você dirá que podia ser a voz de um asiático... de um africano. Nem asiáticos nem africanos abundam em Paris; mas, sem negar a dedução, chamarei agora a sua atenção para três pontos. A voz é qualificada por uma das testemunhas como "mais áspera que aguda". É descrita por dois outros como "rápida e desiguaf. Nenhuma das testemunhas mencionou palavra alguma. .. sons semelhantes a palavras... como distinguível. "Eu não sei", continuou Dupin, "que impressão devo ter causado, até agora, em sua compreensão; mas não hesito em dizer que as deduções legítimas mesmo dessa parte dos depoimentos - a parte sobre as vozes grossa e aguda - são em si suficientes para engendrar uma suspeita que deve orientar todo progresso posterior na investigação do mistério. Eu disse 'deduções legítimas'; mas com isso não expresso tudo que quero dizer. Pretendia sugerir que as deduções são as únicas apropriadas, e que a suspeita surge inevitavelmente delas como resultado único. Qual é essa suspeita, porém, eu não vou dizer ainda. Quero apenas que você tenha em mente que, para mim, teve força suficiente para dar uma forma definitiva - uma certa tendência - às minhas investigações no quarto. "Transportemo-nos agora, em imaginação, àquele quarto. Que procuraremos primeiro ali? Os meios de saída empregados pelos assassinos. Não é demasiado dizer que nenhum de nós acredita em fatos sobrenaturais. Madame e Mademoiselle L'Espanaye não foram destruídas por almas. Os autores do fato eram seres materiais e escaparam por meios materiais. Então como? Felizmente, só há um modo de raciocinar sobre esse ponto, e esse modo tem de .levar-nos a uma decisão definitiva. Examinemos, um por um, os possíveis meios de fuga. Está claro que os assassinos se achavam no quarto onde Mademoiselle L'Espanaye foi encontrada, ou pelo menos no quarto vizinho, quando o grupo subiu a escada. É pois apenas nesses dois aposentos que temos de buscar saídas. A policia desnudou o piso, o teto e a argamassa das paredes, em todas as direções. Nenhuma saída secreta haveria escapado à sua vigilância. Mas, não confiando nos olhos deles, eu examinei com os meus. Não havia, pois, saídas secretas. As duas portas dos quartos para o corredor estavam firmemente trancadas, com as chaves por dentro. Voltemo-nos para as chaminés. Estas, embora de largura normal por uns oito ou dez palmos acima do fogo, não admitem em toda a sua extensão o corpo de um gato grande. Sendo assim, absoluta a impossibilidade de saída pelos meios já declarados, ficamos reduzidos às janelas. Por uma das da frente, ninguém poderia haver escapado sem chamar a atenção da multidão na rua. Os assassinos têm de haver passado, pois, pelas do quarto dos fundos. Ora, chegados a esta conclusão da maneira inequívoca que chegamos, não nos cabe, como raciocinadores, rejeitá-la pelas aparentes impossibilidades. Só nos resta provar que essas aparentes "impossibilidades", na verdade, não o são. "Há duas janelas no quarto. Uma delas não está obstruída por móveis, e fica inteiramente à vista. A parte de baixo da outra é oculta pela cabeceira da armação da cama, empurrada contra ela. A vidraça da primeira foi encontrada firmemente trancada por dentro. Resistiu à máxima força daqueles que tentaram levantá-la. Haviam aberto um grande buraco, com uma pua no caixilho da esquerda, e enfiado quase até a cabeça um prego bastante forte. Ao examinar a outra janela, viuse um prego semelhante, pregado de maneira semelhante; e uma vigorosa tentativa de erguer a vidraça também fracassou. A polícia convenceu-se então de que a saída não se dera por esse lado. E, portanto, julgou-se supérfluo retirar os pregos e abrir as janelas. "Meu exame foi um pouco mais detalhado, e o foi pelo motivo que já apresentei -porque era ali, eu sabia, que se tinha de provar que todas as aparentes impossibilidades não o eram na realidade. "Prossegui pensando assim - a posteriori. Os assassinos fugiram por uma daquelas janelas. Assim sendo, não podiam haver tornado a fechá-las por dentro, como foram encontradas; - consideração que deteve, por sua obviedade, o escrutínio da polícia neste ponto. Mas as vidraças estavam trancadas. Tinham, pois, de ter a possibilidade de trancar-se por si mesmas. Não havia como fugir a esta conclusão. Aproximei-me do caixilho não obstruído, retirei o prego com alguma dificuldade e tentei erguer a vidraça. Ela resistiu a todos os meus esforços, como eu previra. Eu sabia agora que devia haver uma mola oculta; e essa corroboração de minha idéia me convenceu de que minhas premissas, pelo menos, eram corretas, por mais misteriosas que ainda parecessem as circunstâncias em torno dos pregos. Uma cuidadosa busca logo trouxe à luz a mola oculta. Apertei-a, e, satisfeito com a descoberta, abstive-me de levantar a vidraça. "Repus então o prego e examinei-o com atenção. Uma pessoa que passasse por aquela janela podia havê-la fechado de novo, e a mola haveria pegado - mas o prego não seria reposto. A conclusão era clara, e mais uma vez estreitava o campo de minhas investigações. Os assassinos tinham de haver fugido pela outra janela. Supondo, então, que as molas em cada vidraça fossem iguais, como era provável, tinha-se de descobrir uma diferença entre os pregos, ou pelo menos entre os modos de fixá-los. Subindo no estrado da cama, olhei minuciosamente, por cima da cabeceira, o segundo caixilho. Descendo a mão por trás da tábua, logo descobri e apertei a mola, que era, como eu supunha, idêntica à da janela vizinha. Olhei então o prego. Era tão robusto quanto o outro, e aparentemente se encaixava da mesma maneira - enterrado quase até a cabeça. "Você dirá que fiquei intrigado; mas, se assim pensa, deve haver entendido mal a natureza das deduções. Para usar uma expressão do esporte, eu não cometera nenhuma 'falta'. Jamais perdera, nem por um instante, o faro. Não havia falha em nenhum elo da cadeia. Eu rastreara o segredo até o seu resultado último - e esse resultado era o prego. Ele tinha, repito, em todos os aspectos a aparência do seu irmão na outra janela; mas esse fato era uma absoluta nulidade (por mais conclusivo que parecesse) quando comparado com a idéia de que ali, naquele ponto, terminava a pista. 'Tem de haver alguma coisa errada', eu disse, 'no prego'. Toquei-o; e a cabeça, com cerca de uma polegada da haste, saiu em meus dedos. O resto do prego ficou no buraco da pua, onde fora quebrado. A fratura era velha (tinha as bordas enferrujadas), e fora aparentemente feita por uma martelada, que enterrara um pouco, no pé da vidraça de baixo, a parte da cabeça do prego. Repus então com cuidado essa parte da cabeça no buraco de onde a tirara, e a semelhança de um prego completo era tot. . I -- não se via a fissura. Apertando a mola, ergui delicadamente a vidraça algumas polegadas; a cabeça subiu com ela, permanecendo firme no buraco. Baixei a vidraça, e a semelhança do prego inteiro ficou outra vez perfeita. "Decifrado, até ali, estava esse enigma. O assassino havia fugido pela janela atrás da cama. Caindo por si mesma após a saída dele (ou talvez deliberadamente fechada), a janela fora presa pela mola; e era a retenção dessa mola que a polícia tomara pelo prego - considerando assim desnecessário investigar mais. "A questão seguinte era o modo da descida. Sobre este ponto, eu me satisfizera em meu passeio com você em torno da casa. A cerca de cinco pés e meio [1,67m] do caixilho passa um páraraios. De sua haste, seria impossível alguém alcançar a própria janela, quanto mais entrar por ela. Observei, no entanto, que as janelas do quarto andar eram daquele tipo que os carpinteiros parisienses chamam de ferrades - um tipo raramente usado hoje, mas muitas vezes visto em velhas mansões de Lyons e Bordéus. Têm a forma de uma porta comum (inteiriça, não dupla), a não ser que a metade de baixo é em gelosia ou trabalhada em treliça - proporcionando assim excelentes pontos para alguém se agarrar. No caso presente, essas janelas têm uns bons três pés e meio [1,06m] de largura. Quando as vimos dos fundos da casa, estavam as duas meio abertas - quer dizer, em ângulo reto com a parede. É provável que a polícia, como eu, tenha examinado o fundo da casa; mas, se o fez, olhando as ferrades pela extensão da largura (como deve ter feito), não percebeu a grande largura em si, ou, de qualquer modo, não a levou na devida consideração. Na verdade, havendo-se convencido de que por ali não poderia ocorrer nenhuma fuga, faria naturalmente uma investigação muito superficial. Era claro para mim, porém, que a janela da cabeceira da cama, se aberta até encostar na parede, chegaria a dois palmos do pára-raios. Era também evidente que, com um extraordinário grau de atividade e coragem, podia-se assim efetuar a entrada na janela pelo pára-raios. Chegando à distância de dois pés e meio [76cm] (supomos agora a janela toda aberta), um ladrão poderia agarrar-se bem ao trabalho de treliça. Soltando então a haste do pára-raios, apoiando o pé firmemente na parede e empurrando-a, poderia mover a janela de modo a fechá-Ia, e, se imaginamos a janela aberta nessa ocasião, projetar-se dentro do quarto. "Desejo que você tenha sobretudc em mente que eu falei em um grau bastante extraordinário de atividade como requisite. para o sucesso num feito tão arriscado e dificil. Pretendo mostrar-lhe, primeiro, que se poderia realizar a coisa: - mas, segundo e principalmente, quero gravar em sua compreensão o caráter bastante extraordinário - quase sobrenatural dessa agilidade que poderia havê-lo conseguido. "Você dirá, sem dúvida, usando a linguagem da lei, que, 'para montar minha argumentação, eu devia mais subestimar que insistir numa plena avaliação da atividade exigida neste caso: Talvez seja essa a prática na lei, mas não é o costume da razão. Meu objetivo último é apenas a verdade. Meu propósito imediato é levá-lo a justapor essa atividade bastante extraordinária de que acabo de falar àquele grito bastante peculiar (ou áspero) e àquela voz desigual sobre cuja nacionalidade não se encontraram duas pessoas que concordassem, e em cuja fala não se detectou nenhuma silabação." A essas palavras, passou por minha mente uma vaga e incompleta idéia do que Dupin queria dizer. Pareceu-me estar à beira da compreensão, sem chegar a compreender - como os homens, às vezes, se vêem à beira da lembrança, sem conseguir, no fim, lembrar. Meu amigo prosseguiu com seu discurso. - Você verá - disse - que mudei a questão do modo de saída para o de entrada. Eu pretendia transmitir a idéia de que as duas foram feitas da mesma maneira, no mesmo ponto. Voltemos agora ao interior do quarto. Examinemos as aparências ali. As gavetas da cômoda, dizem, foram revistadas, embora muitos artigos de vestuário continuassem lá dentro. A conclusão aqui é absurda. É um mero palpite... e bastante tolo. .. e nada mais. Como vamos saber que os artigos encontrados nas gavetas eram todos os que essas gavetas continham originalmente? Madame L'Espanaye e sua filha viviam uma vida demasiado reclusa ... não viam ninguém ... raras vezes saíam ... não precisavam de muitas mudas de roupa. As encontradas eram de qualidade tão boa quanto as que se pode encontrar na posse dessas senhoras. Se um ladrão houvesse levado algumas, por que não levou as melhores... por que não levou todas? Numa palavra, por que abandonou quatro mil francos em ouro para estorvar-se com uma trouxa de roupa? O ouro foi abandonado. Quase toda a soma mencionada por Monsieur Mignaud, o banqueiro, foi descoberta, em bolsas, no chão. Quero que você afaste pois dos pensamentos a idéia errada de motivo, engendrada nos cérebros da polícia por aquela parte da investigação que fala do dinheiro entregue na porta da casa. Coincidências dez vezes mais dignas de nota que essa (entrega de dinheiro e assassinato cometido três dias depois de o receberem) nos acontecem a cada hora de nossas vidas, sem chamar sequer uma atenção passageira. As coincidências, em geral, são grandes obstáculos no caminho daquela classe de pensadores educados para nada conhecer da teoria das probabilidades - a teoria à qual os mais gloriosos objetos de pesquisa humana devem os mais gloriosos esclarecimentos. No caso presente, se o ouro houvesse desaparecido, o fato de sua entrega três dias antes constituiria mais que uma coincidência. Corroboraria essa idéia de motivo. Mas, nas circunstâncias reais do caso, se devemos supor o ouro como o motivo desse crime, temos também de imaginar o perpetrador como um idiota tão vacilante que abandonou, juntos, seu ouro e seu motivo. 'Tendo agora firmes na mente os pontos para os quais chamei sua atenção - a voz peculiar, a agilidade extraordinária e a espantosa ausência de motivo num assassinato tão singularmente atroz como este - olhemos agora a própria chacina. Aí está uma mulher estrangulada até a morte e enfiada por uma chaminé acima de cabeça para baixo. Os assassinos comuns não empregam um modo de assassinato desses. Menos ainda se livram do cadáver dessa forma. Na maneira de enfiar o cadáver na chaminé, você admitirá que há alguma coisa de demasiado outré - alguma coisa inteiramente inconciliável com nossas idéias normais de ação humana, mesmo quando supomos que os atores sejam os homens mais depravados. Pense, também, como deve ter sido grande a força que poderia socar o corpo para cima numa tal abertura, com tanta força que, como se descobriu, o vigor de várias pessoas mal foi suficiente para arrastá-lo para baixo! 'Volte-se, agora, para outros indícios do emprego de um vigor espantoso. Na lareira, havia grossas tranças - muito grossas - de cabelos humanos grisalhos. Foram arrancadas pelas raízes. Você está ciente da força necessária para arrancar assim da cabeça mesmo vinte ou trinta fios juntos. Viu as madeixas em questão tão bem quanto eu. As raízes (uma visão hedionda!) tinham grudados fragmentos da carne do couro cabeludo -sinal seguro do poder prodigioso exercido para desenraizar talvez um milhão de fios de uma vez. A garganta da velha senhora não foi apenas cortada, mas a cabeça absolutamente decepada do corpo; o instrumento foi uma simples navalha. Quero que você veja também a brutal ferocidade desses atos. Não falo nada das manchas no corpo de Madame L'Espanaye. Monsieur Dumas e seu digno coadjutor Monsieur Etienne declararam que foram infligidas por um instrumento contundente; e até agora esses cavalheiros estão corretos. O instrumento contundente foi claramente os paralelepípedos do pátio no qual a vítima caiu da janela atrás da cama. Essa idéia, por mais simples que pareça agora, escapou à polícia pelo mesmo motivo que a largura da janela - porque, devido ao caso dos pregos, a percepção dos policiais fora hermeticamente lacrada contra a possibilidade de as janelas haverem sido sequer abertas. "Se agora, além de tudo isso, você refletiu corretamente sobre a curiosa desordem do quarto, conseguimos até então combinar as idéias de agilidade espantosa, força sobre-humana, brutal ferocidade, carnificina sem motivo, horrorosa grotesquerie, absolutamente alheia à humanidade, e uma voz de tom estrangeiro para os ouvidos de homens de muitos países, e desprovida de toda silabação distinta ou inteligível. Que resultado, assim, se seguiu? Que impressão causei em sua imaginação?' Senti um arrepio na pele quando Dupin me fez a pergunta. - Foi um louco - disse - que fez isso... algum maníaco varrido, fugido de uma Maison de Santé vizinha. - Em alguns aspectos - ele respondeu - sua idéia não é irrelevante. Mas jamais se constatou que as vozes dos loucos, mesmo nos piores paroxismos, correspondam àquela voz peculiar ouvida das escadas. Os loucos são de algum país, e sua língua, por mais incoerentes que sejam as palavras, sempre tem a coerência da silabação. Além disso, o cabelo de um louco jamais é como este que tenho na mão. Desgrudei este pequeno tufo dos dedos rigidamente fechados de Madame L'Espanaye. Diga-me o que depreende disto. - Dupin! - eu disse, inteiramente consternado; - esse cabelo é bastante extraordinário. .. isso não é cabelo humano! - Eu não disse que é - ele disse; - mas, antes de decidirmos esse ponto, quero que você veja um desenho que fiz aqui neste papel. É uma descrição em fac-simile do que foi descrito numa parte do depoimento como "manchas roxas e profundas marcas de unhas" na garganta de Madame L'Espanaye, e em outra (pelos Monsieurs Dumas e Etienne) como uma "série de manchas lívidas, evidentes marcas de dedos". - Você perceberá - continuou meu amigo, abrindo um papel sobre a mesa à nossa frente - que este desenho dá a idéia de um aperto firme e fixo. Não se vêem escorregos. Cada dedo reteve - possivelmente até a morte da vítima - o pavoroso aperto com que originalmente se cravou. Tente agora pôr todos os seus dedos, ao mesmo tempo, nas respectivas marcas que vê. Fiz em vão a tentativa. - É possível que não estejamos dando a esta questão um julgamento justo - ele disse. - O papel está aberto sobre uma superfície plana; mas a garganta humana é cilíndrica. Eis aqui um toro de madeira, de circunferência mais ou menos igual ao da garganta. Enrole o papel em torno dele e tente de novo. Eu o fiz; mas a dificuldade foi ainda mais óbvia que antes. - Isto - eu disse - não é marca de mão humana. - Agora leia - ele disse - este trecho de Cuvier. Era uma minuciosa explicação anatômica e descrição geral do grande orangotango ruço das ilhas das índias Ocidentais. A estatura gigantesca, a força e atividade prodigiosas, a selvagem ferocidade e as tendências imitativas desses mamíferos são bastante conhecidas de todos. Entendi imediatamente todo o horror do assassinato. - A descrição dos dedos - eu disse, ao acabar a leitura - está em exato acordo com esse desenho. Vejo que nenhum animal além do orangotango, da espécie aqui mencionada, poderia ter deixado as marcas que você desenhou. O tufo de pêlos vermelhos, também, é de aspecto idêntico ao da fera de Cuvier. Mas não compreendo os detalhes desse pavoroso mistério. Além disso, havia duas vozes na discussão, e uma delas era inquestionavelmente de um francês. - É verdade; e você se lembrará de uma expressão atribuída quase unanimemente pelas testemunhas a essa voz: - a expressão "mon Dieu!" Isso, nas circunstâncias, foi exatamente caracterizado por uma das testemunhas (o confeiteiro Montani) como uma expressão de advertência ou repreensão. Sobre essas duas palavras, pois, construí sobretudo minhas esperanças de plena solução do enigma. Um francês conhecia o assassino. É possível.. . na verdade, muito mais que provável. .. que estivesse inocente de toda participação no que ocorria. O orangotango pode ter escapado dele. Ele pode tê-lo encontrado no quarto; mas, nas agitadas circunstâncias que se seguiram, jamais poderia havê-lo recapturado. Continua solto. Não continuarei com esses palpites. .. pois não tenho o direito de chamá-los mais que isso... uma vez que as tênues reflexões em que se baseiam mal têm profundidade suficiente para que meu próprio intelecto possa apreciá-los, e que não posso pretender torná-los inteligíveis à compreensão de outrem. Chamemo-los de palpites, pois, e falemos deles como tais. Se o francês em questão está de fato, como suponho, inocente dessa atrocidade, este anúncio, que deixei ontem à noite, ao voltarmos para casa, na redação de Le Monde (um jornal dedicado a questões de navegação, e muito procurado por marinheiros) o trará à nossa residência. Entregou-me um papel, que eu li: "CAPTURADO - No Bois de Boulogne, de manhã cedo no dia *** (a manhã do assassinato), um orangotango muito grande e ruço, da espécie de Bornéu. O dono (que se constatou ser marinheiro de um navio maltês) pode recuperar o animal, após identificá-lo satisfatoriamente e pagar algumas despesas resultantes de sua captura e manutenção. Procurar na Rue *** n° ***, Faubourg St. Germain - no terceiro andar.” - Como foi possível - perguntei - você saber que o homem era marinheiro, e de um navio maltês? - Eu não sei - disse Dupin. - Não tenho certeza disso. Aqui, no entanto, está um pequeno pedaço de fita, que pela forma e aparência gordurosa foi evidentemente usada para prender os cabelos de um desses rabichos dos quais os marinheiros tanto gostam. Além disso, este nó é daqueles que poucos marinheiros sabem dar, e peculiar aos malteses. Peguei a fita no pé do pára-raios. Não podia pertencer a nenhuma das falecidas. Ora, se afinal estou errado em minha dedução a partir desta fita, de que o francês era um marinheiro de um navio maltês, ainda assim não posso ter feito nenhum mal dizendo o que disse no anúncio. Se estiver errado, ele simplesmente suporá que fui desnorteado por alguma circunstância sobre a qual não se dará o trabalho de perguntar. Mas se eu estiver certo, marcou-se um importante tento. Conhecedor, apesar de inocente, do assassinato, o francês naturalmente hesitará em responder ao anúncio. .. em reclamar o orangotango. Raciocinará assim: "Eu sou inocente; sou pobre; meu orangotango tem grande valor. .. para alguém em minhas circunstâncias, uma fortuna em si. por que deveria eu perdê-lo por medo ocioso do perigo? Aí está ele, ao meualcance. Foi encontrado no Bois de Boulogne... a enorme distância da cena daquela carnificina. Como se pode jamais supor que um animal feroz foi o autor do feito? A polícia está perdida. .. não produziu a mais leve pista. Se algum dia rastrearem o animal, seria impossível provar que eu sei do assassinato. Acima de tudo, eu sou conhecido. O autor do anúncio me designa como dono do bicho. Não sei até onde vai o conhecimento dele. Se eu não reclamar uma propriedade de tão grande valor, que se sabe que possuo, tornarei o animal, pelo menos, sujeito à suspeita. Não é de meu proveito chamar a atenção para mim mesmo ou para o animal. Vou responder ao anúncio, pegar o orangotango e mantê-lo preso até passar essa história." Nesse momento, ouvimos um passo na escada. - Esteja pronto - disse Dupin - com as pistolas, mas não as use nem mostre enquanto eu não der o sinal. A porta da frente da casa fora deixada aberta, e o visitante entrara, sem tocar a campainha, e subira vários degraus da escada. Agora, porém, parecia hesitar. Acabamos por ouvi-lo descer. Dupin correu para a porta, quando mais uma vez o ouvimos subindo. Não voltou uma segunda vez, mas avançou decidido, e bateu na porta de nossa sala. - Entre - disse Dupin, num tom alegre e caloroso. Entrou um homem. Era um marinheiro, evidentemente - uma pessoa alta, robusta e de aparência musculosa, com uma certa expressão ousada, não inteiramente antipática. Tinha mais da metade do rosto, muito queimado de sol, oculta por suíças e o mustachio. Trazia consigo um cacete de carvalho, mas fora isso parecia desarmado. Fez uma mesura desajeitada, desejou-nos "boa noite" num francês que, embora um tanto de Neufchâtel, ainda indicava bastante origem parisiense. - Sente-se, meu amigo - disse Dupin. - Creio que veio buscar o orangotango. Palavra de honra, eu lhe invejo a posse dele; um animal excelente, e sem dúvida muito valioso. Quantos anos supõe que tenha? O marinheiro inspirou fundo, com o ar de um homem aliviado de um fardo insuportável, e respondeu, num tom seguro: - Não tenho como saber ... mas não pode ter mais de quatro ou cinco anos. O senhor está com ele aqui? - Oh, não; não temos instalações para mantê-lo aqui. Está numa estrebaria na Rue Dubourg, perto. O senhor pode pegá-lo pela manhã. Por certo está preparado para identificar a propriedade. - Por certo que sim, senhor. - Vou sentir separar-me dele - disse Dupin. - Eu não pretendo que o senhor tenha tido todo esse trabalho por nada, senhor -disse o homem. - Não podia esperar isso. Estou inteiramente disposto a pagar uma recompensa por haver achado o animal ... quer dizer, qualquer coisa razoável. - Bem - respondeu meu amigo -, isso é muito justo, decerto. Deixe-me pensar!.. . quanto pedirei? Oh! Já lhe digo. Minha recompensa será o seguinte. O senhor me dará toda informação de que dispõe sobre esses assassinatos na Rue Morgue. Dupin disse as últimas palavras num tom muito baixo, e muito calmo. Com a mesma calma, também, dirigiu-se para a porta, trancou-a e pôs a chave no bolso. Depois tirou uma pistola do peito e colocou-a, sem o menor alvoroço, em cima da mesa. O rosto do marinheiro enrubesceu como se ele lutasse com uma sufocação. O homem saltou de pé e pegou o cacete; mas no momento seguinte caiu de volta no assento, tremendo violentamente, e com o rosto da própria morte. Não disse uma palavra. Tive pena dele, do fundo do coração. - Meu amigo - disse Dupin, num tom bondoso -, o senhor está se assustando sem necessidade. .. está mesmo. Não pretendemos fazer-lhe nenhum mal, eu lhe dou minha palavra de cavalheiro, e de francês, de que não pretendemos machucá-lo. Sei perfeitamente bem que o senhor é inocente das atrocidades na Rue Morgue. Não adianta, porém, negar que está de algum modo implicado neles. Pelo que eu já disse, deve saber que tenho meios de informação sobre este assunto ... meios com os quais o senhor jamais poderia haver sonhado. Agora a coisa está no seguinte. O senhor nada fez que pudesse ter evitado. .. nada, certamente, que o torne culpado. Não foi culpado nem de roubo, quando poderia ter roubado impunemente. Por outro lado, é obrigado por todos os princípios de honra a confessar tudo que sabe. Um homem inocente está preso agora, acusado de um crime cujo culpado o senhor pode apontar. O marinheiro recobrara em grande parte a presença de espírito, enquanto Dupin dizia essas palavras; mas desaparecera seu porte ousado original. - Com a ajuda de Deus! - disse, após uma breve pausa. - Eu vou contar ao senhor tudo que sei desse caso; mas não espero que acredite na metade do que vou dizer ... eu seria um tolo deveras se esperasse. Contudo, sou inocente, e vou abrir o peito, mesmo que morra por isso. Em resumo, o que declarou foi o seguinte. Fizera ultimamente uma viagem ao Arquipélago Índico. Um grupo do qual era membro desembarcou em Bornéu e foi ao interior numa excursão de diversão. Ele e um companheiro capturaram o orangotango. Havendo morrido esse companheiro, ele ficou com a posse exclusiva do animal. Após muito trabalho, causado pela intratável ferocidade do cativo durante a viagem de volta, conseguiu por fim alojá-lo em segurança em sua própria casa em Paris, onde, para não atrair para si a desagradável curiosidade dos vizinhos, mantinha-o cuidadosamente isolado, até o momento em que se recuperasse de um ferimento no pé, de um estrepe a bordo do navio. O objetivo último era vendê-lo. Ao voltar para casa de uma farra de marinheiros na noite, ou melhor, manhã do assassinato, encontrou a fera em seu quarto, que arrombara vindo de um quartinho ao lado, onde estivera, segundo ele pensava, confinada em segurança. Navalha na mão, e com a cara coberta de espuma, sentava-se diante de um espelho, tentando a operação de barbear-se, na qual sem dúvida vira antes o dono pelo buraco da fechadura do quartinho. Aterrorizado com a visão de uma arma tão perigosa na posse de um animal tão feroz, e tão bem habilitado a usá-la, o homem, por alguns instantes, não soube o que fazer. Acostumara-se, porém, a acalmar a criatura, mesmo nos estados mais ferozes, com o uso de um chicote, e a isso recorreu então. Ao ver o chicote, o orangotango saltou imediatamente pela porta do quarto, desceu a escada e dali, por uma janela, infelizmente aberta, ganhou a rua. O francês seguiu-o desesperado; o macaco, ainda com a navalha na mão, parava de vez em quando, voltava-se e gesticulava para seu perseguidor, até que este quase o alcançava. Ele então partia de novo. Dessa maneira a caçada prosseguiu por muito tempo. As ruas estavam em profundo silêncio, pois eram quase três horas da manhã. Ao cruzarem um beco atrás da Rue Morgue, a atenção do fugitivo foi atraída por uma luz que vinha da janela aberta do quarto de Madame L'Espanaye, no quarto andar de sua casa. Correndo para lá, o animal vira o pára-raios, subira com inconcebível agilidade, agarrara a folha da janela, inteiramente aberta contra a parede, e assim lançara-se diretamente na cabeceira da cama. Todo o ato não durou um minuto. A janela foi de novo aberta com o pé pelo orangotango ao entrar no quarto. O marinheiro, enquanto isso, achava-se ao mesmo tempo eufórico e perplexo. Tinha agora fortes esperanças de recapturar a fera, que dificilmente escaparia da armadilha em que se aventurara, a não ser pelo pára-raios, onde poderia ser interceptada ao descer. Por outro lado, havia muito motivo para ansiedade sobre o que ela poderia fazer dentro da casa. Essa última reflexão levou o homem a seguir ainda o fugitivo. Sobe-se sem dificuldades num pára-raios, sobretudo um marinheiro; mas, quando ele chegou à altura da janela, que ficava muito à sua esquerda, teve a carreira detida; o máximo que podia fazer era esticar-se para ter um vislumbre do interior do quarto. Ao tê-lo, quase caiu pelo excesso de horror. Foi então que se ouviram aqueles gritos hediondos na noite, que acordaram assustados os moradores da Rue Morgue. Madame L'Espanaye e sua filha, vestindo roupas de dormir, aparentemente haviam estado ocupadas em arrumar alguns papéis na arca de ferro já mencionada, que fora rolada para o meio do quarto. Estava aberta, o conteúdo ao lado, no chão. As vítimas deviam estar sentadas de costas para a janela; e, pelo tempo decorrido entre a entrada do animal e os gritos, parece provável que não o viram logo. O bater da janela naturalmente seria atribuído ao vento. Quando o marinheiro olhou para dentro, o gigantesco animal já havia agarrado Madame L'Espanaye pelos cabelos (soltos, pois ela os estivera penteando) e passava a navalha pelo seu rosto, imitando os movimentos de um barbeiro. A filha jazia prostrada e imóvel; desmaiara. Os gritos e bracejos da velha senhora (durante os quais os cabelos lhe foram arrancados da cabeça) tiveram o efeito de transformar em ira as intenções aparentemente pacíficas do orangotango. Com uma vigorosa passada do braço musculoso, quase decepou a cabeça do corpo. A visão do sangue inflamou sua fúria num frenesi. Rangendo os dentes, e chispando fogo dos olhos, ele voou sobre o corpo da moça e enterrou-lhe as terríveis garras na garganta, mantendo o aperto até ela expirar. Seus olhares errantes e desvairados caíram nesse momento na cabeceira da cama, acima da qual mal se percebia o rosto de seu dono, rígido de horror. A fúria da fera, que sem dúvida ainda se lembrava do temido chicote, tornou-se medo na mesma hora. Consciente de haver merecido castigo, ele pareceu desejar ocultar seus pavorosos atos, e pôs-se a saltar pelo quarto, numa agonia de agitação nervosa; derrubando e quebrando os móveis ao passar por eles, e arrancando o colchão e lençóis da cama da armação. Para concluir, agarrou primeiro o cadáver da filha e enfiou-o pela chaminé acima, como foi encontrado; depois o da velha senhora, que se apressou a jogar de cabeça pela janela. Quando o macaco se aproximou do caixilho com seu mutilado fardo, o marinheiro encolheu-se horrorizado na haste do pára-raios, e mais deslizando que descendo por ele, correu logo para casa - temendo as conseqüências da carnificina, e satisfeito em abandonar, no seu terror, toda preocupação com o destino do orangotango. As palavras ouvidas pelo grupo na escada eram as exclamações de horror e pavor do francês, misturadas com os demoníacos balbucios do animal. Dificilmente tenho mais alguma coisa a acrescentar. O orangotango deve ter escapado do quarto, pela haste do pára-raios, pouco antes do arrombamento da porta. Deve ter fechado a janela ao passar por ela. Foi depois capturado pelo próprio dono, que conseguiu por ele uma soma muito grande no Jardin des Plantes. Le Bon foi instantaneamente libertado após nossa narrativa das circunstâncias (com alguns comentários de Dupin) no bureau do Prefeito de Polícia. Esse funcionário, por mais boa vontade que tivesse para com meu amigo, não pôde esconder de todo sua frustração com o rumo que tomara o caso, e fez uma ou duas observações sarcásticas sobre o acerto de cada um cuidar de seus assuntos. - Deixe que ele fale - disse Dupin, que não julgara necessário responder. - Que discurse; vai aplacar sua consciência. Estou convencido de que o derrotei em seu próprio castelo. Mesmo assim, o fato de haver falhado na solução do mistério não é de modo algum essa coisa surpreendente que ele supõe; pois, na verdade, nosso amigo Prefeito é de algum modo astuto demais para ser profundo. Não há estorne em seu bom senso. Só tem cabeça, sem corpo, como os quadros da Deusa Laverna... ou, na melhor das hipóteses, só cabeça e ombros, como um bacalhau. Mas não deixa de ser uma boa criatura. Gosto dele sobretudo pelo seu golpe magistral de hipocrisia, com o qual ganhou fama de engenhosidade. Refiro-me à sua maneira de "niercequiest, etdexpliquercequinestpas" {10} . Tradução de Marcos Santarrita https://visionvox.net/biblioteca/c/Contos_Os_100_Melhores_Contos_de_Crime_e_Mist%C3%A9rio_da_Literatura_Universal.pdf *********************** *** Rodrigo Haidar: “Liberdade de expressão termina quando começa o Código Penal" 3.351 visualizações 25 de jul. de 2022 *******************************************************
*** Sinopse Completa Monsieur Dupin: um honrado cidadão de Paris que, usando apenas a observação aguçada e a lógica, desvenda casos considerados insolúveis pelas autoridades. Em Os assassinatos na rua Morgue, mãe e filha são assassinadas em um apartamento fechado, sem qualquer sinal de arrombamento. Depois de ouvir gritos estridentes, vizinhos entram e saem da cena do crime, cada um com uma especulação diferente sobre quem teria sido o assassino. A fama de Dupin se espalha pela cidade e ele é convidado pelo comissário de polícia para investigar o desaparecimento de uma jovem vendedora de perfumes. Para solucionar O mistério de Marie Rogêt, ele sequer precisa sair de casa: recortes de jornal bastam. Em A carta roubada, nosso detetive demonstra uma argúcia ainda maior. Um documento desaparece, e qualquer denúncia às autoridades levaria à revelação de seu conteúdo comprometedor. Mas, Dupin é desafiado a roubar a carta de volta.Nossa edição, traduzida por Isadora Prospero, traz ilustrações de Fernanda Azou e apresentação de Adriana Cecchi, criadora do Redatora de M*%$. Nos posfácios, Daise Lilian, professora da UFCG, contextualiza a obra de Poe, e Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (USP), analisa a influência da obra de Poe em nosso imaginário sobre o crime, a lei e a ordem. Alberto Mussa, premiado autor policial brasileiro, escreve sobre a influência intelectual e afetiva de Edgar Allan Poe em sua trajetória.A edição também garante acesso a duas videoaulas com Cláudia Fusco, mestre em Science Fiction Studies pela Universidade de Liverpool, para enriquecer a sua experiência. ********************************************************************************************* *** Mulher é encontrada morta em apartamento no centro de SP 3.531 visualizações 25 de jul. de 2022 Uma mulher que estava desaparecida foi encontrada morta em um apartamento no centro de SP. No local estava o filho dela, de apenas 8 meses, com sinais de desnutrição. ************************* Brasil SP: grávida é encontrada morta em casa ao lado da filha de 8 meses Polícia Civil procura companheiro da vítima, apontado como principal suspeito do crime. Bebê estava no berço, desidratada e desnutrida Cleomar Almeida 25/07/2022 10:38,atualizado 25/07/2022 10:52 ***
*** Vítima de feminicídio, Sandra Maria de Sousa é encontrada morta em apartamento na região da Sé, Centro de São PauloReprodução *** São Paulo – Uma mulher de 34 anos foi encontrada morta, em cima da cama, com marcas de agressão, em um apartamento na região da Sé, Centro de São Paulo, nesse domingo (24/7). Segundo a Polícia Militar, o corpo de Sandra Maria de Sousa Silva estava com sangue na região do nariz e da cabeça e duas perfurações, que aparentavam ser de algum tipo de arma branca. A filha recém-nascida de Sandra, uma bebê de 8 meses de vida, foi resgatada dentro do berço, ao lado do corpo da mãe, com sinais de desidratação e desnutrição. Ela foi encaminhada para um pronto-socorro da região e passa bem. Familiares da vítima contaram à TV Globo que a mulher estava grávida de um mês. ***
*** Vítima de feminicídio, Sandra Maria de Sousa é encontrada morta em apartamento na região da Sé, Centro de São Paulo Vítima de feminicídio, Sandra Maria de Sousa é encontrada morta em apartamento na região da Sé, Centro de São PauloReprodução Machucados encontrados na criança de 8 meses encontrada ao lado do corpo da mãe no Centro de São Paulo, após feminicídio registrado pela polícia Machucados encontrados na criança de 8 meses encontrada ao lado do corpo da mãe no Centro de São Paulo, após feminicídio registrado pela políciaReprodução: PMSP Sandra Maria de Sousa Silva, mulher encontrada morta dentro de apartamento no Centro de São Paulo Sandra Maria de Sousa Silva, mulher encontrada morta dentro de apartamento no Centro de São PauloReprodução Banner Denakop numero 1 Vítima de feminicídio, Sandra Maria de Sousa é encontrada morta em apartamento na região da Sé, Centro de São Paulo Vítima de feminicídio, Sandra Maria de Sousa é encontrada morta em apartamento na região da Sé, Centro de São PauloReprodução Machucados encontrados na criança de 8 meses encontrada ao lado do corpo da mãe no Centro de São Paulo, após feminicídio registrado pela polícia Machucados encontrados na criança de 8 meses encontrada ao lado do corpo da mãe no Centro de São Paulo, após feminicídio registrado pela políciaReprodução: PMSP *** Vizinhos e amigas disseram que chamaram um chaveiro para abrir a porta do apartamento após o sumiço da mulher, na sexta-feira (22/7), e por causa do forte odor que era exalado de dentro do imóvel. O principal suspeito é o companheiro de Sandra, que foi visto pelos vizinhos saindo do apartamento da moça no mesmo dia com bolsas na mão. Mais sobre o assunto “A gente ficou sabendo por uma amiga dela, que me ligou mais cedo perguntando se ela estava comigo, na minha casa. Eu falei para ela que não estava, aí ela falou que viria na casa para ver o que tinha acontecido porque já tinha dois dias que ela estava sumida”, disse a irmã da vítima. Segundo a polícia, familiares da vítima têm fortes suspeitas de que o crime foi praticado pelo companheiro dela. “Ela tinha me ligado de vídeo na sexta-feira, estava com a boca meio machucada e esse homem estava lá na casa dela com ela. Eu perguntei se ele tinha batido nela, mas ela falou que não”, disse a irmã. A 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, no Cambuci, registrou o caso como feminicídio. O suspeito do crime está sendo procurado pela polícia. O Metrópoles não conseguiu contato da defesa do suspeito, já que o nome dele não foi divulgado pela polícia, até o momento em que este texto foi publicado, mas o espaço segue aberto para manifestações. https://www.metropoles.com/brasil/sp-gravida-e-encontrada-morta-em-casa-ao-lado-da-filha-de-8-meses *****************************************************************************************************
**** "O segredo da felicidade é você estar onde você está." Pensamento Indiano ***
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