sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

E Então,

"OS PERONISTAS SE ODEIAM TANTO, TANTO, QUE NÃO SOBRA ÓDIO PARA O RESTANTE, DIZIA O ESCRITOR ARGENTINO JORGE LUIZ BORGES. No PT, as coisas costumam acontecer de maneira mais sutil." José Casado ----------
------------ Jorge Luis Borges ---------- Que Quereis...? ----------- ------------ Tenório Jr. - Nebulosa ---------- Rhythm andlife Francisco Tenório Cerqueira Júnior united an incredible team of samba-jazz musicians in Rio de Janeiro and, at the age of 23, he recorded this timeless track on Embalo (1964) ft - Milton Banana (Drums), Rubens Bassini (Percussion), Paulo Moura, J.T. Meirelles, Hector Costita (Sax), José Antonio Alves, Sergio Barroso Netto (Bass), Edson Maciel, Raulzinho (Trombone), Maurilio Santos, Pedro Paulo (Trumpet), Tenorio Jr. (Piano), Celso Brando, Neco (Violin). __________________________________________________________________________________ ----------
----------- Justiça, talvez, por Tenorio - 10/07/2022 - Ruy Castro - Folha --------- Ruy Castro -Atiraram no pianista --------- Folha de S. Paulo Tenório Jr., brasileiro desaparecido em Buenos Aires em 1976, volta em filme, e placa sobre ele é alvo de ódio Foi coincidência. Aconteceu de, na outra semana, eu assistir ao filme "Atiraram no Pianista", dos espanhóis Fernando Trueba e Javier Mariscal, sobre o desaparecimento do pianista brasileiro Tenório Jr. em Buenos Aires durante a ditadura argentina, e, dias depois, estar na mesma Buenos Aires, diante do Hotel Normandie, de que Tenorio saiu em 1976 para nunca mais ser visto. Tenório foi um dos grandes talentos do samba-jazz, a melhor música instrumental do mundo em meados dos anos 1960. Dez anos depois, quando ele desapareceu, essa música já fora destruída pelas gravadoras e Tenório se tornado coadjuvante de Vinicius de Moraes e Toquinho em turnê pela Argentina. O Hotel Normandie, onde o grupo se hospedou, fica na Rodriguez Peña, quase esquina de Corrientes. Na noite de 18 de março, o alto, barbudo e apolítico Tenório teria saído (para comprar cigarros ou um sanduíche ou um remédio) e sido confundido com um terrorista local pelos agentes militares. Levado para um centro de tortura, foi tão machucado que, ao se constatar o engano, já não era possível devolvê-lo. O jeito era matá-lo —e, tudo indica, com a conivência de funcionários da embaixada brasileira, fiéis à nossa própria ditadura. Tenório tinha 34 anos. Em 2011, o Normandie afixou uma placa na fachada em homenagem a Tenório. Ao notar que ela não estava lá, fui perguntar na recepção. Disseram-me que fora arrancada, quebrada e deixada em cacos na calçada. Eles haviam recolhido os cacos e guardado no depósito. Quem teria feito isto? Não sabiam. Mas não parecia simples vandalismo. Cheirava mais a um ato de ódio —e Buenos Aires está cheia de brasileiros praticantes desse ódio. Trueba acertou ao fazer um filme de animação, com a incrível reconstituição dos cenários por Mariscal. Mas a história que ele conta é apenas a oficial. Que, como se sabe hoje, ainda está cheia de perguntas sem respostas. ___________________________________________________________________________________ ----------- ------------- Corsário João Bosco E) o controle das instituições repressivas, que ameaçavam o processo de distensão política. ----------- ---------- ____________________________________________________________________________________ "E eu tenho a minha verdade Fruto de tanta maldade que já conheci" ____________________________________________________________________________________ ------------ Minha Verdade Dona Ivone Lara Eu tenho a minha verdade Fruto de tanta maldade que já conheci Me deixa caminhar a minha vida Livremente O que desejo é pouco Pois não duro eternamente Nada poderá me afastar do que eu sou Amor, é o meu ambiente Nada poderá me afastar do que eu sou Me deixa, por favor Do bom samba sou escravo Seu fascínio me apertou Traçou-me este destino Meu sonho menino se concretizou Deixe-me agora sonhar E seguir sem pensar numa desilusão Que o amor simplesmente Se faça presente no meu coração Composição: Délcio Carvalho / Ivone Lara. ___________________________________________________________________________________ -----------
------------- ERNESTO GEISEL -------------- UFG 2011 "Não creio no que andam dizendo por aí, que o povo anda triste, sem liberdade, oprimido e sob o arbítrio constante da violência." Ernesto Beckmann Geisel. Entre 1974 e 1978, o governo do presidente Geisel sinalizou o início do processo de abertura, definindo o seu ritmo e a sua forma: lento, gradual e seguro. Nessa perspectiva e com base nas ações do próprio Estado, a abertura exigia A) a elaboração de um novo projeto constitucional, por um experiente grupo de juristas, a ser submetido ao governo. B) o fortalecimento do bipartidarismo como forma de controle dos agentes políticos. C) a contenção do movimento feminista, que advogava a aprovação do divórcio. D) a redefinição das funções do Estado, em razão das dificuldades econômicas advindas da crise do petróleo. E) o controle das instituições repressivas, que ameaçavam o processo de distensão política. ___________________________________________________________________________________ -----------
------------ ___________________________________________________________________________________ José de Souza Martins discute a educação em São Paulo, criticando propostas de mudanças curriculares. Ele rejeita a ideia de priorizar disciplinas como Matemática em detrimento das Ciências Sociais, argumentando que a educação deve respeitar a cultura e tradição brasileiras. Alerta para o perigo de reduzir o ensino a uma visão economicista, enfatizando a importância das Ciências Sociais na compreensão da realidade social e na formação crítica dos estudantes. Martins defende que suprimir essas disciplinas priva os jovens da capacidade de compreender e transformar a sociedade. ___________________________________________________________________________________ -------------- José de Souza Martins* - Qual educação? Valor Econômico Não é de agora que os que pensam a sociedade como um mercado julgam que as ciências sociais roubam tempo às aulas de disciplinas 'economicamente mais importantes’ Educação não é o “eu acho” de tanta gente que não sabe que aula depende de competência profissional e de preparo. O educador é o formador das novas gerações no marco dos valores próprios da sociedade que lhe atribui a missão de educar os jovens. Que os prepare para manter o que deve ser mantido e mudar o que deve ser mudado em nome do historicamente possível e necessário. Cada vez mais tem gente que não só “acha” o que deve e como deve ser a educação e o que se deve ensinar. Mas há também os que acham que nem todo o necessário deva ser ensinado. Em nome desse acho negativo entendem que certas matérias devem ser excluídas porque o encarecem. O que o encarece é, porém, a pedagogia do palpite. O assunto surgiu neste curto tempo do novo governo de São Paulo, que tem feito incursões na área da educação de maximizações e de minimizações curriculares que suscitam apreensão entre os que são profissionais da área. A primeira delas, protagonizada pelo secretário da Educação. Em nome da disseminação de livros eletrônicos, recusou ele os livros físicos produzidos e enviados pelo Ministério da Educação. Daí decorreu o clamor dos que se deram conta do abismo que assim se abria entre a cultura brasileira do ensino e da leitura e o que era uma tentativa pseudomoderna de inovar sem conexão com a cultura e a tradição brasileiras de ensino e aprendizado. Educação não é obra de engenharia. Só o prédio da escola o é. Em países como o nosso, educação é e deve ser obra de referência antropológica e sociológica que não só transmita informação sobre diferentes assuntos da área, mas que ressocialize o estudante para a compreensão e superação dos desafios e dificuldades das transformações de sua sociedade. Outra intervenção preconizada na educação paulista é no sentido de redimensionar matemática e português em relação a outras disciplinas na formação das novas gerações. Como na proposta governista de dela anular as ciências sociais (sociologia e antropologia). O que não é atenuado com a manutenção das ciências humanas (história e geografia), que são outro campo do conhecimento. Estas têm funções cognitivas radicalmente diversas daquelas. Não são intercambiáveis. Não é de agora que os que pensam a sociedade como um mercado julgam que as ciências sociais roubam tempo às aulas de disciplinas “economicamente mais importantes”, como a matemática. Ora, isso se resolve, matematicamente, instituindo a educação em tempo integral. Essa proposta redutiva contém o pressuposto, intencional ou não, de que o Brasil ideal, o do PIB, seria uma sociedade da coisificação e da alienação social de seres manipuláveis, que personifiquem o primado do cálculo. Calcular o que e para quê? Num país em que praticamente metade da população vive em estado de insuficiência alimentar e 33 milhões passam fome, o que pode ser calculado senão o que falta em relação ao demasiado de muitos? E português para quê? A língua de uma sociedade é para falar e dizer, para expressar o que a consciência sabe sobre o que nessa sociedade falta e o que nela sobra. Mas dizer o que no lugar do que a pobreza e a fome já dizem, no olhar da criança que as padece? Em qual português? O da conversação ritmada pelo silêncio de nossa outra fome, a fome de palavras para dizer o que deve ser dito numa sociedade em que não há quem ouça? Numa pesquisa que fiz nos sertões do Mato Grosso e do Maranhão, com crianças e adolescentes, em que pedi a algumas que falassem sobre sua vida e pedi a outras que escrevessem sobre o mesmo tema, as que falaram disseram tudo com sotaque nheengatu, ou seja, na língua brasileira E as que escreveram apenas gaguejaram um lamento em textos entrecortados de palavras faltantes. O sensível não lhes era escrevível. Numa escolinha rural, a palmatória sobre o caixote que servia de mesa do professor dizia tudo naquele mundo indizível. As ciências sociais destinam-se a difundir uma modalidade de conhecimento que ressocializa crítica e defensivamente as gerações que estão chegando a um mundo completamente diferente do mundo de seus pais. O mundo do abismo entre a sociedade tradicional da família e da comunidade e a sociedade pós-moderna do indivíduo solitário do egoísmo consumista. Suprimi-las na formação do estudante é vedar-lhe o direito de saber o que pode socialmente ser e não é e porque não o é. São elas ciências da esperança, são a autoconsciência científica da realidade social, como as definiu Hans Freyer. Como insurgência interpretativa contra a concepção de que a função das novas gerações é a de se sujeitarem às anomalias do atual sem protagonizar a reinvenção da sociedade como a sociedade justa e democrática do possível. *José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022). ___________________________________________________________________________________ ------------
------------ ___________________________________________________________________________________ O artigo aborda a reação do Supremo Tribunal Federal a propostas legislativas que limitam seu poder, especialmente uma PEC que submeteria decisões à aprovação do Congresso. Livros recentes revelam como o STF consolidou seus poderes, mas enfrenta críticas por sua atuação. A Corte ampliou seu protagonismo desde a década de 1990 e fortaleceu sua comunicação. A matéria destaca o aumento do número de leis e o uso estratégico de instrumentos como as ADCs e ADIs. Além disso, mostra divergências e estratégias dos ministros, evidenciando a tensão entre poder e autolimitação. O texto também analisa a reação do STF diante de questões polêmicas, como a suspensão de decisões e o julgamento de temas sensíveis, destacando casos emblemáticos e posturas individuais dos ministros. ___________________________________________________________________________________ -------- Maria Cristina Fernandes - O que o Supremo tem a perder Valor Econômico Três livros, recém-lançados, mostram como se construíram os superpoderes da Corte. Reação vai do jogo de cena à ameaça real ao papel conferido pela Constituição No jogo de cena da reação do Supremo Tribunal Federal à proposta de emenda constitucional que limita as decisões monocráticas aprovada pelo Senado, o único ponto em que o protesto dos ministros coincide com a preocupação real que os move é em relação à porteira aberta para outras ofensivas legislativas sobre o STF. As limitações impostas às monocráticas acrescenta um degrau àquelas votadas pela própria Corte sob a gestão Rosa Weber, notadamente em relação aos pedidos de vista. O que, de fato, afetaria o STF seria a aprovação da emenda que o submete ao Congresso. Há muitas propostas neste sentido, inclusive de parlamentares da base do governo, mas aquela que mais preocupa é a do deputado Domingos Sávio (PL-MG). O texto prevê que a suspensão de uma decisão do Supremo seja proposta por um mínimo de um terço (171 deputados e 27 senadores). E a submete a quórum constitucional (308 deputados e 49 senadores). Havia um compromisso de que apenas as decisões que não tivessem sido tomadas por unanimidade seriam objeto de apreciação parlamentar, mas esta cláusula não entrou no texto final que, no fim de setembro, conseguiu as assinaturas necessárias para ser protocolado na Câmara. Fruto do casamento de interesses entre as bancadas ruralista e evangélica, em função do avanço, no STF, do marco temporal das terras indígenas e da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, esta PEC tem uma das fundamentações mais rasteiras no conjunto de propostas sobre o tema. Nem o crítico mais voraz dos superpoderes do Supremo se arvora a defendê-la. Sua apresentação, porém, é fruto de um acúmulo de embates das últimas décadas com a Corte que, no Legislativo, é liderado pelo bolsonarismo, mas já foi encabeçado por petistas. Seria, praticamente, o desmonte das leis aprovadas a partir de 1988 para regulamentar o dispositivo constitucional que ampliou, para além da Procuradoria Geral da República, os autores de ações de inconstitucionalidade. Este conjunto de leis configurou um novo perfil para o STF de guardião dos direitos individuais para eixo das decisões de políticas públicas. Para isso, fez-se acompanhar de mecanismos de divulgação de seu protagonismo. Em “Da lei aos desejos: o agendamento estratégico do STF” (Amanuense, 2023), Grazielle Albuquerque mostra como esse conjunto de leis e o robustecimento da comunicação da Corte, a partir da década de 1990, se retroalimentaram. Em 1995, a secretaria de comunicação do Supremo tinha três profissionais. Hoje, entre suporte administrativo e jornalistas, são 244 pessoas, 65% dos quais lotados na TV e na Rádio Justiça, que funcionam 24 horas. A estrutura da televisão equivale àquela de uma emissora como o SBT. A partir de entrevistas com jornalistas, à época na cobertura do Supremo, a autora mostra como jornais e emissoras desmobilizaram os setoristas que cobriam políticas públicas essenciais, nos ministérios da Saúde e da Educação, por exemplo, e reforçaram as equipes no Judiciário. A partir da Corte se cobriam os demais tribunais. O volume de trabalho só crescia. As leis aprovadas foram fundamentais para a implementação do Plano Real. Entre 1993 e 1999 sucederam-se as leis que regulamentariam as ações que passariam a povoar o léxico dos recursos ao Supremo: ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade), ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental). Em 2001, a emenda constitucional 35 autorizou a proposição de ação contra parlamentares perante o STF sem autorização prévia do Congresso. E, em 2004, veio a súmula vinculante. Foi a EC 35 que permitiu o afastamento do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, depois que o ex-deputado havia autorizado o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff 20 dias antes. O então presidente da Corte, o ex-ministro Ricardo Lewandowski, justificou a inclusão da ADPF da Rede na pauta pela “urgência” do julgamento. O professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, Conrado Hübner Mendes recordaria como Cunha iluminou o jogo de conveniências da pauta: “Se havia urgência, por que levou seis meses?”. Nenhum pensador do direito se expôs mais, ao longo desse tempo, do que Hübner Mendes para denunciar o processo em curso no Judiciário. A exposição rendeu-lhe ações de agentes do direito. São egressas da PGR (Augusto Aras) e do STF (Kassio Nunes Marques) e até da advocacia. Um conjunto de advogados liderados por Walfrido Warde fez uma interpelação penal contra o professor e recebeu uma “manifestação de solidariedade” do grupo Prerrogativas, que agrega a advocacia antilajavato reunida na campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma das ações transitou em julgado, embora todas se encaminhem para dar ganho de causa ao professor. Os artigos que motivaram o embate não constam da compilação de 88 artigos que a Todavia acaba de publicar (“O discreto charme da magistocracia, vícios e disfarces do judiciário brasileiro”), mas o embate resume a independência de seu autor. Em 2018, o professor varria cortes constitucionais de Estados Unidos, África do Sul, Alemanha, Índia, Espanha, Chile e Argentina para concluir que nenhuma delas franqueia tamanho poder individual de obstrução da pauta. Levaria cinco anos para a ministra Rosa Weber colocar em pauta mudanças no regimento interno que limitaram os pedidos de vista. Presidente anteriores da Corte, como o ministro Luiz Fux, por exemplo, manifestaram o intento de levar à frente o movimento mas não quiseram abrir mão do poder de brecar pautas de seu interesse. Foi o caso da liminar sobre o auxílio-moradia dos juízes, que Fux segurou por cinco anos até que tenha sido possível negociá-la por um aumento salarial. A mesma manobra foi aplicada ao “juiz de garantias”, mudança que estabelece um juiz para a instrução do processo e outro para o julgamento, e ainda aos penduricalhos dos juízes do Rio, estado de origem do ministro. A maioria dos ministros tem sua própria cota de liminares de sua predileção que os impediram de levar adiante mecanismos de autolimitação. Quando Rosa Weber agiu, como agora se vê com a PEC das decisões monocráticas, o caldo já havia entornado. Colaborou para isso ainda a gangorra das convicções dos ministros. Desde a liminar do ministro Gilmar Mendes impedindo o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assumir a Casa Civil do governo Dilma Rousseff, que Hübner Mendes chama de a mais lavajatista da história, até o maior golpe no lavajatismo representado pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro, comandada pelo mesmo ministro. Por isso não custou que a união do tribunal na reação ao 8/1, trincheira na qual a democracia brasileira travou sua derradeira batalha, passasse a ser vista com desconfiança quando extrapolou os propósitos a que se destinava. Ao reconstituir a reação dos ministros em “O tribunal, como o Supremo se uniu ante a ameaça autoritária” (Companhia das Letras, 2023), Felipe Recondo e Luiz Weber recuperam os primórdios do inquérito 4.781, que ficaria conhecido como o “inquérito do fim do mundo”. Ali seria incorporado desde o desmonte do gabinete do ódio, do governo Jair Bolsonaro, até o relatório da CPMI do 8/1 deste ano. Em entrevistas off-the-record, os autores concluem que o ministro Alexandre de Moraes relutou em aceitar a relatoria do inquérito. Antecipava-se às críticas da academia. Os motivos apenas se acumularam: nasceu de uma interpretação generosa do regimento que permite abertura de inquérito sem provocação apenas para infrações ocorridas na sede da Corte, designou relator sem sorteio, configurou um tribunal vítima, investigador e juiz e teve continuidade mesmo depois do pedido de arquivamento da PGR. Nenhum deles impediu que o inquérito, iniciado pela suspensão da investigação, pela Receita, de movimentações bancárias das esposas dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, fosse chancelado em plenário por dez a um. Moraes aparece como o ministro que fornecia o argumento final para as decisões de Rosa Weber e cuja liminar para impedir a posse de Alexandre Ramagen, então diretor da Abin, como diretor da Polícia Federal, foi justificada a “interlocutores” com um “fiz um bem a ele”. O livro recupera os bastidores da liminar do ministro Nunes Marques que liberou cultos religiosos na Páscoa, exemplo mais vistoso contra a tese de que a PEC das monocráticas teria impedido o enfrentamento, pelo STF, do negacionismo na pandemia. E, finalmente, descreve Toffoli como o ministro que agiu na “contenção de danos”. Ao chamar o golpe de 1964 de “movimento” o ministro teria emulado Álvaro Ribeiro da Costa, presidente do STF em março de 1964. No livro de Hübner Mendes, Ribeiro da Costa aparece como o ministro que ameaçou entregar as chaves da Corte ao porteiro do Palácio do Planalto se algum ministro fosse cassado. Sob Recondo e Weber, Toffoli aparece como aquele que sugeriu a Bolsonaro viajar para não tumultar a posse de Lula. ___________________________________________________________________________________ ----------
------------ ___________________________________________________________________________________ O Brasil foi convidado a ingressar na Opep, mas economicamente isso não faz sentido, pois o país não pode controlar a produção de petróleo de suas empresas estatais e privadas. Participar implicaria seguir acordos de corte ou aumento de produção, principal ação do cartel, o que seria inviável para o Brasil. Apesar do interesse diplomático em entender os planos dos países petroleiros, não há vantagem clara para o Brasil, especialmente considerando a indefinição sobre o uso do petróleo nacional. A influência da Opep nos preços está diminuindo devido ao aumento da produção nos EUA, Canadá e Brasil, além de uma menor dependência global de petróleo. A reunião tumultuada da Opep, que não chegou a acordos para cortes de produção, e a dificuldade de manter os preços altos mostram a instabilidade do cartel. Entrar na Opep+ poderia gerar problemas políticos para o Brasil, mas o México, um parceiro comercial significativo, também está no grupo, sem liderar uma campanha pelo "Sul Global". ___________________________________________________________________________________ ----------- Vinicius Torres Freire - O Brasil no cartel do petróleo Folha de S. Paulo Convite para integrar a organização petroleira não faz sentido econômico ou legal O Brasil foi convidado a fazer parte do cartel do petróleo. Ainda não se conhecem os termos do convite. Além de seus 13 integrantes, a Opep conta com um grupo mais informal de outros 10 associados desde 2016, a Opep+ (Opep Plus), com Rússia e México entre os países mais importantes. Para o Brasil, não tem sentido econômico fazer parte da Opep, além do fato de que seria impossível cumprir eventuais acordos de corte ou aumento de produção, que é o meio principal de ação do cartel. O governo não pode mandar a Petrobras, empresa de economia mista, e empresas privadas produzirem mais ou menos. Talvez a diplomacia brasileira veja algum interesse de conhecer mais intimamente os planos dos países petroleiros, que têm influência na política mundial. De resto, difícil ver alguma vantagem. Enfim, o Brasil nem sabe o que quer fazer do petróleo (vide as discussões, até agora irracionais, sobre a Foz do Amazonas, entre outras). Sejam quais forem as normas formais de funcionamento da Opep e de relacionamento com seus agregados, o objetivo fundamental do grupo é influenciar os preços do barril, claro, de modo a fazer com que a arrecadação de receitas petrolíferas pague as contas do país, de seus governos, que são muito mais dependentes do combustível do que o Brasil (onde, no entanto, a dependência cresce). No caso dos árabes, interessa que o barril seja cotado a um preço suficiente para bancar os programas de reforma econômica, que têm por objetivo reduzir a dependência do petróleo. Desde 2016, a Opep tenta arrumar novos parceiros. Foi quando surgiu a Opep+. Apesar de ainda controlar cerca de 60% das exportações mundiais, a produção da Opep vem diminuindo de importância, graças ao avanço da extração de petróleo nos Estados Unidos, mas também a avanços no Canadá e no Brasil. Em 2010, Estados Unidos, Canadá e Brasil produziam 17,6% do total mundial de "petróleo bruto, gás e outros líquidos" (segundo dados da "US Energy Information Administration", excluídos biocombustíveis). Em 2022, 29,3% (nos EUA apenas, o aumento foi de 9,2 pontos percentuais). Mesmo considerando a baixa de produção no México e, ainda mais, na Venezuela, a participação desses países do continente passou de 24,1% para 31,1% do total mundial. A Opep não perde importância apenas por isso. O mundo se tornou relativamente menos dependente de petróleo (para cada tanto de PIB, se usa menos petróleo). Há perspectiva de contenção maior de consumo, no médio prazo, por acordos e políticas ambientais. Afora em caso de embargo dramático, como os árabes fizeram em 1973, a influência do cartel na determinação de preços é e tende a ser menor. Há disputas na própria Opep. Arábia Saudita e Rússia (ao menos antes de guerra) têm mais folga para reduzir e aumentar produção. Outros países da organização têm dificuldade ou nenhum interesse em cumprir as cotas de aumento ou corte de produção, necessárias para o funcionamento eficaz do cartel. Por falar nisso, o convite ao Brasil ocorreu em uma reunião especialmente tumultuada da Opep, que não se acertou sobre cortes de produção adicionais, para 2024, nem soltou comunicado oficial conjunto do que pretende fazer. Além do mais, as decisões recentes do cartel não têm bastado para manter os preços em níveis que os interessem (acima de US$ 85 por barril do tipo Brent), que não aumentaram nem com a guerra na Palestina (frustrando também, mais uma vez, as ridiculamente erradas previsões dos analistas de petróleo). Fazer parte da Opep+ vai criar problema político para o Brasil? Sempre pode sair besteira. Mas México, parceiro comercial gigante e vizinho dos Estados Unidos, está no grupo dos associados. O México, porém, não faz campanha de liderança do "Sul Global". ___________________________________________________________________________________ ------------
------------- __________________________________________________________________________________ O artigo aborda o veto de Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para setores específicos da economia, destacando a falta de critérios claros para a escolha desses setores. Questiona o benefício da medida, sugerindo que a tributação desigual pode ter impactos negativos em setores dinâmicos e promissores não contemplados. A autora ressalta a possibilidade de a desoneração não resultar em mais empregos, e destaca a captura do Estado por grupos de interesse que buscam subsídios, muitas vezes resultando em expropriação. __________________________________________________________________________________ ------- Laura Karpuska - Grupo de interesses O Estado de S. Paulo Existe a captura do Estado por grupos que se beneficiam de subsídios e das regras institucionais Lula vetou a prorrogação da desoneração sobre a folha de pagamentos para setores específicos da economia. Agora, o Legislativo deve decidir se derruba ou mantém esse veto. A medida, que entrou em vigor em 2011 e que talvez nunca devesse ter existido, corre o risco de ser estendida por pressão dos setores beneficiados. Os setores beneficiados são: calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, couro, empresas de construção e obras de infraestrutura, fabricação de veículos e carrocerias. As empresas desses setores afirmam que a medida ajuda a estimular o emprego formal. O fim da desoneração poderia levar a demissões. Falta aqui o contrafactual desse argumento: a tributação desigual entre setores potencialmente evitou muitas contratações em setores da economia dinâmicos e promissores que têm apenas o azar de não terem sido contemplados pela medida de 2011. Qual foi o critério de seleção desses setores? Na época, setores intensivos em mão de obra. Se eles seriam intensivos em mão de obra no futuro, isso não foi discutido. Estimulou-se empregos em setores que podem nem sequer existir mais em alguns anos, fazendo com que alguns trabalhadores tenham tido parte fundamental de sua formação de capital humano, aquela que se aprende com a mão na massa, menos valiosa. Por que alguns setores merecem um subsídio e outros não? Por que empresas de comunicação merecem pagar menos impostos que escolas ou empresas do ramo de saúde, por exemplo? A desoneração deveria ocorrer para todos os setores, potencialmente, pois há formas melhores de arrecadar. Nada também garante que a desoneração do tributo pago pelas empresas não tenha sido convertida, em alguns casos, em mais margem de lucro. Quanto mais poder no mercado de trabalho as empresas têm, menos o benefício fiscal se transforma em mais empregos. Esta semana, debati se escreveria sobre o retorno da taxação de dividendos, o fim da desoneração da folha de pagamentos (tema escolhido) ou sobre os diversos privilégios concedidos ao Judiciário no Brasil, que continua sendo um grande promotor de desigualdades. Percebi que o tema comum era a captura do Estado e do debate público por grupos de interesse. Esses grupos se beneficiam de subsídios e do arcabouço institucional, justificando tais ações como estímulos ao emprego, formalidade, formação de capital ou redução da evasão fiscal. Contudo, muitas vezes, isso acaba sendo uma expropriação. *Professora do Insper, PH.D. em economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook ________________________________________________________________________________________ --------------
---------- Luiz Carlos Azedo - O mensageiro de Dario da Pérsia e a decisão do Supremo Correio Braziliense Responsabilizar os veículos e, consequentemente, os seus jornalistas, por eventuais mentiras de entrevistados deve ser um fato inédito nas democracias, mas corriqueiro nas autocracias Quando Dario III, rei da Pérsia, soube que seu exército havia sido derrotado por Alexandre da Macedônia, com raiva, mandou matar o mensageiro. Executou Charidemos por não ter gostado das notícias. Além de narrar a derrota para o governante, o embaixador ousou dizer que a culpa pelo desastre diante de Alexandre Magno passava por erros estratégicos do último Aquemênida. Dario III teve um reinado turbulento, seu grande império em decadência entrou em colapso no seu reinado. De nada adiantou matar o mensageiro. Jornalistas são como mensageiros de Dario III, vivem sob risco permanente entre os poderosos. Todo dia é um recomeço, por maior que seja o prestígio profissional; sempre se pode cometer um erro involuntário; certas fontes mentem ou falam o que não deve e se arrependem. Conversas em off, inclusive com ministros do Supremo Tribunal Federal, são pura nitroglicerina, porque podem ser desmentidas quando divulgadas e virar um processo, no mínimo uma grande aporrinhação, mesmo quando a sentença é favorável. Em 1985, fui processado por calúnia e difamação pelo herdeiro de uma famosa fábrica de fechaduras e cadeados, por ter noticiado que o jovem havia exibido as nádegas para o piquete de operários postado à porta da empresa, durante uma greve, na coluna "Doa a quem doer", que escrevia aos domingos no antigo Diário Popular, de São Paulo, o rei das bancas. A informação me foi passada na hora do fechamento pelo sindicalista João Carlos Gonçalves Juruna, então diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. O chargista do jornal fez uma ilustração muito engraçada, para uma nota de cinco linhas, intitulada Coração valente, por causa do filme, então em cartaz, que influenciou o gesto juvenil do jovem patrão. No julgamento, o juiz fez uma proposta de conciliação: trocar a indenização do reclamante por uma retratação. Não aceitei a proposta e fui questionado: "Por que o réu não aceita?". Respondi de pronto: "Meritíssimo, tenho um compromisso com a verdade". O juiz ficou vermelho e irritado, teria que dar prosseguimento às oitivas das testemunhas. Meia dúzia de operários tremiam de medo, mas confirmaram tudo. Entretanto, eu havia cometido um erro crasso: na hora do fechamento, não consegui ouvir o outro lado e publiquei a nota assim mesmo. Só fui absolvido porque a verdade estava do meu lado. O episódio faz parte da vida banal dos jornalistas, numa situação que nem se compara às grandes coberturas de escândalos e crises políticas, muitas vezes provocados por uma entrevista bombástica, como foi a de Pedro Collor contra seu irmão presidente da República, Fernando Collor de Mello, que acabou renunciando ao mandato para não sofrer um impeachment. Principalmente quando se faz coluna de notas, "o outro lado" acaba ficando para o dia seguinte, porque jornalista não briga com a notícia, e o tempo ruge. Vive-se o risco. Repercussão geral Tudo pode mudar, porém, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira, que fixou a tese que possibilita a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas que imputem de forma falsa crimes a terceiros: "A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais", diz o acórdão de repercussão geral. O texto ressalva que a responsabilização só se dará em casos em que há "indícios concretos de falsidade" ou em que o veículo não observou o "dever de cuidado" na verificação dos fatos. A tese foi elaborada no âmbito do julgamento de recurso extraordinário de um pedido de indenização do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho contra o Diario de Pernambuco, por uma entrevista publicada em 1995, em que o entrevistado acusava o político de ter participado de um atentado a bomba no Aeroporto de Guararapes, em Recife, durante a ditadura militar. Em 25 de julho de 1966, uma bomba explodiu em pleno Aeroporto dos Guararapes e tirou a vida de duas pessoas, ferindo outras 14. Em 1968, mesmo sem ninguém assumir a culpa pelo atentado, duas pessoas foram acusadas pelo Departamento de Ordem e Política Social (Dops) como os autores do crime, o professor e engenheiro Edinaldo Miranda e o ex-deputado federal Ricardo Zarattini, então militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que sequer foi considerado réu no processo. Edinaldo foi condenado pela Justiça Militar e, depois, inocentado pela Comissão da Verdade. O episódio segue sem elucidação, com autores não identificados, cinco décadas depois. Em decisão de agosto deste ano, o plenário virtual do Supremo havia mantido a condenação do veículo, mas não decidira se a tese seria válida para outros casos parecidos. Agora, tem repercussão geral e será adotada nos 119 casos que estão para ser julgados no momento, além de outros que deverão surgir às pencas, sempre que alguém se sentir prejudicado por uma entrevista. Todas as associações de profissionais de imprensa advertem que a tese do STF poderia gerar "graves impactos negativos — e quem sabe irreversíveis — no cotidiano das redações e no direito de toda a população a ter acesso à informação". Responsabilizar os veículos e, consequentemente, os seus jornalistas por eventuais mentiras de entrevistados deve ser um fato inédito nas democracias representativas, mas corriqueiro nos regimes autocráticos. __________________________________________________________________________________ --------- E Então, Que Quereis...? João Bosco ---------- Fiz ranger as folhas de jornal Abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo De cada fronteira distante Subiu um cheiro de pólvora Perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos Nada de novo há No rugir das tempestades Não estamos alegres, É certo, Mas também por que razão Haveríamos de ficar tristes? O mar da história É agitado. As ameaças E as guerras Havemos de atravessá-las. Rompê-las ao meio, Cortando-as Como uma quilha corta As ondas Composição: João Bosco / Emilio C. Guerra / Aldir Blac / Vladimir Maiakovski. ___________________________________________________________________________________ ---------- Corsário João Bosco Meu coração tropical está coberto de neve, mas Ferve em seu cofre gelado E a voz vibra e a mão escreve mar Bendita lâmina grave que fere a parede e traz As febres loucas e breves Que mancham o silêncio e o cais Roseirais, Nova Granada de Espanha Por você, eu, teu corsário preso Vou partir a geleira azul da solidão E buscar a mão do mar Me arrastar até o mar, procurar o mar Mesmo que eu mande em garrafas Mensagens por todo o mar Meu coração tropical partirá esse gelo irá Com as garrafas de náufragos E as rosas partindo o ar Nova Granada de Espanha E as rosas partindo o ar Composição: Aldir Blanc / João Bosco. ___________________________________________________________________________________ ===========
-------------- GEISEL, Ernesto *militar; comte. Comdo. Mil. Brasília 1961; ch. Gab. Mil. Pres. Rep. 1961 e 1964-1967; min. STM 1967-1969; pres. Petrobras 1969-1973; pres. Rep. 1974-1979. Ernesto Geisel nasceu em Bento Gonçalves (RS) no dia 3 de agosto de 1907, apesar de nos seus assentamentos militares constar o ano de 1908, alteração necessária para que atingisse a idade limite máxima para admissão no Colégio Militar. A verdadeira data de nascimento só foi esclarecida por ocasião das comemorações de seus 80 anos em 1987. Filho de Augusto Guilherme Geisel e Lídia Beckmann Geisel, seu pai, de nacionalidade alemã, veio da Baviera para o Brasil em 1890 e fixou residência em Novo Paraíso, no município de Estrela (RS), onde trabalhou em fundição, lecionou na escola da igreja luterana e desempenhou as funções de juiz de paz. Seu irmão Orlando Geisel seguiu a carreira militar, alcançando o generalato e sendo ministro do Exército entre 1969 e 1974, durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici. Ernesto Geisel fez seus primeiros estudos na Escola General Bento Gonçalves da Silva, em sua cidade natal, e ingressou em 1921 no Colégio Militar de Porto Alegre, cujo curso concluiu em 1924 como primeiro aluno da turma. Matriculou-se no ano seguinte na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, sendo declarado aspirante-a-oficial da arma de artilharia em 1928, novamente como primeiro aluno. Designado para servir no 1º Regimento de Artilharia Montada, na Vila Militar, passou à condição de segundo-tenente em agosto de 1928 e, no ano seguinte, foi transferido para o 4º Grupo de Artilharia a Cavalo, sediado em Santo Ângelo (RS). Promovido a primeiro-tenente em agosto de 1930, comandou dois meses depois uma bateria do Destacamento Miguel Costa, que se deslocou do Rio Grande do Sul para São Paulo na vanguarda das forças revolucionárias gaúchas hostis ao governo de Washington Luís. Depois da vitória da Revolução de 1930 e da instalação do Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas, esteve lotado por pouco tempo no 1º Grupo de Artilharia de Montanha, sediado no Rio. Em seguida organizou e comandou a transferência de uma bateria dessa unidade para João Pessoa, na Paraíba. Entre março e junho de 1931, ficou à disposição do interventor federal no Rio Grande do Norte, primeiro-tenente Aluísio de Andrade Moura, sendo nomeado secretário-geral do governo estadual e chefe do Departamento de Segurança Pública. De volta à tropa, comandou sua bateria na repressão ao levante do 21º Batalhão de Caçadores, deflagrado em Recife no mês de outubro de 1931 com o objetivo de depor o interventor federal em Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti. Os oficiais sublevados chegaram a conquistar o quartel-general do Derby, o quartel da Soledade, a cidade de Olinda e os bairros de Afogados e Boa Vista, mas foram derrotados com a ajuda de tropas enviadas de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Com a deflagração da Revolução Constitucionalista de São Paulo em julho de 1932, a unidade em que Geisel servia foi deslocada para o vale do Paraíba, no estado do Rio de Janeiro, onde se integrou ao destacamento comandado pelo general Manuel Daltro Filho. Com a derrota dos rebeldes em outubro seguinte, os contingentes foram enviados de volta a seus estados de origem. Geisel ocupou a Secretaria da Fazenda e Obras Públicas da Paraíba de janeiro a maio de 1934 e de agosto seguinte a janeiro de 1935, durante a interventoria de Gratuliano Brito. Em fevereiro, foi transferido para o Grupo Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro, sendo promovido em setembro a capitão. Nessa patente, participou da repressão ao levante da Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos, deflagrado em 27 de novembro de 1935 como parte da revolta comunista que, na capital federal, envolveu também o 3º Regimento de Infantaria (3º RI) e foi sufocada depois de algumas horas de combate. Geisel obteve o primeiro lugar entre os militares da arma que cursaram a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) em 1938 e, no ano seguinte, foi designado instrutor de artilharia na Escola Militar do Realengo. Exerceu essa função até 1941, quando ingressou na Escola de Estado-Maior do Exército, cujo curso concluiu em 1943. Em maio desse ano, foi promovido a major. Em 1945, foi designado para servir na Seção de Operações do Estado-Maior da 3ª Região Militar (3ª RM) sediada em Porto Alegre. Depois de um rápido estágio no Army Command and General Staff College, em Fort Leavenworth, Estados Unidos — onde muitos oficiais brasileiros se especializaram durante a Segunda Guerra Mundial —, passou a ocupar a chefia do gabinete do general Álcio Souto, comandante da Diretoria de Motomecanização, no Rio de Janeiro. Com a transferência desse oficial para o comando do Núcleo de Divisão Blindada, foi nomeado chefe do estado-maior dessa unidade, cujos contingentes tiveram participação destacada na deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945. Entre maio de 1946 e abril de 1947, durante o governo do general Eurico Dutra, chefiou a secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional, sendo nomeado em seguida adido militar junto à embaixada brasileira no Uruguai. Promovido a tenente-coronel em junho de 1948, regressou ao Brasil em fevereiro de 1950 para exercer a função de adjunto do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). Em dezembro de 1952, foi designado membro permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), sendo promovido a coronel em abril do ano seguinte. Comandou em 1954 o 8º Grupo de Artilharia de Costa Motorizado, no Rio, sendo nomeado em fevereiro de 1955 subchefe do Gabinete Militar do presidente João Café Filho em substituição ao coronel Rodrigo Otávio Jordão Ramos, que passara a ocupar o Ministério da Viação e Obras Públicas. Atuou então sob a chefia direta de Juarez Távora, titular do gabinete, até assumir em maio seguinte o comando do Regimento Escola de Artilharia. Colocado à disposição da Petrobras em setembro, foi nomeado em seguida superintendente-geral da Refinaria Presidente Bernardes, situada em Cubatão (SP), onde permaneceu até a posse do presidente Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro de 1956. Em março desse ano, Geisel assumiu o comando do 2º Grupo de Canhões Antiaéreos, em Quitaúna (SP), sendo transferido em abril de 1957 para a chefia da Seção de Informações do Estado-Maior do Exército (EME). A partir de junho seguinte, acumulou essa função com a de representante do Ministério da Guerra no Conselho Nacional do Petróleo (CNP). Nesse órgão, foi relator do processo que dispôs sobre a instalação de uma fábrica de borracha sintética no país, emitindo parecer desfavorável às propostas apresentadas por empresas privadas e defendendo a montagem da fábrica pela própria Petrobras, o que levou à criação da Fabor, instalada junto à Refinaria Duque de Caixas, no estado do Rio. Geisel pediu exoneração do CNP em 1958, mas retornou a esse órgão no ano seguinte e nele permaneceu até 1961, sendo promovido nesse período, em março de 1960, a general-de-brigada. Em fevereiro de 1961, no início do governo Jânio Quadros, tornou-se oficial-de-gabinete do ministro da Guerra, marechal Odílio Denis, sendo nomeado em abril seguinte para chefiar o Comando Militar de Brasília e a 11ª RM. A renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 provocou uma grave crise política no país, pois os ministros militares vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, que se encontrava na China em missão oficial e era considerado elemento de confiança do movimento sindical e de correntes de esquerda. Durante a crise, o poder de fato foi exercido pelos chefes militares, mas o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli, assumiu a presidência da República e nomeou Geisel para a chefia do seu Gabinete Militar. Este se pronunciou a favor de uma solução negociada e desempenhou destacado papel nos entendimentos que levaram à adoção do parlamentarismo como forma de contornar as resistências dos chefes militares à posse de Goulart, finalmente ocorrida em 7 de setembro de 1961. No dia seguinte, foi exonerado dos comandos que exercia na capital federal. Em janeiro de 1962, foi designado para chefiar a Artilharia Divisionária da 5ª Divisão de Infantaria, sediada em Curitiba, onde exerceu também, em caráter interino, o comando da 5ª RM. Em novembro de 1963 tornou-se segundo subchefe do Departamento de Provisão Geral do Exército. Movimento político-militar de 1964 O governo de João Goulart foi marcado pelo acirramento da luta entre as forças que defendiam reformas de cunho social e nacionalista, agrupadas principalmente em torno do programa de reformas de base (urbana, agrária, constitucional e de disciplina do capital estrangeiro), e as forças de tendência conservadora, que reagiam às primeiras e enfatizavam a necessidade de contenção das reivindicações trabalhistas e da busca da estabilização monetária. Com a evolução da crise e o agravamento dos problemas econômicos do país, políticos oposicionistas, empresários e militares começaram a organizar um movimento para depor Goulart. Geisel e os outros oficiais de alta patente ligados à ESG, conhecidos como integrantes do “grupo da Sorbonne” — em alusão ao alto nível daquela unidade militar —, desempenharam importante papel na conspiração, na tomada do poder e na formulação do projeto de reorganização política, econômica e administrativa do país. O movimento foi deflagrado no dia 31 de março de 1964 e obteve completo êxito, transferindo rapidamente o poder de fato para o auto-intitulado Comando Supremo da Revolução, formado pelo general Artur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, enquanto Ranieri Mazzilli assumia mais uma vez, formalmente, a presidência da República. Nos primeiros dias de abril, os generais Geisel, Osvaldo Cordeiro de Farias, Ademar de Queirós, Golberi do Couto e Silva e Nélson de Melo trabalharam intensamente junto à oficialidade que se reunia nos clubes Militar e Naval para que fosse aceito o nome do general Humberto Castelo Branco, também ligado à ESG, para a presidência da República. No dia 9 de abril, o Comando Supremo da Revolução editou um Ato Institucional mais tarde conhecido como AI-1 — regulamentando as primeiras grandes transformações produzidas pelo movimento na vida política nacional. O AI-1 permitiu punições extralegais de adversários do novo regime (cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos, demissões etc.), determinou a realização de eleições indiretas para a presidência da República em 1964 e transferiu para o Executivo importantes atribuições do Poder Legislativo. Castelo Branco foi eleito presidente da República pelo Congresso em 11 de abril, assumindo o cargo quatro dias depois e nomeando Geisel chefe do seu Gabinete Militar. No Gabinete Militar da Presidência A atuação de Geisel nesse posto foi intensa. Logo no início do novo governo viajou ao Nordeste a pedido do presidente a fim de verificar a veracidade das informações sobre torturas a presos políticos nessa região, o que não foi confirmado por seu relatório. Houve contestação às suas conclusões e críticas à falta de punição aos supostos envolvidos, mas, mesmo entre os denunciantes, foi unânime o reconhecimento de que as irregularidades diminuíram depois da viagem. As denúncias sobre o uso da tortura em outras regiões do país continuaram intensas na Câmara dos Deputados, levando o presidente a determinar em setembro novas apurações ao Gabinete Militar. Geisel se ocupou em verificar pessoalmente as causas da morte do sargento Manuel Alves de Oliveira, ocorrida no Hospital Central do Exército, e as denúncias sobre torturas na base aérea de Cumbica (SP). Nesse período, coordenou também as negociações entre a Marinha e a Aeronáutica para superar a crise em torno da operação das aeronaves embarcadas no porta-aviões Minas Gerais, agravada em agosto de 1964 em virtude da realização de manobras conjuntas com forças armadas de outros países na operação Unitas IV. Essas divergências chegaram a provocar a exoneração de dois ministros da Aeronáutica (Nélson Lavenère Wanderley e Márcio de Sousa e Melo) e do da Marinha (Ernesto de Melo Batista), sendo solucionadas pelo Decreto nº 56.309, de maio de 1965, que concedeu à Aeronáutica o provimento de pessoal para a aviação embarcada. Geisel foi promovido a general-de-divisão em novembro de 1964, ainda na chefia do Gabinete Militar. Nessa época, defendeu a incorporação da Companhia Telefônica Brasileira (CTB), pertencente a um grupo multinacional, à Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), combatendo assim a proposta do ministro do Planejamento, Roberto Campos, de repassa-la à International Telephone and Telegraph (ITT). Apesar de pressionado pela chamada “linha dura” para adotar medidas mais radicais contra o antigo governo e seus simpatizantes, Castelo Branco manteve inicialmente em vigor (com pequenas alterações) a Constituição de 1946 e o calendário eleitoral, que previa para outubro de 1965 a realização de eleições diretas para governador em 11 estados, inclusive Minas Gerais e Guanabara, considerados de grande importância para o curso do processo político nacional. A aproximação do pleito produziu um aumento da tensão em virtude da expectativa de vitória dos candidatos da coligação oposicionista formada pelos partidos Social Democrático (PSD) e Trabalhista Brasileiro (PTB). Além dos problemas que enfrentava na área militar, o governo federal passou a sofrer pressões de grupos de direita organizados principalmente em torno da Liga Democrática Radical (Lider) e do Movimento Anticomunista (Mac), que consideravam “uma afronta à revolução” as candidaturas de Hélio de Almeida na Guanabara e de Sebastião Pais de Almeida em Minas Gerais. As negociações dentro do governo foram difíceis, resultando na impugnação desses dois candidatos. O primeiro foi atingido pela Lei das Inelegibilidades (aprovada em julho de 1965) em virtude de sua condição de ex-ministro de Goulart, e a solução para o segundo caso foi encontrada em reunião de que participaram Castelo Branco, Geisel, Golberi (chefe do Serviço Nacional de Informações) e Luís Viana Filho (chefe do Gabinete Civil); acusado de abuso do poder econômico durante a campanha eleitoral de 1962, Pais de Almeida também foi impugnado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os candidatos originais da coligação PSD-PTB em Minas e na Guanabara foram substituídos, respectivamente, por Israel Pinheiro e Francisco Negrão de Lima, vitoriosos no pleito de outubro. Com esse resultado, a “linha dura” iniciou uma conspiração para depor Castelo Branco, mas a intervenção do ministro da Guerra, general Costa e Silva, impediu esse desfecho. Mesmo assim, a tendência ao endurecimento do regime se fortaleceu, resultando no envio ao Congresso de um projeto de lei voltado para garantir a “defesa revolucionária”, ampliando os casos de intervenção federal nos estados, estendendo aos civis o foro especial previsto para o julgamento de militares e reabrindo a possibilidade de suspensão de direitos políticos. Diante de fortes indicações de que o projeto seria rejeitado pelo Poder Legislativo, Castelo Branco se reuniu no dia 22 de outubro com Geisel, Golberi, Luís Viana Filho, Juraci Magalhães (ministro da Justiça) e Osvaldo Cordeiro de Farias (ministro do Interior) e, cinco dias depois, editou o Ato Institucional nº 2 (AI-2) garantindo a adoção daquelas medidas, extinguindo os partidos políticos e definindo o princípio de eleições indiretas para a presidência. No mesmo dia, foi decretado o Ato Complementar nº 1, que estabeleceu a pena de três meses a um ano de reclusão para os cidadãos que, privados de direitos políticos, participassem de atividades ou manifestações de natureza política. Pretendendo preservar a unidade das forças armadas, Castelo Branco continuou a ceder às pressões da “linha dura” e passou a aceitar a candidatura do general Costa e Silva para substituí-lo na presidência, posições que Geisel combateu. Segundo Luís Viana Filho, em reunião realizada no dia 30 de janeiro de 1966 com a presença do presidente e dos ministros militares para discutir a edição do Ato Intitucional nº 3 (AI-3), Geisel se posicionou contra a tentativa de evitar a qualquer preço o agravamento da crise, afirmando: “Vamos vender o futuro por uma solução precipitada do presente. Pouco importa que haja crise agora, essa crise que estão querendo evitar. Prefiro até que haja. Se eles ganharem, que venham e assumam a responsabilidade do governo.” O AI-3, editado em 5 de fevereiro de 1966, fixou a realização de eleições indiretas para os governos estaduais em setembro e para a presidência em outubro, mas garantiu o pleito direto para o Legislativo em novembro. Em fins de março de 1966, com a aproximação da sucessão presidencial e o início das consultas de Castelo Branco aos diretórios regionais do novo partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), Cordeiro de Farias, Mem de Sá (ministro da Justiça desde 14 de janeiro), Golberi e Geisel manifestaram o desejo de deixar o governo. Segundo Luís Viana Filho, os dois últimos temiam criar problemas ao presidente devido à notoriedade com que se opunham à candidatura de Costa e Silva, mas seus pedidos não foram atendidos. Colaborador assíduo de Castelo Branco, Geisel participou das reuniões que levaram à cassação do mandato do governador paulista Ademar de Barros em 4 de junho de 1966, da decisão de decretar o recesso do Congresso e cassar os mandatos de seis deputados em 20 de outubro seguinte, e da reunião do Conselho de Segurança Nacional em 29 de dezembro, que definiu o anteprojeto da nova Constituição, aprovada pelo Congresso em 24 de janeiro de 1967 depois de calorosos debates. Promovido a general-de-exército em novembro de 1966, deixou o Gabinete Militar no final do governo Castelo Branco em 15 de março de 1967 e foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), onde participou do julgamento de inúmeros processos referentes a crimes políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. De maneira geral, sua posição foi enérgica. Votou a favor da manutenção da prisão preventiva e do flagrante dos líderes universitários Luís Travassos e José Dirceu de Oliveira e Silva, presos em Ibiúna (SP) durante a realização do XXX Congresso da proscrita União Nacional dos Estudantes (UNE) em outubro de 1968. Aposentou-se do STM em 1969, sendo nomeado para a presidência da Petrobras em novembro desse ano, no início do mandato presidencial do general Emílio Garrastazu Médici. Na presidência da Petrobras Durante sua gestão, a Petrobras diminuiu a perfuração exploratória em território nacional, que vinha apresentando resultados pouco animadores, incapazes de garantir um crescimento da produção no ritmo do aumento do consumo. Em contrapartida, a empresa passou a investir mais em atividades de rentabilidade segura, como a refinação e distribuição de derivados, e a perfuração em países ricos em óleo, criando para isso uma nova subsidiária, a Braspetro, Petrobras Internacional S.A. Os resultados mais expressivos obtidos no período foram a perfuração do primeiro poço na foz do rio Amazonas (janeiro de 1970); a criação da Disbrás, subsidiária destinada à distribuição de derivados de petróleo (julho de 1971); a descoberta de petróleo no município capixaba de São Mateus (janeiro de 1972) e na plataforma continental de Sergipe, com a criação do campo de Caioba (fevereiro de 1972); a inauguração da refinaria de Paulínia (SP) e da usina protótipo de Irati, no município paranaense de São Mateus do Sul (1972); a produção do primeiro barril de óleo de xisto em escala semi-industrial no Brasil; a construção de um gasoduto de 230km a partir do campo de Caioba (janeiro de 1973); o início da implantação da refinaria do Paraná, com capacidade para processar 20.000m3 de petróleo por dia, e a entrada em operação da unidade de lubrificantes de origem paratínica da Refinaria Duque de Caxias (junho de 1973). Em 18 de junho de 1973, Geisel foi oficialmente lançado pelo general Médici como candidato à sucessão presidencial. A imprensa sabia dessa escolha desde alguns meses, mas não divulgara a notícia por causa da censura imposta na época aos meios de comunicação. Deixando a presidência da Petrobras no dia 11 de julho, em seu discurso de despedida Geisel afirmou que se opusera às tentativas de estender o monopólio estatal à distribuição de derivados de petróleo e à petroquímica, pois este setor, “de acordo com a política governamental estabelecida, cabe essencialmente ao capital particular... mediante associações que incluam capitais estrangeiros vinculados, via de regra, com o aporte da necessária tecnologia, além da proveitosa utilização da poupança externa em nosso desenvolvimento”. Afirmou ainda que “o monopólio legal atribuído à Petrobras não constitui uma finalidade, mas é apenas um meio de ação” para assegurar ao país o necessário abastecimento de petróleo e derivados e que “a auto-suficiência da produção nacional de petróleo, por mais desejável que seja, não é missão básica da empresa, porque ela é função de fatores e circunstâncias aleatórias, independentes da nossa vontade”. Na presidência da República: a distensão No dia 14 de setembro de 1973, a Arena homologou por unanimidade as candidaturas de Geisel para a presidência e do general Adalberto Pereira dos Santos para a vice-presidência da República. Ambos foram eleitos pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1974, recebendo quatocentos votos contra 76 dados ao deputado Ulisses Guimarães e ao jornalista Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, auto-intitulados “anticandidatos” do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em protesto contra a forma da eleição. Houve, ainda, 21 abstenções. Os editoriais e principais colunas políticas dos grandes jornais do Rio e São Paulo transmitiram uma expectativa otimista em relação à posse do novo governo, ocorrida em 15 de março de 1974. Durante o mandato do presidente Emílio Médici, as restrições às liberdades públicas e as denúncias sobre violação dos direitos humanos haviam atingido níveis inéditos em relação a seus antecessores, fazendo com que o projeto liberalizante apresentado por Geisel abrisse novas oportunidades para o diálogo com a oposição, a Igreja e setores intelectuais. No dia 19 de março, o presidente se reuniu pela primeira vez com seu ministério, composto pelo general Golberi do Couto e Silva (Gabinete Civil), general Hugo Abreu (Gabinete Militar), general Vicente de Paulo Dale Coutinho (Exército), almirante Geraldo Henning (Marinha), brigadeiro Joelmir de Araripe Macedo (Aeronáutica), Mário Henrique Simonsen (Fazenda), Armando Falcão (Justiça), Antônio Francisco Azeredo da Silveira (Relações Exteriores), Arnaldo Prieto (Trabalho), Nei Braga (Educação e Cultura), Alisson Paulinelli (Agricultura), Dirceu Nogueira (Transportes), Euclides Quandt de Oliveira (Comunicações), Shigeaki Ueki (Minas e Energia), Severo Gomes (Indústria e Comércio), Paulo Machado (Saúde), João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e Maurício Rangel Reis (Interior). Nesse momento ainda não fazia parte do ministério o general João Batista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), cujo cargo passaria a ser considerado equivalente ao de ministro somente a partir de 1º de maio seguinte. Nessa reunião, referindo-se aos atos institucionais que haviam regulamentado nos anos anteriores as medidas de exceção, Geisel declarou que “almejava vê-los não tanto em exercício duradouro ou freqüente, mas como potencial de ação repressiva ou de contenção mais enérgica, até que se vejam superados pela imaginação política criadora, capaz de instituir, quando for oportuno, salvaguardas eficazes e remédios prontos e realmente eficientes do contexto constitucional”. Dez anos depois, reafirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que já assumira o governo com a disposição de revogar os atos institucionais, principalmente o AI-5, até o final de seu mandato. Ao mesmo tempo, a postura centralizadora que marcaria sua relação com seus auxiliares diretos ficou clara quando lhes comunicou que enviaria ao Congresso projetos de lei transformando o Ministério do Planejamento em Secretaria do Planejamento, adjunta à Presidência da República, e criando o Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) e o Ministério da Previdência Social. Pouco depois, Geisel demonstrou sua disposição de preservar sua autoridade e, ao mesmo tempo, demarcar a diferença entre seu governo e o anterior, orientando o procurador-geral da República para denunciar o deputado federal baiano Francisco Pinto, do MDB, como incurso na Lei de Segurança Nacional por ofensas ao general Augusto Pinochet, presidente do Chile, que viajara ao Brasil para assistir à posse do novo governo. Dessa forma, deixou de utilizar as medidas excepcionais previstas pelo AI-5, ainda em vigor, mas obteve através do Supremo Tribunal Federal (STF) a condenação do réu a seis meses de prisão. Outro teste inicial da nova política ocorreu com a aproximação do dia 10 de abril de 1974, quando terminaria o prazo de suspensão dos direitos políticos da primeira lista de pessoas cassadas pelo AI-1, inclusive os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. O clima de apreensão existente levou o ministro Armando Falcão a anunciar pela televisão que “quem houvesse sido punido e, na vigência da punição e depois dela estivesse entregue ao trabalho individual pacífico, sem perturbar o processo revolucionário, poderia permanecer como se encontrava”. No dia 17 de maio, Geisel viajou até Foz do Iguaçu (PR) para encontrar-se com o presidente paraguaio Alfredo Stroessner e empossar a direção da Companhia Hidrelétrica de Itaipu, empresa binacional voltada para o aproveitamento do potencial energético do trecho do rio Paraná situado na fronteira entre Brasil e Paraguai. Nesse mesmo dia, o general Sílvio Frota assumiu o Ministério do Exército em substituição a Dale Coutinho, recém-falecido. No dia 30, Luís Gonzaga do Nascimento e Silva assumiu o recém-criado Ministério da Previdência Social. Em discurso pronunciado no dia 29 de agosto e considerado pela imprensa na época como o mais importante desde o início de seu governo, Geisel definiu de forma mais clara seu projeto político como de “distensão lenta, gradual e segura”. Traduzindo o tradicional binômio “desenvolvimento e segurança” formulado pela ESG, esse projeto defendia “o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável”. Ao aplicá-lo, Geisel iria continuar uma política de abertura com freqüentes reafirmações de sua autoridade e seu controle sobre o processo em curso. A política externa pragmática Desde o início do seu governo, Geisel imprimiu nova orientação à política externa brasileira, privilegiando a abertura de novas oportunidades para o comércio exterior. O alinhamento automático com os Estados Unidos e a concepção das “fronteiras ideológicas” que dividiam o mundo em blocos relativamente monolíticos deram lugar ao chamado “pragmatismo responsável”, com sensível modificação da política brasileira nos foros internacionais e na importância atribuída às relações com países da África e da Ásia. Como conseqüência, o Brasil tornou-se o primeiro país a reconhecer o governo português formado em seguida à derrubada da ditadura salazarista no dia 25 de abril de 1974, estabeleceu relações diplomáticas com os Emirados Árabes e o Bahrein em junho e, em 18 de julho seguinte, apoiou o ingresso de Guiné Bissau na Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecendo assim a independência dessa antiga colônia portuguesa. Em julho, foram estabelecidas relações diplomáticas com Omã. Percebendo a necessidade de “realinhamentos inevitáveis” na política externa, a Presidência da República e o Itamarati realizaram um trabalho de preparação junto ao Conselho de Segurança Nacional, à ESG e outras instituições formuladoras das estratégias nacionais para embasar a principal decisão do governo nesse período: o reatamento das relações diplomáticas com a República Popular da China, realizado em 15 de agosto de 1974 durante a visita de uma missão desse país ao Brasil. Na mesma data, foi firmado um compromisso comercial entre os dois países, e pouco depois, como já era esperado, a China Nacionalista (Formosa ou Taiwan) rompeu relações com o Brasil. Em 4 de setembro seguinte, o chanceler Azeredo da Silveira recebeu seu colega da Árabia Saudita e, em seguida, anunciou outra modificação na política externa brasileira, pedindo a retirada de Israel dos territórios árabes ocupados em 1967 e o reconhecimento dos direitos do povo palestino. O II Plano Nacional de Desenvolvimento As principais metas da política econômica do governo Geisel foram definidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), aprovado pelo Congresso no segundo semestre de 1974. Pretendendo ajustar o funcionamento da economia nacional ao impacto da crise do petróleo e ao novo patamar alcançado pela indústria durante o “milagre brasileiro”, o plano dava ênfase especial à diminuição da dependência do país das fontes externas de energia e, ao mesmo tempo, considerava prioritário o desenvolvimento das indústrias básicas, das comunicações, ferrovias, navegação e portos. Esses setores deveriam ser cobertos pela ação governamental direta, pois demandavam investimentos gigantescos, com longo prazo de maturação e baixa rentabilidade relativa, ficando garantido ao setor privado o fornecimento de equipamentos e matérias-primas, com ênfase especial nas empresas nacionais. A presença maciça de capital estrangeiro nas áreas de infra-estrutura devia ser evitada, estimulando-se em compensação seu crescimento nos setores considerados não básicos, onde a taxa de lucro era maior. As posições defendidas no II PND estimularam o debate sobre o papel do capital estrangeiro no país. O industrial Severo Gomes, titular da pasta da Indústria e Comércio e conhecido defensor do capital nacional, chegou a afirmar que o governo estava “atento para o perigo que representa a vinda das indústrias estrangeiras melhor equipadas para concorrerem com as empresas aqui estabelecidas”. As eleições de 1974 A despeito das eleições indiretas de outubro de 1974, em que as assembléias legislativas estaduais elegeram governadores indicados pelo governo, todos da Arena, com a abstenção ou a ausência do MDB, as eleições de novembro para a renovação das assembléias legislativas, da Câmara dos Deputados e de 1/3 do Senado foram um marco na evolução da política de distensão. Geisel garantiu uma dose de liberdade de propaganda inexistente desde a edição do AI-5, inclusive com a utilização da televisão por todos os candidatos de ambos os partidos durante os dois meses que antecederam o pleito. Esse fato, aliado ao esgotamento do chamado “milagre brasileiro” e à opção pela luta eleitoral dos agrupamentos de esquerda que antes advogaram o voto nulo, conduziu, entre outros fatores, a uma importante vitória da oposição, que elegeu 16 senadores contra seis do partido governista. O MDB venceu nos principais estados do país, como São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco, surpreendendo o governo e todas as correntes políticas atuantes. Com esse resultado, a bancada arenista no Senado caiu de 59 para 46 cadeiras, enquanto a do MDB aumentou de sete para 20. Na Câmara, a Arena diminuiu sua bancada de 223 para 199 deputados e a oposição passou de 87 representantes para 165. No dia 30 de dezembro, Geisel fez um pronunciamento ao país, afirmando que o governo registrava o resultado eleitoral sem ressentimentos. Apesar da política de distensão, os órgãos de segurança continuaram atuantes nesse período contra as organizações clandestinas, centrando sua ação principalmente sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que havia sido menos atingido nos anos anteriores. Houve denúncias, veiculadas pela imprensa, sobre o desaparecimento de 14 dirigentes desse partido, presos ainda em 1974, mas a principal ofensiva policial ocorreu em janeiro de 1975, quando foi descoberta a gráfica clandestina do PCB, instalada no subterrâneo de uma casa no subúrbio de Campo Grande, no Rio. O ministro Armando Falcão compareceu em seguida à televisão para reafirmar oficialmente que “o PCB, o comunismo e a subversão não terão mais vez nesse país”. Pressionado pelo MDB e por entidades civis, o ministro da Justiça divulgou em 7 de fevereiro de 1975 a versão oficial sobre a situação de 26 oposicionistas considerados desaparecidos, afirmando que sete estavam em liberdade, seis foragidos, dois na clandestinidade, um banido, um morto, um localizado e quatro tinham destino ignorado. Mesmo assim, continuou havendo um consenso entre a imprensa e outros setores representativos da sociedade de que essas pessoas haviam sido mortas pelos órgãos de repressão. Pouco depois, entretanto, a política de distensão deu um passo importante com a suspensão da censura prévia a O Estado de S. Paulo, medida que só seria estendida mais tarde aos órgãos da chamada imprensa alternativa, como O Pasquim, Opinião e Movimento. As primeiras utilizações do AI-5 por Geisel Em abril de 1975, a Assembléia Legislativa do Acre rejeitou, por duas vezes, os nomes propostos pelo governador para o cargo de prefeito da capital, provocando violenta reação do governo federal, que utilizou pela primeira vez os poderes excepcionais previstos pelo AI-5 e decretou intervenção federal no município de Rio Branco. Na mesma ocasião, o presidente utilizou o AI-5 para punir um juiz, um escrivão e um tenente da Aeronáutica envolvidos em corrupção no território de Rondônia. A intervenção em Rio Branco causou apreensão tanto na Arena quanto no MDB, cujo secretário-geral, deputado Tales Ramalho, divulgou nota oficial afirmando que essa medida não servia para “o aprimoramento das instituições democráticas e, muito menos, à política de distensão reiterada em tantos pronunciamentos pelo presidente da República”. Geisel voltaria a utilizar o AI-5 mais duas vezes ainda em 1975, para cassar em 1º de julho o mandato e os direitos políticos do senador pernambucano Wilson Campos, da Arena, acusado de corrupção, e confiscar os bens do grupo J. J. Abdala em 15 de setembro, por irregularidades administrativas e acúmulo de dívidas superiores a seis bilhões de cruzeiros. O acordo nuclear com a Alemanha No dia 29 de maio de 1975, o chanceler Azeredo da Silveira revelou que havia entendimentos em curso para a construção de reatores nucleares no Brasil com base em tecnologia alemã. Esta declaração causou grande impacto no país, pois nem a comunidade científica nem os partidos políticos estavam informados das negociações. A repercussão no exterior também foi significativa devido à posição dos Estados Unidos e da União Soviética, contrárias à difusão da tecnologia nuclear para países, como o Brasil, não signatários do Tratado de Não-Proliferação de Armas Atômicas. Apesar dessas resistências, o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha foi assinado em Bonn no dia 27 de junho de 1975, envolvendo, até 1990, uma quantia estipulada entre dez bilhões de dólares para a construção de oito centrais nucleares, uma usina de enriquecimento de urânio e empresas para o reprocessamento do combustível atômico, além de trabalhos de prospecção de minérios radioativos. Para a implementação do acordo, foram criadas diversas empresas binacionais, ligadas, no lado brasileiro, à Nuclebrás. O governo Geisel saudou este acontecimento como uma grande vitória diplomática do Brasil, afirmando que o acordo garantia a autonomia energética do país até as primeiras décadas do século XXI. Mesmo assim, o projeto foi duramente criticado por setores da comunidade científica e da oposição principalmente devido à centralização das decisões, à pequena transferência de tecnologia para o Brasil, à existência de um vasto potencial hidrelétrico ainda não aproveitado e ao considerável aumento provocado na dívida externa do país. A crise econômica e os contratos de risco A queda na taxa de crescimento econômico do país, o impacto da crise do petróleo, o significativo aumento da dívida externa e o desequilíbrio do balanço de pagamentos compunham nessa época um quadro de dificuldades crescentes e, a curto prazo, insolúveis na economia brasileira. As metas do II PND tornaram-se inatingíveis, levando setores do próprio governo a defenderem a adoção de um plano de emergência capaz de redefinir os rumos da política econômica e reorientar os investimentos públicos, então comprometidos com pesadas obras de infra-estrutura que necessitariam de larga maturação. Nesse contexto, apareceram divergências entre os ministros Mário Henrique Simonsen (da Fazenda) e Severo Gomes (da Indústria e Comércio), principalmente em torno do tratamento a ser dispensado ao capital estrangeiro. Em julho de 1975, Severo conseguiu impedir que a multinacional Philips adquirisse o controle acionário da Consul, empresa brasileira de eletrodomésticos. Na reunião do CDE realizada em 29 de setembro seguinte sob a presidência de Geisel, Simonsen apresentou suas Notas sobre o problema do capital estrangeiro no Brasil e defendeu liberdade de ação para as empresas multinacionais, sendo contestado por Severo, que propunha a adoção de mecanismos capazes de garantir um estilo de desenvolvimento menos dependente para o Brasil. Os problemas do balanço de pagamentos com o exterior tornavam-se cada vez mais graves diante da dificuldade de reduzir significativamente a pauta de importações (composta em grande parte por petróleo, máquinas, equipamentos e insumos básicos) ou aumentar as exportações em um período de crise econômica internacional. Nesse contexto, uma das medidas estudadas pelo governo foi a adoção de contratos de risco entre a Petrobras e empresas estrangeiras para a prospecção de petróleo na plataforma continental do país. Apesar da posição contrária de Severo Gomes e de Azeredo da Silveira, expressa em reunião do ministério, Geisel fez um dramático pronunciamento à nação no dia 9 de outubro para anunciar a autorização àqueles contratos. Enfatizou então que o monopólio estatal previsto em lei não devia ser entendido como um fim em si mesmo, mas sim um meio para “assegurar, nas melhores condições possíveis, o abastecimento nacional de petróleo”. A comissão executiva nacional do MDB divulgou em seguida nota oficial de repúdio a essa medida, reclamando da rapidez e da forma centralizada com que fora adotada e reiterando sua crítica a toda a política econômica em vigor. Pouco depois, o ministro da Justiça enviou circular a todos os governadores proibindo a realização de manifestações públicas de protesto. Novos passos da política externa pragmática Na segunda quinzena de outubro e nos primeiros dias de novembro de 1975, Geisel tomou uma série de decisões aprofundando a linha pragmática de sua política externa, algumas das quais contestadas pelos setores mais conservadores do próprio governo. Em 17 de outubro, a Companhia Brasileira de Entrepostos e Comércio fechou um contrato de exportação de trezentas mil toneladas de soja para a União Soviética e, no dia seguinte, a delegação brasileira na ONU votou a favor de uma moção que condenava o sionismo como uma forma de discriminação racial, provocando uma nota oficial de desaprovação enviada ao Itamarati pelo governo norte-americano. Nessa ocasião, foi amplamente divulgado que a mudança da posição brasileira em relação ao Oriente Médio estava ligada à necessidade de aproximação com os países árabes exportadores de petróleo, inimigos de Israel. Segundo o Jornal do Brasil de 14 de março de 1976, o chanceler Azeredo da Silveira teria declarado a Henry Kissinger, seu colega norte-americano, que “se vocês tivessem um milhão de barris de petróleo para nos fornecer diariamente, talvez essa mudança não fosse tão brusca”. No dia 5 de novembro de 1975, o Brasil votou a favor de um projeto de resolução da ONU que condenava o regime racista da África do Sul e recomendava a suspensão do fornecimento de matérias-primas estratégicas para esse país. A decisão mais controversa desse período, entretanto, foi o reconhecimento, em 10 de novembro, do governo angolano em fase de implantação pelo pró-comunista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), cujas forças militares, apoiadas por tropas cubanas, estavam derrotando no campo de batalha os outros dois grupos rivais, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), as quais, por sua vez, lutavam ao lado de contingentes da África do Sul e recebiam apoio material dos Estados Unidos, de outras nações ocidentais e da China. Adotando de forma quase imediata o parecer de seu representante em Luanda, ministro Ovídio de Andrade Melo, o governo brasileiro tornou-se o primeiro a reconhecer a República Popular de Angola, proclamada pelo MPLA pouco depois de consolidar seu controle sobre a capital do país. Apesar de duramente criticada na ocasião, essa decisão foi fortalecida pela evolução da guerra civil, favorável ao MPLA, e o posterior reconhecimento do novo governo angolano pela maioria dos países do mundo. Em 14 de novembro, o Itamarati anunciou o estabelecimento de relações diplomáticas a nível de embaixada com Moçambique, outra antiga colônia portuguesa na África e também governada nessa época pelos líderes da guerrilha de tendência marxista. Em relação à América Latina, Geisel assinou um tratado de amizade e cooperação com o Paraguai, abrindo linhas especiais de crédito para esse país comprar bens de capital no Brasil e conferindo às empresas paraguaias o direito de pesca no mar territorial brasileiro. Os primeiros confrontos com a “linha dura” militar A ofensiva dos órgãos de repressão contra o PCB continuou durante todo o segundo semestre de 1975, produzindo centenas de prisões, principalmente em São Paulo. No dia 26 de outubro de 1975, o general Ednardo Dávila Melo, comandante do II Exército, distribuiu nota oficial comunicando que o jornalista Vladimir Herzog fora encontrado morto por enforcamento em uma das celas do Centro de Operações para a Defesa Interna, ligado ao Departamento de Operações Internas e conhecido pela sigla DOI-CODI, organismo militar responsável pela coordenação dos diversos centros de polícia política em cada região. Herzog era diretor-responsável do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo e editor de cultura da revista Visão. Sua morte causou grande impacto na opinião pública, que colocou sob suspeição a versão oficial. Segundo os jornalistas André Gustavo Stumpf e Merval Pereira Filho, Geisel designou imediatamente o coronel Gustavo de Morais Rego, seu assessor, para apurar a verdade e cuidar para que os outros jornalistas convocados pelo DOI-CODI só se apresentassem com garantias. De acordo com as fontes citadas, o secretário de Imprensa da Presidência da República, Humberto Barreto, revelou então pela primeira vez o clima de confrontação existente entre o presidente e os órgãos de repressão política, especialmente os de São Paulo, contestadores da distensão e ligados ao ministro do Exército, general Sílvio Frota. Barreto chegara a pedir demissão de seu cargo, mas fora convencido a permanecer pelo próprio Geisel, que revelara necessitar de pessoas fiéis para desarticular o esquema adversário. Com a aproximação da missa de sétimo dia por Vladimir Herzog, o ministro Golberi do Couto e Silva transmitiu recomendações aos jornalistas paulistas para que não aceitassem provocações capazes de radicalizar ainda mais a situação. A missa, rezada pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, reuniu milhares de pessoas na catedral da Sé em um ambiente de grande tensão, acabando por tornar-se a primeira manifestação política de envergadura contra o governo. No Rio, o cardeal-arcebispo dom Eugênio Sales proibiu a realização do culto que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pretendia promover na igreja de Santa Luzia. Apesar desse episódio, a ofensiva contra o PCB continuou. No dia 15 de novembro, a imprensa publicou um relatório da 5ª RM sobre a prisão de 67 membros desse partido no Paraná e, oito dias depois, foi a vez do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista divulgar um extenso documento sobre as atividades dos comunistas nesse estado, envolvendo 105 nomes de militantes e simpatizantes, entre os quais os deputados Marcelo Gato, federal, e Alberto Goldman e Nélson Fabiano Sobrinho, estaduais, eleitos na legenda do MDB. Em fins de 1975, Geisel foi homenageado com um almoço no quartel-general do Exército, ao qual compareceram 117 oficiais-generais das três armas. Na ocasião, o ministro Sílvio Frota discursou afirmando o apoio “franco e irrestrito” dos militares ao presidente e a impossibilidade de que “intrigas ou pessimismos... possam dividir-nos ou abalar nossa lealdade ao chefe do governo”. Entretanto, essa harmonia foi quebrada logo no mês seguinte, em 19 de janeiro de 1976, com o anúncio da repetição do “caso Herzog”. Dessa vez, a vítima foi o operário José Manuel Fiel Filho, também encontrado morto por enforcamento — “com suas próprias meias”, segundo a versão oficial — nas dependências do DOI-CODI do II Exército. O laudo pericial do Instituto Médico-Legal, atestando suicídio, foi mais uma vez assinado pelo médico Harry Shibata, mais tarde punido pelo Conselho de Medicina de São Paulo por falsidade ideológica. Eclodiu então o segundo confronto aberto entre Geisel e a chamada “linha dura” militar. O presidente viajou imediatamente para São Paulo e, com inusitada rapidez, exonerou o general Ednardo Dávila do comando do II Exército, nomeando o general Dilermando Gomes Monteiro para substituí-lo. Essa alteração foi seguida de uma profunda mudança nos escalões intermediários, com a designação para comandos de regimentos, brigadas e divisões sediadas na área do II Exército de oficiais inteiramente ligados ao presidente, como o general José Fragomeni (que assumiu o comando da 2ª Divisão de Exército), o general Fernando Guimarães de Cerqueira Lima (designado para a 12ª Brigada de Infantaria, sediada em Caçapava), e o general Gustavo de Morais Rego (que passou a chefiar a 11ª Brigada de Infantaria Blindada, com sede em Campinas). O general Ednardo Dávila foi remanejado para o Departamento de Ensino e Pesquisa, mas se recusou a assumir suas novas funções, pedindo transferência para a reserva. As eleições de 1976 e a Lei Falcão Apesar das dificuldades no campo econômico, o produto interno bruto brasileiro cresceu 4,2% em 1975. Entretanto, o saldo negativo no balanço de pagamentos e na balança comercial, junto com o aumento da dívida externa para 28 bilhões de dólares e da taxa de inflação para 38% indicavam que a crise estava em curso. Também no terreno político Geisel enfrentava adversidades. Paralelamente aos confrontos com a extrema direita, a política de distensão enfrentava também contradições com a oposição ao regime militar. O AI-5 voltou a ser utilizado em janeiro de 1976 para cassar o mandato e suspender por dez anos os direitos políticos dos deputados Marcelo Gato e Nélson Fabiano Sobrinho, acusados pelos órgãos de repressão de pertencerem ao PCB. Mesmo assim, em discurso pronunciado por ocasião da abertura do ano legislativo em 1º de março seguinte, Geisel reafirmou seu projeto de abertura e garantiu a realização das eleições municipais previstas para o dia 15 de novembro desse ano. Mas as cassações de mandatos continuaram, tendo atingido em 29 de março os deputados federais gaúchos Nadir Rosseti e Amauri Müller, e três dias depois o carioca Lisânias Maciel, que protestara contra aquelas medidas. No dia 1º de maio, Geisel participou em Volta Redonda (RJ) da cerimônia de início das obras da Ferrovia do Aço, prevista no II PND. Nos meses seguintes, entretanto, ficou clara a impossibilidade de cumprir os objetivos definidos nesse plano, o que causou a paralisação da construção da ferrovia e de outros investimentos e fortaleceu a autonomia do ministro da Fazenda para redefinir os rumos da política econômica, visando principalmente controlar a inflação e equilibrar o balanço de pagamentos. Em 6 de maio, o ex-presidente João Goulart morreu na Argentina. Geisel autorizou o traslado do corpo para São Borja (RS), terra natal de Goulart, onde 30 mil pessoas se reuniram para o enterro e ouviram discursos do deputado estadual Pedro Simon, presidente da seção gaúcha do MDB, e do deputado federal mineiro Tancredo Neves, representante do diretório nacional desse partido, pregando a união nacional e a reconciliação “sem represálias”. De posse de relatórios dos serviços de informação sobre a influência dos meios de comunicação de massa na vitória eleitoral do MDB em 1974, o governo federal elaborou a chamada Lei Falcão, batizada com o nome do ministro da Justiça e sancionada por Geisel em 24 de junho de 1976, reduzindo a propaganda política no rádio e na televisão a níveis mínimos. Os candidatos não poderiam aparecer ao vivo nesses veículos, que mostrariam apenas suas fotografias enquanto um locutor lia o currículo de cada um. No início de agosto, o jornal O Estado de S. Paulo iniciou uma série de reportagens que obteve grande repercussão, tratando das regalias colocadas à disposição dos altos funcionários da administração federal, como o uso de aviões particulares, casas com piscina, verba de representação etc. Esses artigos, popularizaram o termo “mordomia” para caracterizar vantagens extraordinárias e desproporcionais ao trabalho realizado, e levaram o governo a definir novas normas para seus funcionários de alta graduação. Pouco depois, o presidente voltou a lançar mão do AI-5 para suspender por dez anos os direitos políticos de cinco pessoas ligadas à administração estadual do Rio Grande do Norte, acusadas de irregularidades administrativas, entre elas o ex-governador José Cortez Pereira, e o deputado federal arenista Nei Lopes de Sousa. A morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ocorrida em acidente automobilístico no dia 22 de agosto de 1976, desencadeou forte emoção no país e levou Geisel a decretar luto oficial por três dias, na primeira homenagem feita por um governo do ciclo pós-1964 a um político cassado. O corpo de Kubitschek foi velado no Rio por três mil pessoas e trasladado a Brasília, onde cem mil pessoas acompanharam seu enterro cantando o Hino Nacional e o Peixe Vivo, canção do folclore mineiro. As relações entre o governo e a Igreja, problemáticas havia vários anos, se tornaram mais tensas a partir do seqüestro, em 2 de setembro de 1976, de dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu (RJ), conhecido por seu apoio às comunidades eclesiais de base (CEBA) e sua participação nos movimentos populares da região. Dom Adriano e setores da oposição acusaram grupos ligados aos órgãos de repressão pela autoria do crime e o jornal Movimento chegou a divulgar em primeira página notícia nunca contestada que identificava o major Zamith como chefe da operação, cujos autores permaneceram oficialmente desconhecidos. No dia 12 de outubro seguinte, o padre João Bosco Penido Burnier foi assassinado por um membro da guarnição da Polícia Militar de Ribeirão Bonito (MT), o que provocou a destruição da cadeia local pela população e levou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a divulgar nota exigindo a apuração dos fatos. Em fins de outubro, Geisel conversou em Juiz de Fora (MG) com dom Geraldo Penido, arcebispo local e primo do padre assassinado, que afirmou depois a disposição demonstrada pelo presidente de acabar com torturas e assassinatos praticados pelos órgãos de repressão. Com a aproximação das eleições municipais de novembro, Geisel se lançou pessoalmente no apoio à campanha arenista, visitando 45 municípios espalhados por 16 estados. Embora o MDB tenha vencido o pleito nas concentrações urbanas de maior parte, o partido governista compensou esse resultado no interior e nas cidades pequenas, obtendo 53,58% dos votos válidos no cômputo geral. No início de dezembro, o AI-5 foi acionado mais uma vez para cassar o mandato do presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado Leonel Júlio, da Arena, acusado de corrupção. A abertura para a Europa e o Japão Além do estreitamento das relações com países da África negra — que resultou na abertura de embaixadas em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, Alto Volta, Lesoto —, em 1976 o Itamarati desenvolveu o intercâmbio com a Europa e o Japão, buscando diversificar as fontes de capital e tecnologia avançada para o Brasil. Em 25 de abril desse ano, Geisel tornou-se o primeiro presidente brasileiro a visitar oficialmente a França. O comunicado conjunto assinado pelos dois países anunciou um pacote de investimentos no Brasil da ordem de dois bilhões e meio de dólares, com a previsão de que 2/3 dos equipamentos necessários seriam adquiridos na própria indústria brasileira. Além disso, o governo francês se comprometeu a liberar quinhentos milhões de dólares para serem aplicados nas regiões Norte e Nordeste. No dia 4 de maio de 1976, Geisel viajou à Inglaterra. Durante sua visita, mais de 120 representantes de instituições financeiras de todo o mundo assistiram a um seminário organizado pelo Banco Europeu sobre investimentos no Brasil, com a participação de Ângelo Calmon de Sá (presidente do Banco do Brasil), Paulo Lira (presidente do Banco Central) e Marcos Pereira Viana (presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico). Como resultado dessa visita, foram assinados diversos acordos de financiamento e transferência de tecnologia, principalmente nos setores de siderurgia e metalurgia, totalizando quase dois bilhões de dólares. A viagem seguinte de Geisel, realizada em setembro de 1976, foi ao Japão e resultou na criação de uma empresa de desenvolvimento agrícola para promover culturas agrícolas na região do cerrado mineiro, contando com recursos iniciais de 623 milhões de dólares, 49% dos quais de origem japonesa. Além disso, a Companhia Vale do Rio Doce assinou contratos que elevaram as exportações brasileiras de 17 milhões para 31 milhões de toneladas de minério de ferro e asseguraram a venda de seis milhões de toneladas de minério semi-industrializado ao Japão durante 15 anos. Ficou acertada também a participação de 49% de capital japonês na implantação de uma fábrica de alumínio (a Albrás) em Belém, o financiamento para a construção de um terminal portuário para a exportação de minério e do primeiro estágio da usina siderúrgica de Tubarão (ES), além da venda anual, também durante 15 anos, de 105 mil toneladas de polpa de celulose brasileira àquele país. Durante esta última viagem, Geisel conversou com jornalistas brasileiros e admitiu que o país não vivia uma democracia plena. Ressaltou a necessidade de preencher “certos requisitos econômicos para uma maior liberalização do regime” e reconheceu que não podia garantir que essa transformação fosse completada durante seu mandato ou mesmo no do seu sucessor. Ainda em 1976, o Brasil participou da Conferência Internacional de Apoio aos Povos do Zimbábue e da Namíbia, realizada em Moçambique, e da Conferência Mundial de Ação contra o Apartheid, realizada na Nigéria. O acirramento de divergências no governo Em 29 de dezembro de 1976, Geisel falou pela primeira vez a jornalistas brasileiros sobre a política econômica do seu governo, admitindo que nesse momento o país necessitava desenvolver uma agressiva política de exportação que contrariava parcialmente as metas de crescimento do mercado interno anteriormente definidas. Os investimentos públicos previstos pelo II PND para 1977 teriam que ser reduzidos em 25% para evitar a escalada da inflação (estacionada em torno de 40%) e da dívida externa (cerca de 31 bilhões de dólares), e controlar o déficit do balanço de pagamentos. As dificuldades econômicas e o prosseguimento da política de distensão contribuíram para o acirramento das divergências dentro do primeiro escalão do governo. No plano político, começaram a aparecer publicamente os problemas existentes entre o presidente e o ministro do Exército, que em visita a guarnições de Minas Gerais chegou a afirmar que os caminhos traçados pela revolução de 1964 estavam sendo esquecidos. Houve especulação em torno do afastamento do ministro e da ligação desse fato com a sucessão presidencial, objeto de articulações nos meios militares desde essa época. A candidatura do general Frota estava sendo trabalhada principalmente pelos generais Ênio dos Santos Pinheiro (secretário-geral do Ministério do Exército) e Jaime Portela (ex-chefe do Gabinete Militar durante o governo Costa e Silva), causando atritos com Geisel. Segundo Válder de Góis, no dia 2 de janeiro de 1977 o presidente foi advertido pelo general Hugo Abreu de que importantes parcelas do Exército faziam restrições à eventual indicação do general João Batista Figueiredo, colocando em risco a unidade militar. Nessa mesma época, aumentaram os rumores sobre a demissão do ministro Severo Gomes, publicamente identificado com o aprofundamento da abertura política e com a mudança do modelo econômico vigente. Pouco antes, Severo havia pronunciado uma conferência na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul propondo a formação de “um pacto entre as pequenas e médias empresas e o governo... (para) fortalecer politicamente a vida nacional e... controlar a atuação da empresa estatal e estrangeira”. A atuação de Severo foi importante também na decisão de enviar no início de fevereiro de 1977 a primeira delegação oficial do Brasil a Cuba desde 1964, para participar de uma reunião do Grupo Executivo de Países Latino-Americanos e do Caribe Exportadores de Açúcar. Dias depois, durante uma recepção, Severo discutiu asperamente com o empresário Carlos Lousada, ligado ao esquema dominante nos dois governos anteriores, que o acusara de “ministro esquerdista”. O episódio foi levado à apreciação do governo através de Roberto Médici, filho do ex-presidente Emílio Médici, e, pressionado através do general Golberi do Couto e Silva, Severo pediu demissão no dia 8 de fevereiro, sendo substituído por Ângelo Calmon de Sá. Ainda na primeira quinzena de fevereiro de 1977, Geisel voltou a utilizar o AI-5 duas vezes para cassar os mandatos dos vereadores porto-alegrenses Glênio Peres e Antônio da Silva Klassmann, ambos do MDB, que haviam protestado contra violações de direitos humanos e ausência de liberdades no país. No início de março, as relações entre o Brasil e os Estados Unidos foram afetadas pela reação do governo Geisel às pressões de Washington contra o Acordo Nuclear com a Alemanha e à leitura no Congresso norte-americano de um relatório denunciando torturas e desaparecimento de cidadãos brasileiros. Em resposta, o Brasil, através de seu embaixador João Batista Pinheiro, denunciou o acordo militar assinado entre os dois países em 1952. Discursando em comemoração aos seus três anos de governo, Geisel reafirmou em meados de março sua fidelidade “aos princípios que constituem a base doutrinária da Revolução” e advertiu que o progresso da abertura política tinha que ser paulatino, gradual e lento, dando margem a rumores de que o governo se preparava para introduzir modificações na legislação eleitoral a fim de garantir a vitória da Arena no pleito parlamentar de novembro do ano seguinte. O “pacote de abril” de 1977 Em 30 de março, o anteprojeto elaborado pelo governo sobre a reforma do Poder Judiciário foi levado à votação no Congresso e não obteve os 2/3 de votos necessários à sua aprovação. Geisel reuniu imediatamente o Conselho de Segurança Nacional e, dois dias depois, anunciou ao país a decisão de decretar o recesso do Congresso pelo Ato Complementar nº 102, acusando o MDB de “minoria ditatorial”. Segundo os jornalistas André Gustavo Stumpf e Merval Pereira Filho, o presidente sofreu nesse intervalo fortes pressões militares para cassar os mandatos de 20 parlamentares, mas negou-se a fazê-lo sem apresentação de motivos concretos. No dia 2 de abril, a comissão executiva do MDB divulgou nota oficial repelindo as acusações do presidente e afirmando que “em nenhum país democrático a rejeição de projeto de governo pelo parlamento constitui razão para a decretação do recesso do Poder Legislativo”. No dia 6, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou oficialmente que resolvera “considerar-se em sessão permanente a fim de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos que provocaram o recesso do Congresso Nacional”. Durante os 14 dias em que o Congresso esteve fechado, o presidente decretou a reforma do Judiciário pretendida pelo governo e baixou uma série de medidas de grande alcance político, voltadas principalmente para garantir a preservação da maioria governista no Legislativo e o controle sobre os cargos executivos em todos os níveis. De acordo com esse conjunto de medidas, conhecido como “pacote de abril”, o mandato presidencial passou a ter duração de seis anos a partir do sucessor de Geisel, a eleição de governadores permaneceu indireta, os mandatos de prefeitos e vereadores a serem eleitos em 1980 seriam de apenas dois anos, para permitir a coincidência geral das eleições em 1982, 1/3 dos senadores passou a ser eleito de forma indireta, as bancadas dos estados menos desenvolvidos (onde a Arena obtinha melhores resultados) foram aumentadas, as emendas constitucionais passaram a depender de maioria simples no Congresso para serem aprovadas e as limitações à propaganda eleitoral previstas na Lei Falcão foram estendidas às eleições gerais. Foram introduzidas ainda alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com o objetivo de estender para 30 dias o período de férias dos empregados, além de outras medidas sobre aluguel, impostos e concursos públicos. No dia 1º de maio, Geisel anunciou a criação do Conselho Nacional de Política do Emprego, subordinado ao Ministério do Trabalho, e a concessão de um abono de um salário mínimo para os trabalhadores que recebiam até cinco vezes esse valor e estavam cadastrados há mais de cinco anos no Plano de Integração Social (PIS) ou no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Em entrevista concedida a jornalistas franceses pouco depois, o presidente usou pela primeira vez a expressão “democracia relativa” para se referir ao regime vigente no Brasil e, justificando as medidas adotadas em abril, afirmou que a democracia brasileira não podia ser igual à francesa ou à inglesa, pois os níveis de desenvolvimento econômico e social eram diferentes. Em junho, Geisel voltou a acionar o AI-5 para cassar os mandatos dos deputados Marcos Tito, de Minas Gerais, e José Alencar Furtado, do Paraná, ambos do MDB. O primeiro havia lido em fins de maio na câmara, sem citar a fonte, uma adaptação de um editorial do jornal clandestino Voz Operária, órgão oficial do PCB, e o segundo, líder da bancada oposicionista, criticava os órgãos de repressão durante programa transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão. A repercussão deste programa levou Geisel a assinar posteriormente (26/7) o Ato Complementar nº 104, suspendendo “em caráter provisório” o dispositivo da Lei Orgânica dos Partidos que assegurava o acesso anual dos partidos aos meios de comunicação. Durante todo o primeiro semestre de 1977, entidades civis e setores sociais — especialmente o movimento estudantil — ampliaram sua atuação a favor da anistia e de outras reivindicações democráticas. Os conflitos mais graves desse período ocorreram na Universidade de Brasília, cujo campus foi ocupado por contingentes militares a pedido do reitor José Carlos Azeredo, que expulsou 31 alunos e suspendeu 34 no dia 18 de julho. Com o reinício das aulas em 4 de agosto, 938 estudantes impetraram habeas-corpus contra a presença de tropas na universidade, apontando o reitor como autoridade coatora. Nesse episódio Geisel teve que usar toda a sua força para desautorizar a linha adotada pelos generais Hugo Abreu e Sílvio Frota, que apoiavam a ação de caráter repressivo proposta pelo reitor e estavam de posse de uma lista de 30 estudantes que deveriam ser presos. Segundo os dois jornalistas anteriormente citados, o presidente ouviu as ponderações do ministro da Educação, Nei Braga, e pediu esse desdobramento, chegando a mandar através de Hugo Abreu um recado para que o general Frota ficasse “fora disso de uma vez”. Enfrentamento decisivo com a “linha dura” A candidatura do ministro do Exército à presidência da República continuou sendo articulada durante o ano de 1977, chegando a obter o apoio de um grupo de parlamentares, inclusive alguns integrantes do MDB. Os oficiais favoráveis a Frota pretendiam tomar a dianteira no debate sucessório e, através da ameaça de quebra da unidade militar, criar um fato consumado ao presidente, que continuava a favor da escolha do general Figueiredo mas proibira qualquer discussão sobre o assunto. Ao mesmo tempo, a atuação de Frota à frente do Ministério do Exército tornava-se mais autônoma em relação às diretrizes de Geisel, como ficou demonstrado em fins de setembro de 1977 no episódio da expulsão do ex-governador gaúcho Leonel Brizola do Uruguai, onde se encontrava exilado desde 1964. Contatado por familiares de Brizola, Geisel chegou a admitir sua volta ao Brasil, desde que o líder cassado permanecesse confinado em algum lugar do território nacional. Sem consultar o presidente, Frota decidiu o contrário e determinou que o III Exército deslocasse tropas para a fronteira com o Uruguai a fim de impedir a entrada de Brizola no país. Essa divergência de orientações causou grande irritação no presidente, mas na reunião seguinte do Alto Comando do Exército o ministro obteve apoio da maioria dos generais de quatro estrelas. No início de outubro, a candidatura de Frota parecia ganhar força e deter a iniciativa, levando seus articuladores a preparar para o dia 16 seguinte uma entrevista conjunta do marechal Odílio Denis, do almirante Augusto Rademaker e do brigadeiro Márcio de Sousa e Melo, ex-ministros então na reserva, que manifestariam publicamente seu apoio a Frota. Ao mesmo tempo, corriam rumores em Brasília de que Geisel receberia um ultimato no dia 14 para aderir a essa candidatura, cuja base de apoio político estava sendo intensamente trabalhada pelos parlamentares que apoiavam. Frota contava ainda com um relatório do Centro de Informações do Exército (CIEx) denunciando a presença de 97 pessoas consideradas subversivas em cargos de confiança da administração pública, que ele pretendia divulgar para comprovar seu ponto de vista sobre os perigos de distensão. De posse destas informações, o presidente resolveu demitir o ministro do Exército sem demora. O encontro dos dois ocorreu no dia 12 de outubro, ocasião em que os principais chefes militares do país também foram chamados à capital federal e recebidos no aeroporto por oficiais da confiança de Geisel. O presidente conseguiu frustrar dessa forma a tentativa de Frota de reunir o Alto Comando para resistir à demissão. Depois de algumas horas de grande tensão, a situação militar se definiu a favor do presidente, que nomeou para o ministério o general Fernando Bethlem, comandante do III Exército e considerado também integrante da “linha dura”. No mesmo dia, o Gabinete Militar da Presidência da República divulgou informações de que o novo ministro era o mais forte candidato à sucessão presidencial. Em discurso pronunciado para as principais lideranças da Arena no dia 1º de dezembro de 1977, Geisel reafirmou a continuidade do seu projeto político e admitiu inclusive a substituição dos mecanismos excepcionais do AI-5 por “salvaguardas constitucionais” capazes de garantir a segurança do Estado. Na ocasião, o presidente oficializou a chamada missão Portela, encarregada de negociar com setores representativos da sociedade a adoção de reformas político-institucionais no sentido da liberalização do regime. Com esse objetivo, o presidente do Senado, Petrônio Portela, estabeleceu entendimentos inicialmente com a CNBB, a OAB, a ABI e entidades sindicais de empregados e empregadores para, mais tarde, negociar com o MDB. A definição do quadro sucessório No dia 31 de dezembro de 1977, Geisel comunicou formalmente ao general Figueiredo que o indicaria como seu sucessor. Havia, entretanto, diversos problemas políticos tanto no meio civil quanto no militar a serem resolvidos para consolidar essa escolha. O senador mineiro José de Magalhães Pinto trabalhava abertamente para obter maioria na convenção da Arena para sua própria indicação. No início de janeiro de 1978, o general Hugo Abreu entregou ao presidente um documento criticando duramente o grupo que articulava a candidatura do chefe do SNI, incapaz, a seu ver, de unir o Exército. Na lista de oito nomes apresentados no documento, Figueiredo ocupava o último lugar, precedido dos generais Bethlem, Samuel Alves Correia, Dilermando Monteiro, Reinaldo Melo de Almeida e Euler Bentes Monteiro, do ex-governador do Paraná Nei Braga e do governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves. No dia 4 de janeiro, o presidente criticou o relatório e reafirmou sua escolha perante o general Hugo Abreu, que, por sua vez, ampliou suas críticas ao grupo pró-Figueiredo (citando nominalmente o ministro Golberi e os secretários Heitor Ferreira e Humberto Barreto) e pediu demissão do Gabinete Militar, sendo substituído pelo general Gustavo de Morais Rego. No dia seguinte, o presidente formalizou a indicação da chapa Figueiredo-Aureliano Chaves, afirmando que buscara pessoas capazes de “levar adiante o processo de institucionalização e eliminar as leis de exceção vigentes no país” definindo “a trajetória que nossa revolução vai seguir daqui por diante”. Preocupado em consolidar essa indicação, Geisel teve que usar toda a sua autoridade para que o Alto Comando do Exército incluísse o nome de Figueiredo em primeiro lugar na lista de generais-de-divisão que poderiam receber a quarta estrela em março de 1978, condição importante para aumentar o respaldo militar do candidato, que ocupava nessa época o quinto lugar na ordem normal de promoções ao posto máximo da hierarquia. Vitorioso por seis votos contra quatro, o presidente promoveu Figueiredo a general-de-exército em 31 de março, data do 14º aniversário do movimento político-militar de 1964, preterindo nessa mesma ocasião o general Hugo Abreu, segundo na ordem normal prevista pelo Almanaque do Exército. Pouco depois, Magalhães Pinto desistiu de concorrer à indicação na convenção da Arena, que homologou no dia 8 de abril as candidaturas indicadas pelo palácio do Planalto. Ao lado das contradições internas ao próprio regime, o governo enfrentava também o crescimento da luta pela anistia, apoiada por importantes setores da sociedade, e os primeiros sinais de reanimação do movimento operário depois de uma paralisia de muitos anos. Em maio, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) realizaram com êxito a primeira greve dessa categoria desde 1964, projetando o presidente do seu sindicato, Luís Inácio da Silva, o Lula, como uma nova liderança no cenário nacional. No terreno político, o governo respondeu a esse conjunto de pressões com o envio ao Congresso, em junho, de um pacote de medidas que buscavam garantir a continuação da política de abertura dentro dos limites definidos pelo próprio regime. A proposta incluía a revogação do AI-5 e do Decreto-Lei nº 477 (que previa a expulsão de estudantes por motivos políticos); a inserção de novas medidas de emergência na Constituição; a transferência para o STF da responsabilidade de cassar mandatos parlamentares, com base em denúncias enviadas pelo Executivo; a permissão para o reinício das atividades políticas dos cidadãos cassados havia mais de dez anos; o restabelecimento do habeas-corpus para crimes políticos; a abolição das penas de morte, prisão perpétua e banimento; o abrandamento das penas previstas na Lei de Segurança Nacional; a diminuição das exigências para a criação de novos partidos e a restauração do voto em separado do Senado e da Câmara na apreciação das emendas constitucionais. Geisel usou de grande energia para conseguir a aprovação desse conjunto de medidas, exigindo sua votação em bloco sem a apresentação de emendas. Segundo o Jornal do Brasil, o presidente chegou a comunicar aos líderes da maioria no Congresso sua disposição de outorgar as reformas e realizar novas cassações de mandatos caso o Legislativo rejeitasse o projeto. No dia 4 de agosto, o governo sancionou o Decreto-Lei nº 1.632, transferindo da Lei de Segurança Nacional para a legislação trabalhista o julgamento de movimentos grevistas. Em 3 de setembro, como era previsto, a Arena elegeu por via indireta 20 governadores estaduais, cabendo ao MDB apenas o governo da Guanabara, onde a oposição era majoritária no Colégio Eleitoral. O único caso em que a Arena escolheu seu candidato contra os desejos do palácio do Planalto foi o de São Paulo, onde Lauro Natel foi preterido por Paulo Salim Maluf. No dia 20 de setembro, o Congresso aprovou por 241 a 145 as reformas políticas apresentadas em junho pelo governo. Apesar das pressões, o senador paranaense Acióli Filho, da Arena, apresentou uma emenda propondo a extinção da figura dos senadores eleitos por via indireta (os “biônicos”), mas foi derrotado por 178 a 131. Depois de vencer as etapas da adoção das primeiras reformas político-institucionais básicas, da oficialização da candidatura do general Figueiredo e do equacionamento da sucessão nos estados — tudo isso sem utilizar medidas de exceção —, a política de Geisel estava fortalecida para enfrentar a oposição articulada em torno da Frente Nacional pela Redemocratização, que buscou agrupar no segundo semestre de 1978, além do MDB, setores militares descontentes e políticos arenistas dissidentes em torno das candidaturas do general Euler Bentes e do senador gaúcho Paulo Brossard para a presidência e vice-presidência da República. No dia 15 de outubro, a chapa oficial foi eleita por 355 votos contra 226 dados à oposição garantindo assim mais um mandato presidencial para o grupo que, dentro do próprio regime, patrocinava a política de distensão gradual. O desafio seguinte enfrentado por essa política foram as eleições de 15 de novembro para a renovação das assembléias legislativas, da Câmara dos Deputados e de 1/3 do Senado já que outro 1/3 foi eleito indiretamente, garantindo assim a maioria governista). Geisel participou intensamente da campanha da Arena, que elegeu 15 senadores e 228 deputados federais contra 8 senadores e 196 deputados do MDB. Entretanto, a oposição venceu na soma total de votos para o Senado (17 milhões e quatrocentos mil contra 13 milhões e cem mil dados à Arena) e permaneceu majoritária nos principais estados do país, levando o vice-presidente eleito, Aureliano Chaves, a pedir para o governo “não tapar o sol com a peneira”, ou seja, admitir a nova correlação de forças no Congresso. No dia 29 de dezembro de 1978, Geisel instruiu o Itamarati para facilitar a concessão de passaportes e títulos de nacionalidade a brasileiros que viviam fora do país por motivos políticos e revogou os atos de banimento de mais de cem exilados que haviam saído das prisões em troca de embaixadores estrangeiros seqüestrados nos anos anteriores. A lista de nomes indesejáveis elaborada pelo SNI foi substancialmente reduzida, mas o governo continuou se negando a conceder a anistia reclamada pela oposição e importantes entidades civis. Atuação na política externa em 1978 Em janeiro de 1978, Geisel passou quatro dias no México em visita oficial que resultou em um comunicado conjunto em defesa de uma nova ordem econômica internacional, do desarmamento e da soberania plena de cada país sobre seus recursos econômicos. Nessa viagem, o presidente brasileiro se referiu às divergências com os Estados Unidos, afirmando que se devia procurar aumentar a integração deste país com o conjunto da América. Pouco depois, Geisel visitou o Uruguai e, no início de março, foi à Alemanha, reafirmando a disposição de levar à frente o programa nuclear. No final desse mês, o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, visitou o Brasil, onde se encontrou com religiosos, jornalistas, advogados e outros representantes de setores que lutavam pelos direitos humanos no país. A recepção oficial ao visitante foi fria e o comunicado conjunto aprovado deixava clara a existência de divergências entre os dois governos em relação à política de direitos humanos e ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Carter reafirmou seu compromisso “com a promoção dos direitos humanos e das liberdades democráticas como fundamento do processo de construção de um mundo melhor”, enquanto Geisel defendeu “o papel essencial do desenvolvimento econômico, social e político para que se alcance progresso nessa área”. O último contato direto de Geisel com chefes de Estado estrangeiros ocorreu durante a visita ao Brasil do presidente da França, Valéry Giscard d’Estaing, em 5 de outubro de 1978. Na ocasião, foram assinados vários acordos, inclusive o de cooperação no projeto de construção da usina termoelétrica de Candiota (RS). Aspectos sociais e econômicos do governo Geisel Petróleo, energia e insumos básicos foram os setores que receberam maiores somas de investimento estatal durante o governo Geisel. A potência instalada de energia elétrica cresceu 65%, as reservas conhecidas de petróleo aumentaram 44%, a capacidade nacional de refino aumentou 73%. No campo dos insumos básicos, a produção de lingotes de ferro cresceu 70%, a de alumínio 78%, a de zinco 111%, a de chumbo 38%, a de produtos petroquímicos 117%, a de fertilizantes fosfatados 305%, a de soda cáustica 174%, a de ácido sulfúrico 77%, a de cloro 176% e a de celulose 83%. Mesmo assim, o país continuou dependendo de importar parte significativa dos insumos básicos necessários. O produto agropecuário cresceu 26% entre 1973 e 1978, contra um incremento de 46% no produto industrial no mesmo período. Segundo a revista Visão em março de 1979, os principais problemas apresentados pelo setor agrícola ao fim do governo Geisel eram o endividamento excessivo e a incapacidade de responder simultaneamente às necessidades dos mercados interno e externo. No setor de transportes, foram implantados 7.950km de rodovias e 1.140km de ferrovias, permanecendo portanto a tradicional ênfase no transporte rodoviário. Os principais problemas de economia em fins de 1978 continuavam sendo o crescimento da taxa de inflação, então situada em 42%, e da dívida externa de 42 bilhões de dólares. Prosseguiu também o processo de concentração de renda verificado pelo censo de 1970, com um aumento de 14% na participação do decil mais rico da população na renda nacional. Apesar de investir mais recursos em educação do que os governos anteriores, a administração de Geisel não conseguiu universalizar o ensino de primeiro grau, implantar em escala suficiente o ensino profissional no segundo grau e resolver as graves deficiências na qualidade da educação ministrada. A última medida política de grande impacto do seu governo foi a extinção do AI-5, decretada em 31 de dezembro de 1978, confirmando a disposição de Geisel, declarada em entrevista à Folha de S. Paulo ao se completarem os dez anos do início de seu mandato, em revogar todos os atos institucionais até o final de seu mandato. Em 15 de março de 1979, o general Figueiredo assumiu a presidência, dando continuidade à política de “distensão lenta, gradual e segura” inaugurada por seu antecessor. Geisel e a transição democrática No período seguinte, Geisel passou a evitar pronunciamentos públicos. Após um período de descanso em seu sítio de Teresópolis (RJ) durante o período que passou na presidência, dedicou-se a atividades na iniciativa privada, mantendo discreta atuação política junto com seus antigos colaboradores. Seu nome foi inicialmente incluído na lista de convocados para prestar depoimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que averiguava as atividades da Petrobras, sendo em seguida retirado por iniciativa do deputado Prisco Viana, secretário-geral da Arena. Com a extinção do bipartidarismo e a reorganização partidária subseqüente, Geisel tornou-se fundador do Partido Democrático Social (PDS), nova agremiação governista. Em junho de 1980, assumiu a presidência de uma empresa privada na área de química fina, a Norquisa, criada por um grupo de seus antigos colaboradores e funcionários na Petrobras. O capital principal da Norquisa resultara de ações da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), conglomerado de empresas estatais e privadas nacionais e estrangeiras, cujo conselho de administração também presidiu. Pouco depois, começou a romper seu isolamento e até o final da década de 1980 ocuparia um papel importante no cenário político, com suas opiniões e posicionamentos em torno dos principais temas suscitados pelo processo de transição democrática, deflagrado em seu governo. Uma de suas primeiras aparições públicas neste período deu-se em fevereiro de 1983, quando compareceu à inauguração do pólo petroquímico do Rio Grande do Sul, cuja implantação foi decidida durante o seu governo. Na ocasião, concedeu entrevista a O Estado de S. Paulo e ao Jornal da Tarde, responsabilizando as altas taxas de juros cobradas internamente pela crise econômica do país. Em maio desse ano, como o primeiro ex-presidente do regime militar a prestar depoimento à Justiça, foi arrolado como testemunha de defesa do advogado Valter Amaral, que estava sendo processado pelo então deputado Paulo Maluf, a quem acusara de enriquecimento ilícito por intermediar, quando governador de São Paulo, empréstimos do BNDE à Fiação e Tecelagem Lutfalla, pertencente à família de sua esposa, Sílvia Lutfalla Maluf. Em seu depoimento, Geisel afirmou ignorar que Maluf tivesse usado seu prestígio político ou pessoal para obter os empréstimos do governo, apesar de, como presidente da República, ter tido conhecimento das irregularidades que levaram ao seqüestro de bens da empresa e de seus diretores para ressarcimento de dívidas com o Tesouro Nacional, culminando com a morte do sogro de Maluf, Fuad Lutfalla, sete dias depois do confisco. Ainda em maio desse ano, Geisel foi tema de reportagem de capa do caderno especial do Jornal do Brasil sobre os caminhos da sucessão presidencial de 1985, que ainda seriam decididos indiretamente pelo Colégio Eleitoral. O título da reportagem, “Geisel, um eleitor de respeito”, dava a dimensão da importância de quem, “sem assento no governo, na Câmara, no Senado, nas assembléias legislativas ou no diretório nacional de qualquer partido”, teria influência marcante sobre a escolha do futuro presidente da República. O Jornal do Brasil demonstrou o poder multiplicador das idéias do ex-presidente, que recebia regularmente no sítio de Teresópolis, onde passara a residir, ou no Rio de Janeiro, em seu gabinete da Norquisa, “uma seleta relação de personagens” da vida política nacional, composta de políticos, militares, governadores e ex-governadores, ministros de Estado, empresários. Geisel também conversava e tinha ascendência sobre “uma boa penca de presidenciáveis”, como Aureliano Chaves, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, Hélio Beltrão e José Costa Cavalcanti, sendo procurado até pelos postulantes já declarados ao cargo, como Paulo Maluf e Mário Andreazza, cujas candidaturas não apoiava nem estimulava. Ainda segundo a reportagem, Geisel já conversara sobre a sucessão com o próprio Figueiredo, recusando-se, no entanto, a assumir o apoio a qualquer candidato, papel que atribuía exclusivamente ao presidente. Apesar disso, várias fontes consideravam não haver dúvidas de que o candidato que Geisel preferia ver lançado pelo PDS era Aureliano Chaves, que tinha governado o estado de Minas Gerais durante seu mandato na presidência da República e assumido a vice-presidência no governo Figueiredo, também por sua indicação. A preferência pela candidatura de Aureliano foi confirmada por Geisel em depoimento prestado em 1994 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (Cpdoc-FGV). No ano seguinte, em 1984, o mesmo Jornal do Brasil revelaria que o ministro da Justiça de Geisel, Armando Falcão, teria sido portador de carta do ex-presidente apoiando a pré-candidatura de Aureliano à sucessão presidencial pelo PDS. Segundo declarações do próprio Armando Falcão, o presidente Figueiredo o autorizara a comunicar a Geisel estar convencido de que a melhor solução para o país era a candidatura de Aureliano, mas acabou se mostrando infenso à candidatura de seu vice. O apoio de Geisel, porém, não foi suficiente sequer para levar o nome de Aureliano à convenção do PDS, realizada em agosto de 1985. Derrotando Mário Andreazza, Paulo Maluf acabou sendo o candidato do partido governista no Colégio Eleitoral. O desinteresse de Figueiredo em torno da candidatura de Aureliano evidenciava seu distanciamento em relação a Geisel, que vinha se acentuando desde a saída do general Golberi do Couto e Silva do governo em 1981, atribuída pela Folha de S. Paulo e pelo próprio Geisel, no depoimento mencionado anteriormente, principalmente a discordâncias em torno da disposição de Figueiredo em apurar o atentado ocorrido no dia 30 de abril, quando duas bombas explodiram no estacionamento do Riocentro, um espaço para eventos localizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, durante um show de música popular brasileira promovido pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade) em comemoração ao Dia do Trabalho, com a presença de cerca de 20 mil pessoas. Uma das explosões ocorreu no interior de um veículo particular que manobrava no pátio de estacionamento, matando um dos seus ocupantes, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, e ferindo gravemente o motorista, capitão Wilson Luís Chaves Machado, ambos lotados no CODI do I Exército. Rapidamente, a imprensa e a opinião pública se convenceram de que as vítimas eram os próprios terroristas, mas o general Gentil Marcondes, comandante do I Exército, divulgou a versão de que ambos cumpriam “missão de rotina” no local e determinou que o sepultamento do sargento fosse realizado com honras militares. A crise subseqüente chegou a ameaçar a estabilidade do governo de Figueiredo e foi solucionada à base de mútuas concessões. Não houve nenhuma punição ostensiva aos militares integrantes da “linha dura” e o I Exército pôde realizar seu próprio inquérito para concluir que os dois militares haviam sido “vítimas de uma armadilha ardilosamente colocada no carro do capitão”. Em compensação, não ocorreu a partir daí nenhum outro atentado terrorista significativo. Essa solução, entretanto, não agradou a todos os membros do governo. No dia 6 de agosto, alegando “divergências irreconciliáveis”, o general Golberi do Couto e Silva pediu demissão da chefia do Gabinete Civil, cargo que exercia desde o início do governo Geisel e que o projetava como principal articulador do processo de distensão política. Para explicar essa atitude, a imprensa mencionou sua divergência em relação ao resultado do inquérito sobre o atentado do Riocentro e sua discordância quanto aos aumentos dos descontos salariais em favor da Previdência Social, solução adotada pelo governo para cobrir os déficits do sistema. Golberi foi substituído por João Leitão de Abreu, que exercera o cargo no governo Médici. Outro episódio que distanciou o ex-presidente Ernesto Geisel do PDS foi a formação da Frente Liberal, integrada por dissidentes do partido governista e que em seguida passou a compor, juntamente com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a Aliança Democrática. Essa coligação oposicionista lançou a candidatura vitoriosa de Tancredo Neves nas eleições indiretas para a presidência da República, via Colégio Eleitoral reunido em 15 de janeiro de 1985. Contudo, Tancredo, acometido por súbita doença, não pôde tomar posse, vindo a falecer em 21 de abril, ocasião em que o vice José Sarney, presidente em exercício desde 15 de março, foi confirmado no cargo. Geisel apoiou a criação do Partido da Frente Liberal (PFL), concretizada ainda em janeiro de 1985. Evitando, no entanto, qualquer compromisso com filiação partidária, estimulou Aureliano Chaves, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a assumir a liderança da nova agremiação política, que estava sendo disputada por outros dissidentes pedessistas, como Antônio Carlos Magalhães, o ministro das Comunicações do presidente Sarney. Aureliano era um dos membros do chamado “grupo Geisel” alojado no governo Sarney, tendo em vista a influência do ex-presidente sobre o governo e a presença de vários de seus amigos considerados fiéis no ministério e em cargos do segundo e terceiro escalão, como o próprio Aureliano no Ministério das Minas e Energia. Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo incluiu também o deputado federal Prisco Viana (PMDB-BA), que fora do PDS malufista e assumiria em 1987 o Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente, além do ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, e do ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general Ivan de Sousa Mendes, que haviam trabalhado com Geisel no Gabinete Militar do governo Castelo Branco. Em agosto de 1985, de acordo com reportagem publicada pelo O Estado de S. Paulo, Geisel foi denunciado pelo empresário gaúcho Boris Gorentzvaig, presidente do conselho administrativo da Petroquímica Triunfo, na CPI do Senado que investigava a situação das empresas estatais, de impedir a democratização do capital e das oportunidades, impondo uma política pessoal no setor petroquímico. Segundo o empresário, Geisel havia descumprido frontalmente a lei que instituiu o II PND, favorecendo empresários e políticos como Paulo Egídio Martins, Norberto Odebrecht, Ângelo Calmon de Sá, Celso Rocha Miranda, Hélio Beltrão e Shigeaki Ueki, entre outros, para compor o esquema tripartite de gestão do setor petroquímico, liderado pela Petroquisa e com a participação dos empresariados nacional e estrangeiro. Em agosto de 1987, Geisel comemorou seus 80 anos com a revelação, segundo a Folha de S. Paulo, de ter alterado para 1908 o ano de seu nascimento quando, em 1921, ao prestar exames para ingressar no segundo ano do Colégio Militar, esbarrara no limite de idade de 13 anos para fazer a prova. Segundo a reportagem, esta informação fora passada ao jornal pela própria filha de Geisel, Amália Luci. O octogésimo aniversário foi festejado durante todo um fim de semana no sítio de Teresópolis, onde compareceram grande número de amigos e políticos, como seus ex-ministros Armando Falcão — um dos organizadores da homenagem —, Mário Henrique Simonsen, Paulo de Almeida Machado, Nei Braga, Luís Gonzaga do Nascimento e Silva, João Paulo dos Reis Veloso, Geraldo de Azevedo Henning, Arnaldo Prieto, Euclides Quandt de Oliveira, Azeredo da Silveira e Alisson Paulinelli, o ex-chefe do Gabinete Militar, general Gustavo Morais Rego, além dos então ministros Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, da Educação, o senador e presidente do PFL, Marco Maciel, os senadores Edson Lobão (PFL-MA), Divaldo Suruagi e Guilherme Palmeira (PFL-AL), o deputado federal Antônio Carlos Konder Reis (PDS-SC), o ex-governador do Rio de Janeiro, almirante Floriano Peixoto Faria Lima, e o ex-prefeito de Curitiba, Saul Raiz. Geisel demonstrou estar afinado com o presidente José Sarney, defendendo a realização de eleições diretas para a presidência da República apenas após estarem asseguradas a estabilização política e econômica e elogiando, segundo declarações de seu ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen ao Jornal do Brasil, as medidas recentemente adotadas pelo Plano Bresser para atenuar a crise econômica. Na mesma ocasião, o jornal O Globo noticiou sua disposição em escrever suas memórias ou uma autobiografia, projeto até então rechaçado veementemente pelo ex-presidente. Ainda por ocasião das comemorações dos 80 anos do general, a Folha de S. Paulo, apesar de apontar as controvérsias em torno do papel de Geisel e seu governo para o país, ressaltou a imagem positiva deixada por ele mesmo nos setores que foram perseguidos durante o seu governo. Para o deputado José Genoíno, do Partido dos Trabalhadores (PT) de São Paulo, se não fosse por Geisel, “teríamos aqui uma Argentina com seus desatinos e aberrações”. As críticas mais ferozes ao seu governo vieram de representantes da direita, como o deputado José Wilson Siqueira Campos, do Partido Democrata Cristão (PDC) de Goiás, um dos porta-vozes da “linha dura” militar, que tinha no general Sílvio Frota, demitido por Geisel do Ministério do Exército, seu principal expoente, e que se referiu ao ex-presidente com palavrões e ataques pessoais. Para o cientista político Bolívar Lamounier, a tarefa de contabilizar os erros e acertos do governo Geisel era facilitada “pela evidência de uma opção inicial, desenvolvida com seriedade e competência inegáveis: a decisão de colocar em marcha o processo de descompressão política”. Pouco depois, diante da divulgação de um documento de Figueiredo pela Associação Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD) que, segundo a Folha de S. Paulo, congregava a “linha dura” dos militares contra o governo Sarney, Geisel defendeu abertamente a união do PFL em torno do presidente da República. Em reportagem publicada pelo Jornal do Brasil, declarou ser o apoio ao governo “fundamental para uma transição democrática sem sobressaltos”. Em contatos com interlocutores mais íntimos, como Aureliano Chaves, Marco Maciel, Armando Falcão, e outros menos próximos, como Guilherme Palmeira e Antônio Carlos Magalhães, Geisel ponderou, segundo reportagem do Jornal do Brasil, que o PFL não poderia fugir de sua responsabilidade histórica em apoiar Sarney na transição política. Caso contrário, estaria deixando o governo nas mãos de um PMDB dividido e inclinado a partir para as eleições diretas para a presidência da República no próximo ano, abrindo caminho para a candidatura de Leonel Brizola, o que fortaleceria as articulações da direita militar, já presentes no momento em que Figueiredo começara a agir às claras através da ABDD. Segundo o Jornal do Brasil, Geisel não deixou escapar a ocasião para responsabilizar Figueiredo pela difícil situação política criada com a sua sucessão. Para Geisel, o rompimento do PFL com Sarney só interessava ao PMDB. A Folha de S. Paulo, em reportagem publicada em novembro de 1987, também atribuiu a Geisel toda a responsabilidade pelas articulações que impediram o PFL de romper com o governo de Sarney, além de ter demovido um grupo de militares de levar adiante um projeto de desestabilização do governo federal. De acordo com esse jornal, em meados de setembro do ano anterior, Geisel teria sido procurado por um grupo de coronéis da reserva para consultá-lo sobre a viabilidade de um complô contra Sarney. Na ocasião, segundo a mesma reportagem, Geisel teria argumentado que a idéia contava com a repulsa das forças armadas e que a única maneira de evitar uma convulsão social no país era o apoio a Sarney e ao processo de transição democrática, que só terminaria após a promulgação da nova Constituição. O próprio Sarney, segundo o Jornal do Brasil, havia se socorrido dos conselhos de Geisel, na fase mais aguda da crise, pedindo-lhe que mantivesse uma linha quase direta com Aureliano Chaves e Antônio Carlos Magalhães e com o senador Marco Maciel, que ameaçava deixar o PFL. Apesar de ter defendido o mandato de cinco anos para Sarney e a instauração do presidencialismo pela Assembléia Nacional Constituinte (ANC), Geisel demonstrou descontentamento com os rumos da transição democrática manifestando, por ocasião da comemoração do 91º aniversário da Sociedade Nacional de Agricultura, em janeiro de 1988, preocupação com a redução dos investimentos provocada pela falta de recursos e pela ausência de estímulos para o setor privado, na condução da política econômica do governo. Em abril de 1988, por ocasião dos 50 anos de criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), foi recebido em Brasília para conversas com ministros e com o próprio presidente Sarney, que o recebeu no palácio da Alvorada para um encontro de avaliação das conjunturas política e econômica, da dívida externa, do trabalho da Constituinte e a CPI da corrupção no governo federal. Geisel havia preconizado vida curta para a nova Constituição a ser promulgada em outubro, criticando a Assembléia Nacional Constituinte (ANC) pelo detalhismo das propostas apresentadas. Em junho, encerrando o Seminário Internacional da Indústria Petroquímica realizado em Salvador, defendeu a retirada progressiva e gradual do Estado em áreas que, segundo ele, deveriam ser naturalmente reservadas à iniciativa privada. Em agosto, Geisel concedeu a João Paulo dos Reis Veloso sua primeira entrevista para a televisão desde que deixara o governo, para uma série de programas comandados pelo seu ex-ministro do Planejamento para a Televisão Educativa (TV-E), veiculados com o título de O último trem para Paris. Na entrevista, que tinha como tema central a crise do petróleo e seus reflexos na economia brasileira durante seu governo, Geisel combateu o pessimismo em torno da situação econômica do país, reafirmando sua crença de que, apesar das dificuldades econômicas, a democracia seria consolidada no governo Sarney. Disse também que seu governo rejeitara a recessão em resposta à crise do petróleo, optando pela promoção de um programa de desenvolvimento, com resultados bastante favoráveis. Ainda durante o governo Sarney, Geisel também concedeu entrevista a Paul Boeker sobre a estratégia da política de abertura de seu governo e das dificuldades do Brasil sob a direção de presidentes civis, para um livro que o ex-embaixador norte-americano na Bolívia e Jordânia lançaria em 1990 nos Estados Unidos sob o título Ilusões perdidas; a luta da América Latina pela democracia, contada por seus líderes. Outros políticos civis latino-americanos, como o argentino Raúl Alfonsin e o costa-riquenho Oscar Arias, além de generais como o peruano Morales Bermudez e o uruguaio Hugo Medina, também foram entrevistados. Na entrevista, Geisel disse não acreditar na possibilidade de uma nova interferência dos militares na política, mas não garantia a hipótese de que isso não viesse a acontecer algum dia. Em 1989, o nome de Geisel surgiu mais uma vez como um dos principais fiadores de uma candidatura de centro-direita para a sucessão do presidente José Sarney. De acordo com O Estado de S. Paulo, seu nome havia sido incluído, ainda no ano anterior, em um “conselho de anciãos” nomeado pelo ex-presidente Jânio Quadros para a regência de um pacto nacional em torno de sua candidatura. No entanto, no final de agosto, às vésperas das eleições, de acordo com declarações prestadas por Nei Braga à Folha de S. Paulo, Geisel desvinculou-se de qualquer candidatura, inclusive de Aureliano Chaves, que concorreria pelo PFL, liberando seu grupo político para apoiar outros candidatos excetuando, evidentemente, Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), e Luís Inácio Lula da Silva, do PT. A ida de Lula para disputar o segundo turno das eleições presidenciais com Fernando Collor de Melo preocupou Geisel, que acreditava ser prematura a vitória de um partido pertencente à “ala mais radical da esquerda” e antevia problemas de governabilidade em caso de vitória do candidato petista. Em abril de 1990, foi anunciada sua saída da presidência da Norquisa, indicando como substituto Paulo Vieira Belotti, a quem colocara na diretoria financeira da Petrobras durante o governo Sarney. No entanto, apenas em agosto de 1991, Geisel afastou-se efetivamente da empresa, confirmando sua aposentadoria. Por ocasião do plebiscito realizado em abril de 1993 sobre forma e sistema de governo, defendeu o presidencialismo como o melhor para o país, por sua coerência com o sistema federativo brasileiro. Ainda em 1993, Geisel confirmou as declarações de Armando Falcão de ter interferido, quando ministro da Justiça de Geisel, para evitar que o ex-governador de São Paulo e candidato do PMDB à presidência da República, Orestes Quércia, fosse investigado por uma CPI em processo por enriquecimento ilícito e sonegação fiscal. Na ocasião, o senador Wilson Campos (PMDB-PE), que teve o mandato de senador cassado pelo ex-presidente Ernesto Geisel em decorrência do mesmo processo, também confirmou as acusações de Falcão contra Quércia. Segundo O Estado de S. Paulo, o relatório final da comissão sobre o processo em que Quércia figurava como indiciado deixava claro que havia um acordo político para salvá-lo, apesar da discordância da comissão. Em processo movido por Quércia contra o diretor responsável do Jornal da Tarde, Rui Mesquita, que veiculara a acusação, Falcão afirmou em juízo, como testemunha de defesa do jornalista, que Quércia só se salvara da cassação política e do seqüestro de bens porque “era peça importante na política do governo Geisel”. A partir de 1994, o estado de saúde do ex-presidente foi ficando cada vez mais delicado. Apesar disto, concordou em conceder, neste ano, um longo depoimento aos pesquisadores Maria Celina Soares d’Araújo e Celso Castro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas, publicado em 1997 sob o título Ernesto Geisel. Antes disto, em dezembro de 1995, o ex-ministro Armando Falcão também publicara a biografia do ex-presidente, lançada com o título Geisel, do tenente ao presidente. Em 1975 e 1976, foram editados dois volumes de discursos e mensagens de sua autoria ao Congresso. Anteriormente, já haviam sido publicados a seu respeito as obras Geisel e a revolução (1976), de Adirson de Barros, O Brasil do general Geisel (1977), de Válder de Góis, e A segunda guerra, sucessão de Geisel (1979), de André Gustavo Stumpf e Merval Pereira Filho. Ernesto Geisel faleceu no Rio de Janeiro no dia 12 de setembro de 1996. Era casado com Luci Markus Geisel, com quem teve dois filhos. O arquivo de Ernesto Geisel encontra-se depositado no Cpdoc. Amélia Coutinho/Maria Cristina Guido FONTES: ARQ. MIN. EXÉRC; BANDEIRA, L. 24; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; CORRESP. ESTADO-MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS; CORRESP. GAB. MIL. PRES. REP.; CORRESP. PETROBRAS; CORRESP. SECRET. GER. EXÉRC.; CORRESP. SUP. TRIB. MILITAR; D’ARAÚJO, M. C. & CASTRO, C. Ernesto Geisel; Dia (15/6/74); Estado de S. Paulo (8/2/83, 7/8/85, 4 e 9/8 e 29/10/87, 28/1, 30/4, 13/5 e 30/6/88); Folha de S. Paulo (13/11/73, 11/9/76, 6/3/84, 29/11/85, 2/8 e 28/10/87, 28/1, 11 e 20/8 e 1/11/88, 27/8 e 13/12/89 e 4/4/90); Globo (3/8/87); GÓIS, V. Brasil; IstoÉ (27/9 e 29/11/78); Jornal do Brasil (19/6/73, 20/3 e 18/8/74, 28/6, 22/9 e 31/10/75, 20/1, 3, 14 e 19/13, 26/4, 2, 6, 8, 11 e 22/5, 24/6, 12, 13, 17 e 20/9, 4/11, 16, 30 e 31/12/76, 13 e 14/1, 2, 6, 12, 15 e 16/3, 2, 4, 12 e 14/4, 2, 3 e 4/5, 30/6, 6/7, 5, 16 e 25/8, 12, 13 e 20/11, 23, 30 e 31/12/77, 6, 14, 19 e 26/1 e 5/11/78, 11 e 14/3/79, 7 e 8/5/83, 31/8 e 19/10/87 e 30/4/88); Latin America Political Report (27/5/77); Movimento (22/11/77); Novo dic. de história; Opinião (18 a 25/6/74); PEDREIRA, F. Liberdade; PEREIRA, O. Itaipu; REIS JÚNIOR, P. Presidentes; STUMPF, A. & PEREIRA FILHO, M. Segunda; Veja (19/9/73, 19/9/75, 6 e 20/4 e 7/12/77, 13/12/78, 14/3/79 e 9/5/90); VIANA FILHO, L. Governo; Who’s who in Brazil. ___________________________________________________________________________________ ----------
---------- A crise petista é real, “brutal” na definição de um integrante da direção partidária (Ricardo Stuckert/PT) Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/a-crise-do-pt/ ---------- ___________________________________________________________________________________ "Texto importante, pouco especulativo e todo costurado com citações de dinossauros petistas (Genoíno, Dirceu, Pomar). A receita alternativa que apontam para a falta de imaginação atual é, ela mesma, carente de imaginação, mas o que esperar dos dinos? Mais para o fim, e até que enfim, a admissão filosófica: Todos os homens são mortais, Lula é um homem, logo…" __________________________________________________________________________________ ------------- ------------ José Casado compara os causos do PT com o Partido Peronista, da Argentina | Os Três Poderes -------- vejapontocom 18 de nov. de 2023 Assista à íntegra: • As alterações da reforma tributária n... Na Última Página, em Os Três Poderes desta sexta-feira, 17, o colunista de VEJA, José Casado analisou os últimos acontecimentos envolvendo os aliados do presidente Lula: o embate da meta fiscal de Haddad e o barulho da Dama do Tráfico envolvendo Dino. O colunista chamou a tensão na gestão petista de “atração fatal pela autofagia”. __________________________________________________________________________________ A crise do PT Por José Casado Paira uma espécie de censura interna, queixam-se antigos e novos dirigentes O Partido dos Trabalhadores celebra o primeiro ano do retorno de Lula ao Palácio do Planalto empenhado na organização das eleições municipais de 2024. Venceu cinco das nove disputas presidenciais realizadas nas últimas três décadas, mas continua magro no Congresso, com 13% dos votos no plenário, e desnutrido de prefeituras: sem nenhuma capital, controla apenas 4,3% dos 5 569 municípios, dois terços deles com menos de 50 000 habitantes. O PT vive uma crise silenciosa. Semana passada, numa reunião em São Paulo, antigos e novos dirigentes do partido extravasaram angústia com a apatia interna, para eles refletida na falta de debate sobre as alternativas — com ou sem Lula —, sobre o rumo do governo e o futuro das alianças com bancadas referenciais da direita no Congresso, como as de Progressistas e Republicanos. Paira uma espécie de censura, dissimulada, queixou-se José Dirceu, ex-presidente do PT e chefe da Casa Civil (2003-2005) no primeiro governo Lula: — Às vezes, você começa a discutir um pouco e fica com a sensação de ser inconveniente, indesejado… — Nosso governo — disse — tem problemas de governabilidade, de organização, de avaliação de cada ministério. Então, precisa fazer uma avaliação. Mas onde se discute isso? Ou não é para discutir? É pra fazer de conta que está tudo bem? Dirceu não está solitário. Outro fundador e ex-presidente petista, José Genoino, partilha a ansiedade: — A extrema direita e a direita cercaram o poder e tentam recuperar seu poder com o Lula. Ela procura dizer o seguinte: “Olha, não seja ousado demais, vá com calma…”. Há aí um processo de domesticação. Esse é o grande dilema que estamos vivendo. Prosseguiu: — Como é que vamos enfrentar o financiamento das políticas públicas? Ou o problema da riqueza acumulada dos super-ricos? Ou nós questionamos essa ordem neoliberal estabelecida ou, então, seremos absorvidos por ela. Há uma estratégia de acomodação, de impotência. Como vamos conquistar os jovens se não somos capazes de falar de sonho, de utopia, de revolução, da libertação das mulheres, da comunidade LGBTQIA+? Temos que voltar a falar do futuro. A gente fica feliz com o governo Lula, mas precisamos construir uma alternativa. Ou seremos derrotados. E, aí, vamos ser enfeite de uma ordem neoliberal que precisa da gente para enfeitá-la. “Paira uma espécie de censura interna, queixam-se antigos e novos dirigentes” Para Dirceu, falta realismo: — Não vamos tapar o sol com a peneira. Nós não aguentamos um tranco da direita como nós estamos. E a direita vai nos dar um tranco. Nós a conhecemos. Tá agora essa negociação com o Arthur Lira (presidente da Câmara, chefe do Progressistas e comandante do Centrão) … Mas, se nós formos derrotados em 2024, eles vão tomar mais um naco do governo. Já existe governo de coabitação no Brasil, né? Além do poder real da maioria no parlamento de direita, tem as emendas impositivas (ao orçamento). Isso exigiria do partido pensar a realidade, mas não sei qual é o problema. (Eles, no comando do PT,) Têm medo da militância? Do debate? Continuou: — Ouvi o deputado do agronegócio Alceu Moreira (MDB-RS) dizendo: “Nós temos que ser nacionalistas, não podemos depender da China e de Taiwan, não podemos depender do fertilizante da Rússia, não podemos depender da indústria farmacêutica da Índia e China”. Realmente, se houver uma guerra entre Índia e Paquistão, para a indústria farmacêutica brasileira. E se a Rússia, não podemos depender da indústria farmacêutica da Índia e China”. Realmente, se houver uma guerra entre Índia e Paquistão, para a indústria farmacêutica brasileira. E se a Rússia parar de mandar fertilizante, a nossa agricultura para. Então, essa questão da reorganização industrial já não é só nossa, da esquerda. Arlindo Chinaglia, que presidiu a Câmara (2007-2009), concorda: — Nós temos uma muleta muito grande que é o Lula. É uma referência, mas não é mais suficiente. O que se ouve na bancada federal do PT sobre o ministério do Lula nem sempre são elogios. A gente finge que está concordando, que está todo mundo satisfeito. Não se pode mais discutir. É óbvio que o Lula prefere errar sozinho do que mal acompanhado. Mas tem que ter um núcleo, como já houve, pra chegar e dizer: “Lula, isso não, Lula, não está certo”. Mas não é o Lula que é culpado. Somos nós que não temos coragem para falar. O que estamos fazendo? Só batendo palma. A crise petista é real, “brutal” na definição de Valter Pomar, integrante da direção partidária: — Essa crise é mais fácil de resolver hoje do que quando a implacável biologia se impuser. Porque, quando a implacável biologia se impuser, se essa crise não estiver resolvida, o nosso partido corre sério risco de fragmentação. Quem se ilude não parou para ver a história da esquerda brasileira. Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870 __________________________________________________________________________________ --------- __________________________________________________________________________________ O PT enfrenta uma crise interna evidente à medida que se prepara para as eleições municipais de 2024. Antigos e novos líderes expressam preocupações sobre a falta de debate interno, a direção do partido e suas alianças com bancadas de direita no Congresso. Há um sentimento de apatia interna e uma censura dissimulada, evidenciada por dirigentes como José Dirceu e José Genoino. Eles ressaltam a necessidade de discutir alternativas para o futuro do partido e criticam a falta de espaço para reflexão e avaliação das políticas do governo. Alguns líderes alertam para a dependência excessiva de Lula, apontando a necessidade de coragem para contestar decisões e a importância de construir uma alternativa real para evitar a fragmentação do partido. __________________________________________________________________________________

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