Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 19 de fevereiro de 2022
Rua da Lama
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Maceió Antiga
10 de julho de 2013 ·
Rua Dr. Pontes de Miranda, antiga Rua da Lama, no começo do século 20, bem antes da construção do edifício Brêda na década de 50. Observe na imagem os fundos e torre da Igreja do Livramento, além das casas do lado direito, espaço ocupado atualmente pelo Brêda.
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E os autores, resignados, mostram as
letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama.
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livraria-nobel-petropolis.negocio.site
Livraria Nobel Petrópolis - Livraria em Centro
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Lama invade estoque de livraria em Petrópolis e destrói 15 mil livros
Com enchentes, principal livraria da cidade perde centenas de livros. Exemplares descartados formaram montanha na calçada da loja, chamando a atenção de moradores
Pilha de livros danificados com a enchente de Petrópolis na terça-feira (15)
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Pilha de livros danificados com a enchente de Petrópolis na terça-feira (15)
Lucas lamega
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Beatriz Puente, Camille Couto e Pedro Duranda CNN
Rio de Janeiro
18/02/2022 às 15:50
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Por todo o município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, as fortes chuvas deixaram marcas da destruição e mais de 120 mortos. Na rua 16 de Março, no centro, uma imagem chamava atenção: uma montanha de livros descartados por conta dos estragos causados pelas águas que invadiram uma das principais livrarias da cidade. O prejuízo das centenas de livros molhados ainda não foi calculado.
Uma das donas da loja, Sandra Madeira, contou que descobriu o que tinha acontecido na loja no dia seguinte. A água inundou o subsolo da loja, onde ficavam os produtos do estoque.
“Eu estava presa numa clínica, fiquei segurando meu carro pela cintura, sem saber aqui na livraria o que estava acontecendo. A água veio do rio, que fica lá embaixo, e nunca chega até aqui em cima. No máximo que vai é até a primeira loja aqui da rua. Mas esse ano, a chuva foi muito forte. E ela não chegou a 30 centímetros da minha porta, mas nós temos um subsolo. Então, ela desceu igual cachoeira. Inundou o subsolo de três metros que, além do escritório, tem o equipamento, os livros de devolução, de entrada”, explicou a comerciante.
A loja tinha 13 funcionários e alguns já saíram do estabelecimento com a água na cintura. “Não deu tempo de tirar. Meus filhos e os funcionários que estavam aqui já saíram com água na cintura, e com medo de ver aquela quantidade de água descendo. Foi muito triste”, pontuou Sandra.
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Segundo a gerente do local, Andrea Gonçalves, a loja só foi reaberta dois dias depois da tragédia por causa do alagamento do subsolo. “Ontem conseguimos tirar toda a água. Agora estamos tirando as coisas que estavam embaixo, móveis, livros, parte do estoque, documentação. Muita coisa foi perdida”, contou a gerente.
Amauri Madeira, outro proprietário da livraria, estima que tenha perdido 50% de acervo e estoque da loja – a água chegou até o teto do subsolo. O estabelecimento estava trabalhando nas devoluções de excesso e livros não vendidos no Natal. Ele ainda calcula o valor do prejuízo, mas se emocionou com o valor incalculável da perda do conteúdo das publicações.
“Os livros ficaram perdidos na água, lama, esgoto. Infelizmente não vão poder ser usados. Ninguém gosta mais de livro do que livreiro. A gente não pode doar. O importante são as vidas, ter a comunidade, nossa família e os funcionários todos bem. As coisas a gente vê depois. Agora temos que cuidar das vidas, dos falecidos, de quem perdeu familiares, a casa. Essas são as merecem a nossa atenção nesse momento”, afirmou, emocionado, o livreiro.
A montanha de livros que foi formada em frente à loja, na calçada, chamou a atenção de moradores.
“Quanta tristeza! Muitas crianças deixaram de ter um livro desse por falta de dinheiro. Hoje estão aí. Eu fico com muita pena, fico sem palavras. Em outros lugares também aconteceu isso”, lamentou a costureira Cecília Peixoto.
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Veículos arrastados pela enchente que atingiu o município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Destruição causada pela chuva na localidade de Alto da Serra, no município de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Destruição causada pela chuva no município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Lucas Lamela
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Destruição causada pela chuva na localidade de Alto da Serra, no município de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Destruição causada pela chuva na localidade de Alto da Serra, no município de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Funcionários trabalham para retirar lama de suas lojas na Rua Washington Luiz, no caminho do centro histórico da cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Destruição causada pela chuva no município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Veículo arrastado pela enchente é visto no Rio Quintadinha, na Rua Washington Luiz, no caminho do centro histórico de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Veículo arrastado pela enchente que atingiu o município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Destruição causada pela chuva no Centro Histórico de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 16.
Crédito: Foto: Estadão Conteúdo
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Cidade de Petrópolis (RJ) foi atingida por fortes chuvas na noite desta terça-feira (15)
Crédito: ESTADÃO CONTEÚDO
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Diversas ruas da cidade foram alagadas e veículos foram arratados pela água
Crédito: Gabrielle Ravasco
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Muitos locais da cidade estão cobertos de água das chuvas e lama
Crédito: Gabrielle Ravasco
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A força das chuvas foi o suficiente para arrastar veículos no centro de Petrópolis
Crédito: Gabrielle Ravasco
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Veículos amontoados após inundações na cidade
Crédito: Gabrielle Ravasco
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Dois ônibus são arrastados em Petrópolis após as fortes chuvas
Crédito: Cleber Rodrigues/CNN
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Carro submerso em rio depois de fortes chuvas em Petrópolis, RJ
Crédito: Ricardo Moraes/Reuters (16.fev.2022)
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Árvores caídas e carros destruídos pelas chuvas em Petrópolis (RJ)
Crédito: Carlos Elias Junior/FotoArena/Estadão Conteúdo
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Ministério da Saúde calcula destruição de locais de atendimento à população em Petrópolis
Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Casa e carro são destruídos pelas fortes chuvas em Petrópolis (RJ)
Crédito: Carlos Elias Júnior/FotoArena/Estadão Conteúdo (17.fev.2022)
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Trabalhos das equipes de resgate em Petrópolis (RJ)
Crédito: Cleber Rodrigues/CNN (17.fev.2022)
Tópicos
Enchente
Petrópolis
Região Serrana (RJ)
Rio de Janeiro (estado)
Tragédia
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/lama-invade-estoque-de-livraria-em-petropolis-e-destroi-15-mil-livros/
Na verdade, é preciso que conheçamos bem nossos próprios defeitos, antes de apontarmos os de outrem. Uma vez reconhecidos, esses defeitos deixam de ser impedimentos e tornam-se instrumentos do saber.
Stephen J. Gould
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Lama
Maria Bethânia
Se eu quiser fumar, eu fumo
Se eu quiser beber, eu bebo
Não me interessa mais ninguém
Se o meu passado foi lama
Hoje quem me difama
Viveu na lama também
Comendo a mesma comida
Bebendo a minha bebida
Respirando o mesmo ar
E hoje, por ciúme ou por despeito
Achar-se com o direito de querer me humilhar
Quem foste tu?
Quem és tu?
Não és nada!
Se na vida fui errada,
Tu foste errado também
Se eu errei, se pequei,
Não importa!
Se a esta hora estou morta,
Prá mim, morreste também!
Composição: Aylce Chaves / Paulo Marques.
https://www.letras.mus.br/maria-bethania/47235/
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Angústia
Graciliano Ramos
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LEVANTEI-ME há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.
Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que
eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão
gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.
Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de
uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali
pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. E uma espécie de
prostituição. Um sujeito chega, atento, encolhendo os ombros ou estirando o beiço,
naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma
opinião à-toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as
letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama.
Vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que emagreceram.
As mãos já não são minhas: são mãos de velho, fracas e inúteis. As escoriações
das palmas cicatrizaram.
Impossível trabalhar. Dão-me um ofício, um relatório, para datilografar, na
repartição. Até dez linhas vou bem. Daí em diante a cara balofa de Julião Tavares
aparece em cima do original, e os meus dedos encontram no teclado uma
resistência mole de carne gorda. E lá vem o erro. Tento vencer a obsessão,
capricho em não usar a borracha. Concluo o trabalho, mas a resma de papel fica
muito reduzida.
À noite fecho as portas, sento-me à mesa da sala de jantar, a munheca
emperrada, o pensamento vadio longe do artigo que me pediram para o jornal.
Vitória resmunga na cozinha, ratos famintos remexem latas e embrulhos no
guarda-comidas, automóveis roncam na rua.
Em duas horas escrevo uma palavra: Marina Depois, aproveitando letras
deste nome, arranjo coisa, absurdas: ar, mar, rima, arma, ira, amar. Uns vinte
nomes. Quando não consigo formar combinações novas traço rabiscos que
representam uma espada, uma lira uma cabeça de mulher e outros disparates.
Penso em indivíduos e em objetos que não têm relação com o: desenhos:
processos, orçamentos, o diretor, o secretário, políticos, sujeitos remediados que
me desprezam porque sou um pobre-diabo.
Tipos bestas. Ficam dias inteiros fuxicando nos cafés e preguiçando,
indecentes. Quando avisto essa cambada, encolho-me, colo-me às paredes como
um rato assustado. Como um rato, exatamente. Fazejo dos negociantes que
soltam gargalhadas enormes, discutem política e putaria.
Não posso pagar o aluguel da casa. Dr. Gouveia aperta-me com bilhetes de
cobrança. Bilhetes inúteis: mas dr. Gouveia não compreende isto. Há também o homem da luz, o Moisés das prestações, uma promissória de quinhentos mil-réis,
já reformulada. E coisa piores, muito piores.
O artigo que me pediram afasta-se do papel. É verdade que tenho o cigarro e
tenho o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce.
Tristeza e raiva. Ar, mar, ria, arma, ira. Passatempo estúpido.
Dr. Gouveia é um monstro. Compôs, no quinto ano, duas colunas que
publicou por dinheiro na secção livre de um jornal ordinário. Meteu esse
trabalhinho num caixilho dourado e pregou-o na parede, por cima do bureau. Está
cheio de erros e pastéis. Mas dr. Gouveia não os sente. O espírito dele não tem
ambições. Dr. Gouveia só se ocupa com o temporal: a renda da propriedades e o
cobre que o tesouro lhe pinga.
Não consigo escrever. Dinheiro e propriedades, que me dão sempre desejos
violentos de mortandade e outras destruições, as duas colunas mal impressas,
caixilho, dr. Gouveia, Moisés, homem da luz, negociantes, políticos, diretor e
secretário, tudo se move na minha cabeça, como um bando de vermes, em cima
de uma coisa amarela, gorda e mole que é, reparando-se bem, a cara balofa de
Julião Tavares muito aumentada. Essas sombras se arrastam com lentidão
viscosa, misturando-se, formando um novelo confuso.
Afinal tudo desaparece. E, inteiramente vazio, fico tempo sem fim ocupado
em riscar as palavras e os desenhos. Engrosso as linhas, suprimo as curvas, até
que deixo no papel alguns borrões compridos, umas tarjas muito pretas.
https://lereumvicio.files.wordpress.com/2020/06/graciliano-ramos-angc39astia.pdf
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Ciência, racismo e preconceito
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Os cientistas podem propor teorias criativas capazes de forçar seus atónitos colegas a rever procedimentos até então inquestionáveis. Mas o potencial da ciência como instrumento para a identificação dos condicionamentos culturais que a determinam só poderá ser completamente desenvolvido quando os cientistas abrirem mão do duplo mito da objetividade e do avanço inexorável rumo à verdade. Na realidade, é preciso que conheçamos bem nossos próprios defeitos antes de apontarmos os de outrem. Uma vez reconhecidos, esses defeitos deixam de ser impedimentos e tornam-se instrumentos do saber” (p. 5, 6).
Fonte:
Stephen Jay Gould. "A Falsa Medida do Homem". Editora Martins Fontes. São Paulo, 1991.
http://www.ibamendes.com/2009/12/ciencia-racismo-e-reconceito.html
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Issuu
O romance e a cidade - Gazeta de Alagoas by Rafhael Barbosa - Issuu
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O romance e a cidade
Publicado em 09 d outubro d 2011
Gazeta de Alagoas
Por RAFHAEL BARBOSA
Link original
Além de tudo que pode ser dito sobre o monumental romance que Graciliano Ramos escreveu pouco antes de ser preso, em 1936, Angústia é um livro sobre Maceió. A cidade é cenário e ao mesmo tempo personagem na história de Luís da Silva, funcionário público e escritor frustrado que, do quintal de sua casa na rua do Macena, passa a desenvolver uma paixão obsessiva pela vizinha Marina. No cotidiano do protagonista, ruas, praças, prédios e paisagens contribuem para o crescente movimento de opressão que o levará a um fim trágico. Percorrer esses lugares após a leitura de Angústia é uma viagem pelos muitos sentimentos que o livro desperta. Na semana em que a reedição comemorativa dos 75 anos do romance chega às livrarias, a Gazeta tenta desvendar os teores da relação que o leitor cultiva com a obra. Além de ouvir a opinião de artistas e estudiosos, preparamos um roteiro especial com todos os endereços que aparecem na narrativa – e ainda desafiamos o ator Igor de Araújo a criar sua versão de Luís da Silva num ensaio fotográfico exclusivo. É a nossa homenagem ao livro que chega aos 75 anos com força para arrebatar várias outras gerações de leitores. Não perca.
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A urbe de Graciliano
Maceió são duas cidades: uma para quem leu Angústia, outra para quem ainda não o fez. Nas ruas do Centro, do Bebedouro, nas praças Montepio, dos Martírios e Deodoro, há um sentimento impregnado pela presença de Luís da Silva, protagonista do romance escrito em 1936 pelo alagoano Graciliano Ramos e publicado no período em que ele esteve enclausurado como preso político. Em sua rotina, o funcionário público transitava por onde hoje circulam milhares de pessoas, igualmente anônimas. Todas carregam consigo questões comuns ao escritor frustrado que, no trajeto de casa – na Rua do Macena – para o trabalho – na Praça Dom Pedro II –, era consumido por pensamentos recorrentes: o aluguel, as prestações vencidas, os bicos pendentes… Nesses cenários, as transformações promovidas pelo tempo são agora bem mais nítidas, mas o poder da obra, lançada há 75 anos, continua inalterado.
Analista agudo da condição humana, Graciliano inventou pouco. Mesmo situada no território dos sonhos – como defendeu o crítico Otto Maria Carpeaux no artigo Visão de Graciliano –, sua prosa nos toma como matéria-prima essencial. Em meio a uma grande carga subjetiva, há um aspecto documental e biográfico capaz de provocar identificação em qualquer leitor.
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No encalço de Luís da Silva
RUA DO MACENA – O personagem Luís da Silva vivia na Rua do Macena, atual Rua Cincinato Pinto, onde situava-se o Colégio Diocesano e hoje funciona a Secretaria Estadual de Agricultura. Sua casa ficava perto da usina de luz elétrica.
RUA AUGUSTA – Também conhecida como Rua das Árvores, a via faz cruzamento com a Cincinato Pinto, de onde Luís da Silva avista pela primeira vez o flerte entre Julião Tavares e Marina.
RUA DA LAMA – Reduto da prostituição na Maceió dos anos 30, segundo o artigo de Enaura Quixabeira corresponde a uma “rua estreita na lateral da Igreja do Livramento, indo até a Praça dos Palmares”. A reportagem não conseguiu encontrar o local.
RUA DO SOL – Trajeto costumeiro do protagonista em suas andanças, é a rua de que desvia quando não quer encontrar Dr. Gouveia, seu credor do aluguel.
RUA DO COMÉRCIO – Localização do café frequentado por Luís da Silva, onde se encontra com o amigo Moisés e também com a prostituta que lhe serve de ouvinte. “Naquele espaço de dez metros formam-se várias sociedades com caracteres perfeitamente definidos, muito distanciadas”, descreve o livro.
INSTITUTO HISTÓRICO – Luís da Silva conhece Julião Tavares em uma recepção no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.
CINEMA CAPITÓLIO – O protagonista acompanhava o casal Marina e Julião pelas ruas do Livramento e da Lama até chegar ao Capitólio, que ficava na esquina da Rua do Comércio com o Beco das Moedas.
BEBEDOURO – A casa da nova amante de Julião ficava em Bebedouro, onde Luís armou uma tocaia para assassiná-lo. O livro não faz menção a uma rua específica. Em busca do cenário ideal, a reportagem foi ao bairro e reproduziu a cena da morte de Julião Tavares num beco da Rua Tavares Barreto.
LEVADA – Um dos trechos percorridos por Luís da Silva no retorno após o assassinato de Julião. “Se me encaminhasse a Bebedouro, voltaria pela rodagem, entraria em casa antes de amanhecer. Apareceram luzes, as carolinas que enfeitam o canal, os eucaliptos da Levada”.
PRAÇA DOM PEDRO II – Luís trabalhava numa repartição do prédio que atualmente é usado como sede da Assembleia Legislativa de Alagoas.
PRAÇA MONTEPIO – Por onde Luís segue com Moisés após o encontro no café.
PRAÇA DEODORO – Cenário de passeios de Julião Tavares e Marina, aos olhos obsessivos de Luís da Silva. “Transformavam-se por momentos nas pessoas que vinham da Praça Deodoro, mas eu continuava a vê-los longe, em diferentes lugares”.
PRAÇA DOS MARTÍRIOS – Refúgio do protagonista.“O inverno tinha começado, quase sempre caía uma chuvinha renitente. Ia sentar-me num banco da Praça dos Martírios, e os pingos que tombavam da folhagem das árvores molhavam-me a cabeça descoberta e escaldada”.
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL – É citada para comentar a família de Julião Tavares, donos do comércio Tavares & Cia. e “membros influentes da Associação Comercial”.
* Bonde da Ponta da Terra – Luís da Silva pegava um bonde para colaborar com um jornal à noite. O trajeto do bonde possuía um mapa de formato irregular com destino a Bebedouro ou ao Aterro (trecho de Jaraguá compreendido entre a Ponte dos Fonsecas até o primeiro armazém do Cais do Porto). O percurso passa pela Praça Deodoro; Rua do Macena (Cincinato Pinto); Rua Augusta (Ladislau Neto); Rua do Apolo (Melo Morais); Rua do Sol (João Pessoa); Rua do Comércio; Rua 1º de Março (Moreira Lima); Rua do Livramento (Senador Mendonça); Rua da Lama; Praça do Montepio (Bráulio Cavalcante) e Praça dos Martírios.
* Colaborou Rafael Cavalcanti
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Angústia visual
“Sei de alguém que não conseguiu passar da página 30 desse romance com medo de enlouquecer”, escreveu Jorge Amado em 1936 ao resenhar Angústia. Impactante, a narrativa em primeira pessoa criada por Graciliano, que lança seu protagonista Luís da Silva numa espiral de obsessão e ódio contra Marina e Julião Tavares, arrebata muitos leitores. Uma prova da capacidade do livro de provocar inquietação em quem se aventura por suas páginas são as sucessivas tentativas de transmutá-lo para outros suportes e linguagens – como o cinema e o teatro.
Em Alagoas, por exemplo, o fotógrafo e documentarista Celso Brandão foi um dos primeiros a investir na ideia de traduzir Angústia em imagens. Era 1979 quando o também alagoano Cacá Diegues (Bye Bye Brasil) resolveu incentivar o amigo conterrâneo a fazer um longa-metragem. “Eu escolhi Angústia porque era um romance que eu gostava muito, que achava que era muito maceioense e com o qual me identificava demais”, explica Celso. À época, o diretor de Ponto das Ervas convidou o ator Beto Leão para escrever o roteiro.
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Leitura afetiva
“Angústia foge completamente ao Graciliano Ramos que eu estava acostumado a encontrar nas carteiras da escola. O estilo seco e pontual, os grunhidos de Fabiano e as memórias de Paulo Honório deram espaço ao caos psicológico, ao excesso de palavras e imagens dos raciocínios circulares de Luís da Silva. À época, tomado pela recente descoberta de Clarice Lispector, Angústia foi para mim uma surpresa, pois, diferente do estilo etéreo de Clarice, ali estava o sentimento de culpa, remorso e humilhação tão cruamente postos. Ainda nos rascunhos dos meus primeiros textos, aquele era o tom que gostaria de encontrar, Luís da Silva era o personagem que sintetizava a angústia que meus personagens parcamente cercavam. Não por acaso Angústia consta dentre minhas leituras constantes e recorrentes.”
MAURÍCIO DE ALMEIDA – Escritor
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“Angústia é um romance sem doçuras ou alegrias, repleto de uma poesia áspera que economiza palavras e afetos. Uma literatura de um rigor formal que só poderia mesmo ter sido elaborada por um escritor que acreditava no valor da escrita apenas quando esta era duramente trabalhada. Retirou-lhe todos os adornos e excessos, criando uma obra esmeradamente lapidada, criativa e inesquecível.
A adaptação de um romance desse porte para os palcos será sempre uma tarefa árdua, mas personagens como Vitória, Marina e Luís da Silva são suficientemente estimulantes para qualquer dramaturgo. O enredo e os monólogos das personagens são ricos e fascinantes. Conseguindo aliar a admiração pelo autor ao respeito pela qualidade da obra, o adaptador já terá percorrido metade do caminho até o palco. Talvez por isso a encenação de Angústia, pelo grupo Infinito Enquanto Truque, tenha sido elogiada e premiada. O grande mérito, sem dúvida, é da obra original e do seu poder de ‘contágio’.
Graciliano Ramos desprezava as artimanhas do poder e das aparências. Construiu uma literatura onde as decantadas ‘belezas naturais’ de Alagoas não servem sequer como pano de fundo para a sua arte. Seus questionamentos culturais, sociais e políticos desenrolavam-se em primeiro plano e ele percebeu, como nenhum outro escritor alagoano antes dele, os engodos e as perversidades desse nosso esgarçado tecido social. Através de personagens primitivas e ingênuas como o Fabiano (Vidas Secas) ou de criaturas cultas e citadinas como o Luís da Silva (Angústia), GR nos descortinou algo bem mais significativo e denso do que belezas cenográficas – da geografia alagoana ou do texto literário. Deixou-nos uma obra magnífica e que é um permanente exercício de inteligência crítica. Lamentável é que muitos dos nossos conterrâneos ainda fiquem satisfeitos em apenas entoar loas bairristas como as de Julião Tavares: ‘Louvemos a nossa terra, os nossos coqueirais, o no nosso céu azul e as nossas praias inigualáveis!’. Pois bem, há quase 80 anos Graciliano mostrou que numa cidade ou estado (do mesmo modo que no teatro) o valor do ‘cenário’ é irrisório. As aparências enganam, sim, e costumam escamotear verdades feias como a alienação, o analfabetismo e a violência.
Inegável é o fato de que desde os anos de 1936, quando Angústia começou a ganhar notoriedade até os dias que correm, a obra de GR venceu de goleada a luta contra o tempo e o espaço. Tornou-se universal e atemporal, já foi publicada em mais de trinta países e tornou-se fundamental.
As ressonâncias de Angústia na atualidade são tão intensas que, ao lermos o traçado geográfico da capital alagoana descrito por Graciliano, percebemos que os lugares continuam iguais e os seus impasses estão inalterados; da praça do Montepio à praça dos Martírios, da rua da Lama à favela do Reginaldo. Sumiram os bondes e surgiram tecnologias impensáveis para o começo do século passado; mas, os problemas culturais, sociais e políticos são idênticos. Com os mesmos engodos e mesquinharias que tanto atormentaram o ‘ratofuso’ Luís da Silva, uma das personagens mais marcantes de um escritor genial – e, a isto sim, devemos entoar muitas e muitas loas.”
LAEL CORREA – Ator e dramaturgo
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“Angústia foi o último dos romances de Graciliano Ramos que tive contato, mas provavelmente o que mais me despertou interesse – tanto pessoal, como acadêmico. A paixão inicial foi incitada de várias maneiras; serviu de estímulo até mesmo o fato de parte da trama se passar em um cenário que me é familiar, o centro de Maceió. Mas notar que Graciliano coloca em xeque algumas das supostas verdades que criaram a respeito de sua obra (do escritor regionalista, ou militante, ou conservador na escrita etc.) é algo muito instigante. Até o humor, que por muito tempo foi visto como algo fora do contexto da obra do autor, podemos perceber em Angústia. É possível notar, também, uma espécie de inconformismo com o suporte, só a página não é suficiente: a gente vê, ouve, sente cheiros e até cansa com Luís da Silva. Angústia já é cinema, além das duas dimensões dos filmes convencionais.”
ALLAN NOGUEIRA – Jornalista e doutorando em Literatura
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Luís da Silva, segundo Igor de Araújo
Não foi inesperado que, ao receber o convite da reportagem para protagonizar o ensaio fotográfico apresentado nesta edição, o ator alagoano Igor de Araújo tenha reagido com alguma resistência. O telefonema aconteceu há três semanas. No calor do insight, o repórter tentava explicar a proposta das fotos. Ele deveria ler Angústia e criar sua versão para o personagem Luís da Silva em apenas 10 dias – o ensaio estava agendado para o fim de semana seguinte, no sábado, 01. O receio inicial de Igor era que o trabalho resultasse caricatural. “O risco sempre existe”, argumentei, antes de propor: “Vamos fazer da seguinte forma: a palavra final é sua. Depois de tudo, se o resultado não agradar, não usaremos o material”. Acordo fechado.
No período que antecedeu o ensaio, em contatos quase diários, o ator trazia novas ideias para a elaboração das imagens, sempre comentando suas impressões sobre o livro ao tempo que a leitura avançava. Até então, São Bernardo era sua única imersão no universo de Mestre Graça.
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Observação foi o método, diz ator
“Ao encontrar pessoas no Centro de Maceió, ao olhá-las, quis pensar em trechos de Angústia. Julguei esta a forma mais espontânea de tentar parecer-me, ainda que vagamente, com Luís da Silva. Porém, de mim para mim, não sei se consegui o feito; talvez, somente pensar não baste. A mulher de cabelos castanhos e shorts me fez lembrar a seguinte passagem: “Antônia recebe o salário, entrouxa os cacarecos, beija as crianças e sai cantando, certa de que encontrou um homem. Volta faminta, com marcas novas de ferida”.
O pedreiro que dava informações encaixou-se aqui: “O homem gordo era pedreiro, via-se pelas manchas de cal na roupa. Pedreiro com aquele corpo, que perigo! Um cochilo no andaime, pisada em falso na ponta da tábua, e no dia seguinte a família estaria de luto”. O fragmento para a senhora sentada no batente do portão: “Agora eu conhecia mais ou menos d. Adélia, falava com ela, parava na calçada às vezes: – ‘Bom dia, boa tarde, sim senhora, como tem passado?’.
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