quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

ROL TAXATIVO OU EXEMPLIFICATIVO

QUESTÃO DE ADJETIVO STJ volta a julgar extensão da cobertura de tratamentos por planos de saúde 23 de fevereiro de 2022, 8h49 *** *** A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deve retomar nesta quarta-feira (23/2) o julgamento de recursos para definir se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória dos planos de saúde é só exemplificativa ou se deve ser entendida de forma restrita. ***
*** ReproduçãoSTJ vai definir qual adjetivo se aplica à lista de procedimentos da ANS: taxativo ou exemplificativo *** Cabe aos ministros decidir, portanto, se as operadoras de planos de saúde podem ser obrigadas a cobrir procedimentos que não estejam elencados na lista — ou seja, se o rol da Agência Nacional de Saúde (ANS) é exemplificativo (e portanto pode ser extrapolado), ou taxativo (e deve ser seguido à risca, sem a obrigação de cobrir mais nada). O julgamento já tinha começado em setembro de 2021, mas foi suspenso após pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. Antes disso, o relator dos recursos, ministro Luis Felipe Salomão, votou pela taxatividade da lista editada pela ANS, sustentando que a elaboração do rol tem o objetivo de proteger os beneficiários de planos, assegurando a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, a pertinência dos procedimentos médicos e a avaliação dos impactos financeiros para o setor. Entretanto, o relator ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos expressamente pela ANS, como terapias que têm recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina e possuem comprovada eficiência para tratamentos específicos. O ministro também considerou possível a adoção de exceções nos casos de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label — quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula. Respaldo científico Salomão destacou que a Lei 9.961/2000, que criou a ANS, estabeleceu a competência da agência para a elaboração do rol de procedimentos de cobertura obrigatória. Ele também apontou que a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), em seu artigo 10º, parágrafo 4º — cuja redação mais recente foi dada pela Medida Provisória 1.067/2021 —, prevê que a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS. No campo doutrinário, o ministro apresentou posições no sentido de que o rol, além de precificar os valores da cobertura-base pelos planos de saúde, mostra a preocupação do Estado em não submeter os pacientes a procedimentos que não tenham respaldo científico, evitando que os beneficiários virem reféns da cadeia de produtos e serviços de saúde. ***
*** Sandra FadoPara relator no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, rol exemplificativo aumenta custo dos planos para o consumidor *** Em seu voto, Salomão ressaltou que a Resolução Normativa 470/2021, que entrará em vigor em outubro próximo, fixa o rito para a atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde. Para a atualização da listagem atual (Resolução ANS 465/2021), disse o relator, foi realizada ampla consulta pública, que resultou na incorporação de 69 novos procedimentos. "Portanto, a submissão ao rol da ANS, a toda evidência, não privilegia nenhuma das partes da relação contratual, pois é solução concebida e estabelecida pelo próprio legislador para harmonização da relação contratual", afirmou. Ainda de acordo com o ministro, se o rol fosse meramente exemplificativo, não seria possível definir o preço da cobertura diante de uma lista de procedimentos indefinida ou flexível. Para ele, o prejuízo ao consumidor seria inevitável, pois se veria sobrecarregado com o repasse dos custos ao valor da mensalidade — impedindo maior acesso da população, sobretudo dos mais pobres —, ou a atividade econômica das operadoras ficaria inviabilizada. Ao defender a taxatividade do rol da ANS como forma de proteger o consumidor e preservar o equilíbrio econômico do mercado de planos de saúde, Salomão lembrou que, por razões semelhantes, diversos países adotam uma lista oficial de coberturas obrigatórias pelos planos, como a Inglaterra, a Itália, o Japão e os Estados Unidos. ANS Na mesma resolução citada pelo ministro Salomão, que ampliou a lista de procedimentos autorizados, a diretoria colegiada da ANS aprovou uma mudança na norma, determinando que o rol passasse a ser taxativo. Até então, o artigo 2º da normativa dizia que "as operadoras de planos de assistência à saúde poderão oferecer cobertura maior do que a mínima obrigatória prevista nesta RN e em seus Anexo". A versão 2021 do documento incluiu no texto que "para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta RN e seus anexos". Controvérsia A questão chegou à 2ª Seção depois que a 4ª Turma do STJ decidiu mudar a própria jurisprudência sobre o tema. Até o julgamento do REsp 1.733.013, o colegiado considerava o rol exemplificativo, assim como a 3ª Turma, que também trata de temas de Direito Privado. A mudança de entendimento na 4ª Turma também foi proposta pelo ministro Salomão. Entre os que defendem a taxatividade do rol da ANS, os argumentos são principalmente de segurança jurídica dos contratos e proteção ao consumidor — na linha do voto de Salomão na 2ª Seção. Se o rol não for taxativo, alegam os defensores dessa corrente, as operadoras de planos de saúde terão de repassar custos imprevisíveis para os consumidores. Por outro lado, a defesa do rol como exemplificativo é baseada no direito fundamental à vida e à saúde, princípio constitucional. Para essa vertente, não cabe à ANS nem aos planos limitar os tratamentos indicados pelo médico, que afinal é o profissional competente para avaliar o que o paciente necessita. É o que pensa, por exemplo, a advogada e especialista em Direito Médico, Mérces da Silva Nunes, sócia do Silva Nunes Advogados Associados. "Revela-se imprescindível que a 2ª Seção do STJ mantenha o entendimento acerca da natureza exemplificativa do rol de procedimentos e eventos em saúde para que seja protegido e preservado o direito fundamental à saúde dos pacientes, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana — princípio fundante do Estado Democrático de Direito e do direito à vida e à saúde, alçados à categoria de direitos fundamentais pela CF/88", opina. Também se destaca o argumento de que a lista da ANS só é atualizada uma vez a cada dois anos. Assim, ao longo desse período, as inovações científicas e tecnológicas não poderiam ser absorvidas e implantadas no país, o que também afronta o direito à saúde. O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), em nota assinada por Ernesto Tzirulnik e Inaê Siqueira de Oliveira, endossa esse argumento, e chama a atenção para a existência de lobby das operadoras de saúde junto à ANS, fator que também contribui para que alguns procedimentos não sejam incluídos na lista. A nota afirma ainda que a justificativa de manutenção do equilíbrio financeiro das operadoras de saúde na verdade é uma "roupagem técnica" para "diminuir coberturas, manter custos comerciais elevados e aumentar margens de lucro". "Por que a adequação do tratamento médico às necessidades concretas do segurado deve ser sacrificada em prol dos índices de sinistralidade das carteiras e da receita das seguradoras?", questionam. "No argumento em prol do 'equilíbrio financeiro e atuarial', não se vê crítica alguma aos 'custos de comercialização', a respeito dos quais há pouca transparência. Com frequência abusivos, os custos de comercialização drenam dinheiro dos prêmios, pagos pelos segurados, e impactam mais as contas do seguro do que o uso de eventual procedimento ainda não carimbado pela ANS", argumentam. Com informações da assessoria de imprensa do STJ. EREsp 1.886.929 EREsp 1.889.704 Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2022, 8h49 https://www.conjur.com.br/2022-fev-23/stj-volta-julgar-cobertura-tratamentos-planos-saude Compreenda: Taxativo: O rol taxativo, também chamado de rol exaustivo, estabelece uma lista determinada, não dando margem a outras interpretações. Vale somente o que está ali inserido. Exemplificativo: O rol exemplificativo é aquele que estabelece apenas alguns itens de uma lista. ************************************* 3ª turma do STJ entende o rol como exemplificativo Equipe Oncoguia- Data de cadastro: 21/05/2021 - Data de atualização: 21/05/2021 O que houve? Em março deste ano, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial nº 1876630/SP, onde reconheceu que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS é exemplificativo. Tal entendimento vem ao encontro de posicionamento de várias instituições de defesa do consumidor, tal como o reconhecido Idec, que, em sua essência, visa garantir os direitos dos consumidores, neste caso, dos beneficiários de planos de saúde. ENTENDA OS PRINCIPAIS PONTOS DA DECISÃO. Segundo a 3ª Câmara do STJ: Quando o legislador transfere para a ANS a função de definir a amplitude das coberturas assistenciais (art. 10, § 4º, da Lei 9.656/1998), não cabe ao órgão regulador, a pretexto de fazê-lo, criar limites à cobertura determinada pela lei, de modo a restringir o direito à saúde assegurado ao consumidor, frustrando, assim, a própria finalidade do contrato. O STJ entende que o plano-referência previsto na lei dos planos de saúde impõe a cobertura de tratamento de todas as doenças listadas no CID, observada a amplitude prevista para o segmento contratado pelo consumidor e excepcionadas apenas as hipóteses previstas nos incisos do art. 10, de modo que qualquer resolução que a restrinja mostra-se abusiva e, portanto, ilegal, por colocar o consumidor em desvantagem exagerada. O rol de procedimentos e eventos em saúde é, de fato, importante instrumento de orientação para o consumidor em relação ao mínimo que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial mínima. Não há como exigir do consumidor, no momento em que decide aderir ao plano de saúde, o conhecimento acerca de todos os procedimentos que estão – e dos que não estão – incluídos no contrato firmado com a operadora do plano de saúde, inclusive porque o rol elaborado pela ANS apresenta linguagem técnico-científica, de difícil compreensão para o consumidor. Igualmente, não se pode admitir que mero regulamento estipule, em desfavor do consumidor, a renúncia antecipada de seu direito a eventual tratamento prescrito para doença listada na CID, por se tratar de direito que resulta da natureza do contrato de assistência à saúde. Para o consumidor deve ser clara, suficiente e expressamente esclarecido sobre os eventos e procedimentos não cobertos em cada segmentação assistencial (ambulatorial, hospitalar – com ou sem obstetrícia – e odontológico), como também sobre as opções de rede credenciada de atendimento, segundo as diversas categorias de plano de saúde oferecidas pela operadora; sobre os diferentes tipos de contratação (individual/familiar, coletivo por adesão ou coletivo empresarial), de área de abrangência (municipal, grupo de municípios, estadual, grupo de estados e nacional) e de acomodação (quarto particular ou enfermaria), bem como sobre as possibilidades de coparticipação ou franquia e de pré ou pós-pagamento, porque são essas as informações que o consumidor tem condições de avaliar para eleger o contrato a que pretende aderir. Não é razoável impor ao consumidor que, no ato da contratação, avalie os quase 3.000 procedimentos elencados no rol, a fim de decidir, no momento de eleger e aderir ao contrato, sobre as possíveis alternativas de tratamento para as eventuais enfermidades que possam vir a acometê-lo. Consequências negativas: A qualificação do rol de procedimentos e eventos em saúde como de natureza taxativa demanda do consumidor um conhecimento que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não possui nem pode ser obrigado a possuir; cria um impedimento inaceitável de acesso do consumidor às diversas modalidades de tratamento das enfermidades cobertas pelo plano de saúde e às novas tecnologias que venham a surgir; e ainda lhe impõe o ônus de suportar as consequências de sua escolha desinformada ou mal informada, dentre as quais, eventualmente, pode estar a de assumir o risco à sua saúde ou à própria vida. Conclui-se que o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS tem natureza meramente exemplificativa, porque só dessa forma se concretiza, a partir das desigualdades havidas entre as partes contratantes, a harmonia das relações de consumo e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, de modo a satisfazer o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo. Quando o procedimento não constar do rol de procedimentos e eventos em saúde, a operadora não pode recusar o seu custeio, sobretudo quando o procedimento não se enquadra em nenhuma das hipóteses de exceção previstas no art. 10 da Lei dos Planos de Saúde. Compreenda: Taxativo: O rol taxativo, também chamado de rol exaustivo, estabelece uma lista determinada, não dando margem a outras interpretações. Vale somente o que está ali inserido. Exemplificativo: O rol exemplificativo é aquele que estabelece apenas alguns itens de uma lista. Dessa forma, deixa-se a lista em aberto para que outros casos sejam inseridos no referido rol, e é passível de interpretação, podendo ser concedido além do que está ali previsto. E agora? O Oncoguia entende que esta decisão do STJ vem ao encontro de questionamentos e de posicionamentos da sociedade civil organizada e pode resolver os inúmeros problemas de acesso existentes na Saúde Suplementar para que uma tecnologia esteja disponível aos pacientes. É fato que, o rol de procedimentos, tal como está concebido, não está respondendo aos anseios daqueles que o contratam no momento em que mais precisam de determinadas terapias. É interessante que um debate responsável entre os stakeholders envoltos ao tema ocorra, para que assim, um posicionamento além do judiciário seja reconhecido pela sociedade e seguido pela própria Agência Nacional de Saúde e planos de saúde. http://www.oncoguia.org.br/conteudo/3-turma-do-stj-entende-o-rol-como-exemplificativo/14558/8/#:~:text=Compreenda%3A,alguns%20itens%20de%20uma%20lista. *********************************************************************************** *** ABC do SUS: Centro Especializado em Reabilitação - CER 2.938 visualizações27 de jul. de 2015 *** Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo SMS 57,8 mil inscritos O ABC do SUS mostra como funciona, quais serviços oferecem e como usar os serviços de um CER - Centro Especializado em Reabilitação da Prefeitura de São Paulo. https://www.youtube.com/watch?v=hQ5fy6jHNa8 ************************************************ Acervo de David Capistrano Filho, precursor do SUS, é doado à Fiocruz ícone facebook Publicado em:13/04/2020 ***
*** Acervo de David Capistrano Filho, precursor do SUS, é doado à FiocruzO legado do líder estudantil, médico, jornalista, autor e editor de livros, articulador político, conferencista e, sobretudo, sanitarista, David Capistrano Filho, importante ator da reforma sanitária, em breve, estará acessível a pesquisadores e demais interessados com a cessão do seu acervo para a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Ele é reconhecido como um dos responsáveis pela elaboração do texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 1988. Confira a reportagem de Lisiane Morosini, da revista Radis. "Líder estudantil, médico, jornalista, autor e editor de livros, articulador político, conferencista e, sobretudo, sanitarista, David Capistrano Filho é reconhecido como um dos responsáveis pela elaboração do texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 1988. Também mentor e articulador da criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976, e da Revista Saúde em Debate, David foi ainda responsável por ações inovadoras na gestão de saúde coletiva em Santos (SP), onde implementou intervenções pioneiras em áreas diversas, como a prevenção ao HIV/aids, a humanização na saúde mental e a reciclagem de lixo. O legado deste importante ator da reforma sanitária em breve estará acessível a pesquisadores e demais interessados com a cessão do seu acervo para a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), unidade dedicada à preservação da memória e às atividades de pesquisa, ensino, documentação e divulgação da história da saúde pública e das ciências biomédicas no Brasil. São documentos, fotos, cartilhas e livros, ainda em fase de catalogação, que podem revelar facetas ainda desconhecidas do sanitarista e iluminar e ajudar a pensar o futuro, como salientou Paulo Elián, diretor da COC, na cerimônia que marcou a entrega do material, durante o Fórum Fiocruz de Memória, que aconteceu no início de dezembro de 2019. O acervo doado à COC revela aspectos da vida do médico, gestor, intelectual e dirigente político que permitirá que diversas gerações de pesquisadores, historiadores, sanitaristas e profissionais de diferentes áreas do conhecimento se debrucem sobre sua história, possibilitando a articulação entre memória e história. “Esse material é parte de uma trajetória coletiva que garante elementos para a pesquisa e para o conhecimento desse importante momento da nossa sociedade que foi a reforma sanitária”, ressaltou Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz. Ela destacou que David tinha uma visão ampla de cidadania, o que o possibilitou entender que a desigualdade é o principal problema do Brasil, expressa somente na renda, mas também no acesso à saúde — condição para que as pessoas tenham direito a uma vida digna. Felicidade e comunidade As marcas da atuação precursora de David Capistrano, seu pensamento crítico e a luta permanente por uma sociedade justa, foram relembradas por meio de depoimentos de quem conviveu com ele, como a psicóloga Adélia Benetti de Paula Capistrano, filha do sanitarista, e os médicos Paulo Amarante, pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Ensp) e Aparecida Linhares Pimenta, integrante do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems–SP). Um dos pontos altos da homenagem foi a fala da filha do sanitarista, que relembrou histórias pessoais e revelou um pouco da intimidade com o pai. Para falar dele, Adélia partiu de uma frase que estampava um pôster que havia em sua casa e que, segundo ela, refletia o pensamento e a prática de seu David: “Felicidade é viver em comunidade”. Segundo ela, falar sobre o pai é “falar de redes de pessoas que conversam, se reúnem, que não aceitam passivamente a manutenção da violência das instituições públicas sobre o seu povo” Adélia revelou que, apesar de o pai ter morrido há quase duas décadas, ela ainda sente sua presença por meio da voz e do afeto de seus companheiros de luta. “Convivi com ele 18 anos. Agora são 19 anos sem, mas todas as pessoas que eu encontro, em todos os lugares, falam dele”, disse emocionada, na mesa “David Capistrano: luta e memória da reforma sanitária”. Em seu depoimento, ela também destacou como a abrangência das políticas implementadas pelo pai se refletiu em sua própria vida. “Estudei em escola municipal na época em que ele era prefeito [de Santos, de 1993 a 1996]. Lembro que eu recebia cadernos que explicavam como fazer reciclagem de lixo, que tinha ônibus de graça aos domingos, escovação dos dentes na escola e que gostava das aulas de dança, teatro e música, do cinearte, e da ilha de conveniência, um espaço destinado para adolescentes. Esse espaço hoje é ocupado por um posto policial, o que já explica muita coisa”, destacou. A filha de David também defendeu que a memória e os feitos do pai servissem de estímulo para que seus seguidores continuassem a luta por uma realidade mais justa. “Vamos contar as histórias dele, registrar, compartilhar, executar, avaliar, validar, discordar, mostrar que é possível, mesmo um pouco amedrontados, continuar transformando este país, seja pelo SUS, pela assistência social, educação, trabalho, cultura, economia, música, festa, onde der”, disse Adélia. Para ela, não é mais possível “aceitarmos calados a violência e o genocídio contra o nosso povo, que tem cor, classe e sexo. Não dá para a gente reproduzir essa violência”, afirmou. Ela ainda aproveitou para dividir com a plateia os momentos difíceis vividos pela família com o desaparecimento [oficializado em 1995] de seu avô, durante o período de ditadura militar, e como a atuação política do pai foi importante para que superassem a perda. Adélia enfatizou a figura de David como um dos principais formuladores de programas que, tempos depois, viriam a ser implementados como políticas públicas de saúde. Precursor do SUS Mediador da mesa, o jornalista Rogério Lannes, coordenador do Programa Radis, destacou que as lembranças e histórias de David Capistrano Filho revelam a extensão de uma prática sanitária humanista, voltada para o outro, e que o definem como um “revolucionário”. “Ele dedicou a vida a defender o povo brasileiro, sem deixar de lado o contraditório. Ele era a favor de discutir as coisas claramente“, observou. Colega de trabalho de David e também amiga da família, a médica Aparecida Linhares Pimenta, atualmente secretária municipal de Saúde de Poços de Caldas (MG), relembrou o tempo em que conviveu com o sanitarista. Ela observou que o colega era incansável e motivador. “Era David quem colocava a mão na massa e aproveitava as oportunidades políticas. Ele tinha sentido de urgência para resolver os problemas da população. Trabalhar com ele era uma delícia e uma tensão ao mesmo tempo”, brincou. Aparecida e Capistrano se conheceram na década de 1970 e atuaram juntos nas cidades de Santos e Bauru (SP). “Davi tinha uma capacidade enorme de integrar e agregar pessoas, formou uma geração de gestores, militantes e defensores, não somente do SUS, mas de outras políticas públicas e da democracia”. Para ela, o gestor também foi precursor do SUS na questão da integralidade e universalidade. “Ele ficava muito indignado como as pessoas eram atendidas e tratadas no sistema de saúde”, disse, destacando que sua marca era o envolvimento da equipe na discussão dos vários aspectos relacionados à saúde. Ela também enfatizou o trabalho que o sanitarista desenvolveu em prol da valorização da participação popular. “O Conselho Municipal de Saúde de Santos foi criado no início do SUS e teve um papel bem importante na definição de políticas. As conferências municipais eram eventos belíssimos com uma discussão prévia muito rica”, recordou. Aparecida considera que, das políticas públicas implementadas por David Capistrano, merecem destaque a saúde mental e o enfrentamento da aids. “A criação da rede substitutiva foi muito importante e também seu entendimento em relação à aids, não só propiciando o atendimento integral para pessoas com HIV, mas combatendo de forma quase violenta também a questão do preconceito”. A médica relembrou, ainda, que o amigo foi precursor na criação de um programa de internação domiciliar em Santos. “Era um programa bem importante, com fisioterapia, que detectava casos que podiam ser tratados em casa. O atendimento em Santos já era feito por uma equipe multiprofissional, muito antes de a política prever essa assistência”, observou. Além disso, ela reforçou o aspecto inclusivo da sua gestão. “David valorizava a questão cultural, que buscava a mudanças de práticas, não só nos serviços de saúde, mas também na prefeitura”, afirmou. Ela também citou um programa de apoio às famílias criado por David, que guarda semelhanças com o Bolsa Família. Para ela, por ter uma visão integral da saúde, seu legado permanece vivo. “Ele sempre foi uma referência para várias pessoas que se formaram como gestores do SUS e não só para o sistema, mas para a gestão pública como um todo”, definiu. Defesa da vida Também participante da mesa, Paulo Amarante declarou que a grande contribuição de David Capistrano foi pensar saúde para além do contrário de doença. “Parece pouco, mas na prática as pessoas ainda lidam com saúde como doença, serviço médico e hospitalar, diagnóstico”, salientou. Ao contrário, destacou ele, David pensava a saúde como qualidade e defesa da vida, produção de vida. “Isso é fundamental quando se constrói uma política de serviço ou de vida, pois valoriza o trabalho, a cultura, o lazer, a família e o cotidiano no território”, argumentou. Outra característica do pensamento de David, segundo Paulo, era a certeza de que fazer saúde é resultado de um processo coletivo. “David era muito preocupado com o território por entender que a saúde não é ciência, técnica e descobertas, mas está inserida dentro de um contexto de política e as políticas são produzidas por pessoas e sujeitos”, salientou. Para Paulo, a criação do Cebes e da Revista Saúde em Debate foram fruto do entendimento e da preocupação de David em criar um ator ou movimento social para levar à frente as transformações. “Ele tinha muito claro que para fazer algo era preciso ter uma construção social e política envolvendo pessoas”, salientou. Paulo disse enxergar o pensamento de David como um vetor para os dias atuais. “Nesse momento em que as pessoas estão isoladas, conectadas pelas redes sociais, desaparece a ideia do protagonismo, do ativismo, e há a culpabilização da doença. Acho importante resgatar a ideia do coletivo, da saúde como direito à vida e da qualidade de vida, que eram a marca de David. Essa é uma forma potente de resistência e de transformação”, registrou. Paulo enfatizou a contribuição de David para a saúde mental e as ações de redução de danos. Segundo ele, o sanitarista acreditava em uma rede de apoio que envolvia família, cultura, trabalho, lazer, moradia, forças políticas, legislativas e na importância dos contextos no tratamento dos indivíduos. “David tinha muito claro que a droga ou a doença não iriam melhorar apenas com a internação de pessoas em uma instituição. A ideia da redução de danos é essa: não é impor a abstinência total, mas o desejo de transformar sua vida”, resumiu. QUEM FOI DAVID CAPISTRANO O médico David Capistrano da Costa Filho nasceu no Recife, em 1948, filho de militantes políticos. Do aprendizado doméstico sobre a necessidade de lutar por justiça social e da profunda formação política, ele construiu as bases do pensamento e da prática que contribuíram para fundamentar o ideário do SUS. David morreu jovem, aos 52 anos, em 10 de novembro de 2000, mas trilhou um percurso consolidado em defesa de uma saúde integral, universal e gratuita. Por tudo isso, seu nome e legado são ainda celebrados hoje. Quem conviveu com o sanitarista reafirma a importância e a atualidade de sua prática e pensamento (Radis 143). Davizinho, como era chamado entre seus pares da reforma sanitária, iniciou sua militância política aos 14 anos, como estudante secundarista, tendo ocupado cargos de dirigente no Partido Comunista Brasileiro. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1972, foi orador oficial de sua turma, e, já em seu discurso “Sede de justiça e fome de liberdade”, defendeu a centralidade da dignidade social e humana nas políticas públicas. Com especialização em Pediatria, em 1974 David foi buscar a formação de sanitarista com Sergio Arouca, então professor de Medicina Social e Preventiva da Universidade de Campinas (Unicamp). Continuou sua formação com Kurt Kloetzel, professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí e chefe do Centro de Saúde e Manicômio Judiciário do município de Franco da Rocha. Destas bases se formou seu pensamento sanitarista, que passou a se apoiar no combate ao preconceito, à discriminação e a toda e qualquer desigualdade. Atuante no campo político, David Capistrano fez parte do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi secretário de Saúde de Bauru (SP), onde zerou a incidência de cárie em crianças menores de cinco anos e, em Santos (SP), em 1989. Além de secretário, também atuou como prefeito entre 1993 e 1996, colocando em prática, no interior de um hospital psiquiátrico, uma experiência no campo da Saúde Mental inédita no país: uma rede integrada de instituições, da qual os Núcleos de Apoio Psicossocial (Naps) eram os eixos principais. Entre os seus maiores legados estão a gestão de uma política pioneira de controle e prevenção ao HIV/aids, a implantação de um programa de apoio às famílias de baixa renda e também a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em Santos, que era conhecida como “casa de horrores”. A proposta de David, considerada um marco na luta antimanicominal, não somente promoveu a humanização do manicômio, mas também a desmontagem da estrutura asilar, com fim das celas de isolamento, do eletrochoque e de outras práticas violentas. O sanitarista determinou ainda que os Naps – hoje Centros de Apoio Psicossocial (Caps) –, que já naquela época prestassem atendimento 24 horas a pacientes e suas famílias. De forma inovadora, sob a gestão dele, o município passou também a contar com atendimento domiciliar e criou embriões de cooperativas, usina de lixo reciclável e o Projeto Tam-Tam com ex-internos, terapeutas e a comunidade." Fonte: Radis - David Capistrano Seções Relacionadas: Radis http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/48410

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