quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Uma aventura em Belém

FROM THE BLUE ZONE PARA A ZONA ESCURA, PRETA OU ACINZENTADA: CRÔNICA DE UMA COMBUSTÃO ANUNCIADA Empresa chinesa Ubtech entrega "exército de robôs" para trabalhar em indústrias | InfoMoney News InfoMoney 16 de nov. de 2025 A Ubtech Robotics, empresa chinesa de tecnologia, lançou a primeira entrega em massa de seus robôs humanoides industriais Walker S2. Projetados para atuar 24 horas por dia em manufatura e logística, esses robôs já começaram a ser integrados em grandes empresas como BYD, Geely, FAW-Volkswagen, Dongfeng e Foxconn. Com produção iniciada em julho, mais de 100 unidades já foram distribuídas, marcando um avanço significativo na automação industrial. "Fotografei você na minha rolleiflex" Desafinado Paula Morelenbaum Se você disser que eu desafino amor Saiba que isso em mim provoca imensa dor Só privilegiados têm ouvido igual ao seu Eu possuo apenas o que deus me deu Se você insiste em classificar Meu comportamento de antimusical Eu, mesmo mentindo devo argumentar Que isto é bossa nova Que isto é muito natural O que você não sabe, nem sequer pressente É que os desafinados também têm um coração Fotografei você na minha rolleiflex Revelou-se a sua enorme ingratidão Só não poderá falar assim do meu amor Ele é o maior que você pode encontrar, viu Você com a sua música esqueceu o principal Que no peito dos desafinados No fundo do peito bate calado Que no peito dos desafinados Também bate um coração O que você não sabe, nem sequer pressente É que os desafinados também têm um coração Fotografei você na minha rolleiflex Revelou-se a sua enorme ingratidão Só não poderá falar assim do meu amor Ele é o maior que você pode encontrar, viu Você com a sua música esqueceu o principal Que no peito dos desafinados No fundo do peito bate calado Que no peito dos desafinados Também bate um coração Composição: Antonio Carlos Jobim. Blue Velvet = Bobby Vinton = LEGENDADO PORTUGUÊS MACHADOLETTERS Essa canção é PRA LÁ DE LINDA - 1963 - Tempo de belíssimas músicas ! Música Blue Zone A tarde que deveria ser azul, simbólica e politicamente azul — a cor oficial das negociações da ONU — terminou coberta por uma névoa escura. O incêndio na Blue Zone da COP30, em Belém do Pará, converteu um espaço de diplomacia climática em uma súbita coreografia de fuligem, correria e perplexidade. A imagem era quase cinematográfica: o azul institucional dissolvendo-se em preto, como se a própria paleta da conferência tivesse entrado em combustão. E, no entanto, havia ali uma ironia quase cruel. A “Blue Zone”, concebida como um lugar de cooperação e promessa, pareceu cumprir involuntariamente um roteiro poético — o mesmo tipo de roteiro que torna certas canções inesquecíveis. Uma delas, “Blue Velvet”, na interpretação de Bobby Vinton (1963), ecoa como uma espécie de contraponto emocional ao episódio. A canção descreve um azul suave, íntimo, de delicadeza romântica: um azul que envolve, protege e promete continuidade. O azul da memória feliz. Seu narrador canta sobre o azul como textura, lembrança e abrigo — um azul que não queima. Um azul que perfuma. Um azul que se guarda. O contraste com a realidade amazônica daquele dia é quase brutal: o material inflável azul, provavelmente sintético, ao entrar em chamas, não manteve nada da serenidade evocada por Vinton. Transformou-se rapidamente em fumaça preta, densa, carbonácea, típica da combustão incompleta de polímeros. Mas se a música e o incêndio, à primeira vista, parecem pertencer a universos distintos, há algo profundamente revelador na justaposição. “Blue Velvet” é o retrato de um azul idealizado; a Blue Zone em chamas, o retrato de um azul comprometido. Entre ambos, uma metáfora poderosa sobre o século XXI: a distância entre o que prometemos ao planeta e o que efetivamente entregamos. A combustão do espaço azul — física, literal, visível — poderia ser lida como a combustão das expectativas, sempre colocadas sob alta temperatura nas cúpulas climáticas. E é nesse ponto que o contraste cromático ganha força simbólica: o azul representa o desejo; o preto, as consequências. O azul é diplomacia; o preto, urgência. O azul é a tarde luminosa de que fala a estética de Vinton; o preto, a noite que cai quando ignoramos o óbvio. No final, talvez a fumaça que escureceu o pavilhão tenha revelado mais do que ocultado. Mostrou que a cor dominante de nosso tempo não é o azul da esperança, nem o verde das campanhas institucionais — mas o preto espesso, insistente, que sobe ao céu todas as vezes em que queimamos aquilo que fingimos proteger. Blue Zone Don Omar BILINGUAL VERSION (PT/EN) FROM THE BLUE ZONE TO THE DARK ZONE: A CHRONICLE OF AN ANNOUNCED COMBUSTION PT A Blue Zone, planejada como território de diálogo climático, incendiou-se numa tarde que deveria ser azul. No lugar da calma institucional, ergueu-se fumaça escura — o tipo de fumaça que não renuncia à sua densidade, resultado conhecido da queima de materiais plásticos. O episódio converteu um símbolo de esperança em um símbolo da própria crise que ele buscava enfrentar. A lembrança da canção “Blue Velvet”, eternizada por Bobby Vinton em 1963, surge como contraste poético inevitável. A música pinta o azul como memória afetuosa, quase imaculada; um azul de felicidade íntima. Ali, porém, o azul plásticado da COP revelou sua vulnerabilidade: inflamável, efêmero, sujeito a combustões literais e metafóricas. EN The Blue Zone, designed as a space of climate diplomacy, caught fire on an afternoon that should have remained serenely blue. Instead of institutional calm, a column of dark smoke rose — the familiar by-product of burning synthetic materials. What was meant to symbolize hope ended up staging the very crisis it sought to address. In contrast, the memory of Bobby Vinton’s 1963 version of “Blue Velvet” evokes a softer, dreamlike blue: an affectionate shade, untouched by heat or urgency. At COP30, however, the manufactured blue proved fragile — combustible in both literal and symbolic senses. PT Entre a música e o incêndio, cria-se uma metáfora involuntária: o azul do desejo e o preto das consequências. Quando a fumaça sobe, a paleta política desmorona, e aquilo que deveria iluminar torna-se opaco. EN Between the song and the fire, an accidental metaphor takes shape: the blue of intention and the black of consequence. As the smoke rises, the political palette collapses, and what should illuminate instead turns opaque. ANÁLISE SIMBÓLICA DO CONTRASTE AZUL–PRETO Azul Cor da esperança, diplomacia, calma. Representa o ideal climático: cooperação, racionalidade, futuro organizado. Em “Blue Velvet”, simboliza memória amorosa, delicadeza, proteção e beleza intocada. Evoca um mundo possível — suave, harmonioso, intacto. Preto Cor da fuligem, da combustão incompleta, da urgência. Representa aquilo que sobra quando falhamos: degradação, colapso, consequências atrasadas. No incêndio da Blue Zone, o preto substitui o azul como um comentário involuntário sobre a crise. É o mundo real — pesado, quente, químico. Síntese O episódio cria uma narrativa visual poderosa: → O azul como promessa.O preto como realidade. A crônica inteira poderia ser lida como um lembrete sensorial de que a luta climática, quando negligenciada, sempre termina em fumaça — e que o azul das conferências só continuará existindo se o preto das combustões for finalmente enfrentado.
terça-feira, 18 de novembro de 2025 Uma aventura em Belém, por Fernando Gabeira O Globo Há muitas questões na Amazônia que continuam insolúveis. A presença do crime organizado é uma delas A decisão de realizar a COP30 em Belém foi audaciosa. Em termos de público é um sucesso. Cinquenta mil pessoas passaram por aqui. Fisicamente, para mim a COP representou um desafio. Andamos muito, tudo é muito distante. Descrevi o espaço como um gigantesco aeroporto sem cadeiras. No meu telefone, há um aplicativo que mede meus movimentos. Todos os dias, registrava um recorde e me parabenizava pelo feito, como se fosse um atleta rompendo limites. E eu estava com a língua de fora. Como em todas as COPs, as negociações se arrastam. Elas tratam dos grandes temas, financiamento, redução de emissões... Por ser conhecido, tive o privilégio de sentir a diversidade e a riqueza do movimento ambiental. As pessoas me descreviam suas lutas, e gostaria de ter algumas horas de televisão para mostrar tudo isso. Conheci gente que trabalhava com seguros que mostrou a importância desse ramo de negócios, sobretudo em tempos de eventos extremos. Um militante de ONG que trabalha com desperdício de comida mostrou como economizou toneladas de alimentos. Duas americanas que pesquisam nanoplásticos na atmosfera me deram um relatório completo sobre esse tipo de poluição. Ingleses da Universidade Queen Mary traçaram um quadro dos estragos que as guerras trazem ao meio ambiente e do papel da justiça internacional. Isso às vezes acontece numa só manhã. Na outra, encontro um homem que dedica sua vida ao Rio Jaguaribe, no Ceará, debato com Alessandra Munduruku, indígena importante como líder que comandou um protesto pacífico na COP. Pessoalmente é também uma viagem autobiográfica. Encontro pessoas de todo o Brasil com quem estive em alguma forma de luta. É também uma forma de perceber a idade. Muita gente se apresentando como filhos de companheiros. A uma delas, disse: não imaginava que seus pais tivessem uma filha adulta. Ela respondeu: adulta? Entrando na terceira idade. Verdade que tenho uma pauta para anos de trabalho de campo, se houver oportunidade. Constatei coisas tristes também. Lembram o Vale do Javari, onde um jornalista inglês e um indigenista brasileiro foram assassinados? Pois bem, encontrei Beto Marubo, liderança na região, e ele me disse que os bandidos continuam dominando aquele pedaço da floresta. Há muitas questões na Amazônia que continuam insolúveis. A presença do crime organizado é uma delas. Será que os debates sobre segurança pública, tão ineficazes nas metrópoles, conseguirão abarcar a perda da soberania na floresta? Minha posição sobre a COP no âmbito político-diplomático é que debates sobre financiamento dificilmente avançam. E, quando avançam, não chegam bem na prática. A transição para energia limpa ainda encontra muita oposição nos produtores de petróleo. Aliás, em 1992 no Rio, nem conseguimos colocar os combustíveis fósseis na pauta. O único debate promissor é sobre a adaptação às mudanças climáticas. E não podia deixar de ser. Esta COP não discute mudanças futuras. Elas são uma realidade palpável e demandam um conjunto de instruções para todos os países, respeitando, é claro, as características locais. O que dizer para os pequenos Estados situados em ilhas do Pacífico e no Caribe? Já ultrapassamos a barreira de 1,5°C de elevação da temperatura. A partir daí é sinal vermelho para eles. E amarelo para quase todas as regiões costeiras do planeta.
Banco Master e PL Antifacção deixam Lula e Hugo Motta em rota de colisão Publicado em 20/11/2025 - 06:11 Luiz Carlos Azedo Brasília, Congresso, Economia, Eleições, Ética, Governo, Justiça, Partidos, Política, Política, Segurança, Terrorismo, Violência A crise do Master desmontou uma engrenagem de proteção política que vinha funcionando nos bastidores de Brasília. O banqueiro Daniel Vorcaro investiu pesado na construção de blindagem institucional A aprovação do PL Antifacção por 370 votos a 110, em meio à maior operação da Polícia Federal desde o início do governo Lula, pode ser um ponto de ruptura entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que estão em rota de colisão e trocam farpas pelas redes sociais. De um lado, uma derrota legislativa contundente em um tema tão sensível, a segurança pública, mostrou a fragilidade da base de apoio do governo na Câmara e pôs em xeque sua governabilidade. De outro, revelou o grau de infiltração do Banco Master no sistema político e financeiro, com ramificações que atingem diretamente o núcleo do Centrão que hoje comanda a Câmara. Acaso ou não, a coincidência temporal dos fatos elevou a temperatura política em Brasília, que só não está mais aquecida por causa do feriadão desta quinta-feira, Dia da Consciência Negra, dedicado a Zumbi dos Palmares. A semana foi curta, mas o suficiente para escancarar a deterioração acelerada da relação entre Lula e Motta. Por trás de tudo, segurança pública e escândalos financeiros se tornaram eixos de um conflito institucional mais profundo e de um divisor de águas eleitoral. Leia também: Após críticas de Lula, Motta diz que governo usa PL Antifacção para “criar falsas narrativas” A crise do Master desmontou uma engrenagem de proteção política que vinha funcionando nos bastidores de Brasília. O controlador do banco, Daniel Vorcaro, preso quando tentava embarcar em um jatinho para o exterior, investiu pesado na construção de blindagem institucional. Patrocinou eventos em Londres com a participação de autoridades e parlamentares influentes. Em Brasília, as digitais de Vorcaro apareceram em iniciativas legislativas destinadas a fragilizar a autonomia do Banco Central, entre elas o requerimento de urgência do deputado Cláudio Cajado (PP-BA), porta-voz da ala do Centrão que hoje trava guerra aberta contra o Planalto. Quando a PF deflagrou a operação que levou à prisão de Vorcaro, as reações na política foram imediatas. A revelação de que o banco movimentava cifras bilionárias de origem suspeita, recebia aportes de fundos de previdência estatais e mantinha relações com alvos da Operação Carbono Oculto acendeu todas as luzes de alerta no bloco União-PP, que domina a Câmara sob liderança de Hugo Motta. A percepção no Planalto é de que esse setor passou a ver a Polícia Federal como ameaça direta — o que ajuda a explicar o empenho de Motta em fortalecer um relator alinhado à oposição para o PL Antifacção: o deputado Guilherme Derrite (PP-SP). A relatoria de Derrite foi o catalisador do conflito. O governo enviou ao Congresso um projeto calibrado, que endurecia penas e ampliava mecanismos de investigação, mas preservava competências federais. Derrite tentou redesenhar o texto em várias versões sucessivas: quis subtrair atribuições da PF, transferindo poderes para polícias estaduais; defendeu conceitos jurídicos que poderiam gerar brechas para líderes de facção; estimulou a redação de dispositivos que, na avaliação de técnicos do Executivo, poderiam beneficiar criminosos. Para o Planalto, não se tratava apenas de divergências técnicas, mas de um movimento político organizado para enfraquecer a PF exatamente no momento em que operações sensíveis atingiam figuras centrais do Centrão e do mercado financeiro. Confronto aberto Hugo Motta disse a que veio como presidente da Câmara ao conduzir esse processo. Foi ele quem cacifou Derrite como relator, a pedido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu correligionário, e ignorou olimpicamente as objeções do governo. Também mostrou capacidade de liderança e mão firme ao aprovar, a toque de caixa, uma versão do projeto de lei que contraria frontalmente os interesses do Executivo. A larga margem de votos na votação final — mais de 70% da Casa — desnudou o isolamento do governo e a força da articulação conduzida por Motta. Para o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara assumiu posição de confronto deliberado, movido por uma ala do Centrão liderada pelos presidentes do PP, Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antônio Rueda. Ambos tentam impor ao governo derrotas estratégicas e, simultaneamente, criar mecanismos legislativos de contenção da Polícia Federal e blindagem dos parlamentares enrolados nos inquéritos sobre desvio de verbas de emendas parlamentares, que correm sob sigilo de justiça no Supremo Tribunal Federal (STF). A percepção de que as operações da PF poderiam avançar sobre políticos, governadores e fundos de previdência controlados por políticos do Centrão gerou a forte reação da Câmara, com uma narrativa política legitimadora centrada na segurança pública. Leia mais: PL Antifacção avança com tensão entre base aliada, governo e PF Foi assim que o PL Antifacção tornou-se o grande pomo da discórdia. Derrite havia dado uns três dribles a mais, mas recuou após forte reação técnica e pressão pública para o que era essencial do ponto de vista da oposição: deixar os crimes de colarinho-branco fora do endurecimento das penas e destinar parte do orçamento da segurança pública para os estados, em vez da Polícia Federal. Diante desse desfecho, a alternativa do governo é mitigar o projeto no Senado, cujo presidente, senador Davi Alcolumbre (União-AP), escolheu o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), um oposicionista moderado, para relatar o texto. Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo Compartilhe:
quinta-feira, 20 de novembro de 2025 A História e as suas camadas, por Ivan Alves Filho Por nossa casa no Rio de Janeiro transitavam, ao longo dos anos, Astrojildo Pereira, Nelson Werneck Sodré, Oscar Niemeyer, Domingos da Guia, Ismael Silva, Gerardo Mello Mourão, João Saldanha, Sílvio Caldas, Ferreira Gullar, Carlos Alberto Caó de Oliveira, Fernando Ferrari, Giocondo Dias e Luiz Carlos Prestes. Outros que eu não me recordo de ter visto lá em casa, mas que eram amigos de meu pai, e que eu também conheci, foram Prudente de Morais, neto, Doutel de Andrade, Benjamin Cabello e Alberto Passos Guimarães. Com o tempo, algumas dessas amizades foram sendo transferidas também para mim. E eu fui criando outras pela vida afora, naturalmente. Sem dúvida, o convívio com algumas figuras da Cultura e da vida social brasileira das últimas décadas foi fundamental para que eu desenvolvesse a minha noção de cidadania. Eu sabia que meu pai era amigo do escritor Nertan Macedo, homem representativo do conservadorismo e que ajudou muita gente em apuros depois de 1964. Mais: meu velho tinha amigos na União Democrática Nacional (UDN), a começar pelo próprio Carlos Lacerda. O ex-governador do então Estado da Guanabara foi quem salvou, inclusive, a vida de Astrojildo Pereira. Eu fui aprendendo que nós deveríamos combater ideias e não pessoas. E isso ficou dentro de mim, como uma lição para o resto da vida. Afinal, as pessoas mudam e as ideias também. Daí eu ser tão avesso talvez a polarizações. O Silvio Tendler dizia sempre para mim que nós nos relacionamos com pessoas e não com ideologias. A linha divisória se dá entre a civilização e a barbárie, aprendi com as obras do líder operário búlgaro Georgi Dimitrov. A vida é plural, daí ser fundamental levar sempre em conta os mais diferentes setores de opinião, com exceção dos que mergulham na corrupção, subtraindo recursos da economia popular, e dos que defendem os assassinatos e torturas daqueles que são diferentes deles. Os que assim procedem não defendem opinião alguma, apenas estampam interesses desumanos e mesquinhos. Crápulas não têm ideologia nem lado. A canalhice é a sua própria e real substância. Isso tem que ficar bem claro. Felizmente, a vida se compõe também de pessoas decentes. Aquele exemplo de Luiz Carlos Prestes rompendo o cordão de isolamento para abraçar Cordeiro de Farias, no centro do Rio de Janeiro, durante as comemorações do fim da Segunda Guerra, em 1945, chega a ser emblemático: Prestes acabava de sair da cadeia, após nove anos de sofrimento imposto pela ditadura de Getúlio Vargas, e Cordeiro voltava da campanha da FEB, na Itália, onde fora combater os fascistas alemães e italianos. A ação da FEB contra o fascismo internacional seria de extrema importância para o desmoronamento do Estado Novo entre nós. Os dois homens foram companheiros na epopeia da Coluna, divergiram depois, mas se respeitavam. Todas as grandes figuras que conheci na vida – a começar por aquelas citadas acima, desde a minha infância e adolescência – sempre tiveram como características a tolerância e a solidariedade. Ter lado não significa ser sectário ou apostar em polarizações próprias de uma época em que prevalece a mediocridade e o baixo nível cultural e moral dos chamados representantes populares. A História nada mais é do que transmissão de experiência, onde cada um de nós busca saber com exatidão seu lugar no mundo. Aprendi com o tempo que a História não é boa nem má – ela é, como dizia o romancista e crítico literário nigeriano Chinua Achebe. E isso implica em contradições. Enquanto memória coletiva, a História é uma ferramenta que contribui para compreender o funcionamento da sociedade – uma sociedade posta em movimento por pessoas de carne e osso. Nela, nada desaparece: a História sempre deixa marcas, tanto na paisagem quanto na alma das pessoas e em sua maneira de viver em sociedade. A História é feita de camadas, de estratos, e aí está a Arqueologia para provar isso. É extremamente preocupante esse envolvimento do mundo subterrâneo com as esferas do poder e das finanças. Formou-se no país uma verdadeira burguesia do crime: não adianta tapar o sol com a peneira. Na verdade, a aliança do lumpesinato, da bandidagem, com a alta burguesia foi o caldo de cultura do nazismo. Adolf Hitler e sua escória foram a materialização mais completa disso. Mas, antes dele, Luís Bonaparte já se valia das camadas excluídas para dar seu golpe de Estado, no final de 1851. O Brasil tem que voltar a nos interessar, entrar no nosso radar. O sentimento de brasilidade não pode ser abandonado por nós. O fato é que a mudança social saiu do nosso horizonte e tende a ser substituída por uma simples busca de ascensão individual. E a ausência de um projeto de nação reforça esse risco. Organizações sindicais, igrejas e até mesmo partidos políticos que antes se reivindicavam do campo progressista insistem há décadas nessa tecla individualista, na busca da chamada prosperidade, a qualquer preço. Tudo está sendo arrastado para "as águas geladas do cálculo egoísta". E isso nada tem que ver com a legítima procura pela melhoria das condições de vida. É pura e simplesmente fazer do homem uma extensão da mercadoria, alienando-o portanto cada vez mais, já que a sua força de trabalho só existe como fonte de lucros, e não como realização pessoal. E o projeto coletivo, consubstanciado no próprio projeto de nação, vai se perdendo. Desconhecer um país, seu povo e sua cultura, eis o primeiro passo para se desfazer dele. Hegel escreveu que “a primeira categoria da consciência histórica não é a lembrança: é a notícia, a espera, a promessa”. Isto é, a boa expectativa, a esperança. "O verbo da vida é andar" – e eu não me canso de repetir essa frase do escritor Álvaro Moreyra. E é caminhando sobre essas camadas de terra que cada um de nós escreve a sua história, deixando suas pegadas no chão. *Ivan Alves Filho, historiador

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