sábado, 8 de novembro de 2025
'Primeiro, conquistamos Manhattan', por Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo
Promessas de novo prefeito configuram programa tão ousado quanto arriscado
Mamdani não pode candidatar-se a presidente, mas lançou desafio a Trump
"Condenaram-me a vinte anos de tédio/ por tentar mudar o sistema por dentro/ Estou chegando agora, estou chegando para recompensá-los/ Primeiro, conquistamos Manhattan, depois conquistamos Berlim". O compositor Leonard Cohen escreveu o verso em 1987, para uma canção que definiu como tributo a "nossos terroristas, Jesus, Freud, Marx, Einstein". Zohran Mamdani nasceria apenas quatro anos depois, mas seu triunfo em Nova York parece a muitos uma confirmação: só o radicalismo salva.
Trump colheu derrotas em série na terça passada, um reflexo da queda livre de sua aprovação desde a posse (de +18% a -1% entre brancos, de -8% a – 37% entre hispânicos e de -37% a -76% entre negros). As vitórias democratas na Virginia e em Nova Jersey inscrevem-se na equação das pesquisas. Nova York, porém, descortinou a opção estratégica que divide os democratas: Cuomo, o pragmatismo centrista, ou Mamdani, o giro à esquerda. Interpreta-se, febrilmente, o resultado como lição.
Um ano atrás, Trump obteve na cidade a maior votação de um candidato presidencial republicano desde 1988, alcançando 30% dos votos. Às vésperas da eleição municipal, o presidente abandonou o candidato de seu partido para endossar Cuomo, contra o "lunático esquerdista" Mamdani.
Numa leitura superficial, pretendia ajudar a eleger o "mal menor". Uma segunda leitura sugere manobra mais sofisticada: como seu apoio é visto como kriptonita pela maioria dos eleitores democratas, a intenção seria incinerar o centrista a fim de exibir o rosto de Mamdani como a face do conjunto do Partido Democrata.
Mamdani descreve-se como um "democrata socialista". Em 2020, no rastro dos protestos de rua contra o assassinato de George Floyd, qualificou a polícia de Nova York como "racista, anti-queer e uma ameaça à segurança pública", clamando pelo "desfinanciamento" do departamento policial municipal. De lá para cá, desculpou-se e assegurou que repudia aquelas opiniões. Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí.
1 10
Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York
"Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí."
1 10
Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York "
sábado, 8 de novembro de 2025
Um populista em Nova York, por Thaís Oyama
O Globo
Ele optou por campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo que é o custo de vida na cidade
Não é todo dia que um socialista ganha uma eleição no coração do capitalismo prometendo deixar os ricos mais pobres. Reconhecido o fato extraordinário, é preciso ir devagar com o andor. Diferentemente do que têm afirmado políticos e comentaristas no Brasil, Zohran Mamdani não foi eleito prefeito de Nova York pela “classe trabalhadora”, nem sua vitória é uma prova de que a esquerda vence quando “é mais esquerda”.
O muçulmano nascido em Uganda numa família de artistas e intelectuais não foi erguido em triunfo pelos desvalidos — percentualmente, mais ricos (48%) votaram nele do que pobres (44%). Alavancaram a vitória de Mamdani sobretudo os jovens, em especial millennials com curso superior, moradores dos bairros hipsters do Brooklyn e do Queens.
Depois, Mamdani não ganhou porque “vestiu a utopia socialista”, como querem alguns, mas porque optou por uma campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo do custo de vida em Nova York, simultaneamente uma das cidades mais ricas e mais caras dos Estados Unidos.
Em outras palavras, Mamdani venceu, em primeiro lugar, porque lançou mão de uma plataforma populista; e, em segundo, porque soube se aproveitar do antitrumpismo sem cair na cilada de colocar a guerra cultural como vitrine de campanha. Não que renegue a cartilha identitária — é a sua, como mostraram seus ataques a Israel e as promessas de transformar Nova York em “santuário LGBTQIA+”. Mas, ideológica no estilo, a campanha de Mamdani foi pragmática na essência.
O custo de vida, em especial de moradia, aparece nas pesquisas como principal preocupação de sete em dez nova-iorquinos. A promessa de Mamdani de congelar o preço de 30% dos imóveis da cidade, chamados “estabilizados”, provou-se um formidável acerto eleitoral. Entre eleitores de até 29 anos que pagam aluguel, o democrata registrou vantagem de nada menos do que 50 pontos sobre o rival, Andrew Cuomo. No novo mundo prometido por Mamdani, tudo é mágica. Não apenas os aluguéis não sobem, mas os ônibus são de graça, as creches existem para todos, e os produtos de supermercado são baratos porque subsidiados. Para chegar a esse Éden, basta espremer os ricos.
Se a retórica do “nós contra eles”, do Estado justiceiro e do “gasto é vida” soa familiar, é porque é mesmo. Lula, em campanha para a reeleição, já deu fartas mostras de ter simpatias pelo caminho, o mesmo adotado nas eleições vitoriosas dos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis Arce, da Bolívia.
Estudo publicado na American Economic Review em 2023 por economistas do Instituto Kiel confirmou que o populismo costuma vicejar mais facilmente em lugares onde a economia vai mal; e, instalado, piora o que já estava ruim. O trabalho mostra que tanto as variantes de esquerda quanto de direita são danosas, mas que a primeira é mais. Feito em 60 países, o estudo conclui que, após 15 anos de liderança populista de direita, o PIB real por habitante fica 10% menor do que ficaria sob um governo não populista. Sob o populismo de esquerda, a perda chega a 15%.
No caso do experimento de Mamdani, no pior dos cenários ele poderá resultar em fuga de capitais e queda da arrecadação (lembrando que o 1% dos ricos malignos de Nova York foi responsável por 40% do total de impostos de renda municipais recolhidos em 2022). Poderá ainda provocar o aumento — e não a queda — do valor dos aluguéis, dado que o congelamento de preços tende a diminuir a oferta de imóveis num mercado já muito apertado. Isso sem falar no risco de deterioração de serviços públicos — andar de ônibus de graça não será exatamente uma delícia utópica se eles virarem lugares ameaçadores e abrigos de sem-teto, como aconteceu em cidades que adotaram a ideia.
O populismo, assim como o marxismo, encontra sua derrota tão logo vira prática. Mas, se não é bom para governar, serve muito bem para eleger, como comprovou o agora prefeito de Nova York.
Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 8 de novembro de 2025
Chamem o Juracy!
Entre Washington e a Ladeira: um retrato em branco e preto do Brasil que ainda sonha com espelhos estrangeiros — ao som de Moraes, Elis e a eterna Fascinação.
Juracy Magalhães, político-militar e ministro do Ministério das Relações Exteriores
Juracy Magalhães
24.º Governador da Bahia
Período 19 de setembro de 1931
até 10 de novembro de 1937
📰 Chamem o Juracy!
(Por J.M.P.R. Feraudy Marchetti )
Em 1964, Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington, selou com uma única frase uma era de submissão diplomática:
“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.”
Sessenta anos depois, ainda não sabemos se o eco parou de reverberar — ou se apenas mudou de frequência.
Quando os Estados Unidos mudam o discurso, o Brasil muda a legenda.
Quando a direita triunfa lá, a direita daqui afina o sotaque.
Quando a esquerda americana tropeça nas suas causas internas, a nossa esquerda se apressa em cair junto, como quem tem medo de destoar do roteiro global.
Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira
Moraes Moreira
🎵 Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira – Moraes Moreira / Pepeu Gomes
📎 Ouvir no YouTube
📄 Letra completa
(Enquanto o texto prossegue, a música surge como pano de fundo simbólico, evocando o movimento cíclico da história — o Brasil “descendo a ladeira” entre dependência e euforia, entre a festa e a queda.)
A política externa virou reflexo de um espelho cego — sempre voltado para o norte.
E cada vez que um novo Trump ameaça voltar, correm por aqui análises, previsões, torcidas, temores… como se a Casa Branca fosse o Congresso Nacional.
Talvez o verdadeiro legado de Juracy não esteja na frase, mas no reflexo: a tentação de olhar para fora antes de olhar para dentro.
De importar crises, slogans e soluções embaladas a vácuo, como se identidade nacional fosse um produto vencido.
🎵 Retrato em Branco e Preto – Elis Regina / Tom Jobim / Chico Buarque
📎 Ouvir no YouTube
📄 Letra completa
(A melodia entra suave, como se o passado se fotografasse em tons de cinza — lembrando as imagens de Juracy Magalhães de terno, sérias, hieráticas, refletindo um país que ainda se vê através de lentes alheias.)
📸 Retrato em PB de Juracy Magalhães de terno
Mas, convenhamos: há algo de tragicômico nisso tudo.
Porque no fundo, o Brasil parece ter feito da dependência um estilo — e da submissão, uma estética.
Assim, quando a política americana se refaz em novas modas, teorias e polarizações, o Brasil, pontual como sempre, se adianta:
prepara o discurso, ajusta o microfone e, com um sorriso diplomático, pergunta:
“E agora, o que é bom para os Estados Unidos?”
E lá do passado, uma voz cansada, mas ainda audível, sussurra entre as páginas amareladas da história:
“Chamem o Juracy.”
(A luz baixa. Entra a introdução da canção “Fascinação”, na voz de Elis Regina, com sua fala inicial — “Um dia o sonho acaba. Eu tô esperando acabar...”)
🎙️ Elis Regina (voz em gravação):
“Um dia o sonho acaba. Eu tô esperando acabar...”
🎵 Fascinação – M. de Feraudy / F.D. Marchetti
📎 Ouvir no YouTube
📄 Letra completa
(A música sobe lentamente. O texto termina com Elis cantando “És fascinação, amor” — enquanto o leitor é deixado entre a melancolia e a lucidez de um país que ainda sonha com espelhos estrangeiros.)
D
Libertação (com BaianaSystem part. Virgínia Rodrigues)
Elza Soares
Planeta Fome
Eu não vou sucumbir
Eu não vou sucumbir
Avisa na hora que tremer o chão
Amiga, é agora, segura a minha mão
A minha jangada, foi pro mar
Pra minha jogada arriscar
Eu não vou sucumbir
Eu não vou sucumbir
Avisa na hora que tremer o chão
Amigo, é agora, segura a minha mão
Você largou, largou, largou
Não tem solução
Agô, agô, agô é libertação
Compositor: Roosevelt Ribeiro de Carvalho (Russo Passapusso) (UBC)
Editor: Maquina de Louco (UBC)
Administração: Universal Music Publishing Ltda. (UBC)
Publicado em 2019 (12/Dez) e lançado em 2019 (15/Ago)
ECAD verificado obra #23020624 e fonograma #19847919 em 09/Abr/2024
sábado, 8 de novembro de 2025
'Primeiro, conquistamos Manhattan', por Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo
Promessas de novo prefeito configuram programa tão ousado quanto arriscado
Mamdani não pode candidatar-se a presidente, mas lançou desafio a Trump
"Condenaram-me a vinte anos de tédio/ por tentar mudar o sistema por dentro/ Estou chegando agora, estou chegando para recompensá-los/ Primeiro, conquistamos Manhattan, depois conquistamos Berlim". O compositor Leonard Cohen escreveu o verso em 1987, para uma canção que definiu como tributo a "nossos terroristas, Jesus, Freud, Marx, Einstein". Zohran Mamdani nasceria apenas quatro anos depois, mas seu triunfo em Nova York parece a muitos uma confirmação: só o radicalismo salva.
Trump colheu derrotas em série na terça passada, um reflexo da queda livre de sua aprovação desde a posse (de +18% a -1% entre brancos, de -8% a – 37% entre hispânicos e de -37% a -76% entre negros). As vitórias democratas na Virginia e em Nova Jersey inscrevem-se na equação das pesquisas. Nova York, porém, descortinou a opção estratégica que divide os democratas: Cuomo, o pragmatismo centrista, ou Mamdani, o giro à esquerda. Interpreta-se, febrilmente, o resultado como lição.
Um ano atrás, Trump obteve na cidade a maior votação de um candidato presidencial republicano desde 1988, alcançando 30% dos votos. Às vésperas da eleição municipal, o presidente abandonou o candidato de seu partido para endossar Cuomo, contra o "lunático esquerdista" Mamdani.
Numa leitura superficial, pretendia ajudar a eleger o "mal menor". Uma segunda leitura sugere manobra mais sofisticada: como seu apoio é visto como kriptonita pela maioria dos eleitores democratas, a intenção seria incinerar o centrista a fim de exibir o rosto de Mamdani como a face do conjunto do Partido Democrata.
Mamdani descreve-se como um "democrata socialista". Em 2020, no rastro dos protestos de rua contra o assassinato de George Floyd, qualificou a polícia de Nova York como "racista, anti-queer e uma ameaça à segurança pública", clamando pelo "desfinanciamento" do departamento policial municipal. De lá para cá, desculpou-se e assegurou que repudia aquelas opiniões. Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí.
1 10
Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York
"Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí."
1 10
Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York "
sábado, 8 de novembro de 2025
Um populista em Nova York, por Thaís Oyama
O Globo
Ele optou por campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo que é o custo de vida na cidade
Não é todo dia que um socialista ganha uma eleição no coração do capitalismo prometendo deixar os ricos mais pobres. Reconhecido o fato extraordinário, é preciso ir devagar com o andor. Diferentemente do que têm afirmado políticos e comentaristas no Brasil, Zohran Mamdani não foi eleito prefeito de Nova York pela “classe trabalhadora”, nem sua vitória é uma prova de que a esquerda vence quando “é mais esquerda”.
O muçulmano nascido em Uganda numa família de artistas e intelectuais não foi erguido em triunfo pelos desvalidos — percentualmente, mais ricos (48%) votaram nele do que pobres (44%). Alavancaram a vitória de Mamdani sobretudo os jovens, em especial millennials com curso superior, moradores dos bairros hipsters do Brooklyn e do Queens.
Depois, Mamdani não ganhou porque “vestiu a utopia socialista”, como querem alguns, mas porque optou por uma campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo do custo de vida em Nova York, simultaneamente uma das cidades mais ricas e mais caras dos Estados Unidos.
Em outras palavras, Mamdani venceu, em primeiro lugar, porque lançou mão de uma plataforma populista; e, em segundo, porque soube se aproveitar do antitrumpismo sem cair na cilada de colocar a guerra cultural como vitrine de campanha. Não que renegue a cartilha identitária — é a sua, como mostraram seus ataques a Israel e as promessas de transformar Nova York em “santuário LGBTQIA+”. Mas, ideológica no estilo, a campanha de Mamdani foi pragmática na essência.
O custo de vida, em especial de moradia, aparece nas pesquisas como principal preocupação de sete em dez nova-iorquinos. A promessa de Mamdani de congelar o preço de 30% dos imóveis da cidade, chamados “estabilizados”, provou-se um formidável acerto eleitoral. Entre eleitores de até 29 anos que pagam aluguel, o democrata registrou vantagem de nada menos do que 50 pontos sobre o rival, Andrew Cuomo. No novo mundo prometido por Mamdani, tudo é mágica. Não apenas os aluguéis não sobem, mas os ônibus são de graça, as creches existem para todos, e os produtos de supermercado são baratos porque subsidiados. Para chegar a esse Éden, basta espremer os ricos.
Se a retórica do “nós contra eles”, do Estado justiceiro e do “gasto é vida” soa familiar, é porque é mesmo. Lula, em campanha para a reeleição, já deu fartas mostras de ter simpatias pelo caminho, o mesmo adotado nas eleições vitoriosas dos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis Arce, da Bolívia.
Estudo publicado na American Economic Review em 2023 por economistas do Instituto Kiel confirmou que o populismo costuma vicejar mais facilmente em lugares onde a economia vai mal; e, instalado, piora o que já estava ruim. O trabalho mostra que tanto as variantes de esquerda quanto de direita são danosas, mas que a primeira é mais. Feito em 60 países, o estudo conclui que, após 15 anos de liderança populista de direita, o PIB real por habitante fica 10% menor do que ficaria sob um governo não populista. Sob o populismo de esquerda, a perda chega a 15%.
No caso do experimento de Mamdani, no pior dos cenários ele poderá resultar em fuga de capitais e queda da arrecadação (lembrando que o 1% dos ricos malignos de Nova York foi responsável por 40% do total de impostos de renda municipais recolhidos em 2022). Poderá ainda provocar o aumento — e não a queda — do valor dos aluguéis, dado que o congelamento de preços tende a diminuir a oferta de imóveis num mercado já muito apertado. Isso sem falar no risco de deterioração de serviços públicos — andar de ônibus de graça não será exatamente uma delícia utópica se eles virarem lugares ameaçadores e abrigos de sem-teto, como aconteceu em cidades que adotaram a ideia.
O populismo, assim como o marxismo, encontra sua derrota tão logo vira prática. Mas, se não é bom para governar, serve muito bem para eleger, como comprovou o agora prefeito de Nova York.
sábado, 8 de novembro de 2025
'Primeiro, conquistamos Manhattan', por Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo
Promessas de novo prefeito configuram programa tão ousado quanto arriscado
Mamdani não pode candidatar-se a presidente, mas lançou desafio a Trump
"Condenaram-me a vinte anos de tédio/ por tentar mudar o sistema por dentro/ Estou chegando agora, estou chegando para recompensá-los/ Primeiro, conquistamos Manhattan, depois conquistamos Berlim". O compositor Leonard Cohen escreveu o verso em 1987, para uma canção que definiu como tributo a "nossos terroristas, Jesus, Freud, Marx, Einstein". Zohran Mamdani nasceria apenas quatro anos depois, mas seu triunfo em Nova York parece a muitos uma confirmação: só o radicalismo salva.
Trump colheu derrotas em série na terça passada, um reflexo da queda livre de sua aprovação desde a posse (de +18% a -1% entre brancos, de -8% a – 37% entre hispânicos e de -37% a -76% entre negros). As vitórias democratas na Virginia e em Nova Jersey inscrevem-se na equação das pesquisas. Nova York, porém, descortinou a opção estratégica que divide os democratas: Cuomo, o pragmatismo centrista, ou Mamdani, o giro à esquerda. Interpreta-se, febrilmente, o resultado como lição.
Um ano atrás, Trump obteve na cidade a maior votação de um candidato presidencial republicano desde 1988, alcançando 30% dos votos. Às vésperas da eleição municipal, o presidente abandonou o candidato de seu partido para endossar Cuomo, contra o "lunático esquerdista" Mamdani.
Numa leitura superficial, pretendia ajudar a eleger o "mal menor". Uma segunda leitura sugere manobra mais sofisticada: como seu apoio é visto como kriptonita pela maioria dos eleitores democratas, a intenção seria incinerar o centrista a fim de exibir o rosto de Mamdani como a face do conjunto do Partido Democrata.
Mamdani descreve-se como um "democrata socialista". Em 2020, no rastro dos protestos de rua contra o assassinato de George Floyd, qualificou a polícia de Nova York como "racista, anti-queer e uma ameaça à segurança pública", clamando pelo "desfinanciamento" do departamento policial municipal. De lá para cá, desculpou-se e assegurou que repudia aquelas opiniões. Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí.
1 10
Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York
"Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí."
1 10
Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York "
sábado, 8 de novembro de 2025
Um populista em Nova York, por Thaís Oyama
O Globo
Ele optou por campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo que é o custo de vida na cidade
Não é todo dia que um socialista ganha uma eleição no coração do capitalismo prometendo deixar os ricos mais pobres. Reconhecido o fato extraordinário, é preciso ir devagar com o andor. Diferentemente do que têm afirmado políticos e comentaristas no Brasil, Zohran Mamdani não foi eleito prefeito de Nova York pela “classe trabalhadora”, nem sua vitória é uma prova de que a esquerda vence quando “é mais esquerda”.
O muçulmano nascido em Uganda numa família de artistas e intelectuais não foi erguido em triunfo pelos desvalidos — percentualmente, mais ricos (48%) votaram nele do que pobres (44%). Alavancaram a vitória de Mamdani sobretudo os jovens, em especial millennials com curso superior, moradores dos bairros hipsters do Brooklyn e do Queens.
Depois, Mamdani não ganhou porque “vestiu a utopia socialista”, como querem alguns, mas porque optou por uma campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo do custo de vida em Nova York, simultaneamente uma das cidades mais ricas e mais caras dos Estados Unidos.
Em outras palavras, Mamdani venceu, em primeiro lugar, porque lançou mão de uma plataforma populista; e, em segundo, porque soube se aproveitar do antitrumpismo sem cair na cilada de colocar a guerra cultural como vitrine de campanha. Não que renegue a cartilha identitária — é a sua, como mostraram seus ataques a Israel e as promessas de transformar Nova York em “santuário LGBTQIA+”. Mas, ideológica no estilo, a campanha de Mamdani foi pragmática na essência.
O custo de vida, em especial de moradia, aparece nas pesquisas como principal preocupação de sete em dez nova-iorquinos. A promessa de Mamdani de congelar o preço de 30% dos imóveis da cidade, chamados “estabilizados”, provou-se um formidável acerto eleitoral. Entre eleitores de até 29 anos que pagam aluguel, o democrata registrou vantagem de nada menos do que 50 pontos sobre o rival, Andrew Cuomo. No novo mundo prometido por Mamdani, tudo é mágica. Não apenas os aluguéis não sobem, mas os ônibus são de graça, as creches existem para todos, e os produtos de supermercado são baratos porque subsidiados. Para chegar a esse Éden, basta espremer os ricos.
Se a retórica do “nós contra eles”, do Estado justiceiro e do “gasto é vida” soa familiar, é porque é mesmo. Lula, em campanha para a reeleição, já deu fartas mostras de ter simpatias pelo caminho, o mesmo adotado nas eleições vitoriosas dos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis Arce, da Bolívia.
Estudo publicado na American Economic Review em 2023 por economistas do Instituto Kiel confirmou que o populismo costuma vicejar mais facilmente em lugares onde a economia vai mal; e, instalado, piora o que já estava ruim. O trabalho mostra que tanto as variantes de esquerda quanto de direita são danosas, mas que a primeira é mais. Feito em 60 países, o estudo conclui que, após 15 anos de liderança populista de direita, o PIB real por habitante fica 10% menor do que ficaria sob um governo não populista. Sob o populismo de esquerda, a perda chega a 15%.
No caso do experimento de Mamdani, no pior dos cenários ele poderá resultar em fuga de capitais e queda da arrecadação (lembrando que o 1% dos ricos malignos de Nova York foi responsável por 40% do total de impostos de renda municipais recolhidos em 2022). Poderá ainda provocar o aumento — e não a queda — do valor dos aluguéis, dado que o congelamento de preços tende a diminuir a oferta de imóveis num mercado já muito apertado. Isso sem falar no risco de deterioração de serviços públicos — andar de ônibus de graça não será exatamente uma delícia utópica se eles virarem lugares ameaçadores e abrigos de sem-teto, como aconteceu em cidades que adotaram a ideia.
O populismo, assim como o marxismo, encontra sua derrota tão logo vira prática. Mas, se não é bom para governar, serve muito bem para eleger, como comprovou o agora prefeito de Nova York.
Assinar:
Postar comentários (Atom)




Nenhum comentário:
Postar um comentário