sábado, 8 de novembro de 2025

Chamem o Juracy!

Entre Washington e a Ladeira: um retrato em branco e preto do Brasil que ainda sonha com espelhos estrangeiros — ao som de Moraes, Elis e a eterna Fascinação.
Juracy Magalhães, político-militar e ministro do Ministério das Relações Exteriores Juracy Magalhães 24.º Governador da Bahia Período 19 de setembro de 1931 até 10 de novembro de 1937 📰 Chamem o Juracy! (Por J.M.P.R. Feraudy Marchetti ) Em 1964, Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington, selou com uma única frase uma era de submissão diplomática: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.” Sessenta anos depois, ainda não sabemos se o eco parou de reverberar — ou se apenas mudou de frequência. Quando os Estados Unidos mudam o discurso, o Brasil muda a legenda. Quando a direita triunfa lá, a direita daqui afina o sotaque. Quando a esquerda americana tropeça nas suas causas internas, a nossa esquerda se apressa em cair junto, como quem tem medo de destoar do roteiro global. Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira Moraes Moreira 🎵 Lá Vem o Brasil Descendo a LadeiraMoraes Moreira / Pepeu Gomes 📎 Ouvir no YouTube 📄 Letra completa (Enquanto o texto prossegue, a música surge como pano de fundo simbólico, evocando o movimento cíclico da história — o Brasil “descendo a ladeira” entre dependência e euforia, entre a festa e a queda.) A política externa virou reflexo de um espelho cego — sempre voltado para o norte. E cada vez que um novo Trump ameaça voltar, correm por aqui análises, previsões, torcidas, temores… como se a Casa Branca fosse o Congresso Nacional. Talvez o verdadeiro legado de Juracy não esteja na frase, mas no reflexo: a tentação de olhar para fora antes de olhar para dentro. De importar crises, slogans e soluções embaladas a vácuo, como se identidade nacional fosse um produto vencido. 🎵 Retrato em Branco e PretoElis Regina / Tom Jobim / Chico Buarque 📎 Ouvir no YouTube 📄 Letra completa (A melodia entra suave, como se o passado se fotografasse em tons de cinza — lembrando as imagens de Juracy Magalhães de terno, sérias, hieráticas, refletindo um país que ainda se vê através de lentes alheias.)
📸 Retrato em PB de Juracy Magalhães de terno Mas, convenhamos: há algo de tragicômico nisso tudo. Porque no fundo, o Brasil parece ter feito da dependência um estilo — e da submissão, uma estética. Assim, quando a política americana se refaz em novas modas, teorias e polarizações, o Brasil, pontual como sempre, se adianta: prepara o discurso, ajusta o microfone e, com um sorriso diplomático, pergunta: “E agora, o que é bom para os Estados Unidos?” E lá do passado, uma voz cansada, mas ainda audível, sussurra entre as páginas amareladas da história: “Chamem o Juracy.” (A luz baixa. Entra a introdução da canção “Fascinação”, na voz de Elis Regina, com sua fala inicial — “Um dia o sonho acaba. Eu tô esperando acabar...”) 🎙️ Elis Regina (voz em gravação): “Um dia o sonho acaba. Eu tô esperando acabar...” 🎵 FascinaçãoM. de Feraudy / F.D. Marchetti 📎 Ouvir no YouTube 📄 Letra completa (A música sobe lentamente. O texto termina com Elis cantando “És fascinação, amor” — enquanto o leitor é deixado entre a melancolia e a lucidez de um país que ainda sonha com espelhos estrangeiros.) D Libertação (com BaianaSystem part. Virgínia Rodrigues) Elza Soares Planeta Fome Eu não vou sucumbir Eu não vou sucumbir Avisa na hora que tremer o chão Amiga, é agora, segura a minha mão A minha jangada, foi pro mar Pra minha jogada arriscar Eu não vou sucumbir Eu não vou sucumbir Avisa na hora que tremer o chão Amigo, é agora, segura a minha mão Você largou, largou, largou Não tem solução Agô, agô, agô é libertação Compositor: Roosevelt Ribeiro de Carvalho (Russo Passapusso) (UBC) Editor: Maquina de Louco (UBC) Administração: Universal Music Publishing Ltda. (UBC) Publicado em 2019 (12/Dez) e lançado em 2019 (15/Ago) ECAD verificado obra #23020624 e fonograma #19847919 em 09/Abr/2024
sábado, 8 de novembro de 2025 'Primeiro, conquistamos Manhattan', por Demétrio Magnoli Folha de S. Paulo Promessas de novo prefeito configuram programa tão ousado quanto arriscado Mamdani não pode candidatar-se a presidente, mas lançou desafio a Trump "Condenaram-me a vinte anos de tédio/ por tentar mudar o sistema por dentro/ Estou chegando agora, estou chegando para recompensá-los/ Primeiro, conquistamos Manhattan, depois conquistamos Berlim". O compositor Leonard Cohen escreveu o verso em 1987, para uma canção que definiu como tributo a "nossos terroristas, Jesus, Freud, Marx, Einstein". Zohran Mamdani nasceria apenas quatro anos depois, mas seu triunfo em Nova York parece a muitos uma confirmação: só o radicalismo salva. Trump colheu derrotas em série na terça passada, um reflexo da queda livre de sua aprovação desde a posse (de +18% a -1% entre brancos, de -8% a – 37% entre hispânicos e de -37% a -76% entre negros). As vitórias democratas na Virginia e em Nova Jersey inscrevem-se na equação das pesquisas. Nova York, porém, descortinou a opção estratégica que divide os democratas: Cuomo, o pragmatismo centrista, ou Mamdani, o giro à esquerda. Interpreta-se, febrilmente, o resultado como lição. Um ano atrás, Trump obteve na cidade a maior votação de um candidato presidencial republicano desde 1988, alcançando 30% dos votos. Às vésperas da eleição municipal, o presidente abandonou o candidato de seu partido para endossar Cuomo, contra o "lunático esquerdista" Mamdani. Numa leitura superficial, pretendia ajudar a eleger o "mal menor". Uma segunda leitura sugere manobra mais sofisticada: como seu apoio é visto como kriptonita pela maioria dos eleitores democratas, a intenção seria incinerar o centrista a fim de exibir o rosto de Mamdani como a face do conjunto do Partido Democrata. Mamdani descreve-se como um "democrata socialista". Em 2020, no rastro dos protestos de rua contra o assassinato de George Floyd, qualificou a polícia de Nova York como "racista, anti-queer e uma ameaça à segurança pública", clamando pelo "desfinanciamento" do departamento policial municipal. De lá para cá, desculpou-se e assegurou que repudia aquelas opiniões. Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí. 1 10 Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York
"Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí." 1 10 Este é o democrata Zohran Mamdani, novo prefeito de Nova York "
sábado, 8 de novembro de 2025 Um populista em Nova York, por Thaís Oyama
O Globo Ele optou por campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo que é o custo de vida na cidade Não é todo dia que um socialista ganha uma eleição no coração do capitalismo prometendo deixar os ricos mais pobres. Reconhecido o fato extraordinário, é preciso ir devagar com o andor. Diferentemente do que têm afirmado políticos e comentaristas no Brasil, Zohran Mamdani não foi eleito prefeito de Nova York pela “classe trabalhadora”, nem sua vitória é uma prova de que a esquerda vence quando “é mais esquerda”. O muçulmano nascido em Uganda numa família de artistas e intelectuais não foi erguido em triunfo pelos desvalidos — percentualmente, mais ricos (48%) votaram nele do que pobres (44%). Alavancaram a vitória de Mamdani sobretudo os jovens, em especial millennials com curso superior, moradores dos bairros hipsters do Brooklyn e do Queens. Depois, Mamdani não ganhou porque “vestiu a utopia socialista”, como querem alguns, mas porque optou por uma campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo do custo de vida em Nova York, simultaneamente uma das cidades mais ricas e mais caras dos Estados Unidos. Em outras palavras, Mamdani venceu, em primeiro lugar, porque lançou mão de uma plataforma populista; e, em segundo, porque soube se aproveitar do antitrumpismo sem cair na cilada de colocar a guerra cultural como vitrine de campanha. Não que renegue a cartilha identitária — é a sua, como mostraram seus ataques a Israel e as promessas de transformar Nova York em “santuário LGBTQIA+”. Mas, ideológica no estilo, a campanha de Mamdani foi pragmática na essência. O custo de vida, em especial de moradia, aparece nas pesquisas como principal preocupação de sete em dez nova-iorquinos. A promessa de Mamdani de congelar o preço de 30% dos imóveis da cidade, chamados “estabilizados”, provou-se um formidável acerto eleitoral. Entre eleitores de até 29 anos que pagam aluguel, o democrata registrou vantagem de nada menos do que 50 pontos sobre o rival, Andrew Cuomo. No novo mundo prometido por Mamdani, tudo é mágica. Não apenas os aluguéis não sobem, mas os ônibus são de graça, as creches existem para todos, e os produtos de supermercado são baratos porque subsidiados. Para chegar a esse Éden, basta espremer os ricos. Se a retórica do “nós contra eles”, do Estado justiceiro e do “gasto é vida” soa familiar, é porque é mesmo. Lula, em campanha para a reeleição, já deu fartas mostras de ter simpatias pelo caminho, o mesmo adotado nas eleições vitoriosas dos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis Arce, da Bolívia. Estudo publicado na American Economic Review em 2023 por economistas do Instituto Kiel confirmou que o populismo costuma vicejar mais facilmente em lugares onde a economia vai mal; e, instalado, piora o que já estava ruim. O trabalho mostra que tanto as variantes de esquerda quanto de direita são danosas, mas que a primeira é mais. Feito em 60 países, o estudo conclui que, após 15 anos de liderança populista de direita, o PIB real por habitante fica 10% menor do que ficaria sob um governo não populista. Sob o populismo de esquerda, a perda chega a 15%. No caso do experimento de Mamdani, no pior dos cenários ele poderá resultar em fuga de capitais e queda da arrecadação (lembrando que o 1% dos ricos malignos de Nova York foi responsável por 40% do total de impostos de renda municipais recolhidos em 2022). Poderá ainda provocar o aumento — e não a queda — do valor dos aluguéis, dado que o congelamento de preços tende a diminuir a oferta de imóveis num mercado já muito apertado. Isso sem falar no risco de deterioração de serviços públicos — andar de ônibus de graça não será exatamente uma delícia utópica se eles virarem lugares ameaçadores e abrigos de sem-teto, como aconteceu em cidades que adotaram a ideia. O populismo, assim como o marxismo, encontra sua derrota tão logo vira prática. Mas, se não é bom para governar, serve muito bem para eleger, como comprovou o agora prefeito de Nova York.

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