quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Noites Cariocas em Museu de Percurso

O 'Noites Cariocas', no Morro da Urca, vai voltar em 2022 Mortus fictus, mas ubíquos: eis o paradoxo mais machadiano da vida pública tropical Um percurso sobre os “defuntos” que insistem em andar — e influir — pelos corredores da República “No Brasil, certas figuras não se despedem; apenas mudam de estratégia, como almas velhas habituadas a puxar cadeiras na sala alheia.” — à maneira de Machado Noites Cariocas, Ao vivo no Municipal (Álbum completo, FULL) Noites Cariocas em Museu de Percurso (com a cadência de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=3sNlXEzyots I — Paradigmas, alfarrábios e outros fantasmas úteis “Paradigma” e “alfarrábio” são palavras que não se tocam, exceto quando convocadas para explicar o Brasil. Paradigma é modelo, padrão, farol; alfarrábio, livro velho, desimportante, às vezes mofado. Entre ambos, a história nacional parece oscilar como um bandolim sob a luz amarela dos postes da Lapa: ora busca referência, ora se perde em manuscritos gastos que insistem em regressar às prateleiras. Nada mais natural, portanto, que recorrer a essa dupla para compreender como figuras políticas ora ressuscitam, ora são soterradas por sua própria ubiquidade — mortas, mas presentes; derrotadas, mas ruidosas; juridicamente encerradas, porém politicamente assombrando salões. II — Dirceu e o breve triunfo dos embargos infringentes No grande museu de percurso que é a vida institucional brasileira, José Dirceu ganhou, em 2014, uma sala inesperada: a absolvição por formação de quadrilha graças aos embargos infringentes no julgamento do mensalão. A decisão apertada — 6 a 5 — retirou-lhe a pecha de “chefe de organização criminosa”, embora mantivesse outras condenações. Foi a última aparição de um certo paradigma: o de que, havendo divergência mínima, a porta da revisão se abrira como no romance de um pragmatismo jurídico tropical. III — Dilma Rousseff e o fatiamento que virou marca registrada Dois anos depois, em 2016, o Senado protagonizou uma invenção que faria corar até um discípulo tardio de Quincas Borba: o “fatiamento” da pena no impeachment de Dilma Rousseff. Cassou-se o mandato; preservaram-se os direitos políticos. Uma heterodoxia? Sem dúvida. Um artifício político-jurídico reconhecível apenas em repúblicas onde paradigmas mudam mais depressa que prefeitos de verão. Permitiu-lhe disputar o Senado por Minas, em 2018 — tentativa sem êxito, mas emblemática do modo como o país trata seus personagens públicos: nunca completamente vencidos, nunca completamente livres. IV — Bolsonaro: o paradigma que não virou alfarrábio O contraste com o capítulo mais recente é radical. Jair Bolsonaro, embora tenha atravessado o mandato ileso de pedidos de impeachment graças a maiorias circunstanciais e à inércia da Procuradoria-Geral da República, encontrou em 2025 o limite do velho padrão de impunidade. Condenado por tentativa de golpe, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa e crimes correlatos, viu o STF formar unanimidade: 5 a 0 na Primeira Turma. Sem divergência, não houve embargos infringentes. A porta que se abrira para Dirceu se fechou antes mesmo de ser tocada. O trânsito em julgado transformou o ex-presidente em um mortus fictus político: morto para o voto, mas ubíquo nos discursos de seus seguidores, que agora pleiteiam anistias e indulgências tardias. Pela Lei da Ficha Limpa, sua inelegibilidade se estende muito além do cumprimento da pena — décadas, talvez uma vida inteira. Não concorrerá ao Senado por São Paulo, tampouco por qualquer outro estado. O paradigma mudou; o alfarrábio ficou na estante. V — Da cultura do golpe à execução das penas O texto de Luiz Carlos Azedo, no Correio Braziliense, descreve esse momento como a entrada definitiva do país em um “novo paradigma”: o da responsabilização real, não simbólica, de autoridades que tentam subverter a ordem constitucional. Pela primeira vez, generais de quatro estrelas, um ex-presidente e altas figuras civis cumprem penas efetivas. Não é apenas a execução de sentenças; é o rompimento com um século de leniência com o golpismo, de 1930 a 1964, de 1979 a 1985. Se esse paradigma se manterá ou acabará como mais um alfarrábio esquecido — eis o ponto de tensão que paira sobre o julgamento futuro no Superior Tribunal Militar e sobre as tentativas de anistia no Congresso. VI — Conclusão: entre defuntos e onipresenças A história brasileira mostra que raramente enterramos nossos fantasmas. A cada ciclo, ressurgem com nova maquiagem, novo partido, novo discurso — “mortus fictus, mas ubíquos”. O Brasil de Machado ainda vive em nós: o país onde personagens derrotados insistem em caminhar pelas páginas seguintes, e onde a política parece sempre tocar um choro antigo, daqueles que Jacob do Bandolim dedilhava nas noites cariocas — melodias em que o passado nunca termina, apenas muda de tom. Noites Cariocas Jacob do Bandolim Sei que ao meu coração só lhe resta escolher Os caminhos que a dor sutilmente traçou Para lhe aprisionar Nem lhe cabe sonhar com o que definhou Vou me repreender pra não mais me envolver Nessas tramas de amor Eu bem sei que nós dois somos bem desiguais Para que martelar, insistir, reprisar Tanto faz, tanto fez Eu por mim desisti, me cansei de fugir Eu por mim decretei que fali, e daí? Eu jurei para mim não botar nunca mais Minhas mãos pelos pés Mas que tanta mentira eu ando pregando Supondo talvez me enganar Mas que tanta crueza Se em mim a certeza é maior do que tudo o que há Todas as vezes que eu sonho É você que me rouba a justeza do sono É você quem invade bem sonso e covarde As noites que eu tento dormir meio em paz Sei que mais cedo ou mais tarde Vou ter que expulsar todo o mal Que você me rogou Custe o que me custar Vou desanuviar toda a dor que você me causou Eu vou me redimir e existir, mas sem ter que ouvir As mentiras mais loucas Que alguém já pregou nesse mundo pra mim Sei que mais cedo ou mais tarde Vai ter um covarde pedindo perdão Mas sei também que o meu coração Não vai querer se curvar só de humilhação Composição: Jacob Do Bandolim / Hermínio Bello de Carvalho.

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