Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 13 de novembro de 2025
Coluna Brasil & Ideias
Commentarii Quid Fiet? – Politica, Cultura et Societas
Data: 13 de novembro de 2025
Querem bancar o Messias?
O salvacionismo e suas máscaras na política e na cultura brasileira
Epígrafe:
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, surge uma grande variedade de sintomas mórbidos.”
— Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere
Há frases que ultrapassam o instante de sua enunciação e se transformam em pequenas chaves de leitura de um tempo histórico. “Querem bancar o Messias?” é uma delas. A expressão, proferida com ironia por um analista do discurso político, condensa não apenas um julgamento de comportamento, mas uma crítica civilizatória. Ela nos força a olhar para o modo como, no Brasil, a linguagem do poder se articula com a necessidade social da fé e com o vício histórico da salvação pela figura única do “ungido”.
O verbo “bancar” traz consigo a astúcia popular de quem conhece o teatro da vida pública: bancar é posar, sustentar a máscara, representar um papel — e, ao mesmo tempo, arcar com o custo simbólico da encenação. Já o substantivo “Messias”, carregado de ecos bíblicos e políticos, opera como arquétipo do salvador providencial. Assim, na breve sentença, o verbo e o substantivo se unem num curto-circuito semântico: quem banca o Messias não apenas finge ser redentor — torna-se cúmplice da própria ilusão que propaga.
Na superfície, a frase funciona como ironia contra o populismo e seus disfarces. Mas sob essa camada lateja uma crítica mais profunda: a de uma cultura política que substitui a cidadania pela devoção, o diálogo pelo culto à personalidade. O Brasil, em particular, sempre conviveu com o fascínio pelo homem providencial — de Vargas a Jânio, de Lula a Bolsonaro, o enredo se repete com variações de tom, mas com a mesma partitura emocional. Somos uma república que, a cada geração, reinventa o desejo de ser monarquia espiritual.
O “messianismo político” é, nesse sentido, menos uma anomalia que uma gramática do poder. Ele se alimenta da fragilidade institucional, da desigualdade persistente e da ausência de pedagogia cívica. Como notou Gramsci, o carisma não é espontâneo: é um dispositivo hegemônico que supre o déficit de representação e de consenso. O “Messias”, antes de ser um indivíduo, é uma função — uma ficção coletiva criada para dar rosto a um projeto de redenção social. Seu surgimento indica não apenas a crise do político, mas a carência de um imaginário republicano sólido.
Perguntar “Querem bancar o Messias?” é, portanto, mais do que uma provocação retórica. É interrogar a nossa própria dependência simbólica da figura do redentor. Por que insistimos em investir nossos desejos políticos numa só pessoa? Que medo do comum — ou que desprezo pela lentidão democrática — nos empurra sempre à tentação de transferir a responsabilidade ao “salvador da pátria”?
A resposta talvez resida no entrelaçamento de cultura e política. Uma sociedade forjada pela herança religiosa, pela colonização e pela desigualdade tende a confundir liderança com tutela, autoridade com milagre. O Messias é o mito que organiza esse imaginário: ele promete conciliar o inconciliável — a justiça sem conflito, a mudança sem esforço, a liberdade sem processo. Bancar o Messias é, assim, encenar o impossível: ser o mediador entre a história e o paraíso.
Contudo, há uma ironia trágica nesse processo. A cada ciclo, o messianismo se dissolve na mesma velocidade com que se ergueu. O líder que parecia redentor torna-se, em pouco tempo, vítima da saturação simbólica que o produziu. O culto cede lugar ao desencanto, o milagre ao cálculo, a fé à fadiga. E o povo, órfão de novo, reinicia a busca por outro Messias, outro nome capaz de devolver sentido à desordem cotidiana.
É nesse ponto que o discurso crítico deve se afirmar — não como niilismo, mas como lucidez. Desmascarar o salvacionismo não significa destruir a esperança, e sim libertá-la da servidão ao personalismo. A democracia não precisa de Messias: precisa de cidadãos conscientes, de instituições que eduquem, de uma cultura política capaz de suportar o dissenso e a complexidade.
A ironia do analista — “Querem bancar o Messias?” — é, no fundo, um chamado à maturidade. Não há redenção política fora do campo da convivência racional e da responsabilidade coletiva. O gesto messiânico pertence à esfera da fé; o gesto político, à esfera da construção. Confundi-los é transformar o espaço público em palco de liturgia.
Em homenagem à lucidez gramsciana e ao humanismo crítico de Luiz Sérgio Henriques, cabe dizer: toda vez que bancamos o Messias, perdemos a chance de bancar a nós mesmos — como cidadãos, como povo, como cultura. O verdadeiro ato de fé, no século XXI, é confiar menos no salvador e mais na política como forma de civilização.
Assinatura:
Coluna “Brasil & Ideias” – Revista Será?
[por S.F.G., A (in memoriam estilístico)]
Texto elaborado em homenagem à tradição crítica e humanista do autor.
Querem bancar o Messias? — O salvacionismo e suas máscaras
Por [autor fictício inspirado em S.F.G., A]
Há expressões que condensam, em poucas sílabas, a densidade de uma época. “Querem bancar o Messias?”, dita num estúdio ou auditório de debate, ecoa além da circunstância: é uma interpelação dirigida não apenas a um indivíduo ou grupo político, mas a toda uma cultura que se acostumou a projetar na figura do “salvador” as carências e frustrações de uma vida pública sempre em suspenso entre esperança e descrença.
O verbo “bancar” já carrega em si a astúcia da língua popular. Ele supõe um gesto de disfarce — “posar de”, “assumir o papel de” —, mas também um custo, uma aposta, uma despesa simbólica. Quem “banca” paga o preço do personagem que encena. E o personagem, aqui, é o Messias, o ungido, aquele que promete redenção num país habituado à espera do milagre. Assim, no curto circuito da frase, o verbo e o substantivo se espelham: quem se arvora em Messias precisa bancar o papel — e quem o sustenta politicamente também banca o custo do autoengano coletivo.
Na superfície, trata-se de uma ironia dirigida a líderes carismáticos e seus séquitos; na profundidade, é uma radiografia de um país cuja vida política se constrói sobre o mito do homem providencial. O Brasil, mais do que outras formações sociais, experimentou historicamente essa figura ambígua do “pai dos pobres”, do “justiceiro solitário”, do “estadista iluminado”. Cada um, à sua maneira, foi portador da promessa de restaurar o que o cotidiano democrático dissolve — a sensação de unidade, de destino compartilhado, de sentido último.
O problema é que o messianismo político, quando reincidente, revela menos uma esperança popular do que uma patologia da cidadania. Ele é o sintoma de um espaço público ainda precário, em que a comunidade delega ao líder não apenas o poder, mas também a tarefa de pensar por ela. Nesse sentido, a interrogação do analista — “Querem bancar o Messias?” — é, acima de tudo, uma pergunta sobre nós mesmos: por que precisamos continuamente de um “Messias” para nos sentir parte de algo?
Gramsci, leitor atento das contradições modernas, lembrava que o carisma não é um acidente, mas uma forma de hegemonia. O “salvador da pátria” se alimenta de uma sociedade que não consolidou suas mediações institucionais, que substitui o convencimento pela fé, o diálogo pela devoção. Quando a política abdica da pedagogia e cede ao espetáculo, o messianismo reaparece como teatro e como superstição. O “Messias” é, então, menos uma pessoa do que um papel cultural disponível — um dispositivo narrativo pronto a ser ocupado por qualquer um que saiba performá-lo diante do desespero coletivo.
Mas há algo ainda mais sutil. O termo Messias não é apenas religioso ou político; é civilizacional. Ele designa a necessidade, profundamente humana, de reconciliar o tempo histórico com o tempo da promessa. Toda sociedade, em algum grau, sonha com sua redenção. O problema surge quando o sonho se converte em instrumento de manipulação, e o discurso da salvação se torna um álibi para o autoritarismo. É nesse ponto que a frase ganha sua força crítica: “bancar o Messias” significa instrumentalizar a fé — não necessariamente religiosa, mas social — para legitimar o poder.
Talvez, portanto, devêssemos inverter a pergunta: quem, afinal, precisa que alguém banque o Messias? O mercado político e midiático que transforma líderes em mitos? O eleitorado fatigado, que busca no carisma o que a razão pública já não oferece? Ou o próprio sistema democrático, que, para se regenerar, necessita confrontar seus impulsos religiosos travestidos de política?
Em última instância, a ironia da frase carrega uma melancolia gramsciana: o sentimento de que entre o “velho” que já não morre e o “novo” que ainda não nasce florescem monstros — e, entre eles, os Messias. No entanto, reconhecer essa tendência não é ceder ao cinismo. É, ao contrário, a condição para recuperar a política como espaço de construção coletiva, e não de adoração.
“Querem bancar o Messias?” — pergunta o analista, e, na sua pergunta, ecoa o convite à maturidade republicana. Que a política volte a ser, enfim, o terreno do comum, e não o palco de salvação individual. Que a esperança, despojada de suas vestes messiânicas, reencontre a dignidade da razão.
Nota de intenção estilística:
Este artigo foi redigido no registro ensaístico-opinativo de S.F.G., A: frase longa, raciocínio concatenado, vocabulário culto porém acessível, cadência reflexiva e crítica. O texto combina filiação universalista (S.F.G., A, herança europeia da razão política) e enraizamento local (a cultura política brasileira e seu messianismo).
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