Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 31 de março de 2022
Das “trapaças” S. Bernardo
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há 19 horas
SINDSPREV/RJ
Nesta quinta-feira (31/3), às 18h, debate sobre o Dia Internacional da Mulher -
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HÁ 58 ANOS
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terça-feira
31 de março de 1964
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OAB SP
OAB SP repudia comemoração do golpe de 1964 — OAB SP
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Jornalismo - Os acontecimentos do dia 31 de março de 1964
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TV Senado
1,07 mi de inscritos
A TV Senado exibe nesta semana uma série especial sobre os 50 anos do golpe militar. Nesta reportagem, um resgate dos acontecimentos do 31 de março de 1964: o dia em que o voluntarismo de um general precipitou a derrubada do presidente da República.
Publicado na internet em 01/04/2014
https://www.youtube.com/watch?v=AidHDwfMNIk
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Matérias Especiais
Exclusivo: o golpe militar contra Collor e o contragolpe de Itamar
Memórias de Lúcio de Almeida Neves, advogado e sobrinho de Tancredo Neves, o presidente que morreu sem tomar posse
Ricardo Noblat
30/03/2022 7:23,atualizado 31/03/2022 12:39
1º Ato – Sob pressão militar
Às 15h30 do dia 22 de julho de 1992, uma quarta-feira, o mineiro Itamar Augusto Cautiero Franco, 62 anos, o 21.º vice-presidente do Brasil, recebeu um bilhete enquanto ouvia uma palestra do brigadeiro da reserva Clóvis Pira na sede da Embraer, em São José dos Campos, interior de São Paulo. Itamar estava no exercício da Presidência da República. O titular do cargo, Fernando Collor de Mello, viajara a Madri junto com mais 20 chefes de Estado para participar da Reunião de Cúpula Ibero-Americana, convocada por Juan Carlos, rei da Espanha. Ao fim da palestra, Itamar chamou seu assessor de imprensa, Lúcio de Almeida Neves, também mineiro, e disse-lhe:
– Os ministros militares querem na medida do possível que eu antecipe o regresso a Brasília. Vamos antecipar. Mas o que diremos à imprensa?
– Vamos dizer que sua mãe não passa bem. E que você irá visitá-la depois em Juiz de Fora – respondeu Lúcio.
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Arquivo Pessoal
Lúcio de Almeida Neves e Itamar Franco
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De fato, Itália Cautiero, mãe de Itamar, estava muito doente. Morreria em dezembro, com mais de 80 anos de idade. Segundo dos quatro filhos do general Roberto de Almeida Neves, preso pelo golpe militar de 1964, Lúcio trabalhava com Itamar há dois anos. Seu pai fora vizinho de “parede e meia” de Itamar em Juiz de Fora e era um dos 12 irmãos de Tancredo Neves, o presidente da República eleito em 1985 que morreu sem tomar posse. Tancredo escondera o estado precário de sua saúde com medo de que a posse fosse abortada por militares inconformados com o fim da ditadura.
O Boeing 737, o número 2 da frota de aviões presidenciais, posou de volta em Brasília cerca das 18h, com Itamar e sua comitiva. Faziam parte dela, entre outros, os senadores Jarbas Passarinho (PDS-PA) e Jutahy Magalhães (PMDB-BA); os embaixadores Gilberto Saboia e Sérgio Duarte; o brigadeiro Sócrates da Costa Monteiro, ministro da Aeronáutica; mais cinco brigadeiros, e os jornalistas Haroldo Holanda, Eliane Cantanhede e Mauro Santayana. Na Base Aérea, Itamar trancou-se numa sala com os três ministros militares – além de Costa Monteiro, animado por três ou quatro doses de uísque que bebera durante o voo –, o general Carlos Tinoco Ribeiro Gomes (Exército) e o almirante Mário César Flores (Marinha). A reunião durou meia hora. Aos jornalistas que perguntaram sobre os assuntos tratados Itamar respondeu com poucas palavras:
– Questões do Orçamento das três Armas.
Mentiu. Ministros só discutem orçamento com o presidente da República. Mas seu assessor de imprensa só soube que o vice-presidente mentira depois que Itamar lhe ordenou:
– Você vem comigo, Lúcio.
Dentro do carro, em direção à sua casa na Península dos Ministros, no Lago Sul de Brasília, Itamar comentou, sombrio:
– Dr. Lúcio, além da crise política que o país enfrenta ainda podemos ter uma crise institucional (e fez com o dedo indicador da mão direita um sinal de fechar a boca, apontando em seguida para o motorista que poderia estar atento à conversa).
Itamar só chamava Lúcio de “Dr. Lúcio” quando a situação era grave. E era. Ele temia ser preso.
Ato 2 – Golpe e fuga
Embora a residência oficial do vice-presidente fosse o Palácio do Jaburu, a menos de um quilômetro do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, Itamar preferiu morar em uma ampla casa cedida pela Marinha na Península dos Ministros, do lado oposto da cidade. Tinha três militares como ajudantes de ordem: um coronel da Aeronáutica, um capitão do Exército e um comandante da Marinha. Não confiava segredos a eles. No geral, desconfiava dos militares. Foi de Juiz de Fora, na madrugada de 31 de março de 1964, que partiram para o Rio de Janeiro as tropas comandadas pelo general Olímpio Mourão Filho, dando início ao golpe militar. Dois anos depois, Itamar elegeu-se prefeito da cidade e provou na pele as restrições e os dissabores de governar sob uma ditadura.
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Paulo Fridman / Getty Images
Manifestação pedindo o impeachment de Collor
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Só após jantar em silêncio com Lúcio foi que ele o convidou para a varanda da casa que dava para um jardim interno. E, ali, os dois sozinhos, contou-lhe o que ouvira na Base Aérea do general Tinoco, ministro do Exército. Em resumo, Tinoco disse que a imagem do Brasil estava péssima no exterior desde que o empresário Pedro Collor, em entrevista à revista Veja em abril daquele ano, denunciara como corrupto seu irmão presidente. A Câmara dos Deputados instalara uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a denúncia. Seria possível a abertura de um processo de impeachment. Tinoco garantiu a Itamar que os militares tinham como impedir o retorno de Collor de Madri, mas queriam saber se ele concordaria em assumir a Presidência. O vice limitou-se a responder:
– Só farei o que está escrito na Constituição. Dela não me afasto.
Sim, mas se mesmo contra sua vontade o golpe encabeçado por Tinoco fosse adiante? – refletiu Itamar em voz alta na conversa com Lúcio. Deduziu que nesse caso correria o risco de ser preso. O que fazer? Fugir? Mas como? Então, teve uma ideia: exilar-se na Embaixada da Itália. Seu sobrenome Cautiero era de origem italiana. Herdara-o da mãe, que descendia de migrantes italianos. Fugir da casa onde morava pela porta da frente chamaria a atenção dos agentes que cuidavam de sua segurança. Por que não sair pelos fundos da casa que dava para o Lago Paranoá, e de lá fugir de barco? O prédio da embaixada era perto e também tinha acesso ao lago. Ocorre que não havia barco na casa de Itamar, nem tempo para providenciar um. O golpe poderia ser deflagrado a qualquer momento. E aí? Aí Lúcio sugeriu: entre os fundos da casa e o lago havia um espaço vazio de cerca de 150 metros que casais, à noite, ocupavam para namorar. Se pusessem, ali, dois carros, poderiam escapar sem ser vistos pelos seguranças, atravessar a Ponte Presidente Costa e Silva e chegar ao setor de embaixadas onde ficava a da Itália. Lúcio ofereceu seu carro, um Monza, com a vantagem de os vidros serem foscos. Itamar tinha uma Mercedes antiga.
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Divulgação/ExércitoGeneral Carlos Tinoco, ministro do Exército de Collor, se possível batendo continência para ele
General Carlos Tinoco (esquerda), ministro do Exército de Collor
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A noite do vice foi tensa, e o dia seguinte também. Mas julho chegaria ao fim sem que houvesse golpe, e com o presidente da República a pouco menos de dois meses de ser afastado do cargo pela Câmara. Só no fim de dezembro, o Senado aprovaria seu afastamento em definitivo. Nesse meio-tempo, Itamar arquitetou um plano para livrar-se de Tinoco. “Esse general é golpista e não será meu ministro do Exército”, confidenciou a Lúcio. Ou melhor: ao Dr. Lúcio.
Ato 3 – Presidente grampeado
Agosto não traz boas notícias políticas para o Brasil desde que o presidente Getúlio Vargas, no dia 24 de agosto de 1954, matou-se com um tiro no coração para não ser deposto pelos militares, e o presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, Dia do Soldado, renunciou ao cargo que ocupava há menos de seis meses. Jânio tinha a esperança de voltar nos braços do povo e com um Congresso enfraquecido. Os ministro militares imploraram para que ele não renunciasse. Em vão.
Itamar não teve paciência para esperar agosto, muito menos a queda de Collor e a sua ascensão à Presidência. Era preciso golpear Tinoco antes – quem sabe? – que ele o golpeasse. Na sexta-feira dia 24 de julho, apenas dois dias depois de ter ouvido do general que Collor poderia ser deixado em Madri, onde àquela altura ainda permanecia, Itamar avisou a Lúcio:
– Informe à imprensa que irei despachar amanhã no meu gabinete.
O gabinete da Vice-Presidência fica em um prédio anexo ao Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes. Sem ter nenhuma medida de impacto a anunciar, não fazia sentido Itamar deslocar-se até lá. Despacharia em casa, dando uma folga aos jornalistas. Era como procedia ao exercer a Presidência em fins de semana quando Collor estava fora do país. O que ele tramava calado sem que Lúcio soubesse? Lúcio só começou a desconfiar do que era na manhã do sábado. Itamar, no seu gabinete de vice, chamou-o e perguntou:
– Leu o Jornal de Brasília?
Não lera. Manchete de capa do jornal: “Ministro do Exército já articula apoio a Collor”. Em sua coluna diária, o jornalista Haroldo Holanda, amigo de Itamar, escrevera que o general Tinoco assumira “ostensivamente a defesa da permanência de Fernando Collor no Poder”. Com isso, segundo Holanda, Tinoco ameaçava “envolver o Exército na crise política decorrente das investigações pela CPI do caso PC Farias”, o ex-tesoureiro da campanha de Collor que com dinheiro de caixa dois pagava despesas particulares do presidente.
Arquivo/EBC
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Orientado por Itamar, Lúcio sondou os jornalistas de plantão na Vice-Presidência sobre a repercussão do que Holanda publicara. Não houve repercussão. Nos anos 1990, os jornais não citavam uns aos outros, como fazem agora. Itamar acionou sua secretária para que ela localizasse Tinoco e lhe dissesse que queria vê-lo de imediato. Por temperamento, Itamar não deixava nada barato. No início do governo, Lúcio fora surpreendido com a notícia que ouviu no rádio de que Itamar, no exercício da Presidência, ameaçava demitir Jarbas Passarinho, ministro da Justiça. Tudo porque Itamar julgara ser um desrespeito de Passarinho enviar-lhe por fax uma informação que ele pedira, ao invés de fazê-lo pessoalmente.
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Orlando BritoCollor e a mulher saindo do Planalto depois que a Câmara o afastou. Foi no final de outubro de 1992
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Collor e Roseane saindo do Palácio do Planalto depois que a Câmara o afastou, em outubro de 1992
A secretária levou quase duas horas para achar Tinoco; finalmente encontrou-o no Clube do Exército. À paisana, mas de terno completo e sem manchas da farofa que comera em um churrasco, Tinoco foi recebido por Itamar com frieza. “O senhor leu o Jornal de Brasília?” – indagou o vice. Tinoco não lera. Itamar estendeu-lhe um exemplar do jornal. E depois de o general ter lido em silêncio a coluna de Holanda, Itamar cobrou:
– O que o senhor tem a dizer a respeito?
Tinoco respondeu que não fora a fonte da informação de Holanda, que a notícia não procedia, e que as Forças Armadas respeitavam a Constituição. Itamar não se deu por satisfeito:
– O senhor se dispõe a dizer isso à imprensa?
Nesse momento, Lúcio temeu o pior. Se Tinoco respondesse que não, Itamar poderia ordenar sua prisão. Mas depois de pensar por alguns segundos, o general acatou a sugestão e repetiu para os jornalistas o que dissera a Itamar. No dia seguinte, apenas o Jornal de Brasília publicou a fala de Tinoco. O destino do general estava selado caso Itamar sucedesse Collor na Presidência. Sucedeu-o a partir do dia 2 de outubro de 1992, embora ainda em caráter temporário. Na tarde do dia 8, já no gabinete presidencial do terceiro andar do Palácio do Planalto, Itamar despachava com Lúcio quando entrou sem se anunciar o senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), nomeado ministro das Relações Exteriores. Filho de militar, o ministro entregou a Itamar uma tirinha de papel onde estava escrito: “Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena”. Itamar leu, repassou a tirinha a Lúcio e disse-lhe:
– Avise à imprensa.
– Avisar o quê, Itamar? – perguntou Lúcio com a tirinha de papel na mão.
– Avise que esse é o nome do novo ministro do Exército.
– Mas vão me perguntar quem ele é, e eu não sei – devolveu Lúcio.
Pelo jeito, nem Itamar sabia. Fernando Henrique disse a Lúcio que Zenildo era o comandante do Leste, indicado pela maioria dos generais do Alto Comando do Exército ao saberem que Itamar rifara Tinoco. A imprensa publicou a notícia no dia seguinte sem muito destaque. Nesse mesmo dia, Itamar descobriu que o telefone de sua casa, em Brasília, e a central telefônica do Hotel Glória, no Rio, onde costumava se hospedar, tinham sido grampeados.
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Paulo Fridman/Sygma/Getty Images
O presidente Itamar Franco no Palácio do Planalto
https://www.metropoles.com/materias-especiais/exclusivo-o-golpe-militar-contra-collor-e-o-contragolpe-de-itamar
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Sinopse Z: Chama a atenção neste trabalho a sua singularidade. Não é uma biografia e muito menos uma grande reportagem, como normalmente se classifica iniciativas literárias de não-ficção que escapam aos rótulos comuns. É, antes, e tão somente, um cotidiano que chancela a riqueza histórica que emana do fulgurante humanismo de Itamar Franco. (Resenha: Itamar e o Bando de Sonhadores – Ismair Zaghetto)
http://leitorcompulsivo.com.br/2019/11/09/resenha-itamar-e-o-bando-de-sonhadores-ismair-zaghetto/
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quinta-feira, 31 de março de 2022
Míriam Leitão: Uma nota mentirosa e assinada também pelos três comandantes de tropas
O Globo
A nota comemorando a ditadura militar de 64, divulgada ontem à noite pelo Ministério da Defesa, é a pior já divulgada neste governo. Ser assinada pelo general de pijama Walter Braga Netto, que está saindo do cargo para ser candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, era de se esperar. Mas o grave é ter as assinaturas do general, do almirante e do brigadeiro que comandam as tropas. Nesse ponto é uma ameaça ao país. Não se pode esquecer o contexto. Bolsonaro é um defensor de ditaduras, sente “embrulho no estômago” como disse outro dia, de respeitar a Constituição, e passou três anos e três meses no poder vomitando ameaças golpistas. Bolsonaro está disputando a reeleição, em situação desfavorável nas pesquisas, e ontem mesmo voltou a fazer ameaças. Esse contexto piora muito a nota.
Uma solitária verdade na nota é que “não se pode reescrever a história”. De fato. Mas é isso que eles tentam fervorosamente. Há um trecho que diz: “Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de crescimento econômico e de amadurecimento político”. Uma coleção de mentiras. Não foi a sociedade, foram os militares que conduziram o país. Tanto que quando houve a possibilidade de um vice assumir, Pedro Aleixo, quando Costa e Silva ficou incapacitado e morreu, o país passou a ser dirigido por uma junta militar. Os generais conduziram o país para 21 anos de ditadura militar e não um período de estabilização. O país cresceu no começo dos anos 70, mas houve duas recessões, calote da dívida externa e no fim o país estava com uma hiperinflação que foi debelada apenas na democracia. O governo fechou o Congresso, aposentou ministros do Supremo, cassou e exilou, censurou a imprensa. É triste ter que lembrar de novo, de novo, de novo.
Os fatos históricos são inarredáveis. O que eles querem dizer com o trecho em que afirmam que “as Forças Armadas” observaram “estritamente o regramento constitucional”. Eles rasgaram a Constituição, fizeram outra e também a rasgaram com os atos institucionais, principalmente o AI-5 que suspendeu todos os resquícios de democracia. As Forças Armadas instalaram dentro dos seus quartéis máquinas de prisão, tortura, morte e ocultação de cadáveres. Em vez de pedirem desculpas ao país, afrontam ano a ano a verdade histórica.
Nesse ano, repito, é mais grave porque as ameaças à democracia por parte do presidente têm a chancela de militares da ativa que mentem, mentem novamente, sobre fatos que aconteceram há 58 anos. O Brasil é um caso único. As Forças Armadas dos nossos vizinhos não têm o desplante de mentir sobre a História e afrontar os seus países, da forma que fazem as Forças Armadas brasileiras.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/03/miriam-leitao-uma-nota-mentirosa-e.html
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quinta-feira, 31 de março de 2022
Luiz Carlos Azedo: Atitude de Silveira foi uma provocação ao Supremo
Correio Braziliense
O deputado sinalizou uma linha de recrudescimento dos ataques e desafios ao STF por parte dos grupos bolsonaristas radicais. Aposta num ambiente de confrontação entre os Poderes
Ao se recusar a usar tornozeleira eletrônica, desafiando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e buscar refúgio nas dependências da Câmara, exigindo solidariedade do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Daniel Silveira (União Brasil-RJ) escalou uma provocação política, cujo objetivo era criar um ambiente de radicalização contra a Corte, com propósitos eleitorais e um viés golpista. Silveira somente recuou diante da multa de R$ 15 mil para cada dia sem tornozeleira, que lhe foi aplicada por Moraes em consequência da rebeldia.
Pressionado, Lira fora condescendente com Silveira: distribuiu nota na qual afirmava que o plenário da Câmara é inviolável e defendeu que o plenário do Supremo analise o pedido de revogação da decisão de Moraes feito pela defesa de Silveira. Réu no STF por estimular atos antidemocráticos e ameaçar as instituições, o parlamentar fluminense passou a madrugada de terça para quarta-feira em seu gabinete, depois de anunciar que não colocaria a tornozeleira; diante da decisão de Moraes e da nota do presidente da Câmara, se refugiou no plenário. O julgamento da ação penal contra Silveira está marcado para 20 de abril.
Aliado dos bolsonaristas da Câmara, que tiveram um papel importante na sua eleição, Lira assumiu uma posição ambígua em relação a Silveira: “Decisões judiciais devem ser cumpridas, assim como a inviolabilidade da Casa do Povo deve ser preservada. Sagrada durante as sessões, ela tem, também, dimensão simbólica na ordem democrática”, argumentou. Moraes atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que solicitou a aplicação de medidas restritivas ao deputado.
A atitude de Silveira mira os eleitores bolsonaristas, mas criou uma situação de choque entre os Poderes, porque desobedeceu a uma decisão do Supremo e transformou o plenário da Câmara num refúgio seguro contra uma decisão judicial que não interfere na sua atividade parlamentar. Às vésperas das eleições, foi um péssimo exemplo; há outros parlamentares que endossam suas atitudes. Até uma ridícula benção de deputados evangélicos houve na porta do gabinete de Silveira.
Congressistas somente podem ser presos em flagrante, por crime inafiançável. Mesmo assim, a Câmara e o Senado podem revogar a prisão. No caso de medidas cautelares, o STF já decidiu que, caso elas influenciem no exercício do mandato do parlamentar, o plenário da Câmara precisa se manifestar dentro de 24 horas para manter ou relaxar a medida. Em sua decisão, porém, Moraes afirma que a tornozeleira não impede o exercício do mandato de Silveira.
O deputado sinalizou uma linha de recrudescimento dos ataques e desafios ao STF por parte dos grupos bolsonaristas radicais. Aposta num ambiente de confrontação entre os Poderes, no qual a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro projeta um cenário de radicalização política esquerda x direita nas eleições.
O gesto de Silveira foi estrategicamente pensado, pois coincidiu com o recurso encaminhado, ontem, ao Supremo por sua defesa, no qual pede a suspensão das medidas cautelares decretadas por Moraes. Também desgasta a Polícia Federal como polícia judiciária. Câmara e Senado têm sua própria polícia. Sua atitude incendeia as redes sociais bolsonaristas, pavimentando caminho para sua reeleição, ao mesmo tempo em que incentiva ataques ao Supremo, os mesmos que já o levaram à prisão.
Urna eletrônica
O superintendente da Polícia Federal no Distrito Federal, delegado Victor Cesar Carvalho dos Santos, foi à Câmara para notificar o deputado, mas não cumpriu a sua missão, porque não foi autorizado por Lira. É uma situação desmoralizante, mas tem tudo a ver com a atual situação da corporação, cada vez mais subordinada a Bolsonaro.
Ontem, em Parnamirim (RN), durante evento em clima de campanha eleitoral antecipada, o presidente voltou a questionar as urnas eletrônicas, ao afirmar que os votos “serão contados” e que “não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos”, numa alusão aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre os quais Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte durante as eleições.
É o tipo de comentário que sinaliza aos grupos bolsonaristas que chegou a hora de uma nova temporada de ataques à Justiça Eleitoral. Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas são constantes e fazem parte de uma estratégia para questionar o resultado das urnas caso perca as eleições. Segue a cartilha adotada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que não aceitou a eleição de Joe Biden. O presidente brasileiro foi um dos últimos chefes de Estado a reconhecer a vitória do democrata.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/03/luiz-carlos-azedo-atitude-de-silveira.html
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há 18 horas
Folha - UOL
Dicionário Brasileiro da Corrupção - 30/03/2022 - Ruy Castro - Folha
quinta-feira, 31 de março de 2022
Ruy Castro: Dicionário Brasileiro da Corrupção
Folha de S. Paulo
Um livro a ser feito com urgência -fica a sugestão
Uma ideia jogada ao acaso nesta coluna na quinta última (24) foi recebida com entusiasmo por alguns leitores: a de um Dicionário Brasileiro da Corrupção. Nunca foi feito, e não por falta de material. Mesmo ignorando a Colônia e o Império, que tinham costumes próprios, o que se poderá levantar de sujeira a partir da República, em 1889, encherá volumes. Afinal, é uma das grandes especialidades do Brasil: o uso da República para práticas não republicanas, como roubar, desviar, desfalcar, falsificar, sonegar, subornar, aliciar, perverter —em suma, corromper.
Uns mais, outros menos, todos os governos desde Deodoro caíram na farra, com destaque para os autoritários e para os que se elegeram como vestais. Os primeiros, pelo motivo óbvio: quanto mais ditadura, mais censura e menos controle pelas leis, pela sociedade e pela imprensa, donde mais corrupção. O famoso mar de lama em que o governo constitucional de Getulio Vargas se afundou em 1954 não passou de um filete diante do que se roubou de 1964 a 1985 sob os militares —que, não por acaso, tomaram o poder para, entre outras, "combater a corrupção".
E aí temos a segunda categoria: a dos governos que, quanto mais "puros", mais sujos. Jair Bolsonaro atualiza mensalmente sua bravata: "Três anos e três meses de governo, três anos e três meses sem corrupção". Certo —desde que você não conte a destruição da Amazônia para venda ilegal, a importação das vacinas fantasmas, o comércio da morte pela cloroquina, os ministérios reduzidos a balcões, a rachadinha, o patrimônio imobiliário da família, os cheques para a primeira-dama, as mamatas para os amigos, o suborno de militares e outros usos e abusos de bilhões.
Que não passam de ninharia diante da entrega do cofre para o centrão. Isso, sim, consagrará Bolsonaro e lhe garantirá a capa do Dicionário.
Deixo de graça a sugestão. Convidem-me para o lançamento.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/03/ruy-castro-dicionario-brasileiro-da.html
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Purepeople
Ao lembrar do que ouviu com os capangas de Dom Peppino (Lima Duarte), Expedito (José Dumont) conta para Mari (Bruna Marquezine), na novela 'I Love Paraisópolis'
https://www.purepeople.com.br/midia/ao-lembrar-do-que-ouviu-com-os-capangas_m1060232
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Os capangas de DON
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Ele foi acordado no meio da noite por um sonho... um sonho com um estranho que recentemente conhecera, um homem com olhos de policial. Mas ele sabia que o estranho não era um policial: sabia também o que isso significava.
(...) Então, movendo-se com cautela na escuridão, abriu a gaveta superior da cômoda e apanhou o .38 Colt Cobra.
Durante o restante da noite esperou.
Esperou pelos executores que, inevitavelmente, seguiriam aquele que lhes mostrara o caminho.
Cedo, na manhã seguinte, eles vieram buscá-lo..."
[...]
"Este fato, como foi noticiado no New York Times, em 22 de agosto de 1971, proporciona a base para a nossa história.
Mas deve ser ser evidenciado que todos os personagens e acontecimentos deste livro são fictícios."
SOLDATO, by Al Conroy - 1972
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Estilo Gangster Mafioso
Máfia: códigos e rituais de afiliação entre mito e realidade
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pastor na Igreja Presbiteriana Jardim de Oração
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Faciletrando - WordPress.com
São Bernardo – Faciletrando
https://faciletrando.wordpress.com/2020/07/03/sao-bernardo/
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'a narrativa de Paulo Honório entra sem motivo aparente na
história de seu Ribeiro, encontrado “chupando uma barata” num jornal de Maceió.'
http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2018%20-%20Joyce%20Kelly%20Barros%20da%20Silva%20TC.PDF
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há 2 dias
Revista Forum
Bíblia com fotos de Milton Ribeiro e pastores acusados de lobby é distribuída em evento do MEC | Revista Fórum
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"Ribeiro passará o resto de seus dias lembrando que recebeu os pastores das sombras a pedido de Bolsonaro. Faltou-lhe a percepção do limite. O çábio que patrocinava a causa da transmissão de energia elétrica sem fio foi discretamente colocado em seu lugar, e o assunto morreu. Ribeiro, julgando-se mais esperto, lidava com pastores que ilustravam Bíblias com sua ilustre figura."
https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/03/elio-gaspari-sete-ministros-de-bolsonaro.html#more
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23/03/22 15:04Atualizado em23/03/22 15:04
Quem é Milton Ribeiro, pastor que acumula crises no Ministério da Educação
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Milton Ribeiro, ministro da Educação
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Milton Ribeiro, ministro da Educação Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo
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Pastor na Igreja Presbiteriana, teólogo e advogado com doutorado em educação, Milton Ribeiro é o quarto ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PL). Ribeiro, que está balançando no cargo após virem à tona suspeitas de lobby de pastores evangélicos na pasta, construiu uma carreira juntando religião e pedagogia. À frente do ministério que chefia desde julho de 2020 vem colecionando polêmicas e crises.
Ribeiro tem 64 anos e é membro do Conselho Deliberativo do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mantenedora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da qual foi vice-reitor e reitor em exercício, entre os anos de 2000 e 2003. Ele é pastor na Igreja Presbiteriana Jardim de Oração de Santos, no litoral de São Paulo.
Segundo seu currículo acadêmico na plataforma Lattes, Ribeiro é graduado em Teologia e Direito, fez mestrado em Direito e doutorado em Educação — essa última formação pela Universidade de São Paulo, em 2006. Sua tese de doutorado é sobre os valores, princípios e doutrinas calvinistas e sua relação com a educação no Brasil.
Ainda em seu currículo ele afirma ter sido responsável por 38 cursos de especialização e cinco cursos de extensão na universidade. Além disso, também é diretor da instituição Luz para o Caminho, que cuida da relação da Igreja Presbiteriana do com a mídia.
O pastor foi o quarto ministro da Educação a assumir o posto, após as gestões de Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, e a passagem relâmpago do economista Carlos Decotelli. Milton Ribeiro já havia sido nomeado por Bolsonaro, em maio de 2019, para a Comissão de Ética Pública, ligada à Presidência da República.
Segundo publicou O GLOBO na época, Ribeiro teve seu nome levado a Bolsonaro pelo então Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência do Brasil, Jorge Oliveira. Seu nome também foi encampado pelo então titular da Justiça e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, que também é pastor presbiteriano.
Como titular da pasta, Milton Ribeiro coleciona frases controversas que foram amplamente criticadas, além de crises de gestão no MEC que provocaram debandadas em entidades da pasta.
Em setembro de 2020, Ribeiro fez declarações homofóbicas relacionando a homossexualidade a famílias desestruturadas. "Acho que o adolescente, que muitas vezes, opta por andar no caminho do homossexualismo (sic), tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe", disse. A fala fez a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciá-lo ao STF por crime de homofobia.
No ano passado, Ribeiro declarou que a "universidade deveria, na verdade, ser para poucos". Além disso, afirmou que, quando um aluno com deficiência é incluído em salas de aula comuns, ele não aprende e ainda "atrapalha" a aprendizagem dos colegas.
Também no ano passado, há menos de três semanas da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela prova, entregaram seus cargos numa demissão em massa da entidade. Eles justificaram a saída pela "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima" do órgão, além de mencionaram episódios de assédio moral.
Após o episódio dos servidores do Inep relataram uma tentativa de interferência na montagem do Enem. Alguns profissionais acusaram o órgão subordinado a Ribeiro de praticar pressão e vigilância para que evitassem escolher questões polêmicas na prova que eventualmente poderiam incomodar Bolsonaro.
https://extra.globo.com/noticias/quem-milton-ribeiro-pastor-que-acumula-crises-no-ministerio-da-educacao-25445061.html
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AS RELAÇÕES SOCIAIS DO PATRIARCALISMO NA VISÃO DO NARRADOR PAULO
HONÓRIO: UMA LEITURA ESTILÍSTICA DO CAPÍTULO VII DE S. BERNARDO
Joyce Kelly Barros da Silva
Mestranda no Programa de Pós Graduação em Linguagem e Ensino
Antonio Morais de Carvalho
Professor Doutor da Unidade Acadêmica de Letras
Universidade Federal de Campina Grande
Palavras-chave: Personagem; Narração; Patriarcalismo.
Q
uando se estuda as personagens secundárias de S. Bernardo, algo que se nota é a recorrência
com que seu Ribeiro é citado nos estudos sobre esta obra de Graciliano Ramos. Ao contrário de
d. Glória, Casimiro Lopes, Padilha, Mãe Margarida, etc., seu Ribeiro tem sido facilmente notado
pelos críticos literários. A razão disto reside no fato de que a funcionalidade desta personagem
salta aos olhos do leitor durante a narrativa devido o seu caráter contrastivo: seu Ribeiro, com seu
ritmo, sua linguagem, sua origem, é sem dúvida a antítese de Paulo Honório-narrador.
Paradoxalmente, os estudos em que aparecem dados interpretativos acerca de seu Ribeiro
nunca tiveram a pretensão de analisar a personagem em si, já que somente a utilizava como
exemplo (ou contra-exemplo) para afirmações analíticas feitas em relação a outros aspectos do
livro. Por isso, apesar de apresentarem boas e coerentes leituras envolvendo o guarda-livros de
S. Bernardo, os trabalhos que conhecemos não aprofundam a discussão sobre ele.
Este artigo se vale de muitas dessas contribuições de leitura, no entanto, tentamos aprofundar o
tema através da análise do capítulo VII de S. Bernardo e de outros trechos do romance que se
referem a seu Ribeiro e que, tendo em vista os objetivos do trabalho (mostrar como Paulo
Honório concebe a personagem e seu mundo), mereceram um pouco mais de atenção.
1. Narrador em primeira pessoa, Paulo Honório traça em S. Bernardo a sua biografia,
tornando-se, assim, o responsável pelas articulações do livro. Do ponto de vista das
personagens, o narrador insere sucessivamente por meio de capítulos e de fatos específicos as
pessoas que ele supõe indispensáveis ao memorial. A utilização desse “método” de composição
por parte do fazendeiro não ocorre irrefletidamente e a prova maior disso está num dos trechos
mais comentados de S. Bernardo (final do cap. XIII), no qual ele mesmo salienta a necessidade
de criar um novo capítulo para que Madalena entre na narrativa. Uma particularidade significativa,
nesse sentido, é a de que Paulo Honório também dedica a seu Ribeiro um capítulo particular — o
capítulo VII da obra funciona, de modo estrito, para marcar a entrada da personagem em S.
Bernardo.
Começando a análise pela inserção do capitulo VII no plano geral do romance, vemos que,
quando observada a partir de alguns aspectos, esta parte dedicada a seu Ribeiro suscita a impressão de que eles (personagem e capítulo) são nulos dentro da narrativa. Tal impressão
resulta da forma peculiar com que a obra foi construída. A primeira peculiaridade está no modo
como o capítulo de seu Ribeiro parece não estabelecer nenhuma relação com o que vinha sendo
delineado até então no romance: girando sempre em torno da exposição das “trapaças” utilizadas
para a aquisição de S. Bernardo, a narrativa de Paulo Honório entra sem motivo aparente na
história de seu Ribeiro, encontrado “chupando uma barata” num jornal de Maceió.
A segunda peculiaridade reside no fato de que seu Ribeiro é literalmente apresentado pelo
narrador. Enquanto as outras personagens entram no relato de Paulo Honório já desenvolvendo
alguma ação relevante para o curso de sua vida, o guarda-livros é expresso por meio de seu
passado, que sequer é contado por ele mesmo. Isso é um traço distintivo para seu Ribeiro, uma
vez que somente ele adentra S. Bernardo por meio de uma narrativa (paráfrase da possível
história contada por seu Ribeiro ao narrador), que por si só se responsabiliza por revelar a pessoa
e vida da personagem, já que ambas se revelam reciprocamente.
Aliada a estes dois motivos, está também a pequena atuação quantitativa desta personagem. A
leitura completa do romance mostra que das personagens que residiram com Paulo Honório, seu
Ribeiro é a que menos aparece no seu enredo, fazendo-se presente em apenas três momentos:
em duas cenas em que dialoga a sós com Paulo Honório; e numa outra, em que predomina um
diálogo grupal e onde ele atua proferindo apenas duas falas. Olhando por essa perspectiva, é
uma atuação realmente pequena e, por isso, passível de ser vista como insignificante,
principalmente tendo em vista a amplitude do gênero romanesco.
Essa aparente inutilidade de seu Ribeiro (e das partes que lhe dizem respeito) talvez tenha sido a
causa maior que induziu o crítico Álvaro Lins (1982), em seu trabalho Valores e misérias das
vidas secas, a fazer a seguinte afirmação:
Nota-se a princípio uma certa hesitação na marcha do enredo de S. Bernardo. Os primeiros capítulos
se lançam em várias direções, como se o próprio romancista não estivesse ainda no domínio da linha
central do desenvolvimento dramático. Há mesmo alguns trechos que parecem enxertados,
podendo figurar ou não no conjunto, indiferentemente, como o capítulo VII, com a história
independente de seu Ribeiro. Como ficção, rigorosamente, o livro só se afirma e define a partir do
casamento de Paulo Honório com Madalena. (LINS: 1982, p. 148 — grifos nossos)
A crítica de Álvaro Lins mostra-se desarrazoada desde o início do trecho. Primeiramente, deve-se
ter em mente que se há alguma “hesitação” no enredo deste romance ela não deriva de um
defeito técnico do livro, nem da incapacidade do romancista, mas sim da indecisão do narrador
que titubeia ao ver que não conseguirá articular a narrativa com o trabalho braçal de seus
“amigos”. Além do mais, ainda que fosse aceitável considerar que o livro só se afirma e define
como ficção a partir do casamento de Paulo Honório com Madalena — como diz Lins — seria
impossível compreender esta mesma parte sem a existência dos dezesseis capítulos que a
antecedem. Por isso, tudo o que é narrado antes do casamento é fundamental (e não enxerto)
porque delineia as personagens e prepara o cenário para a realização do casório e para o futuro conflito dos protagonistas. O interessante é que o crítico escolhe justamente o capítulo de seu
Ribeiro para exemplificar a “descartabilidade” do que é narrado antes da entrada de Madalena.
Procurando encontrar as razões que fundamentam a leitura de Álvaro Lins, acreditamos que o
crítico tomou como suporte para esta afirmação os três aspectos que elencamos acima (capítulo
“solto” na narrativa; inclusão da personagem por meio de narrativa e não de ação; pequena
atuação quantitativa) e, principalmente, o critério quantitativo, porque realmente seu Ribeiro não
se faz facilmente visível no romance. É inegável também que seria muito mais difícil Álvaro Lins
conceber argumentos para assegurar que o capítulo IV (em que Paulo Honório adquire S.
Bernardo) não é “rigorosamente ficção” e sim enxerto desnecessário, do que fazer isto com o
capítulo sobre seu Ribeiro, que parece estar flutuando entre os demais.
Entretanto, a entrada de seu Ribeiro no livro não ocorre num momento despropositado, casual ou
aleatório: esta personagem é chamada a S. Bernardo após uma espécie de “virada” em que
Paulo Honório se completa como fazendeiro-capitalista, figura diferente daquele que é vista nos
capítulos anteriores. De modo geral, antes do aparecimento de seu Ribeiro, o narrador havia se
restringido a dizer como perambulou pelo mundo, a maneira sagaz e desonesta que possibilitou a
aquisição da propriedade S. Bernardo e as dificuldades enfrentadas em após a compra:
Naquele segundo ano houve dificuldades medonhas. Plantei mamona e algodão, mas a safra foi
ruim, os preços baixos, vivi meses aperreado, vendendo macacos e fazendo das fraquezas forças
para não ir ao fundo. Trabalhava danadamente, dormindo pouco, levantando-me às quatro da manhã
passando dias ao sol, à chuva, de facão, pistola e cartucheira, comendo nas horas de descanso um
pedaço de bacalhau assado e um punhado de farinha. (RAMOS: 2005, p. 35)
Ainda que atuando dentro dos limites da fazenda, o narrador ainda não a havia adquirido de fato,
não havia dominado a situação, como veio a acontecer logo depois. Essa falta de domínio é
percebida a partir do impasse simbólico estabelecido entre as cercas de S. Bernardo e as de Bom
Sucesso (numa visível desvantagem para a primeira), e, principalmente, pela ambigüidade das
atitudes de Mendonça, que deixa Paulo Honório sem a estabilidade que tanto lhe agrada, e, por
isso, insatisfeito, incomodado. Ora, o capítulo VI (anterior ao de seu Ribeiro) marca exatamente o
fim desse impasse e o ponto final da luta de aquisição de S. Bernardo, uma vez que narra o
assassinato de Mendonça por Casimiro Lopes.
O importante de tudo isto é perceber que do capítulo VI para o VII, Paulo Honório passa de
homem ameaçado a fazendeiro plenamente estabelecido, capitalista acabado, possuidor de uma
propriedade cujas finanças necessitam de um contador. Um contador é escolhido e é nessa
conjuntura que seu Ribeiro entra nas relações de Paulo Honório.
Quanto à questão quantitativa a que temos nos referido, podemos afirmar que analisar a função
de seu Ribeiro através do critério quantitativo leva inevitavelmente a equívocos, pois obscurece a
importância que a personagem desempenha na narrativa. Como veremos mais à frente neste
trabalho, essa relevância é criada através do modo como seu Ribeiro constitui uma força de
oposição em relação ao narrador, que não necessariamente precisa ficar na epiderme do texto para realizar sua função. Não é preciso que seu Ribeiro desenvolva grandes ações na narrativa
para que seja “útil” ao jogo de sentidos estabelecido pelo romance, até porque isto seria
inverossímil tendo em vista a própria natureza da personagem e o plano geral da narrativa.
Quanto ao último fator que “justifica” a insignificância de seu Ribeiro (ser apresentado por Paulo
Honório através uma narrativa na qual não se vê a “voz” da personagem), asseguramos que
embora isto também pudesse ser um dado que desse a sua atuação um valor menor do que a
das outras pessoas, o recurso de ser inserido desta maneira somente intensifica tanto a
importância de seu Ribeiro, quanto o valor literário do romance e o poder de criação de Graciliano
Ramos. Caso o narrador desse vez a voz de seu Ribeiro, haveria uma quebra no ritmo da
narrativa (que tem o ritmo de Paulo Honório) devido à enorme diferença de seu estilo lingüístico.
Com isto, tanto seriam necessários dois S. Bernardo para comportar a retórica de seu Ribeiro,
quanto o capítulo VII se tornaria um apêndice no livro. E Paulo Honório é objetivo (além de
egoísta) demais para entregar a palavra a alguém assim, visto que o seu processo de uso da
língua é outro: “É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é
bagaço.” — p. 88.
Outra razão é que para compreendermos por inteiro a pessoa de seu Ribeiro é necessário que
cheguemos mais perto de seu mundo e de seu tempo, e possivelmente uma simples descrição
da personagem, ou uma outra forma qualquer de inseri-la no romance, não conseguiria nos
transportar para um mundo distante, longe do nosso círculo de experiências.
2. A oposição estabelecida entre seu Ribeiro e Paulo Honório tem como base não apenas um
conjunto de características pontuais do fazendeiro e de seu contador (linguagem, ritmo das
ações, vínculo de amizades, etc.), mas as próprias concepções de vida de cada um deles. Por
isso, não são diferenças superficiais, já que resultam do modo particular como eles sentem e
pensam o mundo. Essa diferenciação radical entre narrador e personagem começa a tornar-se
perceptível desde logo pela própria estrutura da narrativa concernente a seu Ribeiro. A história de
seu Ribeiro possui dois tempos narrativos, cada um deles retratando um período específico: no
primeiro, o patriarcalismo; no outro, a ascensão e o estabelecimento do capitalismo. Na primeira
parte da narrativa, temos acesso ao modo de vida de uma sociedade diferente da que se
encontra em S. Bernardo, mas que, à medida que se moderniza, vai se transformando na
estrutura social e econômica da fazenda do narrador, estado que constitui assim a segunda parte.
Neste movimento, a figura de seu Ribeiro (destaque no ambiente em que vive) vai
paulatinamente sendo obscurecida, já que a sociedade começa a legitimar o sistema “Paulo
Honório”.
Com esta bipartição, a história parece sustentada em dois paradigmas: de um lado da moeda,
encontramos o “anacronismo” patriarcal, preenchido por categorias como a juventude, o
reconhecimento, a coletividade, a tradição, e etc.; do outro, o paradigma do progresso: a velhice, a infelicidade, o abandono, o individualismo e a inovação. A abertura da narrativa tipifica bem
essa dicotomia: “Seu Ribeiro tinha setenta anos e era infeliz, mas havia sido moço e feliz.” — p.
43.
A primeira parte da narrativa começa por ratificar a importância de seu Ribeiro, a partir da ênfase
dada à consideração e ao respeito com que a população se dirigia à personagem:
Na povoação onde ele morava os homens descobriam-se ao avistá-lo e as mulheres baixavam a
cabeça e diziam:
— Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo, seu major. (RAMOS: 2005, p. 43)
Os gestos da população (revestidos de certo caráter cerimonial) e a designação de “major” dada
a seu Ribeiro (título antigo com que se nomeavam as pessoas importantes dos lugarejos)
confirmam a respeitabilidade que reveste a personagem. Ao contrário do patrão, para quem o
respeito é misto de obediência e medo, o “pater” é considerado pela proteção e auxílio que
oferece às pessoas do seu convívio. Esta consideração, no entanto, não impede que as pessoas
desenvolvam relações de proximidade com aquele que lhes gerencia.
Nesse sentido, a autoridade de que seu Ribeiro está imbuído (diferentemente de Paulo Honório)
não o exclui dos movimentos mais íntimos do povo: “Quando alguém recebia cartas, ia pedir-lhe a
tradução delas. Seu Ribeiro lia as cartas, conhecia os segredos, era considerado e major.” — p.
43. Numa época em que a leitura era conhecida por poucos, e a carta era uma das maneiras de
comunicação mais viáveis, seu Ribeiro tem o papel de mediador das relações entre pessoas
distantes, compartilhando “segredos” e experiências que a escrita é capaz de reproduzir.
Traduzindo com estilo os riscos enigmáticos da escrita, seu Ribeiro representa a erudição de seu
povo, todavia uma erudição partilhada: “Se se divulgava uma dessas palavras esquisitas, seu
Ribeiro explicava a significação dela e aumentava o vocabulário da povoação.” — p. 44.
Seu Ribeiro também era o responsável pela organização social do povoado. Em questões de
limites de terras, de possíveis crimes, de desavenças entre as pessoas, seu Ribeiro estudava os
casos e dava a sentença. Como filhos obedientes, ninguém se opunha às opiniões dele, pois “a
decisão do major era um prego”. Com este poder de decisão, o patriarca representava o próprio
poder judiciário, uma vez que no vilarejo não havia nem juiz, nem soldados.
Na instância espiritual, o vilarejo do major se destaca pela prática de uma religiosidade isenta de
convenções dogmáticas, representada pela distância/ausência da figura do vigário e pela
natureza dos ritos dirigidos pela matriarca, mulher de seu Ribeiro. A reza do terço, um antigo e
caseiro exercício religioso, e a “contação” de histórias às crianças do povoado sinalizam para uma
religiosidade simples e familiar, oposta à religião institucionalizada, presente em S. Bernardo,
onde a igreja desempenha funções inteiramente utilitaristas. Isenta do caráter pragmático, a
religião efetuada pela mulher de seu Ribeiro tem como essência a própria experiência “mística”
concedida pelo fervor das novenas e pelas vidas exemplares dos santos, quer sejam elas institucionalizadas, verdadeiras ou não: “É possível que nem todas as histórias fossem
verdadeiras, mas as crianças daquele tempo não se preocupavam com a verdade.” — p. 44.
É interessante observar como é forte na organização do povoado de seu Ribeiro a presença da
coletividade. Além das práticas religiosas, realizadas em conjunto, tem-se o ajuntamento da
feira-livre, os festejos juninos e o aproveitamento grupal da casa e das colheitas: “Seu Ribeiro
tinha uma família pequena e casa grande. A casa estava sempre cheia. Os algodoais do major
eram grandes também.” — p. 44. Destacamos com isto a inexistência da noção de propriedade
individual e exclusiva, uma vez que tudo o que pertence ao major é do desfrute do povo. Assim
como Paulo Honório, seu Ribeiro possui a casa grande, os algodoais extensos. Se nisto os dois
se assemelham, na questão da repartição do lucro se diferenciam totalmente. Enquanto os
trabalhadores de Paulo Honório sobrevivem à base de barbatanas de bacalhau, cabendo
somente ao fazendeiro a riqueza das colheitas, no povoado de seu Ribeiro não há sequer a
histórica oposição racial entre pretos e brancos, numa alusão perfeita à existência não do respeito
ao diferente, mas da própria inconsciência da diferença: “Nas colheitas a população corria para
eles. E os pretos não sabiam que eram pretos, e os brancos não sabiam que eram brancos.” — p.
44.
Nos festejos juninos, a tradição e o ludismo aparecem como dádivas coletivas. O ajuntamento em
redor da fogueira do major estabelece a festa como prática social do vilarejo, marcada pela
ausência de conflitos, uma vez que o bacamarte de seu Ribeiro dá “tiros medonhos”, mas apenas
para homenagear S. João. Enquanto isto, Paulo Honório mantém os moradores da propriedade
num regime desumano de trabalho. Notemos que em todo S. Bernardo só há uma passagem em
que se vê um agrupamento de festa, mesmo assim ela é organizada por Padilha no tempo em
que este ainda era dono da fazenda. O festejo é inclusive descrito pelo narrador com certo tom de
desprezo e ironia. Não por coincidência, a festa também é de S. João:
À noite, enquanto a negrada sambava, num forrobodó empestado, levantando poeira na sala, e a
música de zabumba e pífanos tocava o hino nacional, Padilha andava com um lote de cablocas
fazendo voltas em redor de um tacho de canjica, no pátio que os muçambês invadiam. (RAMOS:
2005, p. 44)
É fácil perceber como as práticas de seu Ribeiro até o momento se opõem diretamente as do
narrador, já que nesta primeira fase da história predomina o sistema patriarcal. Daqui em diante,
tudo vai convergir para que o vilarejo de seu Ribeiro vá se modernizando pouco a pouco até
possuir como sistema social e econômico o mesmo que encontramos em S. Bernardo.
A modernização que chega ao povoado de seu Ribeiro ganha espaço não apenas pela inclusão
de elementos pertencentes à tecnologia da época (máquinas/ novas construções/ automóvel/
eletricidade/ cinema), mas principalmente pela transformação daquilo que já existia antes: “Mudou
tudo. Gente nasceu, gente morreu, os afilhados do major cresceram e foram para o serviço
militar, em estrada de ferro.” — p. 45. As alterações ocorrem não apenas de fora para dentro, pelo recebimento de novos artefatos, mas pela mudança de concepção e de comportamento da
população, que agora os aceita como bons e melhores e adotam novos hábitos: os afilhados do
major crescem e trocam a cidade pelo serviço militar; as moças e os rapazes passam a dançar o
frevo e o tango e os homens adotam “gravatas e profissões desconhecidas”. Com isto, todas as
instâncias começam a sofrer suas devidas modificações.
No plano da religião e da fé, as práticas da matriarca são substituídas pela atuação do vigário e
do médico. Com o primeiro, se estabelece o culto da aparência, a capela é trocada pela igreja
bonita e as histórias dos santos, misto de imaginação e espiritualidade, “morrem na memória das
crianças”. Com o médico vem o ceticismo, a ciência se sobrepõe à fé e a crença nos santos.
Agora, a importância de seu Ribeiro se desintegra, fazendo surgir para cada função social que
desempenhava uma profissão específica: chefe político, advogado, promotor, juiz de direito,
delegado de polícia, médico, padre.
Ao chegarmos nesta parte da história, vemos que o objetivo maior do narrador é realmente pôr
em destaque a redução da importância de seu Ribeiro. Por isso, é a gradação o recurso principal
de construção da narrativa tanto do ponto de vista da macro, quanto da micro-estrutura do texto:
tanto o encadeamento dos fatos, quanto a estrutura sintática e os elementos lexicais constroem a
idéia de que, à medida que o vilarejo vai se modernizando, seu Ribeiro vai se desqualificando
para a população, e tanto os seus recursos como seus atributos vão sendo reduzidos até
desaparecerem por completo.
A primeira grande redução diz respeito à extinção da família de seu Ribeiro, instituição que
outorgava a ele o direito de governo. Com os impactos da mudança, a mulher do major
“entristece, emagrece e fina-se”. Ao lado da população que se dispersa no turbilhão do progresso,
os filhos do major “acham o lugar atrasado e fogem”, restando a seu Ribeiro a vergonha e a
exclusão. A sabedoria do major “encolhe-se” e a sua autoridade vai “minguando, até
desaparecer”. A casa, grande e vazia, é trocada por outra menor e com a fuga dos filhos é
dissipada totalmente. Eis o resultado final:
Seu Ribeiro enraizou-se na capital. Conheceu enfermarias indigentes, dormiu nos bancos dos jardins,
vendeu bilhetes de loterias, tornou-se bicheiro e agente de sociedades ratoeiras. Ao cabo de dez
anos era gerente e guarda-livros da Gazeta, com cento e cinqüenta mil-réis de ordenado, e pedia
dinheiro aos amigos. (RAMOS: 2005, p. 46)
Este último parágrafo da história marca o final da gradação decrescente: de major respeitado, seu
Ribeiro passa a indigente, e de homem de caráter, a “bicheiro e agente de sociedades ratoeiras”.
Vê-se no final da gradação, a degradação de seu Ribeiro, promovida pelo sistema capitalista.
Todavia, Paulo Honório não critica o sistema do qual seu Ribeiro foi vítima, mas atribui ao seu
ritmo insuficiente a causa para o resultado desastroso da história (o seu esmagamento), já que foi
ele que não conseguiu acompanhar o progresso: “— Tenho a impressão de que o senhor deixou
as pernas debaixo de um automóvel, seu Ribeiro. Por que não andou mais depressa? É o diabo.” — p. 46. Ao contrário de seu Ribeiro, o narrador (pelo menos até a morte de Madalena) tem o
passo tão afinado com a modernidade que não só tem pernas suficientes para fugir do seu
esmagamento, quanto para acompanhá-la.
Essa breve leitura do capítulo que retrata a vida de seu Ribeiro antes da sua chegada em S.
Bernardo já permite ver alguns indícios de como a subjetividade do narrador concebe esta
personagem. Percebemos que, ignorando o caráter desumano e excludente dos fatos que
atingiram a personagem, o narrador o vê como indivíduo anacrônico, inadaptado para o estilo de
vida do progresso capitalista.
Numa releitura do capítulo, é possível perceber elementos sutis que contribuem pra evidenciar
essa perspectiva incompreensiva de Paulo Honório. Tal perspectiva do narrador aflora no texto
principalmente pelo fato de que ele exclui do capítulo o discurso de seu Ribeiro, mantendo o seu
próprio. A afirmação feita pelo narrador de que irá nos apresentar a história do ex-patriarca a partir
de uma “reprodução” é nesse sentido, plenamente falaciosa. E é interessante observar que ao
dizer que vai reproduzir o narrador elenca os dois recursos que utilizará para tal: o uso dos verbos
na terceira pessoa e da mesma linguagem do personagem. Dessa forma, é o próprio Paulo
Honório quem nos dá a prova maior de que a narrativa reproduz pouco daquilo que efetivamente
foi contado por seu Ribeiro, uma vez que a linguagem dele (redundante, cheia de adjetivação,
superlativos e arcaísmos) não é vista em nenhum trecho. Esse silenciamento de seu Ribeiro põe
em evidência a visão do narrador, revelada pela linguagem, pelo estilo que é dele mesmo.
A primeira “estratégia” utilizada pelo narrador na construção da história é o desaparecimento de
referências reais relacionadas ao vilarejo de seu Ribeiro, palco das transformações de que foi
vítima. Não há nenhuma menção a datas, nem a nomes de locais. A única referência dessa
natureza aparece somente no final da história, mesmo assim quando a personagem sai de seu
lugarejo e se instala em Maceió. Se, por um lado, essa ausência de nominalização pode ser
entendida como um recurso do próprio Graciliano Ramos para não restringir o processo
capitalista a um espaço específico, tornando a experiência do vilarejo como uma espécie de
símbolo, por outro lado, pode ser entendida como um “cálculo” do narrador, que ao excluir estas
mesmas coisas dá ao povoado de seu Ribeiro uma estrutura “fabular”, distanciando o mundo da
personagem da realidade social empírica.
Além da fuga do estilo de seu Ribeiro, Paulo Honório também dá uma nova roupagem aos fatos.
É curiosa, nesse sentido, a inclusão de episódios problemáticos acontecidos ao próprio narrador,
mas que acabam servindo para caracterizar a sociedade patriarcal “ribeirense”. O caso do
homem morto à faca e da prisão do homicida faz referência a Paulo Honório, preso pela morte de
João Fagundes, esfaqueado. O caso dos dois amigos que brigam por terra lembra-nos a
discórdia entre Mendonça e o narrador. A história da “sujeitinha” que engravida e do casamento
com o sedutor parece não pertencer à S. Bernardo, entretanto a encontramos numa das
passagens em que Paulo Honório comenta as complicações com o velho Mendonça:
Percorri a zona da encrenca. A cerca ainda estava no ponto em que eu a tinha encontrado no ano
anterior. Mendonça forcejava por avançar, mas continha-se; eu procurava alcançar os limites antigos,
inutilmente. Discórdia séria só esta: um moleque de S. Bernardo fizera mal à filha do mestre de
açúcar de Mendonça, e Mendonça, em conseqüência, metera o alicate no arame; mas eu havia
consertado a cerca e arranjado o casamento do moleque com a cabrochinha. (RAMOS: 2005, p. 46)
Além de comprovar que o capítulo de seu Ribeiro mantém uma nítida ligação com os anteriores,
uma vez que todos esses eventos acontecem do capítulo VII para trás, a utilização por parte do
narrador desses casos que lhe são particulares sugere que, tanto num sistema como no outro, o
que muda é apenas a maneira de solucionar os problemas, uma vez que estes são sempre os
mesmos em quaisquer circunstâncias sociais. Devemos perceber também que, além de incluir
esses fatos/problemas na narrativa, o narrador opõe o povo do vilarejo ao próprio seu Ribeiro,
numa diferenciação que ocorre de forma visivelmente irônica:
Com efeito, seu Ribeiro não era inocente; decorava leis, antigas, relia jornais, antigos, e, à luz da
candeia de azeite, queimava as pestanas sobre livros que encerravam palavras misteriosas de
pronúncia difícil. [...] Os outros homens, sim, eram inocentes.
Acontecia às vezes que uma dessas criaturas inocentes aparecia morta a cacete ou a faca. (RAMOS:
2005, p. 44 — grifos nossos)
A oposição inocência e não-inocência, que ironicamente refere-se ao à comunidade e a seu
Ribeiro respectivamente, mostra a diferença entre líder e comandados. Tendo em vista as ações
que pratica, a população do vilarejo aparece igual (e ruim) como qualquer outra, ficando o
diferencial apenas na figura de seu Ribeiro, o não-inocente. O fato de seu Ribeiro aparecer como
o único diferente da história acaba por validar o processo capitalista, já que o sistema não
aparece como vilão: foi seu Ribeiro que, por ser como é (bom e atrasado), não soube aculturar-se
às novas perspectivas. Daí a insistência do narrador quanto à preferência de seu Ribeiro às
coisas antiquadas ganha sentido, pois serve para realçar o caráter retrógrado da personagem:
“decorava leis, antigas, relia jornais, antigos, e, à luz da candeia de azeite, queimava as pestanas
sobre livros que encerravam palavras misteriosas de pronúncia difícil.” — p. 44 (grifos nossos).
Percebamos que mesmo descrevendo o período em que seu Ribeiro era “moço e feliz”, o
narrador enfatiza o apego deste ao passado. Nesse jogo de sentidos, a ironia do narrador afirma
e nega num mesmo lance: se seu Ribeiro não é inocente por causa da leitura, por outro lado,
aquilo que ele lê o torna distante e desatualizado da realidade, pois que até os jornais (meio de
informar-se do tempo presente) estão atrasados.
3. O capítulo VII permite não apenas entendermos como Paulo Honório compreende seu Ribeiro,
como também sabermos o modo como ele se relaciona com a personagem, modo que parece
desmentir seu modo de compreensão: há no narrador uma surpreendente inclinação pela
personagem, uma simpatia (para dizer com as palavras dele) que desponta de várias maneiras
no romance. Está visto que é uma simpatia no estilo Paulo Honório, espécie de sentimento particular, que beira a sensibilidade humana, mas que não ultrapassa os limites utilitários que o
seu coração reificado permite, sendo susceptível às circunstâncias do momento. Vejamos como:
Por esse tempo encontrei em Maceió, chupando uma barata na Gazeta do Brito, um velho alto,
magro, curvado, amarelo, de suíças, chamado Ribeiro. Via-se perfeitamente que andava com fome.
Simpatizei com ele e, como necessitasse um guarda-livros, trouxe-o para S. Bernardo. (RAMOS:
2005, p. 43)
É sempre importante dar atenção à maneira como o narrador de S. Bernardo elabora a sua
primeira notação em relação a alguém da narrativa, justamente porque nela ele utiliza elementos
significativos que antecipam a sua subjetividade, o seu ponto de vista. Tendo em vista a leitura da
obra, a observação de passagens em que seu Ribeiro aparece (quer por uma descrição do
narrador, quer por uma atitude ou fala sua) e ao modo como Paulo Honório concebe a figura
desta personagem, as suíças e a curvatura são elementos que sinalizam a maneira com constrói
a personagem durante o romance. Semelhantemente a d. Glória, em que adjetivos como “alta”,
“magra” e “velha” servem para que o fazendeiro a delineie ao longo do romance como alguém de
aparência séquida, imprestável e insignificante, as suíças de seu Ribeiro denotam a maneira
como a subjetividade do narrador o concebe: alguém cujos modos de vida, nos mais ínfimos
detalhes, está preso a um tempo que já não existe mais.
A questão da descrição, nesse caso particular, não está ligada exclusivamente ao corpo físico da
personagem, mas a todas as relações de sentido que ela estabelece no romance. Sendo assim,
ser “curvado” é metáfora para o fato de que seu Ribeiro desistiu após o fracassou, curvando-se
diante das circunstâncias. Ser “amarelo” para o narrador é passar fome. É notório como o
narrador põe em relevo a situação flagelada em que se encontrava seu Ribeiro antes de ser
“achado” por ele. A ênfase a essa precariedade é relevante ao reconhecermos que é típico de
Paulo Honório dar grandes proporções aos “favores” realizados para as pessoas. Isto geralmente
é feito através do destaque que se dá à situação anterior da pessoa favorecida.
Na visão de Paulo Honório, ser trazido para S. Bernardo, receber casa e comida, é um alto
benefício oferecido a seu Ribeiro, um favor que somente se justifica por dois motivos: o primeiro
deles, é a necessidade de mão-de-obra especializada, agora exigida pela fazenda, “e, como
necessitasse um guarda-livros, trouxe-o para S. Bernardo.” — p. 43; o segundo, é a inesperada
simpatia que o narrador sente pela personagem, seu oposto.
Num artigo intitulado São Bernardo: sugestões de leitura, Edílson Amorim (2004, p. 185)
apresenta sucintamente o modo como Paulo Honório se relaciona com cada personagem do
romance. Em relação a seu Ribeiro, o autor o situa entre as duas únicas pessoas tratadas com
respeito, ou certo afeto, pelo narrador: Mãe Margarida e Casimiro Lopes. Um ponto a que o autor
do texto faz menção é a presença de motivos pragmáticos que justificam tal mudança de atitude,
pois que Paulo Honório é sempre violento, autoritário, agressivo, com as pessoas.
No caso do capataz, nota-se realmente uma relação extremamente pragmática, uma vez que
Paulo Honório o estima porque recebe dele tudo o que lhe apraz: obediência, fidelidade e serviços
de cão. No caso de Mãe Margarida, a doceira que cuidou de Paulo Honório na infância, a questão
já ganha outros matizes. De fato, o narrador analisa a estada de Mãe Margarida na fazenda de
um ponto de vista puramente financeiro e com a secura afetiva que lhe caracteriza. Sua vinda
para S. Bernardo é na verdade uma espécie de pagamento/retribuição pelo tempo que cuidou do
menino Paulo Honório. No entanto, é preciso reconhecer que Paulo Honório mantém uma relação
conflituosa com os seus credores e que nunca mostra interesse em pagar favores humanitários.
Já com seu Ribeiro, notamos que o pragmatismo é o mais tênue de todos, uma vez que a
simpatia que o narrador lhe destina ao conhecê-lo não tem precedentes, como no caso de Mãe
Margarida, nem tampouco seu Ribeiro é um empregado tão ideal e padrão como Casimiro Lopes,
posto que é vagaroso, calmo e antiquado. Quais serão então as razões para esta simpatia?
Como afirmamos numa das partes iniciais deste trabalho, são poucas as passagens do romance
em que seu Ribeiro aparece. Depois de seu capítulo, a personagem é retomada com alguma
relevância para o encadeamento do romance apenas no capítulo XVIII. É nesta parte que mais
podemos ver a parcialidade do narrador em relação à personagem.
O evento realmente importante em torno do qual o capítulo se constrói é um desentendimento
entre os protagonistas, Paulo Honório e Madalena. Tipicamente, esse desentendimento origina-se
numa discussão sobre o salário de seu Ribeiro, minguado aos olhos de Madalena e volumoso
para Paulo Honório. O pivô da discussão, no entanto, será d. Glória, que, com uma única palavra,
será culpabilizada pela primeira briga do casamento. A atitude é, dessa forma, tão ilógica e
subjetiva que ao rememorar a situação o narrador quase que reconhece isto: “Mas atirei a
responsabilidade para d. Glória, que só tinha dito uma palavra.” — p. 115. Ao mesmo tempo em
que a subjetividade faz o narrador lançar sobre d. Glória a culpa, faz também com que ele não
entenda seu Ribeiro como o causador da discórdia, o que, se não era o certo, era o mais racional.
O encadeamento do diálogo (por sinal, primoroso) mostra que o tema do salário tem origem na
situação hipotética criada por seu Ribeiro, em que Madalena, com a morte do guarda-livros, seria
a responsável pela escrituração, tópico que abre o capítulo: “A excelentíssima, declarou seu
Ribeiro, entende de escrituração.” — p. 113. É ao imaginar-se na função do guarda-livros de S.
Bernardo, pondo-se no lugar do empregado, que Madalena reclama do baixo salário, o que
evidentemente só poderia aborrecer o narrador. Como neste caso, a voz do empregado está na
boca da própria Madalena, Paulo Honório não pode ou não consegue liquidar a reivindicação com
a sua brutalidade habitual, sendo esta, portanto, dirigida a d. Glória.
Caminhando nessa perspectiva, a leitura desse lance na cena mostra uma das razões para a
simpatia do narrador por seu Ribeiro: a aceitação das más condições criadas por Paulo Honório.
Diferente de Madalena, que reclama da precariedade dos outros, seu Ribeiro aceita muito
solicitamente a situação imposta pelo narrador: “É exato, confessou seu Ribeiro. Não me falta nada, o que recebo chega” — p. 115. Evidentemente, esta espécie de submissão, que na
concepção de Paulo Honório só pode ser entendida como servilismo, é um forte ponto para a
adesão do narrador. Vale salientar, no entanto, que o submeter-se de seu Ribeiro não deve ser
entendido como “mau-caratismo”, como sujeição barata: o que o guarda-livros sente na verdade
é medo de perder o pouco que recebe, retornando às anteriores condições de semi-mendicância:
“A mim só chegam desgraças. Enfim tenho aqui um pedaço de pão. E se essa infelicidade viesse,
nem isso me davam.” — p. 153
Além desta característica, há no perfil de seu Ribeiro duas outras características que merecem a
atenção do narrador. A primeira delas diz respeito ao estilo de trabalho da personagem, um pouco
diferente daquele geralmente esperado de um empregado de Paulo Honório. Sempre muito
decidido e brusco, o narrador age sem pausas, sem vacilos. Quando descreve as atitudes de seu
Ribeiro, é visível como ele focaliza a sua lentidão: “Escrevia neles com amor lançamentos
complicados, e gastava quinze minutos para abrir um título, em letras grandes e curvas, um
pouco trêmulas, as iniciais cheias de enfeites.” — 113. A alusão à escrita “trêmula” de seu Ribeiro
e ao tempo gasto para a realização de suas obrigações é uma constante. Mas é interessante que
a menção ao “mau/lento” funcionário nunca é revestida de um sabor acrimonioso. Se como
empregado, seu Ribeiro não recebe elogios, também não é alvo de críticas:
Convidei-o silenciosamente olhando uma janela por onde se viam, sobre livros de escrituração, as
suíças brancas e os óculos de seu Ribeiro. Entramos no escritório. Estávamos em principio de mês.
Abri o cofre e entreguei ao advogado duas pelegas de duzentos. Seu Ribeiro tremeu no borrador um
lançamento circunstanciado e afastou-se discretamente. (RAMOS: 2005, p. 54)
A outra característica que merece a atenção do narrador é o uso da linguagem por parte da
personagem para livrar-se do discurso do seu patrão. Sendo uma pessoa cordial, seu Ribeiro se
vale de uma linguagem eloqüente para escapar das grosserias do narrador. Paulo Honório, que
em tudo curto e grosso, perde-se no estilo escorregadio de seu Ribeiro. Uma situação que ilustra
isto é a cena do atraso do balanço patrimonial. Apertado por Paulo Honório, seu Ribeiro
angustia-se diante do interrogatório que o induz a divulgar a causa do atraso do balanço, optando
pelo silêncio. Acreditando que a causa é as “intromissões” de d. Glória, Paulo Honório perde
então o meio termo, indo direto ao ponto tanto em relação à pessoa, quanto à ação: “— Que é
que d. Glória vem fuxicar aqui, seu Ribeiro?”:
— Nada de importância, respondeu o guarda-livros. A senhora d. Glória é um coração de ouro e
versa diferentes temas com proficiência, mas eu, para ser franco, não a tenho escutado com a devida
atenção.
Achei ridículo interrogar aquele homem grave sobre os mexericos de d. Glória. (RAMOS: 2005, p.
133)
Há na resposta da personagem uma quebra de expectativa tal que o próprio Paulo Honório se
desnorteia. A atitude elogiosa a alguém que estava sendo agredida verbalmente, assim como a
transferência da culpa para si mesmo, tudo isto numa linguagem antiquada, afetuosa e ambígua (ao mesmo tempo em que a resposta autoriza a compreensão de que d. Glória tem realmente
“conversado demais”, desautoriza a mesma leitura ao dizer também que ele não lhe tem dado
ouvidos), deixam o narrador sem saída, restando a ele somente a sensação do ridículo.
Excelentes qualidades para um guarda-livros de Paulo Honório (em especial, para presenciar a
consumação de projetos anti-éticos), a discrição e a gravidade de seu Ribeiro, materializadas
através dessa linguagem de outros tempos, servem de também para desviar-se do discurso seco
e opressivo do narrador, deixando-o sem resposta.
4. Quando tomamos um rumo errado na vida, sempre imaginamos onde e em quais
circunstâncias estaríamos se acaso a escolha houvesse sido diferente. Vemos essa atitude no
capítulo XXXVI de S. Bernardo. Nele, o narrador faz um balanço tanto da sua experiência com
Madalena, quanto dos seus projetos de vida. Retomando mais uma vez a necessidade de
escrever, Paulo Honório finaliza externando as suas motivações: as dificuldades interiores
ocasionadas pela morte da mulher e todos os eventos que a acompanharam: a solidão, a falta de
entusiasmo para as atividades da fazenda, enfim, a necessidade de “acordar” as lembranças, na
tentativa de ao menos supor as respostas que seu espírito reificado, calcificado, mal consegue
formular.
Sem dúvida, a escrita proporciona a Paulo Honório a compreensão de muitas coisas. Uma delas
é justamente esta: reconhecer que o percurso escolhido e delineando ao longo dos anos poderia
ter sido outro. Nesse processo de reconhecimento, Paulo Honório “fantasia” três formas de vida
possíveis caso as suas ações houvessem sido diferentes. Em cada uma dessas três hipóteses, o
narrador cria realidades que se distinguem pela ausência da busca desenfreada pelo capital,
tornando-as com isto menos opressivas e opressoras.
A primeira realidade imaginada tem como pano de fundo o casebre de Mãe Margarida, no qual o
narrador viveu na infância. Nas conjecturas de Paulo Honório, caso ele houvesse aí permanecido,
o que possuiria seria pouco; em compensação, as necessidades seriam igualmente reduzidas,
bastando para supri-las uma esteira e café com rapadura.
A segunda realidade baseia-se na opção de ter-se casado com a Germana. Nesta, o horizonte de
perspectiva se amplia, contudo “percorrem uma órbita acanhada”. Aqui também o narrador seria
provido com pouca coisa: meia dúzia de cavalos, um punhado de terra e um par de roupas novas
para a família anualmente. O Paulo Honório hipotético não seria fazendeiro, mas almocreve e
para tanto apenas as alpercatas e um gole de cachaça no tempo frio lhe bastariam para viver
(paradoxalmente) “alegre como um desgraçado”.
Essas duas possibilidades vislumbradas pelo narrador relacionam-se a experiências suas. A
terceira liga-se, no entanto, ao mundo de seu Ribeiro, agora re-descrita. A subjetividade do
narrador, bem mais acentuada nesta parte, o faz ver o povoado do patriarca como uma
possibilidade para a felicidade. Essa mudança repercute sensivelmente na forma de apresentar a realidade do povoado, agora sem a nota de desprezo anterior. Notemos que, se o conteúdo é o
mesmo, a atitude porém já é outra quando comparada à narrativa do capítulo VII:
Penso no povoado onde seu Ribeiro morou, há meio século. Seu Ribeiro acumulava, sem dúvida,
mas não acumulava para ele. Tinha uma casa grande, sempre cheia, o jerimum caboclo apodrecia na
roça — e por aquelas beiradas ninguém tinha fome. Imagino-me vivendo no tempo da monarquia, à
sombra de seu Ribeiro. Não sei ler, não conheço iluminação elétrica nem telefone. Para me exprimir
recorro a muita perífrase e muita gesticulação. Tenho, como todo o mundo, uma candeia de azeite,
que não serve para nada, porque à noite a gente dorme. Podem rebentar centenas de revoluções.
Não receberei notícia delas. Provavelmente sou um sujeito feliz. (RAMOS: 2005, p. 219)
Ao transportar-se para esta outra condição, Paulo Honório esquiva-se de ser o proprietário,
preferindo não a posição de seu Ribeiro, mas a do governado por este. Os melhoramentos vindos
com a modernidade e que eram concebidos pelo narrador como favores dados aos seus
trabalhadores (iluminação e rapidez das informações sobre a exterioridade) são agora tidos como
inúteis e a ausência deles é até de melhor ganho para o indivíduo. Mas infelizmente, para Paulo
Honório, essas realidades “felizes” são apenas fruto de um devaneio momentâneo que somente o
alivia da situação atual, ruim, conflituosa que vive.
Enfim, apesar de ser no romance o representante autêntico do sistema capitalista, Paulo Honório
não tem consciência de que está totalmente subordinado à força dessa ideologia. O narrador de
S. Bernardo é uma peça fundamental, a mola propulsora que contribui para a afirmação da
ideologia do capital ao realizar as ações que planeja ao longo da vida. Se Paulo Honório
desconhece o próprio sistema de que é o símbolo maior e para o qual se encaminhou desde
cedo, menos consciência tem de que é possível viver de uma forma diferente, ou de que em
determinada época a sociedade viveu com base num sistema social e econômico diferente
daquele que ele experimenta e que acha único e melhor.
Ao chegarmos ao final de S. Bernardo e a esta parte em que o narrador relembra o povoado de
seu Ribeiro, entendemos que, para Paulo Honório, a função primordial da personagem é
proporcionar a possibilidade de tomar conhecimento da existência (mesmo que remota) de um
mundo menos brutal. Compreendendo as causas que desmancharam esse mesmo mundo, é
possível também que o narrador reconheça a si como seguidor do movimento progressista que
transformou o major seu Ribeiro no guarda-livros de S. Bernardo.
Para o leitor de S. Bernardo, a figura de seu Ribeiro contribui também para a própria configuração
de Paulo Honório, uma vez que a relação de oposição estabelecida por ele põe em evidência os
caracteres formadores da personalidade do narrador. Além disto, vemos que com seu Ribeiro o
narrador se distingue como personagem complexa, na qual visões reificantes coexistem com
sentimentos humanos, ainda que estes venham à tona de maneira diminuta, estrangulados por
sua percepção. Entre d. Glória e Padilha, seu Ribeiro é a pessoa menos reificada pelo olhar de
Paulo Honório. Ao mesmo tempo em que a natureza reificadora, desumana, faz Paulo Honório enxergar seu Ribeiro como indivíduo retrógrado, mercadoria em desuso, seu lado humano,
embora obscurecido por sua natureza, o faz tratá-lo com certa afetividade.
Sem querer correr o risco de cair em especulações no final deste trabalho, chamamos de
hipótese uma outra razão para esta afetividade do narrador: gostaria de supor que ela estaria
ligada à figura paterna que o “patriarca” seu Ribeiro representa. Nesse sentido, não apenas Paulo
Honório, como a órfã Madalena, teria sua simpatia justificada pela ausência/carência de um
referencial paterno, inexistente para ambos: “Possuo a certidão, que menciona padrinhos, mas
não menciona pai nem mãe. Provavelmente eles tinham motivos para não desejarem ser
conhecidos.” — p. 15.
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THAÏS DE MENDONÇA JORGE
Universidade de Brasília
https://orcid.org/0000-0002-7995-7838
N o t í c i a v e r s u s fa k e n e w s . A e x p l o s ão
d i s c u r s i va da s i n f o r m aç õ e s fa l s a s
e o m u n d o d o s j o r n a l i s ta s
N e w s v e r s u s fa k e n e w s . T h e d i s c u r s i v e
e x p l o s i o n o f fa k e i n f o r m at i o n
a n d t h e j o u r n a l i s t s ’ wo r l d
Resumo: São muitos os questionamentos da sociedade, dos jornalistas, de estudiosos e
especialistas com relação ao fenômeno das fake news, num momento em que parece estar
havendo o que Foucault (1988) denomina uma “explosão discursiva” sobre o tema. Fake
news são falsas histórias que parecem ser notícias e são divulgadas na Internet ou em outras
mídias, criadas para influenciar opiniões políticas. Por meio de um questionário enviado a
jornalistas e professores de jornalismo no Brasil, realizamos uma pesquisa empírica para
descobrir o que representam as fake news no universo, na cultura do dia a dia e na prática
profissional, enfim, no mundo dos jornalistas. São as falsas notícias um perigo para o jornalismo? A enquete apontou que os jornalistas temem, sim, as fake news, estão preocupados
com elas e as veem como uma ameaça à credibilidade da profissão.
Palavras-chave: Fake News; Notícias Falsas; Fato; Notícia; Verdade; Credibilidade.
Abstract: Society has many questions concerning the phenomenon of fake news. At
the moment, there seems to be what Foucault (1988) calls a “discursive explosion” regarding that topic. Fake news are fake stories that appear to be news stories and are broadcast on the Internet or in other media created to influence political opinions. Through a
questionnaire sent to journalists and journalism teachers in Brazil, we conducted empirical
research to find out what fake news represents in the universe, in everyday culture, in the
professional practice of journalists nowadays – the world of journalists as well. Are false
news a danger to journalism? The poll pointed out that journalists fear the fake news, are
greatly concerned about them, and see them as a threat to the credibility of the profession.
Keywords: Fake News; False News; Facts; News; Truth; Credibility
https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/47343/1/As_fake_news_e_a_nova_ordem.pdf?ln=en
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Golpe de 64 gerou 'fortalecimento da democracia', diz ministro em ordem do dia de 31 de março
Texto assinado por ministro da Defesa, Braga Neto, e por comandantes das Forças Armadas omite fechamento do Congresso, censura à imprensa e torturas e assassinatos da ditadura militar.
Por Pedro Henrique Gomes, g1 — Brasília
30/03/2022 21h26 Atualizado há 11 horas
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Movimentação de tropas militares dá largada ao golpe militar em 31 de março de 1964 — Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo
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Movimentação de tropas militares dá largada ao golpe militar em 31 de março de 1964 — Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo
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O Ministério da Defesa divulgou nesta quarta-feira (30) o texto da ordem do dia de 31 de março, a ser lida nesta quinta nas unidades militares, no qual afirma que o golpe militar de 1964, resultou em "fortalecimento da democracia".
O texto é assinado pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, e pelos comandantes de Exército, Marinha e Força Aérea.
O golpe completará 58 anos nesta quinta-feira (31). A ditadura militar durou de 1964 a 1985. Nesse período, houve perseguição, tortura e assassinatos de opositores do regime. O Congresso Nacional foi fechado, e a imprensa, censurada. O documento assinado pelos militares não menciona esses fatos.
"Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no fortalecimento da democracia, na ascensão do Brasil no concerto das nações e na aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso Nacional", diz o texto.
Golpe militar completa 57 anos: relembre o que aconteceu no dia 31 de março de 1964
https://g1.globo.com/politica/video/golpe-militar-completa-57-anos-relembre-o-que-aconteceu-no-dia-31-de-marco-de-1964-9399062.ghtml
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Golpe militar completa 57 anos: relembre o que aconteceu no dia 31 de março de 1964
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No texto, o ministro e os comandantes afirmam que é preciso reconhecer "o papel desempenhado por civis e militares" durante a ditadura.
"Nos deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia, valores estes inegociáveis, cuja preservação demanda de todos os brasileiros o eterno compromisso com a lei, com a estabilidade institucional e com a vontade popular", afirma a Ordem do Dia.
Outro trecho do texto diz que que as Forças Armadas acompanharam a evolução do país "mantendo-se à altura da estatura geopolítica do País e observando, estritamente, o regramento constitucional, na defesa da Nação e no serviço ao seu verdadeiro soberano – o Povo brasileiro".
Além de Braga Netto, assinam o texto o almirante Almir Garnier Santos, comandante da Marinha; o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército; e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica.
Comissão da Verdade
Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que investigou atos praticados por militares durante a ditadura, 434 pessoas foram mortas ou desapareceram no regime militar. O relatório apontou 377 pessoas como responsáveis, direta ou indiretamente, pelas práticas de tortura e assassinato.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) questiona os dados da comissão. Ele costuma chamar de "herói nacional" o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que morreu em 2015 e foi reconhecido pela Justiça como torturador do regime militar.
A Comissão da Verdade também apontou Ustra como um dos responsáveis pelos casos de tortura durante a ditadura.
31 de março no governo Bolsonaro
Esta é a quarta ordem do dia alusiva ao golpe militar publicada pelo ministro da Defesa e comandantes das Forças Armadas no governo Bolsonaro.
Em 2021, no primeiro ato como ministro da Defesa, Braga Netto afirmou que em 1964 os brasileiros se movimentaram nas ruas, com amplo apoio da imprensa, de lideranças políticas, das igrejas e de empresários.
Nas palavras dele, coube às Forças Armadas a responsabilidade de pacificar o país, enfrentando desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas de hoje.
Um ano antes, o general Fernando Azevedo, então ministro da Defesa, disse que 31 de março de 1964, data do golpe militar, foi um movimento que representou um "marco para a democracia".
Em outro trecho, afirmou que as Forças Armadas, como instituições "nacionais permanentes e regulares", cumprem missão constitucional e estão "submetidas ao regramento democrático".
Em 2019, a ordem do dia também foi assinada por Azevedo. O texto dizia: “As Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação”.
Outro trecho afirmava que o 31 de março estava inserido no ambiente da Guerra Fria e que a intervenção militar contou com o apoio da maioria da população e da imprensa da época.
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O Assunto
Golpe: por que não é tão simplesGolpe: por que não é tão simples
00:00 / 29:16
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MINISTÉRIO DA DEFESA
WALTER SOUZA BRAGA NETTO
https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/03/30/golpe-de-64-gerou-fortalecimento-da-democracia-diz-ministro-em-ordem-do-dia-de-31-de-marco.ghtml
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