Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 29 de março de 2022
MUTATIS MUTANDIS
"mudando o que tem de ser mudado".
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FIAT LUX
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Vai gritar Fiat lux e acender as terras frias
Por onde caminho, pisando em espinhos
Desastrado quixote dou bote em moinhos de vento
Em dragões que invento para dar sentido ao turbilhão
E não me encontro mais
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ONU: Guerra nuclear deve e será evitada | LIVE CNN
8.311 visualizações28 de mar. de 2022
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CNN Brasil
2,84 mi de inscritos
Em entrevista coletiva nesta segunda-feira (28), o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, atualizou a situação da guerra na Ucrânia e falou sobre as novas medidas que a organização deve tomar com relação ao conflito. #CNNBrasil
https://www.youtube.com/watch?v=tYHZXkjGvpM
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POMBA DA PAZ – PABLO PICASSO
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Guterres apela a 'cessar-fogo humanitário imediato' na Ucrânia
28 março 2022
O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou nesta segunda-feira (28) por um cessar-fogo humanitário imediato na Ucrânia.
Segundo ele, a medida é necessária para salvar a vida de civis e para que “negociações políticas sérias” possam avançar em direção a um acordo de paz, baseado nos princípios da Carta das Nações Unidas.
Guterres reforçou ainda que a ONU está fazendo “tudo que está ao seu alcance” para apoiar as pessoas cujas vidas foram arrasadas pela guerra. No último mês, além do apoio aos países de acolhimento de refugiados, as agências e parceiros humanitários da ONU alcançaram quase 900 mil pessoas, principalmente no leste da Ucrânia, com comida, abrigo, cobertores, remédios, água engarrafada e suprimentos de higiene.
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Em 25 de fevereiro de 2022 em Kiev, na Ucrânia, uma menina olha para uma cratera deixada por uma explosão em frente a um prédio de apartamentos que foi fortemente danificado durante as operações militares em andamento
Legenda: Em 25 de fevereiro de 2022 em Kiev, na Ucrânia, uma menina olha para uma cratera deixada por uma explosão em frente a um prédio de apartamentos que foi fortemente danificado durante as operações militares em andamento
Foto: © Anton Skyba for The Globe and Mail/UNICEF
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O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou nesta segunda-feira (28) por um cessar-fogo humanitário imediato na Ucrânia, para que “negociações políticas sérias” possam avançar em direção a um acordo de paz, baseado nos princípios da Carta das Nações Unidas.
“A cessação das hostilidades permitirá a entrega de ajuda humanitária essencial e permitirá que os civis se locomovam com segurança. Vai salvar vidas, evitar o sofrimento e proteger civis”, disse Guterres, falando a jornalistas do lado de fora do Conselho de Segurança em Nova Iorque.
“Espero que um cessar-fogo também ajude a lidar com as consequências globais desta guerra, que correm o risco de agravar a profunda crise de fome em muitos países em desenvolvimento que já não têm espaço fiscal para investir em sua recuperação da pandemia e agora enfrentam custos crescentes de alimentos e energia", acrescentou.
Ameaça nuclear – O chefe da ONU respondeu a perguntas de correspondentes após sua declaração e foi questionado sobre a possibilidade de qualquer uso de armas nucleares pela Rússia, ou qualquer uso de armas bioquímicas relacionadas à guerra na Ucrânia. “Isso seria algo que, acredito, será evitado – deve ser evitado”, afirmou Guterres. Ele também informou que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) irá tomar uma série de medidas importantes nos próximos dias para garantir a segurança das instalações nucleares na Ucrânia.
O secretário-geral relatou que o chefe de Assuntos Humanitários da ONU, Martin Griffiths, vai explorar imediatamente a possibilidade de um acordo com a Rússia e a Ucrânia por um cessar-fogo humanitário, e acrescentou que está em "contato próximo" com outros países na esperança de envolver Rússia em negociações significativas, incluindo Turquia, Catar, Israel, Índia, China, França e Alemanha.
“Desde o início da invasão russa há um mês, a guerra levou à perda sem sentido de milhares de vidas; o deslocamento de dez milhões de pessoas, principalmente mulheres e crianças; a destruição sistemática de infraestruturas essenciais; e a disparada dos preços de alimentos e energia em todo o mundo. Isso deve parar”, declarou o chefe da ONU.
Trabalho da ONU em campo – Guterres reforçou que a ONU está “fazendo tudo ao seu alcance para apoiar as pessoas cujas vidas foram arrasadas pela guerra”.
No mês passado, além do apoio aos países de acolhimento de refugiados, as agências e parceiros humanitários da ONU alcançaram quase 900 mil pessoas, principalmente no leste da Ucrânia, com comida, abrigo, cobertores, remédios, água engarrafada e suprimentos de higiene.
Existem agora mais de mil funcionários da ONU na Ucrânia, trabalhando através de oito centros humanitários em Dnipro, Vinnytsia, Lviv, Uzhorod, Chernivitzi, Mukachevo, Luhansk e Donetsk.
Ajuda para passar - O Programa Mundial de Alimentos (WFP) e seus parceiros alcançaram 800 mil pessoas no mês passado e estão aumentando para chegar a 1,2 milhão até meados do próximo mês, informou Guterres. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e seus parceiros também alcançaram mais de 500 mil pessoas nas áreas mais vulneráveis com kits de emergência de saúde, trauma e cirurgia.
“Apenas hoje, um comboio de caminhões trouxe alimentos, medicamentos e outros suprimentos de emergência do WFP, OMS, ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) e UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para Kharkiv, que serão entregues por nossos parceiros nacionais a milhares de pessoas em áreas duramente atingidas”, contou.
O secretário-geral informou ainda que agências da ONU e parceiros estão adquirindo suprimentos vitais e montando oleodutos para entrega em toda a Ucrânia nas próximas semanas.
Solução política - Mas o chefe da ONU deixou claro que qualquer solução para essa tragédia humanitária “não é humanitária, mas política”. Guterres fez um forte apelo às partes em conflito e à comunidade internacional em geral para “trabalhar conosco pela paz em solidariedade com o povo da Ucrânia e em todo o mundo”.
https://brasil.un.org/pt-br/176036-guterres-apela-cessar-fogo-humanitario-imediato-na-ucrania
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O Liberal
Ucraniana mãe de 12 filhos morre em combate enquanto lutava contra a invasão russa | Mundo |
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“…’mãe’ Ucraniana, ‘irmãos e irmãs’, ‘Zé Lensky’, ‘Invasão Russa’…”Mutatis Mutandis
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Wassily Kandinsky, Cossacos (1920)
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OBSERVAÇÕES DE UM CABO CONSCRITO SOBRE OS ERROS DE PUTIN
Tibério Canuto Queiroz Portela
Quando Hitler invadiu a União Soviética, não levou em seus cálculos o patriotismo dos russos. Este foi seu grande erro, sabiamente explorado por Stalin. Em vez de mobilizar o país para a defesa do socialismo, adotou um discurso patriótico, de defesa da “Mãe Rússia”. Em seu célebre discurso de 3 de julho de 1941 deixou de lado o termo "camarada" e dirigiu-se aos soviéticos como “irmãos e irmãs”, conclamando-os a defender suas terras, seu lar, suas mulheres e seus filhos. Apelou para símbolos e heróis da história russa, como Mikhail Kutuzov, que derrotou Napoleão, Pedro, O Grande, o czar que derrotou o rei sueco Carlos XII na Grande Guerra do Norte, e até Ivã, O Terrível, implacável com os inimigos, em cujo governo a Rússia se transformou em um império de mais de 1 bilhão de hectares.
Fez mais. Stalin mandou reabrir templos religiosos para reforçar a coesão entre os russos. Quando falou no rádio pela primeira vez após Hitler invadir o país, conclamou os russos a resistir de todas as formas, por meio de guerrilha em terras ocupadas pelo exército nazista e de uma política de terra arrasada, quando tivessem de recuar, queimando aldeias e cereais, matando animais e destruindo tudo que servisse de alimento para os soldados alemães ou de abrigo para a tropa de Hitler.
VEJA também
https://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2454
Explicitamente definiu o confronto como a "Grande Guerra Patriótica". Só patriotismo explica Leningrado não ter se entregado, mesmo sofrendo um cerco de 900 dias e mesmo vendo morrer em suas ruas mais de 600 mil russos em virtude da fome. O mesmo espírito levou os russos a conseguir a façanha de transferir para as profundezas dos montes Urais mais de 1.400 indústrias de territórios ameaçados de ocupação pelos nazistas. Para seus compatriotas, Stalin foi a expressão concentrada da alma russa, do patriotismo de seu povo.
O patriotismo russo levaria ainda à derrota das tropas hitleristas sob os escombros de Stalingrado, provocando o fenômeno de heroísmo em massa, com os alemães envolvidos em uma batalha casa a casa, cômodo a cômodo, rua por rua.
Hitler acreditava que suas tropas seriam recebidas como o foram na parte ocidental da Ucrânia, sob o aplauso da população. Neste caso, os ucranianos viram inicialmente os alemães como seus libertadores, para logo em seguida voltarem-se contra eles. E quanto mais a horda nazista adentrava nas profundidades da “mãe Rússia”, maior a resistência e heroísmo de seu seu povo.
Putin cometeu o mesmo erro na guerra da Ucrânia, subestimando enormemente o patriotismo dos ucranianos. Imaginava que tal sentimento seria anulado pelo laços históricos entre os dois povos e os dois países. Pelo fato de no leste da Ucrânia a maioria falar o russo, acreditava que suas tropas seriam recebidas como libertadoras pela população da região. Não foi o que se viu. As tropas de Putin não conseguiram conquistar nem mesmo Kharkov (Kharkiv), talvez a maior cidade ucraniana com mais laços históricos com os russos, dada a resistência dos ucranianos. Uma coisa é sua população falar o russo, outra coisa é seu sentimento como ucranianos identificados por uma comunhão de destino.
Já Zelensky está para os ucranianos assim como Stalin esteve para os russos na Segunda Guerra Mundial. Foi capaz de unir seu povo e dar ao confronto bélico com a Rússia o caráter de uma guerra patriótica. O patriotismo está expresso na consigna que está nas bocas dos ucranianos: “Glória à Ucrânia” e dá demonstrações de que a população está disposta a travar uma guerra palmo a palmo, casa a casa, prédio a prédio. Conseguiu ainda mobilizar a opinião pública mundial, ao contar com meios de comunicação que não existiam nos tempos de Stalin: as redes sociais. Quando da batalha de Stalingrado, havia uma opinião pública mundial torcendo pelos russos. Hoje a opinião pública está ao lado dos ucranianos e numa escala infinitamente ampliada.
Há outra semelhança entre os dois momentos históricos. A blitzkrieg de Hitler acabou às portas de Moscou. A partir daí suas tropas entraram em uma guerra que, quanto mais se arrastava, mais desgastava seu exército. A blitzkrieg de Putin acabou às portas de Kiev, transformando-se em uma guerra de desgaste, na qual o tempo é um fator corrosivo. Quanto mais se arrasta, maiores seus efeitos negativos no moral de suas tropas. Elas correm o risco de travar batalhas entre os escombros de Mariupol, Kharkiv e Kiev. Artilharia, tanques, mísseis, bombardeio aéreos são importantíssimos, mas quem decide a guerra e ocupa território é a infantaria. Batalhas urbanas entre destroços, a curta distância entre os combatentes, neutralizam superioridades bélicas, pois os combates são quase corpo a corpo.
Para Putin, o grande risco é ter de enfrentar batalhas desse tipo. Pode optar pelo cerco a Kiev, assim como Hitler optou por cercar Leningrado para que a fome levasse a população a se render. Mas a história está aí para provar que um povo, quando trava uma guerra patriótica, é capaz de sacrifícios inimagináveis e de ter uma determinação inquebrantável. Os Estados Unidos já sentiram isso na pele na guerra do Vietnã, onde a determinação de um povo e seu sentimento patriótico anularam toda a superioridade bélica dos Estados Unidos.
Pelo andar da carruagem daqui a pouco passa a ser de interesse de Putin acelerar uma solução negociada para a guerra, para não se ver envolvido num atoleiro em que, a longo prazo, não tem chance de vitória. Aliás, os russos também sabem o que é isso. Já viveram situação semelhante na guerra do Afeganistão.
* Jornalista
Wassily Kandinsky, Cossacos (1920) Ver menos
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INA, O PRACINHA E A LURDINHA
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Mutatis Mutandis - Dorota Mytych — Google Arts & Culture
Memórias da Segunda Guerra: o pracinha e a lurdinha
“Caro Sérgio, duas curiosidades sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial: por que os soldados integrantes da FEB eram denominados ‘pracinhas’ e por que apelidaram metralhadora de ‘lurdinha’? Obrigada.” (Belinda Santos) A primeira dúvida de Belinda tem resposta cristalina. A segunda, embora não seja completamente obscura, avança pelo terreno da lenda. “Pracinha” é […]
Por Sérgio Rodrigues Atualizado em 31 jul 2020, 01h25 - Publicado em 12 Maio 2015, 13h23
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“Caro Sérgio, duas curiosidades sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial: por que os soldados integrantes da FEB eram denominados ‘pracinhas’ e por que apelidaram metralhadora de ‘lurdinha’? Obrigada.” (Belinda Santos)
A primeira dúvida de Belinda tem resposta cristalina. A segunda, embora não seja completamente obscura, avança pelo terreno da lenda.
“Pracinha” é um diminutivo carinhoso – cívico, mas carinhoso – de “praça” na acepção já bastante antiga de “soldado”, isto é, “qualquer militar não graduado ou sem posto”, nas palavras do Houaiss. (No Brasil, pode significar também soldado de polícia, o que não vem ao caso aqui.)
Tal sentido de “praça”, por sua vez, nasceu por metonímia da expressão “praça de armas”, local onde as tropas se agrupam – seja para exercício ou revista, seja como concentração anterior a uma manobra ofensiva. Os oficiais não se perfilam na praça de armas; os praças, sim.
Tem a mesma origem a locução “sentar (ou assentar) praça”, que significa “alistar-se no exército”.
Quanto à “lurdinha”… Bem, a explicação do apelido que os pracinhas deram a princípio à temida metralhadora alemã MG42 (forma reduzida de Maschinengewehr 42, na foto acima levada por um soldado alemão), e que mais tarde foi aplicado também a outras metralhadoras, costuma ter duas versões.
Numa delas, um anônimo soldado brasileiro teria comentado que o veloz ritmo de tiro da arma inimiga lembrava a fala de sua ciumenta namorada. Na outra, Lurdinha seria uma costureira, e o barulho feito por sua máquina de costura é que teria sido invocado como comparação. Há quem prefira fundir as duas histórias: Lurdinha seria namorada e costureira.
Nenhuma dessas teses traz consigo, que eu saiba, prova documental ou depoimento em primeira mão. O que, sendo compreensível nas circunstâncias, é também uma pena, por condenar a lurdinha a uma indefinição etimológica que não combina com seu estilo agressivo.
https://veja.abril.com.br/coluna/sobre-palavras/memorias-da-segunda-guerra-o-pracinha-e-a-lurdinha/
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INA - Indústria Nacional de Armas - Conheça sua história
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A história da Indústria Nacional de Armas começa longe do Brasil, no início da Segunda Guerra Mundial quando os alemães invadiram a Dinamarca. Na oportunidade lá estava, em missão técnica um oficial do nosso Exército: Plínio Paes Barreto Cardoso.
Os dinamarqueses confiaram a ele alguns projetos de armas (inclusive o de uma metralhadora leve), que são trazidos por ele ao Brasil, para longe das mãos dos nazistas.
Finda a Guerra, restituídos os projetos, o Dansk Industri Syndikat cede por gratidão os direitos da submetralhadora Madsen modelo 1946.
Assim em 1949, presidida pelo então General R-1 Plínio Paes, é fundada a Indústria Nacional de Armas - INA, no bairro de Utinga, na cidade de Santo André, Estado de São Paulo.
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A sub-metralhadora INA, em calibre .45ACP, adotada pelo Exército Brasileiro, com sua coronha articulada na posição aberta.
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Apresentação
Passagens: Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa (Laboratório Cidade e Poder) fundado no início dos anos 1990 e atuante no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, em Niterói - centro singular e área de excelência de práticas e trocas acadêmicas multidisciplinares no Rio de Janeiro, na área de ciências humanas e sociais aplicadas. Situado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História, o Laboratório Cidade e Poder (LCP) congrega professores e pesquisadores que se afiliam aos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política, Sociologia e Direito, e Psicologia.
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Dostoiévski, Machado de Assis: “Que fazer” do fim da servidão e da escravidão
Dostoievsky, Machado de Assis: “Qué hacer” con el fin de la servidumbre y de la esclavitud
Dostoyevsky, Machado de Assis: ‘What Is to Be Done’ about the end to servitude and slavery
Dostoïevski, Machado de Assis : « Que faire » de la fin de la servitude et de l’esclavage
陀思妥耶夫斯基和马夏多﹒德阿齐斯:消除农奴制和奴隶制后“怎么办”
Ana Carolina Huguenin Pereira 1 carolhuguenin@yahoo.com.br
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil
Dostoiévski, Machado de Assis: “Que fazer” do fim da servidão e da escravidão
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 8, núm. 2, pp. 331-354, 2016
Universidade Federal Fluminense
Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
Recepção: 07 Dezembro 2015
Aprovação: 21 Março 2016
Resumo:
No Brasil e na Rússia oitocentistas projetos modernizantes conviveriam com as heranças do trabalho servil e escravo. Enquanto no primeiro país parte da intelligentsia reagiria à Emancipação através do encaminhando de propostas revolucionárias – entre as quais aquelas apresentadas no romance “O que fazer”, de N. Tchernichévski –, no Brasil, parte da elite intelectual se engajou na propagação de teorias de cunho racialista e conservador. Em período de redefinições, na emergência de diferentes projetos de futuro e olhares reapropriadores do passado, dois dos maiores nomes da literatura de ambos os países – Machado de Assis e Dostoiévski – formularam contundentes expressões literárias a respeito dos contextos históricos nos quais se inseriam, marcados pela abolição, respectivamente, dos regimes de trabalho escravo e servil. Dostoiévski se envolveria em polêmicas, através do exercício literário e jornalístico, com a esquerda intelectual adepta da ação direta, os chamados “niilistas” russos. Machado polemizaria com os adeptos da modernização excludente, apoiada em noções biologizantes e sua aplicação à sociedade. Ambos os autores deixaram registros críticos e elaborações literárias das consequências advindas de diferentes processos abolicionistas.
Palavras-chave:
Abolição, modernidade, História e Literatura, Dostoiévski, Machado de Assis.
Resumen:
En el Brasil y la Rusia del siglo XVIII, proyectos de modernización convivieron con las herencias del trabajo servil y esclavo. Mientras que en Rusia parte de la intelligentsia reaccionaba a la Emancipación con una serie de propuestas revolucionarias - entre las cuales aquellas presentadas en la novela “Qué hacer” de N. Tchernichévski -, en Brasil, parte de la élite intelectual se encaminaba hacia la propagación de teorías de carácter racialista y conservador. En tiempos de redefiniciones, con la emergencia de diferentes proyectos de futuro y miradas apropiadoras del pasado, dos de los mayores nombres de la literatura de ambos países – Machado de Assis y Dostoievski – produjeron obras literarias que se referían a sus contextos históricos respectivos, marcados por la abolición de los regímenes de trabajo esclavo y servil. Dostoievski, a través de artículos de prensa y textos literarios, se envolvió en polémicas con la izquierda intelectual adepta a la acción directa, los llamados “nihilistas” rusos. Machado se enfrentó con los adeptos a la modernización excluyente, apoyada en supuestas nociones biológicas y su aplicación en la sociedad. Ambos autores dejaron registros críticos y producciones literarias referidas a esos procesos abolicionistas y sus consecuencias.
Palabras clave:
Abolición, modernidad, Historia y Literatura, Dostoievski, Machado de Assis.
Abstract:
Modernization projects in nineteenth-century Russia and Brazil coexisted with the legacies of servile work and slavery. While in Russia part of the intelligentsia reacted to the Emancipation by means of the conveying of revolutionary proposals – such as those outlined in the novel “What Is to Be Done?” by N. Chernyshevsky – in Brazil a sector of the intellectual elite became engaged in the propagation of racialist and conservative theories. In a period of redefinitions and the emergence of various future projects and perspectives appreciative of the past, two of the biggest names in literature in both countries – Machado de Assis and Dostoyevsky – formulated literary expressions on the historical contexts in which they were inserted, marked as they were by the abolition of slavery and servile work, respectively. By means of his literary and journalistic output, Dostoyevsky became involved in controversial exchanges with the intellectual left and its support for direct action, known as they were as Russian “nihilists”. Machado de Assis argued with those supporting modernization promoting exclusion, based on biologizing notions and their application to society. Both authors left criticism and literary works on the consequences of different abolitionist process.
Keywords:
Abolition, modernity, History and Literature, Dostoyevsky, Machado de Assis.
Résumé:
Dans le Brésil et la Russie du XIXème siècle, les projets modernisateurs ont dû coexister avec les héritages du travail servile et de l’esclavage. Tandis qu’en Russie, une partie de l’intelligentsia avait réagi à l’émancipation en proposant des mesures révolutionnaires – parmi lesquelles celles de N. Tchernychevski dans son roman « Que faire ? » –, au Brésil, un partie de l’élite intellectuelle s’engageait dans la propagation de théories aux relents racistes et conservateurs. En cette époque de redéfinitions, tandis qu’émergeaient différents projets d’avenir et modes d’appropriation du passé, deux des plus grands noms de la littérature des deux pays, Machado de Assis et Dostoïevski, s’exprimaient à travers la littérature sur les contextes historiques qui les entouraient, marqués respectivement par l’abolition de l’esclavage et du travail servile. À travers l’exercice littéraire et journalistique, Dostoïevski avait pris part à des polémiques avec la gauche intellectuelle adepte de l’action directe et ceux que l’on a appelé les nihilistes russes. De son côté, Machado de Assis était aux prises avec les adeptes de la modernisation excluante, qui s’appuyaient sur des notions biologisantes et leur application à la société. Les deux auteurs nous ont ainsi laissé une vision critique et littéraire des conséquences des différents processus abolitionnistes.
Mots clés:
Abolition, modernité, Histoire et Littérature, Dostoïevski, Machado de Assis.
摘要:
十九世纪的俄国和巴西都经历了一个相似的在农奴制和奴隶制条件之下的现代化进程。在俄国,部分知识分子针对农奴问题,提出了革命的纲领,比如说,车尔尼雪夫斯基的小说“怎么办”。在巴西,一些知识精英致力于传播保守的种族主义理论。在社会转型时期,俄国的知识分子提出了前瞻性纲领,可是巴西的知识分子却在往过去寻找出路。代表国家的两个伟大的文学家,陀思妥耶夫斯基和马夏多﹒德阿齐斯,在各自的历史背景之下,通过各自的文学作品反映了废除农奴族和奴隶制的诉求。陀思妥耶夫斯基通过文学创作和新闻记者的活动参与了一些与左派激进知识分子的论战,这些左派被俄国人称为“虚无主义分子”。 巴西作家马夏多﹒德阿齐斯也参与了论战,反对一些精英提出的排除黑人的现代化,及其生物决定主义的社会思想。两位作家都留下了批判现实的言论和关于废除农奴制与奴隶制的作品
關鍵詞:
废除奴隶制, 现代性, 历史和文学, 陀思妥耶夫斯基, 马夏多, 德阿齐斯.
A década de 1860 foi marcada por acontecimentos decisivos na história da Rússia. A derrota na guerra da Criméia (1853-6) veio pontuar o fim do reinado conservador de Nicolau I, abrindo espaço para reformas modernizantes implementadas sob Alexandre II - entre as mesmas, a de maior relevo e repercussão históricos foi a Emancipação dos servos, em 1861.
Uma década mais tarde, no Brasil, foi aprovada a Lei do Ventre Livre – golpe parcial a uma estrutura que permaneceria sob fortes questionamentos. Em ambos os países a introdução do mercado livre de trabalho deixou de endereçar demandas e necessidades dos libertos por terra, por inclusão social no âmbito de sociedades hierarquizadas e brutais em relação aos seus “humilhados e ofendidos” racialmente demarcados ou não. Na Rússia e no Brasil projetos modernizantes conviveriam com as heranças da servidão e da escravidão; e não eram poucos (afinal, na expressão de Dostoiévski, “se chamam cinquenta milhões”, apartados dos “cem mil” membros da elite russa)[2] os que engrossaram as fileiras da mão de obra “culturalmente [e socialmente] segregada”.[3]
Em um período de redefinições, na emergência de diferentes projetos de futuro e olhares reapropriadores do passado, dois dos maiores nomes da literatura de ambos os países – Machado de Assis e Dostoiévski– formularam contundentes expressões literárias a respeito dos contextos nos quais estavam inseridos, marcados pela abolição dos regimes de trabalho escravo e servil, em seus impactos, insuficiências e contradições.
Dostoiévski se envolveria em polêmicas ao longo dos anos 1860, através do exercício literário e jornalístico, com a esquerda adepta da ação direta, os assim chamados “niilistas” russos. Machado polemizaria, por sua vez, com adeptos da modernização excludente, que revestia de terminologia científica o racismo tradicional; ou, pode-se afirmar, com os propagadores de “Humanitas”, “filosofia” satírica, anunciada pelo enlouquecido personagem Quincas Borba.[4]
É importante ressaltar a clivagem especificamente racial da escravidão brasileira, contrastando com a ausência de tal demarcação no que concerne à servidão russa – instituição sem dúvida brutal, que incluía castigos corporais e mesmo compra e venda das “almas” servas, as quais, no entanto, não carregariam o peso da exclusão racial, tampouco se tornariam objetos de teorias de cunho racialista a propor o “branqueamento” como condição de ingresso do país na “civilização” moderna.
Machado de Assis e a “nova geração”
Machado de Assis encontrava-se em posição ambivalente no cenário sociocultural brasileiro - enquanto mulato, alvo potencial de teorias racialistas, e, ao mesmo tempo, membro, durante a fase adulta e graças ao talento extraordinário, de um grupo seleto de artistas e intelectuais. O autor, consagrado em vida como expoente literário e primeiro presidente da ABL, possuía, pode-se considerar, uma “dupla inserção”, rara e complexa: por um lado, fazia parte de uma reduzida elite intelectual; por outro, as origens humildes e a própria cor de sua pele – a que Sílvio Romero aludiria através de termos como “moléstia”[5] - o colocavam entre os “cinquenta milhões” de brasileiros que vinham de sofrer e continuariam sofrendo, de maneiras variadas, o opróbrio escravista.
Silvio Romero, como se sabe, fora figura de frente na batalha política e cultural da “nova geração”, propagadora do “bando de ideias novas” – dentre elas, fundamentalmente, o abolicionismo. Ao analisar sua obra, A. Cândido ressalta a
posição [...] do intelectual brasileiro, que, no contexto dominado pela obsessão biológica do século, perguntava a quantas ficaria ele, fruto de um povo misturado, marcado pelo medo de alegada inferioridade racial, que no entanto aceitava como postulado científico.[6]
A “obsessão biológica do século” partia do epicentro europeu das ciências modernas e se expandia como influência e pressão. A visão de mundo romântica, como diria Romero, com seus “encantadores cismares”,[7] perdia fôlego entre a intelligentsia modernizadora, racionalista, liberal, republicana e abolicionista. Em polêmico ensaio sobre essa “nova geração viçosa e galharda” dos anos 1870, Machado afirmou, em 1879:
Um espírito novo parece animar a geração que alvorece, [...] esta [...] não se quer [...] prolongar o ocaso de um dia que [...] acabou. [...] Esse dia, que foi o Romantismo, teve as suas horas de arrebatamento, [...], de sonolência [...], até que [...] negrejou a noite. [...] o desenvolvimento das ciências modernas, que despovoaram o céu dos rapazes, lhe deram diferente noção das coisas, e um sentimento que de nenhuma maneira podia ser o da geração que os precedeu.[8]
A “geração que alvorece”, arrebatada pelo “desenvolvimento das ciências”, relegaria o romantismo indianista à “sonolência”. De forma semelhante, os “pais” românticos das gerações intelectuais russas dos anos de 1830 e 1840 seriam renegados pela “nova geração”, por seus “filhos” revolucionários dos anos 1860 e 1870, que lhes atribuiriam pecha de “homens supérfluos”.[9]
Enquanto o Romantismo parecia imergir no “ocaso da noite”, a ciência passava a figurar enquanto ponto de partida e vislumbre de destino. O “desenvolvimento das ciências modernas”, como alude Machado, encontraria receptividade e ecos específicos no Brasil e na Rússia oitocentistas, sendo que, no primeiro país, o aspecto racial de teorias evolucionistas aplicadas à sociedade viria contemplar questões relativas à hierarquia social ligada, ao contrário do que se passava na Rússia, a um ponto tão essencial quanto particular: a questão racial.
Em “Introdução à Literatura Brasileira” Romero discute a “fisiologia do brasileiro”, levantando questões relativas ao “meio” e aos fatores climáticos do país. O autor cita o “Tratado de Higiene” de M. Lévy, ao elencar considerações biológicas a respeito de povos submetidos ao sol tropical: “[...] o sangue [...] fica [...] pouco estimulante; [...] não se arterializa [...] como nos climas frios, onde a respiração é mais enérgica”.[11] Não apenas o sangue e a respiração, mas a própria atividade mental de nativos submetidos a excessos climáticos seria menos “enérgica” em comparação aos povos de “sangue” europeu: “O trabalho intelectual é no Brasil um martírio [...]. O brasileiro é um ser desequilibrado [...] mais amigo dos sonhos [...] do que de ideias positivas e científicas”.[12]
Caberia aos missionários da “nova geração” trabalhar a serviço da “aceleração” do “ritmo respiratório” do país, colocando-o em compasso com povos mais “enérgicos”, de “ideias positivas e cientificas”. O reajuste “respiratório”, mental, vital e, literalmente, sanguíneo, passaria pela questão racial. O crítico conclui o ensaio citando ponderações de H. Taine sobre o sol da Índia e sobre o povo “sonhador” daquele país: “Uma alma sonhadora [...] situada nos confins da loucura [...] vizinha da alucinação [...] cujos sonhos monstruosos [...] torcem o homem como gigantes esmagam um verme”.[13]
O texto de Taine situa-se cultural e politicamente em momento histórico de expansão da ciência e dos impérios europeus. E por que Sílvio Romero, ao escrever o ensaio “fisiológico” sobre o próprio povo, recorreria a um texto relacionado à Índia? De que modo a empreitada intelectual modernizante, no Brasil, poderia valer-se de semelhantes ponderações? A resposta parece óbvia, mas interessa salientá-la, para melhor situar a posição machadiana entre os “cientistas” de sua época.
Como demonstra Lilia M. Schwarcz, a adoção no Brasil de “conhecimentos científicos” menosprezantes em relação a povos não europeus, não se ligava a mera aceitação passiva, enraizada em imaturidade intelectual ou suposta incapacidade de produzir algo original. Não se tratava de refletir mecanicamente, como um miserável espelho, o racismo estrangeiro.[14] O fim da escravidão poderia alterar não só “ritmo respiratório” do país, que se adequava ao mercado livre de trabalho, exigência modernizante, mas, como era temido, o das elites brancas, sob o risco de ter sufocada a “respiração” e, no limite, as próprias cabeças, cortadas - como alguns pretenderam na Rússia - pelo povo, no caso, negro e mestiço. Que as elites cultas conduzissem a aceleração, o progresso “respiratório” modernizante sem sufocar elas mesmas. Tratava-se enfim de garantir, na mudança, permanências em relação ao exercício de poder, contornando “perigos” haitianos.
Romero permite-nos entrever tais questões com clareza, quando conclui:
Eis ao que ficou reduzida pelo clima da Índia a raça mais progressiva e inteligente da terra [a “raça” ariana]. Se o nosso céu não é tão déspota, não deixa de sê-lo até certo ponto. Conjuremos sempre por novas levas de imigrantes europeus a extenuação de nosso povo; [...] por meio de todos os grandes recursos da ciência.[15]
O sangue e o conhecimento europeus revigorariam a nação através da imigração. O “clima” brasileiro não deveria, após a Abolição, “esquentar” como o “clima” indiano, mas permanecer resguardado de eventuais aumentos da temperatura social. Na miscigenação Sílvio Romero não via, como queriam certos “cientistas” que influenciaram sua obra, a exemplo de A. Gobineau, a “degeneração”,[16] desde que o “sangue” resultasse predominantemente europeu. O branqueamento, neste contexto, é defendido como projeto de redenção genética e cultural, relacionada aos “grandes recursos da ciência”.
Os genes supostamente “patológicos” de um romancista mestiço, que sofria de epilepsia (assim como Dostoiévski) e problemas de fala, não se adequavam à cartilha biológica de aperfeiçoamento evolutivo. Se Machado recusou a aplicação de teorias darwinianas à sociedade, Sílvio Romero jamais o perdoaria pelas críticas desenvolvidas no ensaio sobre a “nova geração” e, movimento contínuo, nas obras machadianas que se seguiriam, como, entre outras, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891), nas quais os imperativos de “Humanitas”, paródia da “luta pela sobrevivência”, são anunciados pelo rico e enlouquecido personagem Quincas, deixando ileso o “senhor” Brás Cubas, e submetendo o prosaico professor Rubião às reviravoltas de suas máximas, ou à falta de compaixão pelas mesmas celebrada.
Em referência à obra de Machado, em 1897, ano em que o “bruxo” tornou-se presidente da ABL, Sílvio Romero (des)qualificou-a como “obra de mestiço”.[17] Propondo analisar a escrita machadiana “à luz de seu meio social, [...] de sua psicologia, de sua hereditariedade fisiológica e étnica”,[18] o crítico deploraria o pessimismo presente na mesma: “é quase mau [Machado] quando se mete a filósofo pessimista [em contraposição ao “otimismo triunfante” da “nova geração”], e a sujeito caprichosamente engraçado”.[19]
A expressão “obra de mestiço” é injetada após uma série de criticas à escrita e à personalidade machadianas, equivalendo a uma desqualificação – embora o crítico engrandecesse a obra Tobias Barreto, também mestiço, como a que melhor se adequaria aos “critérios nacionalistas”.[20] É como se o “mestiço inadequado” houvesse se apoderado do lugar de direito daquele que melhor representaria a índole apaixonada de “nossas raças”:
[Tobias Barreto era] um mestiçado, [...] o resultado de tendências opostas, que quase sempre se atropelam [...], estado psicológico [...] agravado nas índoles estéticas e progressivas, como a dele, por essa moléstia de cor, esse mal [...] que ainda não tem nome, e deve ser uma espécie nostalgia da alvura. [...] estas condições são capazes de fazer nascer [...] a espécie de humor de nossas raças íbero-áfrico-americanas. Tobias as possuía todas, e Machado apenas algumas; [...] por índole é manso [...] como o mais pacato burguês.[21]
Se a “hereditariedade fisiológica e étnica” de Machado era uma maldição nostálgica da “alvura”, a psicologia do autor teria herdado o pior quinhão da mestiçagem. Enquanto em T. Barreto o “atropelamento” teria resultado em índole combativa e progressista, com a qual o Romero se identificava - em outras palavras, enquanto o sergipano seria um “amigo da escola de Recife”[22] - Machado, desconfiado em relação à “nova geração”, teria contraído, da “moléstia”, o pior quinhão: mansidão, pessimismo, “gagueira” literária”.[23] Um escritor epilético e mestiço “à cata do extravagante”,[24] cujo “sistema nervoso” seria falho[25]. Eis, em linhas gerais, o veredicto a respeito da obra e da personalidade machadianas. Quanto ao “dever” de julgar o escritor “à luz de seu meio social”, o crítico chama atenção para o fato de que o Machado não possuía “pergaminho que lhe abrisse a senda de qualquer profissão liberal”, atirando-se, assim, “ao funcionalismo público [...]. Vida [...] mediana e risonha”.[26]
Se o romancista ria da “nova geração”, ele mesmo seria risível em sua vida de funcionário público e mestiço sem pergaminho. Não se engajar, de forma direta, em reformas modernizantes, seria uma forma de garantir o emprego burocrático – desdenhado, aqui, em relação às profissões liberais – e uma resposta quase involuntária à “moléstia da cor.” O ataque à “nova geração” poderia ser desqualificado, sob tal ângulo, como mais uma “extravagância”, genética e mental, de um homem acomodado, contraexemplo do “homem de ação” moderno.
Romero expressa ressentimento perante um escritor que desdenha do “triunfo” da “nova geração” e ironiza suas esperanças – um pessimista, desengajado em relação às “novas ideias”, que ofuscara os “moços” “galhardos”, recebendo as maiores honrarias literárias. Interessa pensar na especificidade de uma situação na qual, em um período marcado pela Abolição, um romancista chega ao ápice da carreira, sendo atacado como portador de “moléstia da cor”. Não é tanto o ataque em si, mas os termos em torno dos quais este se estrutura – como contestar a reputação de um escritor consagrado, quais seriam as estratégias disponíveis e eficazes à época? Apontar para o fato de que se tratava de um mestiço que sofreria (por isto mesmo, supostamente) de perturbações mentais - daí viriam o pessimismo e o humor irônico, entre crises violentas de epilepsia.
Enquanto Machado esteve exposto a ataques dirigidos, literalmente, à própria pele, Dostoiévski, ao envolver-se em diversas polêmicas ao longo da trajetória jornalística e literária, teria a pele, literalmente, poupada - e não perpassada, riscada e (re)colorida por suspeitas teorias científicas. O autor travou duras polêmicas com a “nova geração” revolucionária do país, que, no entanto, jamais obteria em seu próprio genótipo um ponto privilegiado de mira.
O “sol” da Índia não era parâmetro de comparação, ou motivo de inquietação direta, em relação ao “sol” da Rússia; a diferenciação racial não figurava no primeiro plano das angústias, reformulações e disputas em curso no país. Diante de tal questão, inquietante no Brasil, nem socialistas, liberais, ou eslavófilos teriam de formular resposta específica, planos de ação para encaminhar, neste sentido, a indagação histórica formulada por Nicolai Tchernichévski - “o que fazer?”.[27]
Entre a elite culta, que procurava encaminhar o dilema em torno do “que fazer” no Brasil, Machado encontrava-se, é certo, em posição ambivalente, descrita por Richard Miskolci como a de um “outsider estabelecido”[28] - o mestiço que se opôs a modismos científicos e a certos projetos vencedores de modernização e, ainda assim, consagrou-se como grande nome da literatura nacional, na ambivalência entre “cem mil” brancos e “cinquenta milhões” de negros e mestiços. Posição específica que Dostoiévski, seus pares e detratores russos, desconheciam. Tal singularidade marca a literatura machadiana. Nela, ao contrário do que podemos encontrar em Dostoiévski, não há ideais referentes a uma grande fraternização nacional e, quanto menos, universal. Não percebemos filiação direta (ainda que mantendo certa distância crítica) a um ou outro grupo de ideólogos nacionais, como em muitos romances Dostoiévski, em relação a ideais de tendências eslavófilas.
O tom, se assim se pode dizer, é mais frio, posto que descrente, e certamente mais indireto. Mas Machado não pode ser considerado de forma alguma, a exemplo do que sugere Sílvio Romero, “manso”. As críticas e embates travados (ou, por vezes, sugeridos) em relação a certos ideais modernizantes de sua época são plenos de investidas ferinas, expressas através de ironia e ridicularização. Um furor menos explosivo que em Dostoiévski, certamente mais discreto, quando comparado ao tom das críticas e denúncias do escritor russo. Sobre o tom polemista e ruidoso de Dostoiévski, é famosa a carta escrita em março de 1870 a N. Stakhov, crítico literário e antigo colaborador da revista Vriêmia, editada pelo romancista. À época, Dostoiévski estava elaborando Os demônios, obra que marcou o ápice de sua polêmica com os socialistas russos. A missiva elogia um artigo de Strakhov a respeito da “questão feminina” fazendo, porém, a ressalva: “O senhor usa de demasiada delicadeza. É preciso escrever com um chicote nas mãos. [...]. Seria preferível que o senhor os atingisse [os leitores] com mais ardor e brutalidade. Os ocidentalistas e os niilistas precisavam definitivamente do chicote”.[29]O chicote literário de Dostoiévski estalaria com força especialmente contundente, afiado em denúncias, críticas e polêmicas, em Os demônios - obra cujo próprio título ecoa, com máximo ardor e sutiliza alguma, a visão do autor a respeito dos “niilistas e ocidentalistas”. O leitor se depara com crimes diversos, suicídios, espancamentos, loucura - uma vastidão de infelicidades que compõem um cenário inequivocamente trágico. Machado, conhecido pela sutileza irônica, mestre das entrelinhas, não se utiliza de semelhante “chicote” estilístico, a estalar, incessante e ruidosamente, “golpes” diversos de natureza política e social.
Ao desacreditar o “otimismo não só tranquilo, mas triunfante”[31] da “nova geração”, Machado polemizou com o projeto republicano de modernização excludente, que adaptava ideias europeias, para, no limite, conservar o status quo social e racial.[32] Expressando fina ironia, cética e cômica, o “bruxo” desenvolveu um estilo que contribuiu para consagrar e singularizar sua escrita. A seu modo, Machado abraça controvérsias, fazendo do próprio ceticismo uma espécie de antimilitância, contestadora da militância otimista e conservadora dos “cientistas” da raça e do meio. Algo repreensível àqueles que desejam seguir carreira de “medalhão” – afinal, “não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios [...], feição própria dos céticos e desabusados”.[33]
O movimento, que vem do canto, e não do arregaçar da boca, se não é grito, se não é o “chicote” brutal de Dostoiévski, ainda pode-se ouvir. Se a démarche irônica é “cheia de mistérios”, pode privar aqueles a quem falta senso crítico, a capacidade de avaliar que a piada pode ter o próprio leitor como alvo. Uma leitura pouco crítica pode deixar escamoteadas os “mistérios” que saíam “ao canto da boca” de Machado, travestindo suas invectivas mais mordazes num “meter-se a engraçado” ou em gracejos finos, como queria Romero - entre outros críticos e, certamente, leitores que não leram todas as entrelinhas, virtualmente inesgotáveis, de sua obra. O método enviesado assumido ao criticar a sociedade escravista, raras vezes menciona ou discute direta, detida ou, ainda menos, “panfletariamente”, a escravidão.
O conto Pai contra mãe (1906), porém, aborda o tema de forma direta e central. Trata-se, no âmbito da “luta pela sobrevivência”, (cujas racionalizações “científicas” Machado tanto ironizou) de um encontro trágico entre dois “humilhados e ofendidos” da ordem escravagista. De um lado, um homem livre e pobre, que descobrira atividade lucrativa na captura de escravos fugidos. À medida que a concorrência aumentava e a demanda pelo serviço diminuía, com o lento e progressivo declinar da escravidão, Cândido vê-se em situação desesperada, enquanto a mulher, Clara, dava à luz. Ao desalento do pai, a caminho de abandonar o recém-nascido à Roda dos enjeitados, uma esperança se apresenta no derradeiro instante, ao avistar uma escrava fugitiva, por quem o senhor oferecia vultoso resgate. Seguem-se clamores e resistência inúteis da mulher, que roga por si e pelo filho que carrega no ventre, “alegando que o senhor era muito mau e provavelmente a castigaria com açoites”.[35] Inclemente, o cândido pai entrega a presa e recebe, no ato, a recompensa, retirada, de uma vez e quase displicentemente, da gorda carteira do proprietário. A escrava sofre um aborto diante do captor, que dá as costas e segue aliviado para casa, resgatando seu bebê: “Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração”.[36] Com a sentença, o conto termina – sentença que pesa, é claro, com vigor proporcionalmente decrescente a escalas sociais e raciais. À escrava e seu filho, a morte; ao homem livre e pobre, a Roda ou possibilidade de salvação pela recompensa do senhor; ao senhor, a carteira gorda, o açoite e as “batatas”. Um fatalismo cômodo a quem adota a “ciência evolutiva” como justificativa; mas, moralmente, de todo condenável e condenado.
A denúncia machadiana é óbvia, o impacto é violento; o tom, ressaltando a crueldade do quadro, é frio e “cirúrgico”, ao abrir o corpo e exibir as entranhas da parturiente e da ordem escravista, desta feita inteiramente expostas. Pai contra mãe, no entanto, é uma espécie de exceção que confirma a regra “enviesada” do bruxo. Em geral, os horrores escravagistas não aparecem propriamente disfarçados, mas saem, por vezes, “ao canto da boca”, e tecem uma teia fina, sutil, que o leitor pode, no limite, ignorar, sobretudo quando esta não o convém – e Machado é mestre em abordar, “de canto de boca”, o que não convém. Talvez a “boca” não se abra quase didaticamente, em um grito/escândalo de horror, como em Dostoiévski, por estar “pressionada” de uma forma específica, entre os meandros da questão racial, desconhecidos do autor russo.
Dostoiévski e “o que fazer”
Uma cena marcou o jovem Dostoiévski quando se dirigia a São Petersburgo para completar seus estudos: numa parada à beira da estrada, o autor avistou um funcionário correio que subira numa troica e, apressado, espancava o cocheiro, um jovem camponês, que chicoteava os cavalos na mesma cadência em que era surrado. Muitos anos mais tarde, em 1876, no seu Diário de um escritor,[37]o autor relatou que ficara a imaginar o camponês de volta à aldeia, tornando-se objeto de zombaria por conta das marcas da agressão, e resolvendo, então, bater na mulher, para descontar a humilhação.[38] A injustiça social, a crueldade de um mundo hierarquizado no qual aquele que tem maior poder (político, social ou físico) humilha e machuca, criando uma reação em cadeia (o funcionário que abusa do camponês, que abusa da mulher), mexia profundamente com o autor e marcaria sua obra. O romancista revoltara-se, antes de tudo, contra a servidão, a opressão que dava origem a abominações como aquela que havia presenciado.[39] Inspirado em referências do chamado socialismo utópico, leitor de autores como Georges Sand, Pierre Leroux, e C. Fourier, Dostoievski tornou-se frequentador das reuniões do círculo Pietrachévski,[40] sendo condenado em 1849, sob Nicolau I, aos 28 anos, à pena de morte, e em seguida, após comutação da pena, enviado à “Casa dos Mortos”.
De volta a Petersburgo no ano anterior à Emancipação, Dostoiévski inaugurou a revista Tempo .Vriêmia). Um período de intensa atividade publicista e polemista marcaria o retorno à cena literária e o reposicionamento do autor no campo intelectual, redefinindo posturas e demarcando posições, durante um conturbado momento de reformas e radicalização na sociedade russa. Tempo advogava o “retorno ao solo” (pótchviennitchestvo), avançando proposta de valorização do elemento tradicional, em oposição ao “ocidentalismo” presente, de diferentes maneiras, nas concepções liberais e socialistas dos anos 1860, que celebravam referências ocidentais enquanto norteadores básicos para o processo de modernização russa (embora, no caso dos socialistas, grande importância fosse atribuída à comuna rural, enquanto base para a construção de uma sociedade igualitária). Em semelhante contexto, Tempo envolver-se-ia em não poucas polêmicas com a publicação de esquerdaContemporâneo, que contava com N. Dobrolíubov e o N. Tchernichévski entre os colaboradores.
O “retorno ao solo” não significaria um “retorno no tempo”, mas uma proposta de futuro que incluísse novas sínteses. Entre elas, a união fraterna entre os “cem mil” e os “cinquenta milhões”: por um lado, a cultura “iluminada” cujas contribuições os pótchvienniki não desprezavam, propondo, por exemplo, campanhas de alfabetização; por outro, os valores cristãos supostamente presentes nas “raízes” da sociedade russa, entre os mujiques libertos. Não se tratava de proscrever todos os aspectos da modernidade incorporados pela Rússia; as reformas modernizantes de Alexandre II, como a abolição da servidão, eram celebradas, junto com a valorização da tradicional comuna rural e do cristianismo popular. O contexto histórico, assim como o teor do pensamento desenvolvido pelos pótchvienniki e seus antecessores eslavófilos, é marcado pela ambivalência.[41] Tais homens estabeleceram diálogo tenso e original com ideais ocidentais - diálogo ao qual as obras de Dostoiévski emprestariam poderosa expressão artística. O autor, ao aproximar-se do nacionalismo messiânico de origem eslavófila, defenderia uma reformulação, ou uma equalização - russa - entre modernidade e tradição, entre os recém libertos e as elites alfabetizadas, numa renovação de significado do lema “fraternidade” – renovação da qual o Ocidente, segundo acreditava, seria incapaz.[42] O valor fraterno estaria, supostamente, resguardado entre o povo russo – os camponeses, cristãos ortodoxos, vivendo em comunidade. O egresso da “casa dos mortos” defendia a salvação cristã da alma e do país (em óbvio contraste com o ceticismo expresso na obra machadiana), propondo uma espécie de fraternização universal, centrada na Rússia tsarista livre da abominação servil.
O descontentamento e a desilusão da esquerda diante dos termos da emancipação contrastavam como o otimismo dostoievskiano no que diz respeito ao trono (pós-abolição) e à igreja russa. A primeira organização revolucionária desde os dezembristas, a primeira Zemliá i Volia (Terra e Liberdade) surgiu no mesmo ano da emancipação dos servos, junto a uma crescente radicalização política iniciada no período, culminando, em 1866, com um malsucedido atentado à vida do Tsar Alexandre II.[43] A. Walicki aponta N. Tchernichévski, N. Dobroliúbov (figuras centrais, conforme mencionado, do Contemporâneo) e D. Píssarev como a tríade radical dos “iluministas” da década de 1860.[44] O primeiro teria influenciado os últimos, sendo descrito por I. Berlin como “o líder natural de uma geração desencantada”.[45] O desencantamento da geração de 1860, que cresceu testemunhando a derrota dos partidos revolucionários europeus nos anos 1840, esteve ligado à forma como os camponeses foram libertados, a qual ficara aquém de suas expectativas e esperanças. Os mujiques teriam de pagar pela terra, que não fora ampla e democraticamente redistribuída, um alto preço, o que significava que a libertação com a terra, conforme defendia a esquerda, não se realizara de maneira concreta. Tchernichévski sempre desconfiara das reformas vindas de cima, com as quais nunca se comprometeria. Tal desconfiança influenciou toda a assim chamada geração “niilista”, desiludida e insatisfeita diante dos termos emancipação.
O socialismo russo dos anos 1840, de forte inspiração romântica, centralizado na figura de A. Herzen, cedia espaço ao cientificismo do “líder” dos assim chamados “niilistas”.[46] Tchernichévski filiava-se ao hegelianismo de esquerda e ao utilitarismo inspirado em J. Mill e J. Bentham. Suas ideias, marcadas por forte igualitarismo, racionalismo e organicismo, influenciaram decisivamente a juventude socialista dos anos 1860. O autor acreditava necessário desembaraçar-se da mentalidade “arcaica” de um regime autocrático, religioso e marcado pela servidão, que deveria ceder espaço a um futuro livre de doenças sociais e morais, uma vez modernizado e “iluminado” pela razão e pela ciência. Para tanto, fazia-se necessário ação e vontade, isto é, seria preciso que heróis esclarecidos, abnegados “jovens de ação”, assumissem a vanguarda da construção do ideal.
Tais heróis assumiriam forma no romance Que Fazer? (1863), obra que recolocaria a questão do conflito de gerações em termos bem distintos do que o fez o liberal e anti-radical I. Turguêniev em Pais e Filhos. Tchernichévski apresenta sua “gente nova” enquanto resolutas personalidades, revolucionários inequivocamente virtuosos que não fraquejam jamais – sabendo, afinal, exatamente “o que fazer” -, em contraste com o ambíguo Bazárov, a quem uma paixão do tipo “romântica”, renegada pelo jovem cientista, termina por arrebatar e conduzir a fim prematuro.[47]
Através de personagens idealizadas, construídas de modo inverossímil, Tchernichévski conseguiu, não obstante, estender inovadoramente os valores políticos revolucionários para a vida privada, familiar e amorosa, tendo o mérito de incentivar leitores a buscarem a modificação de suas vidas particulares, além de públicas, de modo a torná-las coerentes com os ideais da revolução.
Poucos anos após a publicação do romance, um grupo de estudantes reunidos em torno de N. Ichútin, levariam adiante os ideais de auto sacrifício e ascetismo revolucionários preconizados pelo mesmo. Segundo F. Venturi, N. Ichútin era “a primeira autêntica encarnação dos revolucionários desta novela”.[48] Grande parte das atividades do grupo foi dedicada à construção, sob inspiração do Que Fazer?, de associações cooperativas de socorro mútuo entre trabalhadores e estudantes. Seus membros acreditavam na importância da propaganda no sentido conscientizar o povo, recrutar novos militantes e insuflar a causa. Aliada a tais atividades, não obstante, o grupo gerou uma sessão voltada para a ação direta, sob a denominação de “Inferno”. Seus membros, segundo a formulação de Ichútin, deveriam “viver na clandestinidade e romper todos os laços familiares [...] com um objetivo exclusivo [...]: um infinito amor e entrega à pátria. Por ela, deve[m] abandonar toda satisfação pessoal e [...] nutrir ódio contra ódio [...]”.[49] Assim, aos ideais de ascetismo e heroísmo revolucionários, que refletem a influência de Tchernichévski e de seu estoico herói Rakhmietóv,[50] os jovens ligados ao “Inferno” adicionariam propostas de ação direta. Em 1866, ano da publicação de Crime e Castigo,[51]um deles, D. Karakózov, que, à semelhança do personagem Raskólnikov, abandonara a universidade por dificuldades financeiras, cometeu um malsucedido atentando à vida do Tsar Alexandre II.
As táticas violentas e autoritárias adotadas pelo grupo de N. Ichútin encontrariam mais tarde, na figura de S. Netcháiev, sua “mais forte e violenta afirmação”.[52] Sobre o radicalismo autoritário de parte desta geração, Dostoiévski, profundamente envolvido nos debates acerca da radicalização política pós-emancipação, desenvolveu reflexões através da literatura, culminando no romance Os Demônios (1871), no qual o personagem “endemoninhado” Piotr Stepenovitch é inspirado no radical Netcháiev. Uma vez concluída a obra, escreveu o autor ao príncipe herdeiro do trono, futuro Tsar Alexandre III: “Os Demônios pode ser visto quase como um estudo histórico com o qual procuro esclarecer um fenômeno tão escabroso quanto o movimento Netcháiev se torna possível em nossa sociedade”.[53] Tal fenômeno, segundo acreditava o romancista, estaria ligado à apropriação de valores e ideologias europeias, que alienariam a elite russa em relação ao próprio “solo” – por exemplo, contribuindo para promover, através da influencia do ateísmo, o “desvio” e a negação do cristianismo, fortemente enraizado entre os mujiques. As consequências seriam funestas: suicídios, incêndios, assassinatos, planos mirabolantes de homens autoritários que pretenderiam assumir o papel de deuses, escravizando nove décimos da humanidade.
A construção de uma espécie de paraíso material baseado na ciência e na racionalidade, como propunha Tchernichévski, não inspiraria qualquer credulidade por parte do autor. Dostoiévski se empenharia em defender, através dos romances escritos ao longo dos anos 1860 (entre os quais se destaca Memórias do Subsolo, publicado no ano subsequente ao Que Fazer?), ponto de vista segundo o qual as crenças racionalistas, vindas da Europa e apropriadas entre os “cem mil” intelectuais russos, seriam ingênuas, perversas e empobrecedoras das possibilidades humanas. O autor apontaria os perigos morais do materialismo simplório e do autoritarismo, alertando contra seus presentes e potenciais “demônios”.
Notas de Inverno sobre impressões de Verão é o relato da primeira viagem de Dostoiévski à Europa, publicado na revista Tempo (1862-3.. Em sua passagem pela “cidade satânica”,[55] (Error 1: La referencia: [55] está ligada a un elemento que ya no existe) onde “Baal reina”,[56] Dostoiévski visitara a Exposição Mundial de Londres, sediada no Palácio de Cristal. O edifício modernista, erguido em 1851, exibia os últimos êxitos da tecnologia e das ciências, temas da Exposição.[57] Sobre o Palácio e a Exposição, o autor comenta:
Sente-se uma força terrível, que uniu num só rebanho estes homens [...]. ‘Não será este o ideal atingido? [...]. Não será preciso considerá-lo como verdade absoluta e calar-se [...]? Tudo isto é tão triunfante, altivo, que nos oprime o espírito. [...] Olham-se estas [...] milhões de pessoas que acorrem docilmente para cá, [...] que se aglomeram [...] neste palácio colossal, e sente-se que aqui se realizou algo definitivo [...]. Isto constitui não sei que cena bíblica, [...] uma profecia do Apocalipse [...]. Sente-se a necessidade de muita resistência para [...] não deificar Baal, isto é, não deificar o existente como sendo o ideal.[58]
Sente-se uma força terrível, que uniu num só rebanho estes homens [...]. ‘Não será este o ideal atingido? [...]. Não será preciso considerá-lo como verdade absoluta e calar-se [...]? Tudo isto é tão triunfante, altivo, que nos oprime o espírito. [...] Olham-se estas [...] milhões de pessoas que acorrem docilmente para cá, [...] que se aglomeram [...] neste palácio colossal, e sente-se que aqui se realizou algo definitivo [...]. Isto constitui não sei que cena bíblica, [...] uma profecia do Apocalipse [...]. Sente-se a necessidade de muita resistência para [...] não deificar Baal, isto é, não deificar o existente como sendo o ideal.[58]
“Não deificar Baal”, não se inclinar diante da força e do espírito “altivo” que erguera o “palácio colossal”, é tarefa difícil, resistência árdua à tentação de “deificar o existente” – o falso deus materialista da modernidade industrial – “como sendo o ideal”. O Palácio de Cristal, para aonde acorriam, dóceis e maravilhadas, pessoas de várias partes do mundo, simbolizaria o fim apocalíptico do espírito humano, pois, seduzidos por, e saciados com as próprias realizações terrenas, não se teria mais o que buscar – deificando, enfim, “o existente como ideal”. A submissão do mundo a “Baal” poderia criar um “rebanho único”, dócil e universal, onde as pessoas perderiam a identidade e a autonomia, inclinadas e satisfeitas perante o bezerro de ouro.
O Palácio é também mencionado de forma critica nas Memórias do Subsolo (1864):
[...] surgirão novas relações econômicas [...] com precisão matemática [...]. Erguer-se-á então um palácio de cristal. [...], há de chegar o Reino da Abundância. [....] não se pode garantir [...] que então tudo não seja terrivelmente enfadonho[...], mas, em compensação, tudo será extremamente sensato. [...]. [...] eu [...] não me espantaria [...] se em meio a toda sensatez, surgisse algum cavaleiro de fisionomia [...] retrógrada e zombeteira, e pusesse as mãos na cintura, dizendo: [...] não será melhor dar um pontapé em toda esta sensatez unicamente para que todos esses logaritmos vão para o diabo, e para que se possa mais uma vez viver de acordo com nossa estúpida vontade?[59]
Tais críticas são uma réplica à simbologia vinculada por Tchernichévski em Que Fazer?. No romance, a heroína Vera Pavlovna tem um sonho no qual um imenso edifício, de ferro e vidro, erguido em Sydenham Hill, abriga um paraíso terrestre de harmonia e abundância – clara referência ao Palácio de Cristal, que encarna, na obra, a concretização do ideal socialista.[60]
Dostoiévski deplora a transparência através da qual a vida em comunidade é compartilhada num “Palácio” de vidro, diante do qual não se pode “mostra a língua às escondidas”,[61] remetendo-se, assim, aos ideais do falanstério fourierista celebrados por Tchernichévki. Ao socialismo de Fourier (tema das reuniões de Petrachévski), Tchernichévski acrescentou, em Que Fazer?, o racionalismo e o utilitarismo (“as relações calculadas com precisão matemática”) em voga nos anos 1860. Se a transparência absoluta repugna Dostoiévski, o racionalismo exacerbado (a “sensatez” dos “logaritmos”) tampouco o convencem. Haveria sempre “algum cavaleiro de fisionomia zombeteira mandando esses logaritmos para o diabo”, e proclamando “nossa estúpida”, pois nem sempre determinada pela razão, “vontade”.
Dostoiévski é crítico da despersonalização, defendendo o princípio, essencialmente moderno, da expressão e do desenvolvimento pessoais; não obstante, o autor sinaliza os perigos (os “demônios”) do individualismo excessivo, ou do “princípio pessoal, comum a todo o Ocidente”.[62]
Na natureza [...] do homem do Ocidente”, segundo o autor, encontrar-se-ia “o princípio pessoal, individual, [...] da autorrealização, da autodeterminação em seu próprio Eu, da oposição deste Eu a toda natureza e a todas as demais pessoas, na qualidade de princípio independente e isolado.[63]
Tal autoafirmação, continua, é antagônica à fraternidade, pois
[...] na fraternidade autêntica [...] esta personalidade revoltada e exigente deveria começar a sacrificar todo o seu Eu [...] à sociedade, e não só não exigir o seu direto, mas [...] cedê-lo [...]. Mas a personalidade ocidental não está acostumada a um tal desenvolvimento [...]: ela exige à força o seu direito [...] e disso não resulta fraternidade.[64]
É interessante evocar neste ponto alguns personagens dos grandes romances que se seguiriam às Notas, como Raskólnikov, de Crime e Castigo – uma “personalidade revoltada e exigente” (a exemplo dos demais “endemoninhados” de Dostoiévski) que comete um crime brutal, opondo “Eu isolado a todas as demais pessoas” ao procurar provar-se um “homem extraordinário” (autossuficiente, autodeterminado e acima das leis) e é aconselhado por Sônia, (mulher do povo, humilde e religiosa) a confessar seu crime e desculpar-se diante da sociedade. Ou ainda Kiríllov, de Os Demônios, ateu que, para proclamar a própria vontade, na ausência de desígnios divinos, comete suicídio, pretendendo com isto abrir caminho a uma nova era de homens deuses, que não temeriam nada acima de si mesmos.
“Mas então, hão de me replicar vocês: é preciso ser impessoal para ser feliz? Consiste nisso a salvação? Pelo contrário, digo eu”.[65] Segundo o autor, a tradição igualitária e os valores cristãos resguardados no povo russo seriam a alternativa redentora e o autêntico exemplo de fraternidade e desenvolvimento pessoal que a Rússia teria a oferecer ao mundo. À pergunta formulada por Tchernichévski, “o que fazer?”, Dostoiévski responde com valores cristãos:
[...] é preciso tornar-se uma personalidade, e [...] num grau muito mais elevado do que o daquele que se definiu até agora no Ocidente. [...] o sacrifício de si mesmo em proveito de todos [...] é que consiste, a meu ver, o sinal do mais alto desenvolvimento da personalidade [...]. Somente com o mais intenso desenvolvimento da personalidade se pode sacrificar voluntariamente a vida por todos, ir por todos para a cruz [...]. Uma personalidade fortemente desenvolvida [...] não pode fazer outra coisa [...] senão entregar-se completamente a todos [...] é uma desgraça fazer, neste caso, o menor cálculo sequer, no sentido da vantagem pessoal. [...]. Que fazer, então? Não se pode fazer nada, mas é preciso que tudo se faça por si, [...] que seja compreendido na natureza de todo um povo, [...] que seja um princípio fraterno de amor.[66]
O sacrifício e a doação espontâneos, não determinados por quaisquer interesses, representaria o desenvolvimento máximo da pessoa, transcendendo o individualismo gestado durante séculos de civilização ocidental, o qual buscaria a autossatisfação a qualquer preço – mesmo atirando milhões de pessoas, (os “escravos brancos”, como se refere o autor aos operários ingleses)[67] – na miséria. O sacrifício de Cristo em prol da humanidade é evocado por Dostoiévski como exemplo máximo de desenvolvimento da personalidade: “É preciso que se tenda instintivamente à fraternidade [...] e que se tenda, apesar de todos os sofrimentos seculares da nação, apesar da rudez bárbara e da ignorância, que se enraízam nessa nação, apesar da escravidão secular [...]”.[68]
A Rússia seria a nação sofrida, da barbárie e ignorância, da escravidão secular recém abolida, mas também do cristianismo ortodoxo e da comuna rural, onde todos se sacrificariam espontaneamente em benefício dos demais, como expressão máxima do desenvolvimento da personalidade. Seria na “natureza” do povo russo, nas tradições cristãs e na instituição secular da comuna, que o ideal de fraternité estaria de fato. Nos grandes romances dostoievskianos posteriores à Emancipação, alguns personagens encarnariam tal ideal. O sacrifício espontâneo e desinteressado, o desapego material, o acolhimento, sem revolta - sem a busca desesperada por um “palácio de cristal” terreno, acima da dor e da dúvida - das agruras, falhas e sofrimentos da vida; personagens como Sônia (Crime e Castigo, 1866), Míchkin (O Idiota, 1868),[69]Chátov (Os demônios, 1871) e Alexei Karamázov (Os irmãos Karamázov, 1880), os quais encarnariam valores cristãos resguardados entre o povo russo.
“Almas” e raças
A “Mãe Rússia” era tida como “mãe” de todos os filhos nascidos em seu seio, servos (ou “almas”, como eram chamados), ex-servos e senhores – à exceção de certas minorias perseguidas, como, notavelmente, os judeus; uma “mãe” incomparavelmente mais severa com os primeiros, os “humilhados e ofendidos” mujiques, e protetora dos últimos, através de toda sorte de distinções hierárquicas, de castigos físicos, exploração, cerceamentos e exclusão sociais, mas não raciais. O que fazer das “almas” libertas era questão incessantemente evocada, plena de disputas e demandas mal ou jamais resolvidas, mas que não envolveriam os meandros delicados da diferenciação racial; o que fazer dos escravos brasileiros em uma sociedade de dominação branca era questão específica, que obteve respostas específicas no Brasil de Machado de Assis, confrontado com os novos desafios da modernidade oitocentista. Dostoiévski acreditava que os mujiques libertos, excluídos de todas as formas, mas não alvejados por teorias racialistas, teriam a resposta mesma da redenção nacional e universal; Machado, inserido em um contexto histórico diverso, é certamente mais cético quanto ao futuro de seu país e dos libertos da escravidão.
‘O que fazer?’ era pergunta que se apresentava com grande força na Rússia e no Brasil da servidão e da escravidão recém abolidas. Enquanto na Rússia uma parte da intelligentsia reagiria com propostas revolucionárias, no Brasil, novas elites intelectuais, técnico-científicas, optariam pela propagação de ideais justificadores da exclusão social, ligadas a teorias racialistas e ao darwinismo social. De um lado, houve propostas alternativas de esquerda, no âmbito das quais a ordem “natural” seria romper radicalmente com as instituições e mentalidades tradicionais russas; de outro, parte da intelectualidade dirigiria seus esforços no sentido de conservar o que se apresentava, ou reconciliar modernidades e tradições em torno de arranjos teoricamente inconciliáveis, em ambivalências recorrentes, como igualdade jurídica e liberdades individuais - nos quadros do republicanismo - com distinções raciais mantidas sobre pretenso amparo científico.
Na Rússia, elites intelectuais ligadas ao populismo, mas também à eslavofilia (rivais ideológicos em muitos sentidos) exaltavam as qualidades e o potencial do povo russo, não raro de forma idealizada, enxergando na comuna camponesa a chave para futuros redentores – ligado a tradições imperiais e religiosas, no caso da eslavofilia; ou ao socialismo, no caso populista. Ambas as correntes, a despeitos das rivalidades, elaboraram projetos centralizados, em muitos sentidos, em torno dos camponeses - suas tradições comunitárias e igualitaristas. Tal exaltação romântica, no limite messiânica, em relação ao povo atingido pela servidão, ou à maior parte da população do país, diferencia-se sensivelmente da vigência, no Brasil, de categorias “científicas” desmerecedoras, relativas à noção de “raça inferior”, que antes negavam que procuravam a afirmação social ou cultural dos antigos escravos e seus descendentes. Avançando propostas, como queriam Silvio Romero e outros, no sentido de, através da chegada de imigrantes europeus, “branquear”, ou “conjurar a extenuação de nosso povo” – povo este (diferentemente do que se passou na Rússia abolicionista, entre intelectuais revolucionários ou conservadores eslavófilos) antes deplorado que exaltado, renegado que incluído.
Dostoievski e Machado de Assis dirigiriam críticas em relação às elites intelectuais modernizantes de seus países, com as quais polemizariam em diversos momentos, elaborando, no processo, grandiosas criações literárias. Os anos 1880, encerrados, no Brasil, pela Abolição e pela proclamação da República – inscritas, mais uma vez, em um complexo processo de modernização - foram marcados, logo em seus inícios, no plano artístico e cultural, pela publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Brás, um rico e ocioso senhor de escravos, é uma encarnação literária da elite nacional, ambígua e sarcasticamente situada pelo romancista entre tradições e modernidades.[71]Memórias Póstumas representou um “salto” estilístico e marcou o ápice de maturidade artística do escritor, a que se seguiu, na mesma década, a publicação da coletânea de contos – Papéis avulsos (1882)[72]– e a elaboração de Quincas Borba (1886-1891). Por sua vez, F. Dostoiévski publicou algumas de suas obras mais importantes, incluindo Memórias do Subsolo (1864), Crime e Castigo (1866) e O Idiota (1868), no decurso da década de 1860, que representou, segundo o biógrafo Joseph Frank, “anos milagrosos”[73] (culminando com a publicação de Os Demônios, em 1871) de atividade e criatividade literárias na trajetória do autor. Conforme mencionado, ao longo destes mesmos anos 1860, a Rússia atravessou marcante processo de modernização, que incluiu, de maneira essencial, a abolição da servidão em fevereiro de 1861. Ambos os romancistas vivenciaram e (re) escreveram e reelaboraram, através da ficção, os contextos de países que se modernizavam de acordos com “modelos” – políticos, econômicos, sociais – “importados” e readaptados do ocidente europeu, em ambivalentes contradições: resguardando, readaptando e alterando, de maneiras específicas, suas tradições e contextos históricos. Em meio ao entusiasmo e às esperanças oitocentistas quanto a um futuro moderno de justiça social na Rússia (onde parte da intelectualidade se filiara ao socialismo), e liberalismo político no Brasil (o engajamento às causas republicana e abolicionista, falho, não obstante, em projetos de inclusão social e racial), o egresso da casa dos mortos e o “bruxo do Cosme Velho” lançariam sombrias dúvidas e profundos questionamentos sobre diferentes projetos de modernização, dos quais a implementação do mercado livre de trabalho foi parte essencial.
Referencias:
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Notas
[1] Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: carolhuguenin@yahoo.com.br
[2] Dostoiévski, Fiódor (2000a). O crocodilo e Notas de inverno sobre impressões de verão, São Paulo: Ed. 34, p. 79.
[3] Roberto Shwarz utiliza a expressão ao considerar a herança escravista: “A mão de obra culturalmente segregada deixava de ser uma sobrevivência passageira para fazer parte estrutural do país [...]”. Schwarz, R. (2000). Machado de Assis. um mestre na periferia do capitalismo, São Paulo: Ed. 34, p. 36.
[4] Ver Assis, J. Machado de. (1992). Memórias póstumas de Brás Cubas, São Paulo: FTD; e Assis, J. Machado de. (1995). Quincas Borba, São Paulo: Ática.
[5] Romero, Silvio (1992). Machado de Assis. estudo comparativo de literatura brasileira, Campinas: UNICAMP, p. 188.
[6] Cândido, A. (1978). Sílvio Romero. Teoria, crítica e história literária, São Paulo: Universidade de São Paulo, p. XXIX.
[7] Citado em Schwarcz, Lilia. M. (2005). O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, São Paulo: Cia. das Letras. p. 27.
[8] Assis, J. Machado de (1994). “A Nova Geração”. In Obra Completa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar. v. 3. p. 809-836.
[9] O conflito de gerações ganhou expressão literária no polêmico romance de Ivan Turguêniev, Pais e Filhos (1862), cujo protagonista, Bazárov, nega a herança liberal e romântica transmitida pelos “pais” da geração de 1840, em nome da racionalidade científica e da ação revolucionária. Ver Turguêniev, Ivan (2004). Pais e Filhos, São Paulo: Cosac e Naify.
[10] Romero, Sílvio. (2002). “Introdução à Literatura Brasileira”. In Barreto, Luiz Antonio (Org.). Literatura, história e crítica, Rio de Janeiro: Imago, p. 121-189.
[11] Ibidem, p. 137.
[12] Ibidem, p. 139.
[13] Ibidem, p. 142.
[14] Ver Schwarcz, Lilia M. (2005). Op. Cit. Segundo Ângela Alonso, a “geração de 1870” adotou e transfigurou as influências racialistas e cientificistas de acordo com o contexto e os desafios vivenciados. Como alerta a autora, “ler textos brasileiros conforme graus de fidelidade doutrinária a teorias estrangeiras conduz sempre a um diagnóstico de insuficiência: a questão acaba formulada como relação de cópia/desvio entre sistemas intelectuais nativos e estrangeiros. Neste tipo de raciocínio, os agentes dos processos são as ideias. Os intelectuais são seus meros portadores”, e, assim, parâmetros europeus assumiriam caráter absoluto de avaliação e comparação. Alonso, Ângela (2002). Ideias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil Império, São Paulo: Paz e Terra, p. 32.
[15] Romero, Silvio (2002). Op. Cit., p. 142.
[16] Ver Cândido, Antônio (1978). Op. Cit.
[17] Romero, Silvio (1992). Op. Cit., p. 316.
[18] Ibidem, p. 56.
[19] Ibidem, p. 320.
[20] Ibidem, p. 67.
[21] Ibidem, p. 188-189.
[22] Ibidem.
[23] Ibidem, p. 122.
[24] Ibidem, p. 284.
[25] Ibidem, p. 60.
[26] Ibidem, p. 60.
[27] Tchernichévski, Nicolai (2000). Que Faire? Les hommes nouveaux. Paris: Syrtes.
[28] Miskolci, Ricardo (jan./jun. 2006). “Machado de Assis: o outsider estabelecido”. In: Interface, Porto Alegre, ano 8, p. 352-377.
[29] Dostoiévski, Fiódor (1961). Correspondence de Dostoievski, Paris: Calmann-Lévy, tome IV, p. 158.
[30] Sobre a sutileza e a riqueza de entrelinhas que marcam o estilo machadiano, ver, por exemplo: Gledson, John (2003). Machado de Assis: ficção e história, São Paulo: Paz e Terra; e Chalhoub, Sidney (2003). Machado de Assis historiador, São Paulo: Companhia das Letras.
[31] Assis, J. Machado de (1994). Op. Cit.
[32] Sidney Chalhoub afirma que a apropriação do discurso cientificista esteve ligada a uma forma de substituição, por parte da elite senhorial, do poder que lhe escapava frente aos avanços abolicionistas. Segundo o autor, Machado de Assis abordou tais questões e deixou, através de reelaborações literárias, importantes registros históricos. Chalhoub, Sidney (2003). Op. Cit.
[33] Assis, Machado de (2007a). “Teoria do medalhão”. In Gledson, John (Org.). 50 contos de Machado de Assis. São Paulo: Cia das Letras, p. 89.
[34] Assis, Machado de (2007b). “Pai contra mãe”. In Gledson, John (Org.). 50 contos de Machado de Assis. São Paulo: Cia das Letras, pp. 466-475.
[35] Ibidem, p. 473-474.
[36] Ibidem, p. 475.
[37] Dostoiévski, F. (2007). Sobrânie Sotchinenii v diviati tomakh. Tomo 20. Dvienik pisatielia, Moscou: ACT.
[38] Frank, Joseph (1999). Dostoiévski: as sementes da revolta, São Paulo: Edusp, p. 107.
[39] Ibidem.
[40] Pietrachévski era um intelectual que recebia em sua casa membros da intelligentsia russa de diversas orientações, para reuniões nas quais se discutiam questões políticas contemporâneas. Em 1849, alguns de seus membros foram sentenciados à morte, recebendo a notícia de que a pena havia sido comutada no último instante. Sobre o círculo e o envolvimento de Dostoiévski, ver Frank, Joseph (1999). Op. Cit.
[41] Sobre o movimento pótchviennitchestvo e suas afinidades com a eslavofilia, ver Walicki, A. (1975). “The return to the ‘Soil’”. In ______. The slavophile controversy. History of a conservative utopia in nineteenth century russian thought. Oxford: Clarendon, p. 531-558. Sobre a revista Tempo – trajetória e inserções nos embates intelectuais da época – ver Frank, Joseph (2002). Dostoiévski: os efeitos da libertação, São Paulo: EDUSP.
[42] Ver, por exemplo, Dostoièvski, Fiódor (2000a). Op. Cit.
[43] Venturi, Franco (1981). El populismo ruso, Madri: Alianza Universidad.
[44] Walicki, Andrzej (1979). A history of russian thought: from the enlightenment to Marxism, Stanford: Stanford University Press.
[45] Berlin, Isaiah (1988). Pensadores russos, São Paulo: Companhia das Letras, p. 228.
[46] A expressão “niilista” passou a ser empregada como referência à intelligentsia radical russa da década de 1860 por influência de Pais e Filhos (1862). O personagem central do romance, o autoproclamado “niilista” Bazárov, é um jovem médico de origem humilde (representante dosraznotchíntsi, intelectuais provindos de camadas não aristocráticas, como Tchernichévski), que não admitia “princípios sem provas” (Turguêniev, Ivan (2004). Op. Cit., p. 46), isto é, não baseados em leis científicas, mas amparados pela tradição. Bazárov é um materialista que valoriza a utilidade prática em detrimento de ideais abstratos, pregando a destruição da tradição romântica e aristocrática, ainda vigente entre os “pais” da geração anterior.
[47] Turguêniev, Ivan (2004). Op. Cit.
[48] Venturi, Franco (1981). Op. Cit., p. 551.
[49] Ibidem, p. 557.
[50] Ver TCHERNICHÉVSKI. N. op. cit.
[51] Dostoiévski, Fiódor (2001). Crime e Castigo, São Paulo: Ed. 34.
[52] Venturi, Franco (1981). Op. Cit., p. 583.
[53] Citado em Frank, J. (2003). Dostoiévski: os anos milagrosos (1865-1871). São Paulo, EDUSP. p. 526.
[54] Ver Dostoiévski, Fiódor (2002). Op. Cit.
[55] Dostoiévski, Fiódor (2000a). Op. Cit., p. 121.
[56] Ibidem.
[57] Frank, Joseph (2002). Op. Cit., p. 334.
[58] Dostoiévski, Fiódor (2000a). Op. Cit., p. 114.
[59] Dostoiévski, Fiódor (2000b). Memórias do Subsolo, São Paulo: Ed. 34, p. 38.
[60] Tchernichévski, Nicolai (2000). Op. Cit.
[61] Dostoiévski, Fiódor (2000b). Op. Cit., p. 48.
[62] Dostoiévski, Fiódor (2000a). Op. Cit., p. 102.
[63] Ibidem, p. 131.
[64] Ibidem.
[65] Ibidem, p. 131.
[66] Dostoiévski, Fiódor (2000a) Op. Cit., p. 131-132.
[67] Ibidem, p. 115.
[68] Ibidem, p. 133.
[69] Dostoiévski, Fiódor (2004). O Idiota, São Paulo: Ed. 34.
[70] Dostoiévski, Fiódor (2008). Os irmãos Karamázov, São Paulo: Ed. 34.
[71] Em Machado de Assis historiador, Sidney Chalhoub analisa as Memórias Póstumas chamando atenção para o tema da apropriação de discursos modernizantes – em termos ideológicos e científicos – em contexto marcado por uma elite senhorial (satirizada através de Brás Cubas) não disposta a abrir mão de sua posição de poder e privilégios. Ver Chalhoub, Sidney (2003). Op.Cit.
[72] Assis, J. Machado de (1882). Papéis avulsos, [S.l.]: Lombaerts & C. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000230.pdf. Acesso em: 20 nov. 2015.
[73] Ver Frank, Joseph (2003). Op. Cit.
Autor notes
1 Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: carolhuguenin@yahoo.com.br
https://www.redalyc.org/journal/3373/337345746008/html/
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***
Fiat Lux
5 a Seco
Ouça Fiat Lux
Vai num caminho de paz
Males que vêm pra bem
Nunca olhe pra trás
Não se esqueça de mim
E do que eu te falei
Pois do pouco que sei o céu não deve desabar do nada
A mente inquieta, a dor imensa
Os olhos procurando por saídas de emergência
Enquanto aqui ainda é verão, veja você
A casa vazia, a caixa de mensagens vazia
Diferentes hemisférios, passageiros da agonia
O bairro onde ninguém vai
A casa onde ninguém mora
Coisa que ninguém diz é que a vida tá foda
E foda não por quê você não tá
Mas sim porque cê tá em outro lugar que não é o meu
Que não sou eu
De que valeu ter vivido tudo
Se agora me escapa o sentido e nem Deus
Que conferiu ordem ao caos em sete dias
Vai gritar Fiat lux e acender as terras frias
Por onde caminho, pisando em espinhos
Desastrado quixote dou bote em moinhos de vento
Em dragões que invento para dar sentido ao turbilhão
E não me encontro mais
Mas oh, não é papo de luz no fim do túnel
E o caralho
Nem atalho pra felicidade
É só o chiclete da dor que eu masco até perder o gosto
E então cuspir e dizer
Já vai tarde!
Vai num caminho de paz
Males que vêm pra bem
Nunca olhe pra trás
Não se esqueça de mim
E do que eu te falei
Pois do pouco que sei o céu não deve desabar do nada
Se tudo então já foi dito
Se tudo bem já foi feito
Se há milhões de ter ditos
Anuviando meu peito
Como pode um sujeito como eu não se despedaçar?
Senhas e contra-senhas e siglas
Cores ambíguas
E tédio e mais assédio
Depois, fotos de celebridades
Frases de sabedoria
Pôr-do-Sol com filtro sépia
Mais alarde e euforia
E eu não. Eu já acho que o silêncio vale ouro
Por quê quanto mais eu fujo e corro
Quanto mais informação recebo menos ouço
Os meus próprios gritos de socorro
Mais levito no vazio
Romances que podia ter escrito
De palavras represadas
Paixões que poderia ter vivido
Só no reino das ideias
Encontros marcados pelo destino ao acaso
Aos quais, eu faltei
Mas você existe ao se sentir
Sua falta, ausência, que rebate em mim violenta
Combustível pra te dar essa letra
Que se eu fico sem cantar, dor aumenta
O modo de eternizar esse encontro
Que se o corpo tropeçar, segue o canto
Ou se a vista embaçar pelo choro
Rompe e rasga a parte, estraçalha o desespero e diga
Vai num caminho de paz
Males que vêm pra bem
Nunca olhe pra trás
Não se esqueça de mim
E do que eu te falei
Pois do pouco que sei o céu não deve desabar do nada
Ouça Fiat Lux
Composição: Vinicius Calderoni.
https://www.letras.mus.br/5-seco/fiat-lux/
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