Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
O direito à vacinação na Constituição Federal de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a lei fundamental e suprema do Brasil, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo do ordenamento jurídico.
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É a sétima Constituição brasileira desde a independência do país, ocorrida em 1822. Anterior à ela, o Brasil teve Constituições elaboradas nos anos de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. É considerada por alguns como o oitavo documento, caso a reforma constitucional de 1969 seja visto como um texto constitucional.
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Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
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Controle concentrado de constitucionalidade
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[...] o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
[RE 855.178-ED, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, j. 23-5-2019, P, DJE de 16-4-2020, Tema 793.]
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E, outra coisa, o Diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro - dá gosto! A força dele, quando quer - moço ! - me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho - assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.
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Guimarães Rosa
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Vacinação, sem vacilão
ARTIGO: FURA-FILA DAS VACINAS
INÚMEROS são os relatos de pessoas que violaram as regras estabelecidas de prioridade no processo de vacinação, ingressando indevidamente no processo de imunização. É o “fura fila” das vacinas.
ALÉM DE SER uma prática absolutamente imoral, há consequências jurídicas inequívocas.
CAUSA REPULSA ver Prefeitos, Secretários e outros agentes públicos que não estão no grupo prioritário se vacinando, sob o argumento de que “estão dando o exemplo para a população”.
ORA, se querem dar o exemplo, cumpram a lei! Respeitem o semelhante! Utilizar-se de um cargo público para se imunizar antes de profissionais da saúde é dar exemplo de estupidez, egoísmo e desfaçatez.
VEJAMOS as consequências jurídicas do ato de “furar a fila” do processo de imunização.
PRIMEIRAMENTE, quanto aos agentes públicos, a prática espúria do “fura fila” das vacinas, imunizando pessoas que não estejam na lista prioritária da fase inicial da vacinação, configura IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, prevista no artigo 11, da Lei 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento). Ora, as regras que regulamentam a vacinação no Brasil determinam os grupos prioritários. Praticar ato diverso dessa norma, para favorecer certas pessoas, com quaisquer fins, configura-se improbidade Essa lei se aplica a qualquer “agente público” (art. 2o).
SEGUNDO o artigo 12 da referida lei, são penas da improbidade administrativa: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, dentre outras penalidades.
QUANTO AOS PARTICULARES que “furam a fila” no processo imunizatório, parece-me que o tipo penal aplicável é o do artigo 268, do Código Penal: “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
NO CASO EM TELA, a determinação do poder público no processo imunizatório está no “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19” e na Medida Provisória 1.026/2021, que afirma: “A aplicação das vacinas contra a COVID-19 deverá observar o previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19” (art. 13).
OS AGENTES PÚBLICOS que, de alguma forma, facilitarem o processo de “furar as filas” da vacinação, além de responderem por improbidade administrativa (civil e politicamente), também responderão penalmente, pelo tipo penal do artigo 268, CP.
POR FIM, se quisermos nos tornar um país próspero, digno e igualitário, temos que dar o exemplo no tocante ao respeito à lei. De nada adianta criticarmos a corrupção endêmica do sistema político brasileiro, se nossa sociedade pratica atos de corrupção nas primeiras oportunidades que tem (como receber o auxílio emergencial ou tomar uma vacina). Sirvamos de exemplo para nossos filhos. Essa é a maior herança que podemos deixar.
Prof. Flávio Martins
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Vacina: direito de todos e dever do Estado
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14/12/2020, às 12:09 (atualizado em 14/12/2020, às 12:11) | Tempo estimado de leitura: 2 min
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O Inesc é uma das 17 organizações que assinam carta ao STF com pontos que consideram essenciais a serem observados no julgamento das ações sobre a vacina contra a Covid-19.
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Imagem: Getty Images
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O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma das 17 organizações que apresentam ao Supremo Tribunal Federal (STF) pontos que consideram essenciais a serem observados no julgamento das ações sobre a vacina contra a Covid-19.
Em carta aberta aos ministros e ministras, as entidades relembram a obrigação do Estado em estruturar uma política nacional eficaz e robusta de imunização, que utilize todas as tecnologias de saúde disponíveis e necessárias para atingir os melhores resultados. “A incorporação de todas as vacinas registradas neste momento inicial, por exemplo, é central para a satisfação desse dever”, afirma a carta.
As instituições também clamam por um plano preciso e transparente sobre os critérios adotados para a priorização de públicos no acesso às vacinas para Covid-19. “é imprescindível que as políticas de acesso levem em consideração a priorização de grupos populacionais em maior risco de adoecimento pela Covid-19 com agravamentos de morbidade e mortalidade, bem como de grupos mais expostos por exercerem trabalho de cuidado considerados essenciais para sobrevivência e bem-estar das populações.”
Leia a íntegra da carta aberta ao STF
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https://www.inesc.org.br/vacina-direitos-de-todos-e-dever-do-estado/
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CARTA ABERTA AO STF
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11 D E D E Z E M B R O D E 2 0 2 0 .
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As entidades da sociedade civil brasileira de defesa de direitos humanos, do direito à saúde e
de outros direitos coletivos e individuais, bem como organizações humanitárias e de pesquisa,
atentas ao debate sobre as políticas públicas de vacinação e planos de imunização em tramitação
junto ao Poder Legislativo e Poder Judiciário brasileiro, dirigem-se aos Excelentíssimos e
Excelentíssimas Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal para apresentar pontos que
consideram essenciais a serem observados no julgamento das ações pautadas sobre o tema
(ADPF 754; ADPF 756; ADI 6586; ADI 6587):
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1) Vacina: direito de todes e dever do Estado
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A saúde é um direito universal e dever do Estado no Brasil, efetivado por meio do Sistema Único
de Saúde (SUS), conforme previsto em nossa Constituição Federal, nos Arts. 6 e 196. O SUS é o
maior sistema de saúde de acesso universal do planeta e será responsável também por assegurar a
imunização contra a Covid-19.
O sistema teve sua confiança reforçada pela população brasileira ao longo da pandemia. Apesar
dos desafios, como a falta de recursos e de coordenação centralizada, o fortalecimento do SUS
mostrou-se uma vez mais essencial. E seus princípios e diretrizes, previstos entre os Arts.196 e 200
da Constituição, devem ser reafirmados orientando também as ações de vacinação.
O direito à saúde no Brasil é universal e integral, ou seja, deve cobrir todas as etapas do cuidado,
da prevenção à reabilitação, de forma descentralizada, portanto envolvendo todos os entes
federativos, da União ao município e com participação social. A equidade também é um princípio do
sistema e envolve considerar as desigualdades sociais na formulação de políticas, levando em
conta recortes de raça, gênero, orientação sexual, idade, condição econômica e outros fatores que
influenciam na saúde e no acesso à saúde.
Esses princípios devem contemplar também as ações de imunização. O Brasil possui um amplo
e bem estruturado Programa Nacional de Imunização (PNI), que é referência internacional,
estabelecido há mais de quarenta anos. No caso da Covid-19, a universalidade leva ao dever estatal
de estruturação de uma política nacional eficaz e robusta de imunização, que utilize todas as
tecnologias de saúde disponíveis e necessárias para atingir os melhores resultados. A
incorporação de todas as vacinas registradas neste momento inicial, por exemplo, é central para a
satisfação desse dever.
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2) Priorização de Público num contexto de limitação de doses de vacinas no Brasil
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É urgente que o Estado brasileiro apresente um plano preciso e transparente sobre os critérios
adotados para a priorização de públicos no acesso às vacinas para Covid-19. Os guias devem estar
fundamentados em preceitos éticos e científicos já consolidados por organismos internacionais e
literatura especializada, bem como levar em consideração as peculiaridades da população
brasileira.
[1]
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[1] A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou guias para fundamentação ética e técnica para avaliação da
alocação de recursos escassos durante a pandemia da COVID-19, incluindo vacinas. Os principais documentos são:
WHO SAGE values framework for the allocation and prioritization of COVID-19 vaccination – Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/334299/WHO-2019-nCoV-SAGE_FrameworkAllocation_and_prioritization-2020.1-eng.pdf; Ethics and COVID-19: resource allocation and priority-setting – Disponível
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Embora o acesso universal à vacinação deva ser o objetivo da política no âmbito do SUS, é
necessário considerar que emergências em saúde pública afetam populações de maneira
desproporcional a depender das vulnerabilidades pré-existentes, e estas devem ser consideradas
quando do estabelecimento da distribuição de recursos escassos em saúde.
No caso das vacinas, é imprescindível que as políticas de acesso levem em consideração a
priorização de grupos populacionais em maior risco de adoecimento pela Covid-19 com
agravamentos de morbidade e mortalidade, bem como de grupos mais expostos por exercerem
trabalho de cuidado considerados essenciais para sobrevivência e bem-estar das populações.
Ressaltamos nossa preocupação com a inclusão de idosos, populações indígenas e povos e
comunidades tradicionais (PCTs), como populações quilombolas e ribeirinhos, população privada
de liberdade e trabalhadores do cuidado (incluindo trabalhadoras da área de saúde, assistência
social, limpeza de serviços de saúde, atendimento a clientes em mercados e lojas de alimentação
e cuidado com animais), assim como outras pessoas em setores essenciais e pessoas com
deficiência.
Também gostaríamos de sublinhar que as mulheres negras são, portanto, maioria entre a
população brasileira em idade reprodutiva que trabalha no setor de cuidados e em atividades
essenciais, e estão, portanto gravemente impactadas pela pandemia, e por isso fundamentais à
priorização de imunização.
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3) Federalismo como garantia e não óbice
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A Constituição Federal estabelece em seu artigo 23, que União, Estados e Municípios têm
competência comum para cuidar da saúde. Durante a pandemia da Covid-19, os deveres comuns de
todas as instâncias federativas foram reforçados pela Lei 13.979, de 2020, integrando todos os
entes federativos na elaboração, promoção e execução de ações de saúde. Esta lei prevê que a
vacinação é uma das medidas necessárias ao enfrentamento da emergência de saúde pública que
pode ser adotada por todos os gestores de saúde, seja em âmbito municipal, estadual ou federal.
Estas responsabilidades comuns foram reforçadas pelo Supremo Tribunal Federal: “a gravidade
da emergência causada pela pandemia do coronavírus (Covid-19) exige das autoridades brasileiras,
em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção
de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das
atividades do Sistema Único de Saúde”.
Isso porque a pandemia da Covid-19 tem imposto desafios diversos a municípios e estados.
Por exemplo, dados das altas taxas de morte são claros em mostrar a sazonalidade distinta da
pandemia nas regiões, exigindo dos gestores locais de saúde adaptação a diferentes momentos da
pandemia. As desigualdades regionais e federativas devem ser levadas em consideração na
elaboração, implementação e financiamento das políticas públicas de imunização.
A Constituição, as leis, como a Lei Orgânica do SUS e a Lei que estabelece o Programa
Nacional de Imunização, e as decisões judiciais exigem da União, através do Sistema Único de
Saúde, a coordenação das ações em saúde. Em relação a vacinação para Covid-19, isso significa o o fortalecimento do Programa Nacional de Imunização e incorporação de todas as vacinas
disponíveis para atender a população. A coordenação é esperada, mas a União não poderá impedir
ações de saúde adotadas por Estados e Municípios de forma complementar ou subsidiária, no
âmbito de suas competências, para enfrentamento à Covid-19.
Assim, defendemos que o federalismo constitucional deve se apresentar como uma garantia, e
não como um óbice, ao direito à saúde de todos os brasileiros.
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em: https://www.who.int/ethics/publications/ethics-covid-19-resource-allocation.pdf?ua=1 ; Roadmap for prioritizing
population groups for vaccines against COVID-19– Disponível em:
https://www.who.int/immunization/sage/meetings/2020/october/Session03_Roadmap_Prioritization_Covid19_vaccine.pdf
[2] Dados de 2018 da PNAD Contínua analisados pelas pesquisadoras Debora Diniz (UnB) e Luana Pinheiro (IPEA)
atestam que dentre a população brasileira em idade reprodutiva (16 a 49 anos) trabalhando no setor de cuidados em
atividades essenciais, 71% (12,4 milhões) são mulheres e 61% são pessoas negras
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4) Pesquisa, desenvolvimento, incorporação tecnológica e produção de vacinas
pautadas em ética,transparência de informação e voltadas à ampliação do acesso
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Os estudos clínicos, para desenvolvimento das vacinas, devem ser realizados do modo mais
democrático e transparente possível e dentro do marco dos direitos humanos, em especial do
direito à informação transparente e acessível. A capacidade de pesquisa existente no país deve ser
valorizada, bem como a qualidade técnica da comunidade científica brasileira. Todos os atores
envolvidos na pesquisa, em especial os patrocinadores dos estudos clínicos, devem priorizar as
boas práticas de participação comunitária nas pesquisas, a observância dos parâmetros
estabelecidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) , o acesso completo aos
protocolos pelos participantes, a diversidade da população de participantes, o suporte para a
integridade física e mental do participante; e a garantia de acesso aos benefícios do estudo clínico,
mesmo depois de encerrado.
Ademais, uma vez aprovado o uso de vacinas e outros bens de saúde, é necessário que o Estado
adote medidas em prol da sustentabilidade das políticas universais. Comprovadamente, o preço
sempre foi uma grande barreira de acesso a medicamentos, diagnósticos, vacinas e tratamentos,
limitando a compra direta pelo cidadão e/ou o estabelecimento de políticas públicas.
Apesar do forte investimento público, tanto em pesquisa e desenvolvimento como no processo
de produção e transferência de tecnologia, as vacinas para Covid-19 seguem tendo preços
negociados em contratos fechados, em condições que privilegiam distorções e abusos por
empresas farmacêuticas, sem amplo conhecimento da população sobre essas medidas. A
sociedade segue sem saber quanto custou de fato desenvolver e produzir as vacinas e como o
preço está sendo estabelecido. Além disso, os monopólios criados por direitos de propriedade
intelectual estão concentrando as decisões sobre produção, preço e distribuição nas mãos de
poucas empresas e contribuindo para um cenário de escassez de oferta e desigualdade entre os
povos no acesso.
É preciso aperfeiçoar o marco normativo, removendo medidas que favorecem monopólios
prolongados e reforçar o uso de ferramentas legais para superação da concentração de poder em
poucas mãos e de processos que sustentam preços excludentes e oferta limitada, bem como de
mecanismos para ampliar a transparência nas negociações de contratos de compra e transferência
de tecnologia.
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5) Orientação pela ciência
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É fundamental, que num momento de ampliação de uma agenda anticiência e de circulação
ampla de informações falsas sobre temas de saúde, que os gestores públicos baseiem suas
tomadas de decisão em evidências científicas. Além disso, também é papel dos gestores
tranquilizarem a população sobre os critérios que levaram as suas escolhas em políticas públicas – deixando cristalina a percepção de que as decisões se basearam no bem-estar da população, na
defesa de sua vida e saúde e não em disputas políticas de qualquer natureza.
Também rogamos para que os dados relativos aos ensaios clínicos sejam divulgados de forma
ampla, célere e transparente para a comunidade científica e para a população geral.
Por fim destacamos que o papel da autoridade regulatória nacional – a Anvisa – é absolutamente
central no atual cenário pandêmico. Assim, é fundamental que a agência siga baseada no rigor
técnico, e que os temas e agendas políticas passem ao largo dessa instância, preservando a
autonomia e independência ética do órgão.
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Nós, que aqui subscrevemos, declaramos nosso compromisso com a população, com a saúde
pública, com a preservação da vida e dos direitos humanos no Brasil e declaramos total ausência
de conflito de interesses com agendas privadas ou político-partidárias. Nossas opiniões e
preocupações são endereçadas a essa Casa com o intuito de contribuir para o debate público
necessário e saudável, num tema de grande relevância para todo o país e para o mundo. Esperamos
que nossa voz possa ser ouvida por esta Corte e pelo conjunto da sociedade brasileira.
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Atentamente,
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ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ANIS - Instituto de Bioética
ARTIGO 19
BRICS Policy Center
CADHU Coletivo de Advogados de Direitos Humanos
Conectas Direitos Humanos
DNDi – Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
GIV - Grupo de Incentivo à Vida
GTPI/Rebrip – Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração
dos Povos
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
INESC – Instituto Brasileiro de Estudos Socio-Econômicos
INSTITUTO ETHOS
ISP – Internacional de Serviços Públicos
MSF - Médicos Sem Fronteiras Brasil
Oxfam Brasil
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https://www.inesc.org.br/wp-content/uploads/2020/12/Carta-aberta-ao-STF.pdf?x98583
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Doutrina
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Aspectos jurídicos sobre a obrigatoriedade de vacinação no Brasil
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Autores:
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LEITE, Gisele
HEUSELER, Denise
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Resumo: O texto expõe a razão da vacinação obrigatória principalmente pautada em legislação vigente e até recentemente promulgada, como a Lei 13.979/2020.
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Palavras-Chave. Direito à saúde. Saúde Coletiva. Imunização. Direito Fundamental. ECA. Constituição Federal do Brasil de 1988.
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Abstract: The text sets out the reason for mandatory vaccination, mainly based on current legislation and until recently enacted, such as Law 13,979 / 2020.
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Key words. Right to health. Collective Health. Immunization. Fundamental right. ECA. 1988 Federal Constitution of Brazil.
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Em nosso país, há obrigatoriedade de vacinações prevista no Estatuto de Criança e do Adolescente, a Lei 8.069/1990, sem prejuízo das legislações esparsas e, seu não cumprimento acarreta a violação do direito fundamental à saúde, igualmente previsto constitucionalmente e considerado como direito de todos.
Infelizmente, a previsão legal tem sofrido em face da influência dos movimentos antivacinas, que muitas vezes divulgam informações inadequadas e sem fundamentos para inibir que pais e responsáveis no cumprimento de seus deveres de vacinar sua prole ou pessoas sob sua responsabilidade. A propósito, o termo "vacina" é derivado da palavra latina "vacca".
A Constituição Cidadã prevê diversos direitos assegurados a todos os cidadãos, para a garantia de uma vida digna, apta a proporcionar ao ser humano tudo o que ele precisa para sobreviver. São garantias direcionadas ao direito à vida e, não menos importante, o direito saúde. Havendo, ainda, uma proteção específica para a educação, segurança, liberdade, bem-estar, entre outros meios de interesse tanto individual como coletivo.
Tais direitos são os famosos direitos fundamentais e são definidos in litteris: "O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana".
O direito à saúde é assegurado a todos e constitui dever do Estado, sendo um direito fundamental social de segunda dimensão e que visa a redução do risco de doenças e de outros agravos, bem como prover acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, ex vi o artigo 196 da Constituição Federal do Brasil de 1988.
Convém frisar que tal garantia é um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto de existência, seja como respaldo para qualidade de vida. E, em face de sua relevância, o direito à saúde possui a proteção constitucional no direito brasileiro como um direito fundamental, integrante dos direitos sociais, cuja aplicação deve ser garantida pelo Estado.
Aparentemente há conflito entre a autonomia individual e a proteção coletiva à saúde. Se existe de um lado, a autonomia individual de brasileiros em decidir sobre sua vida particular, o que garante o direito à liberdade de escolha e não a intervenção do Estado na vida privada. De outro viés, porém, existe o direito coletivo que busca a garantia de direitos de grande número de pessoas, existindo o direito coletivo, e considerando a sociedade como um todo(1).
A doutrina defende a ideia de que os direitos sociais valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais adequadas ao alcance da igualdade substancial, fazendo com que sejam mais compatíveis com o exercício da liberdade individual.
Analisando em seus aspectos sociais, o direito à saúde prioriza a igualdade, de forma que, para preservar a saúde de todos é necessário que ninguém possa impedir outrem de procurar seu bem-estar ou induzi-lo a adoecer. Pois essa é a razão das normas jurídicas que obrigam a vacinação, tendo em vista que uma pessoa que opta por não ser imunizada poderá contrair a doença e transmiti-la a todas as pessoas que estiverem ao seu redor.
Ledur apud Sarlet afirma que nos caso de direitos sociais, embora em causa esteja a preocupação com indivíduo como pessoa, assume importância a condição da pessoa na sua relação com a comunidade, ao passo que, nos direitos coletivos, ressalta-se é o conceito de grupo social ou entidade, sendo que a coletividade em si é quem assume a posição de titular de direito, isto é, a posição de sujeito do direito fundamental.
Sarlet ainda discorre que os direitos fundamentais sociais se referem, ab initio, à pessoa individualmente considerada e, é a pessoa, embora socialmente vinculada e responsiva, o titular desse direito. Apesar de atenderem às necessidades individuais do ser humano, tais direitos possuem nítido caráter social, pois, uma vez não atendidas as necessidades de cada um, seus efeitos recaem sobre toda a sociedade.
Afinal, a proteção social se preocupa principalmente com os problemas individuais de natureza social, e que se não solucionados projetam reflexos direitos sobre os demais indivíduos e, em última análise, sobre a sociedade. Assim, a sociedade representada por seu natural agente, o Estado, se antecipa a tais problemas, adotando para resolvê-los as medidas de proteção social.
Cumpre ao Estado proteger a coletividade de pessoas e, não somente, o ser humano de forma isolada, visto que a não efetivação dos direitos fundamentais na esfera individual pode restringir e, até mesmo impedir, a aplicação destes direitos à sociedade.
A responsabilização(2) nos casos da vacinação obrigatória é plenamente identificável, com destaque das espécies de responsabilidade civil, os pressupostos para sua existência e a responsabilidade dos pais pelos filhos menores. Essa espécie de responsabilidade tem por base o vínculo jurídico entre pais e filhos menores, isto é, o poder familiar que impõe aos pais e responsáveis várias obrigações, entre as quais a de assistência material e moral e de vigilância, sendo este nada mais que um comportamento da obra educativa.
Segundo o artigo 933 do Código Civil brasileiro, tal responsabilidade independe de culpa, bastando existir o dano e nexo de causalidade entre o prejuízo e a conduta do menor. Portanto, responde pelo ressarcimento do dano causado pelo filho, o pai que não educa bem ou não exerce vigilância sobre este.
Em nosso país, desde o início do século XIX, as vacinas são usadas como medida de controle de doenças, sendo as principais responsáveis pela erradicação de várias epidemias. Os pais e responsáveis, juntamente com a sociedade e o Estado devem garantir às crianças e adolescentes todos os meios necessários para a sua subsistência, seja no plano material ou moral, devendo ser assegurados os direitos e garantias a estes inerentes. E, nesse mesmo sentido é a previsão do artigo 4º do ECA que estabelece que faz parte dos deveres da família, da sociedade e do Estado, assegurar, entre outros, o direito à saúde das crianças e adolescentes.
E, em seu artigo 14,§ 1º aduz que: O Sistema Único de Saúde (SUS) promoverá programas de assistência médica e ontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetaram a população infantil, e campanhas de educação sanitária parapais, educadores e alunos. § 1º: É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias."
Havendo descumprimento ou violação dos direitos da criança ou adolescente, ou ainda, se os responsáveis abusarem de seus poderes, o Poder Público terá a incumbência de penalizar os responsáveis, podendo adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha, conforme estabelecem os artigos 1.637 a 1.638 do Código Civil Brasileiro.
Reprisa tal previsão legal no ECA, segundo seus artigos 22 e 24. Não obstante, o artigo 249 do mesmo diploma legal ainda prever a multa de três a vinte salários mínimos, aplicáveis àqueles que descumprirem os deveres inerentes ao poder familiar. Aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Também configura infração por inobservar as obrigações estatuídas na Lei 6.259/75, legislação referente à saúde pública, sujeito as penalidades previstas no artigo 43 na Lei 6.259/75 e ainda penalidades do Decreto-Lei 785/1969, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
A inobservância de calendário vacinal obrigatório possui como consequência a responsabilização elencada no próprio ECA, nas legislações esparsas que versam sobre os programas de vacinações e as ações da vigilância epidêmica, bem como, o Código Civil, sendo plenamente reprovável a conduta dos responsáveis que optarem por não vacinar.
Em verdade, mesmo com a existência da tutela inibitória, e ainda a lei que estabelece que não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça de direito. E, ainda, o artigo 497 do CPC onde prevê que o juiz concederá a tutela específica ou determinará providências para assegurar o direito nas ações que tenham por objeto a prestação de fazer ou não fazer, sendo irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
Essa espécie de tutela, diferente do que ocorre nas formas de responsabilidade civil tratadas anteriormente, possui como pressuposto apenas a ameaça a um direito inviolável, sendo desnecessária a ocorrência do dano. Para que haja a aplicação da tutela inibitória basta demonstrar a probabilidade de dano que referido ato poderá causar para a sociedade. Contemporaneamente, a tutela inibitória é aplicada no direito brasileiro mais precisamente para garantir os direitos ambientais e consumeristas, em razão dos danos causados pela violação dos referidos direitos.
Deve-se igualmente conferir importância a essa tutela também na garantia do direito à saúde da população, no que concerne às imunizações regulares, decorrentes da realização das vacinas obrigatórias.
Principalmente quando o calendário de vacinações não é respeitado, as crianças e adolescentes e demais pessoas que convivem no mesmo espaço, ficam vulneráveis às doenças que seriam imunizáveis pelas vacinas determinadas pelas autoridades sanitárias. Afora isto, os impactos causados pelas pessoas que não realizam as obrigatórias vacinas não são compensados com pecúnia, tendo em vista o exponencial prejuízo que podem gerar para toda sociedade. E, prejuízos de nível grave, tanto como os danos ambientais e os decorrentes das relações de consumo.
Infere-se, portanto, que a tutela inibitória é forma de prevenção à prática do ato ilícito, de forma que a aplicação da tutela garantia a efetiva aplicação do direito que está na iminência de ser violado. Particularmente nos casos de vacinação obrigatória no sentido de reservar à população o direito fundamental à saúde, garantindo a todos a uma vida digna.
Merece destaque a atuação do Conselho Tutelar, nos casos de negligência dos pais, como responsável por zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, consoante estabelece o artigo 131 do ECA. Cabe ao Conselho Tutelar, a aplicação de medidas específicas de proteção, de forma que sejam tomadas providências em nome da Constituição Federal brasileira e do ECA, a fim que cessem a ameaça ou violação dos direitos das crianças e adolescentes.
As normas jurídicas impõem a todos da sociedade não só abstenção de atitudes que agridam ou ponham em risco os direitos da criança e do adolescente, mas dá a cada um o poder-dever de vigilância daqueles direitos.
Enfim, para que os direitos das crianças e adolescentes sejam assegurados na esfera judicial, é necessário que, qualquer pessoa que presenciar ou tomar conhecimento da falta de imunização, decorrente da negligência dos pais ou responsáveis, informe o caso ao Conselho Tutelar, ou mesmo a uma Promotora de Justiça, a fim de que sejam tomadas todas as medidas cabíveis, para a proteção à saúde dos titulares desses direitos e de toda a população.
Repriso em afirmar que em nosso país desde 1975 é compulsória a vacinação em razão de certas doenças, de acordo com as normas do Ministério da Saúde, ressalvados tão apenas os casos de expressa contraindicação médica. Mas, o tema historicamente, já trouxe bastante insatisfação popular e, atualmente, crescem os movimentos resistentes à vacinação mesmo que ao arrepio da lei.
Em 2013, em Jacareí, interior do Estado de São Paulo, a Promotoria da Infância e da Juventude ajuizou ação civil pública contra os pais de duas crianças que se recusavam a vaciná-las sob a alegação de que o tratamento homeopático dispensado aos filhos era suficiente para mantê-los imunizados e protegidos contra as doenças contagiosas e que a vacinação colocaria em risco a vida dos menores.
A promotoria, por sua vez, fundamentou seu pedido no direito individual de proteção integral da saúde da criança e também na repercussão da não vacinação na rede de saúde pública, ambos os argumentos acolhidos pelo juízo, que, em decisão liminar proferida no dia 24.09.2013, determinou que os pais teriam cinco dias para providenciar a vacinação das duas crianças, sob pena de multa diária de um salário mínimo.
E, foi determinada, ainda a expedição de mandado de busca e apreensão dos infantes, que seriam encaminhados à Secretaria de Saúde do município para recebessem as vacinas, caso os cais persistissem nos descumprimentos da decisão pelo período de dez dias.
Infelizmente, o movimento antivacina que é tão antigo quanto a própria prática da vacinação, tem provocado baixas nas taxas brasileiras de imunização. Por exemplo, em 2017, dos 5.570 municípios brasileiros, 1.453 não atingiram as metas de cobertura mínima de vacinação, o que gera o risco de retorno de doenças que até então estavam sob controle, devido ao exponencial aumento de pessoas não imunizadas.
Considera-se a vacinação obrigatória um dever fundamental dirigido a todos e equivalente ao direito fundamental à saúde, dotado de dimensão positiva (prestacional) e outra negativa (defensiva, de não intervenção) sendo que esta exige do Estado o respeito e a não ingerência na saúde do indivíduo.
Enquanto a vacinação obrigatória visa cumprir a dimensão positiva de todos, ao promovera saúde pública, ela também limita a dimensão negativa do direito fundamental à saúde. Eis o fundamento do problema: a colisão entre os aspectos positivos e negativos de um mesmo direito.
A hipótese levantada é de que, embora não seja uma situação ideal, visando à proteção da coletividade, a limitação imposta à dimensão negativa do direito fundamental à saúde por meio do dever fundamental da vacinação é uma conditio sine qua non para a existência desse direito,reforçando o caráter de dever estatal e não mero direito da pessoa quanto à vacinação obrigatória.
Assim, se o Estado não garantir a incolumidade da saúde pública por meio da imunização em massa da população, cuja eficácia cientificamente está provada há séculos, o próprio direito à saúde estaria em risco de sucumbir diante de epidemias e pandemias que podem vir a se instalar novamente e que seria, por sua vez, preocupações do próprio Estado.
Sabemos que as vacinas podem ser conceituadas como intervenções, de caráter preventivo, reconhecidas pela eficácia na mitigação da mortalidade causada por doenças imunopreveníveis. Isto é, justamente as patologias que podem ser prevenidas por meio de vacinação. Em síntese, sua função no organismo humano é estimular o sistema imunológico na produção de anticorpos, a partir de amostra enfraquecida ou inativa do agente causador da doença a ser combatida e evitada.
No Brasil, a vacinação em massa, conforme já ocorre na maioria dos países, baseia-se na chamada "imunização de rebanho", pela qual os indivíduos vacinados protegem a si e aos não vacinados, o que pode levar ao controle e, até mesmo, à eliminação da circulação do agente infeccioso. A vacinação é algo de tamanha importância que o Center of Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, considerou a imunização como a maior conquista sanitária do século XX.
A vacinação como prática ancestral remonta à Antiguidade Clássica, cujas descrições advêm do ano de 1000 depois de Cristo, na região da Índica, conhecida como variolação que consiste na inoculação de material obtido pela remoção das cascas das pústulas, a seguir moídas e aplicadas por esfregaço na pele ou por inoculação nas narinas, a qual, no decurso do tempo, mostrou-se arriscada, porém, eficaz.
Historicamente, o formato vacinatório mais moderno deve sua existência ao inglês Edward Jenner que em 1796, depois de vinte anos de estudos, evidenciou a possibilidade de imunização em seres humanos por meio da inoculação de substâncias extraídas da lesão pustular humana de varíola bovina. Depois, ter conseguido com êxito, vacinar menino de oito anos, o pesquisador inglês tentou apresentar suas descobertas na Real Sociedade de Londres, porém, seu pedido fora rejeitado.
As primeiras ações contra a prática vacinatória, também são antigas, conforme explicou o infectologista Guido Levi, já em 1722, o teólogo britânico Edmundo Mossey pregava que as doenças são enviadas por Deus para punir os pecados, e que qualquer tentativa de prevenir a varíola por inoculação era operação diabólica. Mais tarde, seguindo o mesmo raciocínio, alguns fiéis quakers, no Reino Unido, e ainda os batistas, na Suécia se posicionavam contra a vacina da varíola, sob o argumento de que seria grave pecado usar a vacinação para evitar que alguém morra de varíola, afinal, essa fora exatamente a vontade de Deus.
Em nosso país, as primeiras tentativas de imunização foram realizadas ainda em 1811, ainda durante o Período Joanino, por ocasião da criação da Junta Vacínica da Corte que utilizou método criado por Jenner. Na república, em 1892, fora criado o Instituto Vacínico Municipal que desenvolvera ampla prática vacinatória na cidade do Rio de Janeiro, a partir de verbas públicas e do conhecimento biomédico da época.
Posteriormente, ocorreu, também no Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina(3), que foi um dos mais marcantes eventos da Primeira República e, dotado de motivações complexas do que mero fato da população rejeitar a vacinação, pois na verdade, o motim era mais contra a violência estatal do que propriamente contra a vacina em si.
E, endossando esse entendimento esclareceu o historiador Revelino Leonardo Pires de Mattos entende que "as pessoas que se rebelaram naqueles dez dias da revolta estavam fazendo-o não apenas pelo acúmulo de ações autoritárias, ou por estarem perdendo suas moradias;era mais que isto; estavam, também, perdendo o controle sobre seus próprios corpos".
O grande causador da Revolta da Vacina fora a Lei 1.261/1904, sancionada pelo então presidente Rodrigues Alves, que tornou a vacinação e revacinação contra a varíola obrigatória em todos os país. A vacinação deveria ser praticada até o sexto mês de idade da criança, enquanto a revacinação seria feita sete anos depois sempre repetida por septênios (de sete em sete anos).
É preciso sublinhar que a lei fora bem simplória, contendo apenas três únicos artigos, e sua aplicação não tivesse sido feita de forma tão truculenta e, se a alínea e do seu artigo 2º não invocasse o império do Decreto 1.151, de 5 de janeiro de 1904. Por sua vez, a referida norma que previa a reorganização dos serviços de higiene do Brasil ante os muitos casos de varíola, previa, por exemplo:
l - A apreensão e destruição de gêneros deteriorados ou considerados nocivos à saúde, assim como a cassação de licença fechamento, serão feitos por simples actos da autoridade e administrativa; o sequestro e venda de animaes ou objectos cuja existência nas habitações fôr
No Brasil, desde 1975 é compulsória a vacinação relativa a certas doenças, de acordo com as normas do Ministério da Saúde, ressalvados tão somente os casos de expressa contraindicação médica.
O tema, historicamente, já causou grande insatisfação popular e, atualmente, crescem os movimentos que resistem à obrigação de se vacinar, mesmo que a arrepio da lei. Desse modo, considera-se importante que tal questão seja analisada à luz dos direitos fundamentais, sobretudo do direito à saúde.
No dia 5 de setembro de 2013, em Jacareí, interior do estado de São Paulo, a Promotoria da Infância e da Juventude ajuizou ação civil pública contra os pais de duas crianças que se recusavam a vaciná-las sob a alegação de que o tratamento homeopático dispensado aos filhos era suficiente paramantê-los imunizados e protegidos contra doenças contagiosas e que a vacinação colocaria em risco a vida dos menores.
A promotoria, por sua vez, fundamentou seu pedido no direito individual de proteção integral da saúde da criança e também na repercussão da não vacinação na rede de saúde pública, ambos os argumentos acolhidos pelo juízo, que, em decisão liminar proferida no dia 24 de setembro, determinou que os pais teriam cinco dias para providenciar a vacinação das duas crianças,sob pena de multa diária de um salário mínimo.
Foi determinada, ainda, a expedição de mandado de busca e apreensão dos infantes, que seriam encaminhados à Secretária de Saúde do município para que recebessem as vacinas, caso os pais persistissem no descumprimento da decisão pelo período de dez dias (SÃO PAULO, 2013).
Ainda que, segundo a promotora responsável pela ação, trate-se de um caso sem precedentes no Brasil, o movimento antivacina pode ser considerado tão antigo quanto a própria prática da vacinação e tem se expandido por diversos motivos, de forma significativa, nos últimos anos, a ponto de causar baixas nas taxas brasileiras de vacinação.
Por exemplo, em 2017, dos 5.570 municípios brasileiros, 1.453 não atingiram as metas de cobertura mínima de vacinação, o que gera o risco de retorno de algumas doenças até então sob controle, devido ao aumento exponencial de pessoas não imunizadas(4).
Tal situação tem se mostrado preocupante e relevante, pelo que merece a atenção do Direito,uma vez que a vacinação obrigatória interfere na liberdade e na saúde individual do sujeito, enquanto a recusa à vacinação pelo indivíduo ou por seus responsáveis pode colocar em risco a saúde da coletividade, ou seja, pode-se pensar a questão pela perspectiva de um conflito entre direitos individuais e coletivos, ambos, todavia, fundamentais e de natureza muito próxima, o que dificulta,já de início, um consenso sobre eles.
Todavia, apesar da (presumida) importância desse tema,constata-se uma ausência de proposições legais ou doutrinárias que deem uma resposta efetiva à recusa de se vacinar.
Em síntese, embora haja algumas normas que determinam a vacinação obrigatória de toda a população, não há nenhuma sanção penal para quem se nega a fazê-lo, restando a coação na órbita cível, como no caso trazido a lume, com a hipótese de condução coercitiva. Poroutro lado, devido ao crescimento da resistência à vacinação, começam a surgir ações judiciais, como a proposta pelo parquet em Jacareí, ademais de preocupações de especialistas referentes às possíveis consequências da baixa imunização populacional.
Então, a partir da regulamentação estatal a todos dirigida no sentido de tornar obrigatória a vacinação, o que interfere no campo de escolhas do indivíduo sobre como cuidar da própria saúde ou da de seus filhos, surge o problema aqui tratado, qual seja, a natureza jurídica da vacinação obrigatória: se direito ou dever, e a quem caberia esse dever, caso se configurasse como tal.
A princípio, considera-se que a vacinação obrigatória é um dever fundamental dirigido ato dos e equivalente ao direito fundamental à saúde. Ao mesmo tempo, não se pode negar que o direito fundamental à saúde é dotado de uma dimensão positiva (prestacional) e outra negativa (defensiva,de não intervenção), sendo que esta exige do Estado o respeito e a não ingerência na saúde do indivíduo.
Enquanto a vacinação obrigatória visa cumprir a dimensão positiva de todos, ao promovera saúde pública, ela também limita a dimensão negativa do direito fundamental à saúde. Eis o fundamento do problema: a colisão entre os aspectos positivos e negativos de um mesmo direito.
A hipótese levantada é de que, embora não seja uma situação ideal, visando à proteção da coletividade, a limitação imposta à dimensão negativa do direito fundamental à saúde por meio do dever fundamental da vacinação é uma conditio sine qua non para a existência desse direito,reforçando o caráter de dever estatal e não mero direito da pessoa quanto à vacinação obrigatória.
Isto é, se o Estado não garantir a incolumidade da saúde pública por meio da imunização da população(um meio cuja eficácia tem sido cientificamente comprovada há séculos), o próprio direito à saúde correria o risco de sucumbir diante das epidemias que poderiam vir a se instalar novamente e que seriam, por seu turno, preocupações do próprio Estado.
O método de pesquisa utilizado foi o hipotético-dedutivo quanto à abordagem e o bibliográfico quanto ao procedimento. Utilizaram-se como fontes primárias doutrinas acerca do direito à saúde e vacinação, além de consulta à legislação e a fatos noticiados em jornais e em textos médicos sobre vacinas, bem como a artigos de História e de História do Direito.
As vacinas podem ser definidas como intervenções, de caráter preventivo, reconhecidas pela eficácia na diminuição da mortalidade causadas por doenças imunopreveníveis, ou seja, justamente aquelas moléstias que podem ser prevenidas por meio da vacinação.
Em suma, sua função no organismo humano é estimular o sistema imunológico na produção de anticorpos, a partir de uma amostra enfraquecida ou inativa do agente causador da doença a ser evitada. No Brasil, a vacinação em massa, tal qual ocorre na grande maioria dos países, baseia-se na "imunização de rebanho", pela qual os indivíduos vacinados protegem a si e aos não vacinados, o que pode levar ao controle e, até mesmo, à eliminação da circulação do agente infeccioso.
Sua importância é tamanha, que o Center for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, considerou a imunização como a maior conquista sanitária do século XX (LEVI, 2013, p. 1).Como tentativa de se prevenir o aparecimento de doenças, trata-se de uma prática ancestral, que remonta à Antiguidade, cujas descrições mais completas advêm do ano 1000 d.C., na região da Índia, com uma técnica conhecida como "variolação", que consiste "na inoculação de material obtidopela remoção das cascas das pústulas, a seguir moídas e aplicadas por esfregaço na pele ou por inoculação nas narinas", a qual, no decurso do tempo, mostrou-se arriscada, porém eficaz.
Todavia, o "formato" vacinatório mais moderno e próximo do atual deve sua existência ao inglês Edward Jenner, que, em 1796, depois de duas décadas de estudos, evidenciou a possibilidade de imunização em seres humanos por meio da inoculação de substâncias extraídas da lesão pustularhumana de varíola bovina. Na sequência, após ter conseguido, com êxito, vacinar um menino de oito anos de idade, o pesquisador inglês tentou apresentar suas descobertas na Real Sociedade de Londres,mas seu pedido foi rejeitado.A propósito, o termo "vacina" é derivado da palavra latina "vacca".
As primeiras ações contra a prática vacinatória, contudo, são ainda mais antigas. Por exemplo, como explica o médico infectologista Guido Levi, já em 1722, o teólogo inglês Edmund Mossey pregava que "doenças são enviadas por Deus para punir pecados, e que qualquer tentativa de prevenir a varíola por inoculação é uma operação diabólica".
Posteriormente, mas seguindo a mesma lógica, alguns fiéis quakers, na Inglaterra, e batistas, na Suécia, se posicionavam firmemente contra a vacina da varíola, sob o argumento de que seria um grave pecado usar a vacinação para evitar que alguém morra de varíola, se foi exatamente essa a vontade de Deus.
No Brasil, as primeiras tentativas de imunização foram feitas em 1811, ainda durante o Período Joanino, quando da criação da Junta Vacínica da Corte, que passou a utilizar o método criado por Jenner. Já na vigência da República, em 1892 foi criado o Instituto Vacínico Municipal, que desenvolveu uma ampla prática vacinatória na cidade do Rio de Janeiro, a partir de verbas públicas edo conhecimento biomédico da época.
Foi no período subsequente que ocorreu, no Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina - um dos eventos mais marcantes da Primeira República e com motivações muito mais complexas do que o mero fato de a população não querer ser vacinada (na verdade, o motim foi muito mais contra a violência estatal do que contra a vacina em si).
Nesse sentido, o historiador Revelino Leonardo Piresde Mattos entende que "as pessoas que se rebelaram naqueles dez dias da Revolta estavam fazendo-o não só pelo acúmulo de ações autoritárias, ou por estarem perdendo suas moradias; era mais que isto [;] estavam, também, perdendo o controle sobre seus próprios corpos".
Na seara jurídica, o grande pivô da Revolta da Vacina foi a Lei nº 1.261/1904, sancionada pelo então presidente Rodrigues Alves, que tornou a vacinação e a revacinação contra a varíola obrigatórias em todo o País. A vacinação deveria ser praticada até o sexto mês de idade da criança,enquanto a revacinação seria feita sete anos depois, sempre repetida por septênios (BRASIL, 1904a).
Seria uma lei bastante simplória, com seus três únicos artigos, se sua aplicação não tivesse se dado de forma tão truculenta e se a alínea e do seu artigo 2º não invocasse o império do Decreto nº1.151, de 5 de janeiro de 1904. Tal norma, por sua vez, que previa a reorganização dos serviços de higiene do Brasil ante os muitos casos de varíola.
Em razão da rigidez das medidas a serem adotadas em prol da saúde pública. Porém, mais do que isso, chama a atenção a prontidão da administração pública da época, para efetivar tais normas, por meio, inclusive da complementação e fortalecimento das regras já editadas.
Por exemplo, logo dois meses depois, fora editado o Decreto 5.156, de 8 de março de 1904, que, na mesma linha, deu novo regulamento aos serviços sanitários a cargo da União e, entre outras previsões, em seu artigo 22, XIII, atribuiu competência aos delegados de saúde para ordenar o fechamento (provisório ou definitivo) das casas infectadas ou em precárias condições de higiene. De tais residências deveriam ser retirados seus moradores quando nenhum inconveniente mais puder ressaltar para a saúde pública.
Presume-se que os dizeres finais desse dispositivo legal se referiam ao serviço de profilaxia geral das moléstias infectuosas, que abrangia a notificação, a desinfecção, a vigilância médica e o isolamento. Enfim, todas as quatro possibilidades eram medidas ortodoxas tomadas contra o doente, sua família ou seu domicílio, em nome da saúde pública.
Por exemplo, no caso de desinfecção, se houvesse resistência por parte do proprietário, previa-se a pena de multa ou de prisão de oito dias a um mês, e, nos casos mais graves, em que a residência estivesse em más condições de higiene ou oferecesse excessiva aglomerações de moradores, o prédio deveria ser desocupado para sofrer os convenientes expurgos.
Assim, verifica-se flagrante restrição ao direito fundamental à inviolabilidade de domicílio, prevista na então vigente Constituição brasileira de 1891, além da violência policial, prisões arbitrárias e, inclusive, desterro para o Acres, expedientes que serviam suplemente às metas higienistas, bem como às políticas de exclusão social.
A insatisfação da população carioca da época remontava às políticas sanitaristas iniciadas no período imperial, ocorridas nas décadas de 1870 e 1880, que justificaram campanhas higienistas. Desenvolveu-se entre a população do Rio de Janeiro, um sentimento vacinofóbico, baseado tanto em conhecimento científico médico-sanitário quanto em uma variedade de tradições culturais afrobrasileiras, contrárias à interferência médica indevida. Havia a autorização dada aos agentes do Estado para entrar nas residências cariocas e vacinar forçosamente a população desencadeou atos de violência.
O afã sanitarista foi catastrófico e complexo, de modo a demonstrar que a Revolta de 1904 foi o clímax de um conjunto de outros eventos e fatores que desagradaram a população carioca da época. Desta forma, defende-se que os textos apresentados evidenciam dois pontos importantes, a saber:
1. a Revolta da Vacina não foi um movimento de pessoas desinformadas que ignoravam os benefícios da imunização, mas um conjunto de atos promovidos por uma população descontente contra a violência de um governo que afetava sobretudo os vulneráveis (afinal, quem, se não os mais pobres e carentes que viviam em prédios com excessiva aglomeração de moradores?);
2. o direito à saúde, da forma como era entendido em 1904 ou como é interpretado atualmente, se serve para justificar intervenções tão flagrantes na via dos indivíduos (em seus corpos, em suas propriedades, etc.) obrigatoriamente tem que comportar uma dimensão negativa que, em vez de exigir prestações fáticas do Estado, ao contrário, afasta ações indesejadas.
Ainda dentro de um histórico, na década de 1920 houve a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, além da ampliação das atribuições do Instituto Oswaldo Cruz, antigo Instituto Soroterápico Federal, que passou a ter a responsabilidade pela produção da cabina antivariólica.
Em 1941, durante a Era Vargas, no contexto da reestruturação ministerial da época criaram-se doze serviços nacionais direcionados a doenças específicas em que se incluíam o controle de lepra, tuberculose, febre amarela, malária, peste e doenças mentais, além de outros serviços, dos quais cinco estavam relacionados às atividades de saúde diversas.
Somente em 1975, nosso país retornou a ter legislação específica sobre a vacinação. E, nesse mesmo ano, a Lei 6.259, a qual, ainda vigente e que regulamenta o Programa Nacional de Imunizações (PNI)(5), de competência do Ministério da Saúde. É interessante sublinhar que essa lei adota como medidas de saúde pública referentes à imunização a vigilância epidemiológica e a notificação compulsória de doenças, ou seja, reformula os expedientes previstos nas normas de 1904, bem como, felizmente, elimina as hipóteses de desinfecção e de isolamento do programa governamental de saúde pública.
A Lei 6.259/1975 é regulamentada pelo Decreto 78.231/1976, o qual, em seu artigo 27 e seguintes, torna obrigatórias conforme definidas pelo Ministério da Saúde contra as doenças imunopreveníveis e estabelece o dever, de todo cidadão, de submeter a si e aos menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade à vacinação obrigatória. Ademais, o próprio decreto, no parágrafo único do artigo 29, prevê a dispensa do dever de vacinação obrigatória na hipótese de o indivíduo apresentar atestado médico de contraindicação da aplicação da vacina.
Por derradeiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 14, parágrafo primeiro, reafirma a vacinação obrigatória de todas as crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
Para a parte expressiva da doutrina dos direitos fundamentais costuma sustentar que os direitos civis seriam direitos de não intervenção, pelo que o Estado não poderia intervir na liberdade do indivíduo, enquanto os direitos sociais seriam direitos de prestação, por meio dos quais o Estado deveria prover bens e serviços à população.
Nessa dimensão, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins entendem que os direitos de resistência são os mesmos que aparecem nas declarações dos século XVIII e correspondem à concepção liberal clássica que procurar impor limitações à atividade do Estado, para preservar a liberdade pessoal, enquanto os direitos sociais correspondem àqueles garantidos a partir das primeiras décadas do século XX na Rússia pós-revolucionária, na Alemanha da República de Weimar e, em outros países com forte presença do movimento socialista.
Atualmente, tais teorias não se sustentam. Tem-se que, para garantir as liberdades e o exercício dos direitos políticos, o Estado deve estruturar o Poder Judiciário, com todos os seus órgão, servidores, equipamentos, sistemas, etc., ou seja, prover bens públicos relacionados à fruição dos direitos civis, ou direitos de liberdade, da mesma forma que se deve prover bens públicos em relação aos direitos sociais. Igualmente, também os direitos sociais, em específico o direito à saúde, comporta uma dimensão negativa, que exige a não interferência estatal.
Ingo Sarlet ao analisar o direito à saúde, entende que ele pode ser considerado como norma jusfundamental que constitui, além do clássico direito prestacional que impõe ao Estado a realização de políticas públicas, um direito de defesa, que afasta intervenções estatais indevidas na integridade psicofísica do indivíduo.
Considera-se, assim, que o direito à saúde significa que o sujeito tem a faculdade de resistir as ingerências em seu corpo, inclusive no sentido de decidir sobre como preservar e recuperar sua saúde. Essa possibilidade de decisão significa ser informado acerca da sua situação de saúde e das recomendações para seu tratamento, e, diante destas, poder escolher livre e conscientemente.
Nesse mesmo sentido, o Código de Ética Médica(6), em seu artigo 31, IV, estabelece que é vedado ao médico "desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
A melhor forma de manifestação da vontade do paciente é através de um termo de consentimento que consiste num documento em que o paciente, após ter recebido todas as informações e sábado todas as dúvidas sobre um ou mais procedimentos terapêuticos e diagnósticos, manifesta seu consentimento ao médico para que sejam realizados.
Recomendável a prática quanto à harmonização entre a vontade do paciente e a do médico o modelo participativo, que estaria situado entre os extremos da autonomia total do paciente e paciente e a do médico o modelo participativo, que estaria situado entre os extremos da autonomia total do paciente e do paternalismo médico. O modelo participativo pode ser considerado o mais adequado do ponto de vista ético, no qual o médico informa, orienta e aconselha o paciente, através do encorajamento, à tomada de decisões livre e consciente.
Referente aos deveres fundamentais relacionados ao direito à saúde, Sarlet e Figueiredo ressaltam dois pontos pertinentes para este estudo. O primeiro é que eles podem impor obrigações de caráter originário, como, por exemplo, as política pública de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e o dever geral de respeito à saúde dos indivíduos, mas também podem impor obrigações derivadas, tal como o respeito à ampla gama de normas que regulam a matéria sanitária, inclusive a Lei 6.259/75 e o Decreto 78.231/76 que foram marcos regulatórios da vacinação obrigatória no Brasil.
Quanto à titularidade desses deveres, uma vez que, embora o Estado seja o titular da maior parte deles, tal fato, não afasta uma eficácia no âmbito privado, sobretudo, em termos de obrigações derivadas.
Para os doutrinadores, a noção de deveres fundamentais conecta-se ao princípio da solidariedade, no sentido de que toda a sociedade é também responsável pela efetivação e proteção do direito à saúde de todos e de cada um.
Segundo a classificação de Dimoulis e Martins a saúde se revela como dever explícito não autônomo, de acordo com o que foi expresso nos artigos 196 e 198, este, que ordena a estruturação do Sistema Único de Saúde, da Constituição Federal. Para Sarlet e Figueiredo, da mesma forma, a saúde também se trata de um dever, mas classificado como autônomo e dirigido aos particulares, como o dever de obedecer às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Os deveres fundamentais, por sua vez, são também de extremo relevo, pois imprescindíveis para a garantia dos direitos fundamentais. A ideia de dever fundamental, via de regra, advém da concepção prévia de determinado direito fundamental, como comportamento obrigatório por parte do Estado, ou de particulares, em casos específicos e expressos para que o direito ao qual se vincula possa ser realizado, ainda que potencialmente.
Alguns casos encontram-se expressos no texto constitucional vigente, tal como o dever de alistamento obrigatório, outros são decorrentes do texto constitucional, ainda que implícitos.
Nessa toada, Dimoulis e Martins apontam a existência de diversas categorias, entre as quais se destacam: deveres estatais implícitos não autônomos: metaforicamente, são o reflexo do direito fundamental no espelho, ou seja, são os deveres que correspondem a um direito fundamental. No que se refere aos deveres fundamentais relacionados ao direito à saúde, Sarlet e Figueiredo ressaltam dois pontos pertinentes ao tema ora abordado.
Portanto, a vacinação revela-se como dever constitucional decorrente do direito fundamental à saúde, dirigido ao Estado. As pessoas têm o direito a uma situação de saúde pública adequada, e por esse direito, cada sujeito tem o dever de ser imunizado, ainda que isso constitua uma limitação à dimensão negativa do direito à saúde.
Ao se limitar a dimensão de um direito, limita-se também o próprio direito. Porém, caso essa limitação seja necessária para garantir a outra dimensão desse mesmo direito. Mas, caso essa limitação seja necessária para garantir a outra dimensão desse mesmo direito, seria então espécie de limitação inevitável. Tem-se que não se trata de uma limitação inadequada, sendo essencial, sem a qual o direito à saúde não é passível de efetivação.
A priori, todos os direitos fundamentais são restringíveis e todos os direitos fundamentais são regulamentáveis, segundo Virgílio Afonso da Silva, ao responder sobre o que é protegido pelos direitos fundamentais, in litteris:
"( ) toda ação, estado ou posição jurídica que possua alguma característica que, isoladamente considerada, faça parte do "âmbito temático" de um determinado direito fundamental, deve ser considerada como abrangida por seu âmbito de proteção, independentemente da consideração de outras variáveis. A definição é propositalmente aberta, já que é justamente essa abertura que caracteriza a amplitude da proteção".
Obviamente, os direitos fundamentais não são absolutos e, todos podem sofrer intervenção estatal, ação que não corresponde a uma violação, pois deve ser sempre acompanhada de fundamentação constitucional de modo a configurar uma restrição permitida e, portanto, constitucional.
Entende-se assim que a imposição de vacinação obrigatória, enquanto restrição ao direito à saúde, seria justificada como proteção ao próprio direito à saúde, doravante em caráter público.
Entende-se que os limites aos direitos fundamentais são espécie de intervenção que se define como ação ou omissão estatal que impossibilita um comportamento correspondente a um direito fundamental abrangido pela área de proteção do referido direito e que liga ao seu exercício uma consequência jurídica negativa (proibição acompanhada de sanção).
A intervenção constitucionalmente justificada é permitida, entre outros casos, representa a concretização de limite constitucional derivado do chamado direito constitucional de colisão, realizada, num primeiro plano pelo legislador.
Ainda para Dimoulis e Martins, a concretização de qualquer direito fundamental por meio de legislação infraconstitucional pode importar em alguma forma de limitação, destacando-se as normas que regulam o Programa Nacional de imunizações e as ações de vigilância epidemiológica, mesmo que anteriores à Constituição cidadã, foram por esta recepcionadas e se trata, na prática, de concretização do direito `saúde, que, embora o limite, institucionalizam políticas públicas que permitem sua efetivação, razão pela qual a limitação genérica se considera justificada.
Por fim, defende-se plenamente a intervenção no direito à saúde em respeito à proporcionalidade desdobrada em necessidade, adequação e, ainda, a proporcionalidade em sentido estrito. Sendo necessária para a saúde coletiva e/ou individual, sendo feita de forma adequada e com a escolha de meios menos gravosos, que afetem o mínimo possível das escolhas individuais no âmbito de seu corpo e sua saúde.
Concluímos que em nosso país há três normas principais que regulam a vacinação obrigatória a Lei 6.259/1975 que instituiu o Programa Nacional de imunizações, o Decreto 78.231/76 (que regulamentou o dispositivo anterior) e a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e dos Adolescentes) que, de forma mais específica, ratifica a obrigatoriedade da vacinação de crianças e adolescentes nas hipóteses recomendadas pelas autoridades sanitárias.
O tema da vacinação está sempre em constante tensão principalmente no atual estado de calamidade pública em razão da pandemia de Covid-19, infelizmente, o Presidente da República se equivocou ao informar que não haverá a vacinação obrigatória, posto que pela sistemática jurídica vigente, é cogente a referida vacinação, quando estiver disponível.
Na Lei 13.979(7), sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de 2020 com formas de enfrentamento ao surto de Covid-19 reforça que a vacinação compulsória pode ser uma das medidas adotadas por autoridades de saúde no controle da pandemia(8). Vide ainda: http://conselho.saude.gov.br/images/Recomendacoes/2020/Reco017.pdfConselho Nacional de Saúde. Recomendação 17, de 24 de março de 2020.
Por outro lado, é absolutamente inconstitucional, privar o acesso à vacinação gratuita quem não tiver CPF, porque significaria condenar aos milhares de invisíveis que existem no Brasil, a morte e ao abandono letal.
Referências;
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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
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Notas:
(1) No campo da Bioética, salienta-se a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos de 2005, que no rol dos seus princípios traz a Responsabilidade Social e Saúde, componente de extrema relevância para a discussão em comento, uma vez que o ato de se vacinar, para a além da discussão em tela, trata-se também de um ato de responsabilidade coletiva.
(2) Além dos pais, também o Estado poderá ser responsabilizado pela não vacinação de criança e adolescentes, principalmente quando não garantir o acesso da população às vacinas obrigatórias, não garantir o abastecimento das unidades básicas de saúde ou deixar de notificar as doenças que ocorram no território e que poderiam ser prevenidas com as vacinas.
(3) Toda a confusão em torno da vacina também serviu de pretexto para a ação de forças políticas que queriam depor Rodrigues Alves - típico representante da oligarquia cafeeira. "Uniram-se na oposição monarquistas que se reorganizavam, militares, republicanos mais radicais e operários. Era uma coalizão estranha e explosiva", diz o historiador Jaime Benchimol. Em 5 de novembro, foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. Cinco dias depois, estudantes aos gritos foram reprimidos pela polícia. No dia 11, já era possível escutar troca de tiros. No dia 12, havia muito mais gente nas ruas e, no dia 13, o caos estava instalado no Rio. "Houve de tudo ontem. Tiros, gritos, vaias, interrupção de trânsito, estabelecimentos e casas de espetáculos fechadas, bondes assaltados e bondes queimados, lampiões quebrados à pedrada, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares deteriorados", dizia a edição de 14 de novembro de 1904 da Gazeta de Notícias. Fonte: Agência Fiocruz de Notícias.
(4) Na Europa, as leis de vacinação estão sendo reforçadas, principalmente em países onde a queda da imunização tem causado além do sarampo, um aumento de doenças como catapora e caxumba. No início de 2019, o governo italiano proibiu a matrícula escolar de crianças com até seis anos que não tenham todas as dez vacinas obrigatórias em dia. E instituiu multa de 500 euros para pais de crianças mais velhas que se recusem a vaciná-las. O governo alemão, por sua vez, alterou a legislação e obrigou os pais que quiserem matricular seus filhos em uma creche a entregar uma justificativa que assegurasse que tinha sido informado sobre os planos de vacinação.
(5) O calendário de vacinação infantil brasileiro estabelecido pelo PNI é um dos mais extensos do mundo. Ele prevê que as vacinas já comecem a ser aplicadas após o nascimento, na maternidade - onde o recém-nascido deve receber as vacinas BCG e Hepatite B.
Entre os 2 e 12 meses, é responsabilidade dos pais levar o bebê às unidades básicas de saúde para receber a vacina penta, a pneumocócica 10 valente, a vacina oral rotavírus humano (VORH), a vacina inativada de poliomielite (VIP), a Vacina Oral Poliomielite (VOP), a vacina Meningocócica C, a vacina contra febre amarela e a tríplice viral (sarampo, rubéola, caxumba).
Aos 15 meses, são obrigatórias mais três vacinas: a tetraviral (Sarampo, rubéola, caxumba, varicela), a vacina contra hepatite A e DTP (tríplice bacteriana).
Aos 4 anos, os pais deverão levar os filhos para vacinar contra varicela, além de uma dose de reforço da vacina DTP e uma dose de reforço da VOP.
Entre os 10 e 19 anos, são obrigatórias as vacinas dupla adulto (com reforço a cada 10 anos); uma dose de reforço da Meningocócica C; e duas doses da vacina contra o HPV (para meninas, as doses devem ser aplicadas entre os 9 e 14 anos; para meninos, devem ser aplicadas entre os 11 e 14 anos).
(6) Infrações éticas são claramente caracterizáveis no que se refere às imunizações de crianças, adolescentes e adultos. O caminho que beneficie e não prejudique pessoas, comunidades e a saúde pública sempre deve ser o escolhido, com coibição de protecionismos, ganâncias ou aproveitamentos de circunstâncias especiais. É dever do médico, como representante da sociedade, adotar medidas necessárias para que a criança receba, pelo menos, a imunização prevista no Programa Nacional de Imunizações - PNI.
(7) "O artigo 3 da Lei 13.979, que trata das medidas de enfrentamento à pandemia de Covid-19, diz que o governo pode fazer a vacinação compulsória contra a doença, caso seja preciso."
(8) Obrigações específicas de vacinação obrigatória para trabalhadores que atuam em regiões como portos e aeroportos. De acordo com a Portaria nº 1.986/2001 do Ministério da Saúde, "é obrigatória a vacinação dos trabalhadores das áreas portuárias, aeroportuárias, de terminais e passagens de fronteira". A violação de imunização é prevista pelo Código Penal que também estabelece punição, em seu artigo 268, a quem "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". A pena prevista, nesses casos, é de detenção de um mês a um ano e multa. As punições são aumentadas em um terço se os responsáveis forem funcionários de saúde pública ou exercerem profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
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https://www.lex.com.br/doutrina_28073697_ASPECTOS_JURIDICOS_SOBRE_A_OBRIGATORIEDADE_DE_VACINACAO_NO_BRASIL.aspx
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O direito à saúde na Constituição Federal de 1988
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01/07/2013
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01/07/2013
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Resumo: Dentre os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, o direito à saúde figura entre os mais debatidos nos âmbitos acadêmico, doutrinário e judicial. Após a inserção desse direito na Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira tem se conscientizado que, efetivamente, é a destinatária final da proteção conferida pelo Estado. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 constitui-se marco histórico da proteção constitucional à saúde, de modo que, antes da sua promulgação, os serviços e ações de saúde eram destinados apenas a determinados grupos, os que poderiam, de alguma forma, contribuir, ficando de fora as pessoas quem não possuíam condições financeiras para custear o seu tratamento de forma particular e os que não contribuíam para a Previdência Social. Não obstante a proteção constitucional ao direito à saúde, a ausência de especificação do objeto desse direito e de definição dos princípios constitucionais relacionados à saúde tem dificultado a concretização desse direito fundamental.
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Palavras-chaves: Direito à saúde. Constituição Federal de 1988. Sistema Único de Saúde.
Sumário: Introdução; 1- A saúde na Constituição Federal de 1988; 2 – O caminho da universalização dos serviços de saúde; 3 – A Assistência terapêutica integral no SUS; 4 – Financiamento da saúde: apontamentos sobre o mínimo constitucional; Conclusão.
Introdução
O presente artigo tem o escopo de analisar a saúde sob a ótica da Constituição Federal de 1988. De início, pretende-se abordar o conceito de saúde trazido pela Constituição Federal, partindo-se para o estudo sobre as principais diretrizes constitucionais envolvendo a saúde. Ao final, tratar-se-á sobre a previsão do mínimo constitucional no financiamento da saúde como mais uma garantia constitucional para efetivação desse direito fundamental.
1 – A saúde na Constituição Federal de 1988
O direito à saúde foi inserido na Constituição Federal de 1988 no título destinado à ordem social, que tem como objetivo o bem-estar e a justiça social. Nessa perspectiva, a Constituição Federal de 1988, no seu Art. 6º, estabelece como direitos sociais fundamentais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância[1].
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Em seguida, no Art. 196, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Dentre os direitos sociais, o direito à saúde foi eleito pelo constituinte como de peculiar importância[2]. A forma como foi tratada, em capítulo próprio, demonstra o cuidado que se teve com esse bem jurídico. Com efeito, o direito à saúde, por estar intimamente atrelado ao direito à vida, manifesta a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.
A saúde, consagrada na Constituição Federal de 1988 como direito social fundamental[3], recebe, deste modo, proteção jurídica diferenciada na ordem jurídico-constitucional brasileira[4].
Ao reconhecer a saúde como direito social fundamental[5], o Estado obrigou-se a prestações positivas, e, por conseguinte, à formulação de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde.
A proteção constitucional à saúde seguiu a trilha do Direito Internacional[6], abrangendo a perspectiva promocional, preventiva e curativa da saúde, impondo ao Estado o dever de tornar possível e acessível à população o tratamento que garanta senão a cura da doença, ao menos, uma melhor qualidade de vida.
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O conceito de saúde evoluiu, hoje não mais é considerada como ausência de doença, mas como o completo bem-estar físico, mental e social do homem. Contudo, o debate sobre o direito à saúde ainda segue no sentido do combate às enfermidades e consequentemente ao acesso aos medicamentos. Em última análise, há de se concordar com as palavras de Schwartz[7], para quem o escopo do direito sanitário é a libertação de doenças.
A importância de delimitar o tema exsurge quando se tem em vista que a Constituição Federal, no Art. 196, adotou o conceito amplo de saúde ao incumbir o Estado do dever de elaborar políticas sociais e econômicas que permitam o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
A par de assegurar o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 não delimitou objeto desse direito fundamental, não especificando “se o direito à saúde como direito a prestações abrange todo e qualquer tipo de prestação relacionada à saúde humana”[8].
Discute-se se o Estado, em seu dever de prestação dos serviços de saúde, obriga-se a disponibilizar o atendimento médico-hospitalar e odontológico, o fornecimento de todo tipo de medicamento indicado para o tratamento de saúde, a realização de exames médicos de qualquer natureza, o fornecimento de aparelhos dentários, próteses, óculos, dentre outras possibilidades.
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Para Ingo Sarlet[9] é o Legislador federal, estadual e municipal, a depender da competência legislativa prevista na própria Constituição, quem irá concretizar o direito à saúde, devendo o Poder Judiciário, quando acionado, interpretar as normas da Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizarem[10]. Com a indefinição do que seria o objeto do direito à saúde, o legislador foi incumbido do dever de elaborar normas em consonância com a Constituição Federal de 1988.
Sabe-se que a aplicação da norma constitucional depende intrinsicamente de procedimentos a serem executados pelo Estado, bem como criação de estruturas organizacionais para o cumprimento do escopo constitucional de promover, preservar e recuperar a saúde e a própria vida humana.
Há, portanto, um claro dever do Estado de criar e fomentar a criação de órgãos aptos a atuarem na tutela dos direitos e procedimentos adequados à proteção e promoção dos direitos.
Como bem acentua Robert Alexy[11], “as normas de organização e procedimento devem ser criadas de forma que o resultado seja, com suficiente probabilidade e em suficiente medida, conforme os direitos fundamentais.” Do mesmo modo, orienta Ingo Sarlet,
“Se os direitos fundamentais são, sempre e de certa forma, dependentes da organização e do procedimento, sobre estes também exercem uma influência que, dentre outros aspectos, se manifesta na medida em que os direitos fundamentais podem ser considerados como parâmetro para a formatação das estruturas organizatórias e dos procedimentos, servindo, para além disso, como diretrizes para a aplicação e interpretação das normas procedimentais.”[12]
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Ainda sobre a íntima vinculação entre direitos fundamentais, organização e procedimento, pontua Ingo Sarlet que “os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo e de certa forma, dependentes de organização e do procedimento, mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais”[13]. Significa dizer que, ao mesmo tempo em que os deveres de proteção do Estado devem concretizar-se mediante normas administrativas e com a criação de órgãos destinados ao cumprimento da tutela e promoção de direitos, a extensão e limites dessas normas e órgãos são impostos pela própria Constituição.
Na linha dos autores citados, Konrad Hesse[14] defende que a organização e o procedimento podem ser considerados o único meio de alcançar um resultado conforme aos direitos fundamentais e de assegurar a sua eficácia. Do outro lado, é direito do cidadão
“obter do Estado prestações positivas, as quais, pela importância que detém, ultrapassam o campo da discricionariedade administrativa para uma inafastável vinculação de índole e força constitucionais, de modo que as pautas de atuação governamental estabelecidas no próprio seio da Lei de Outubro, jamais poderão ser relegadas a conceitos de oportunidade ou conveniência do agente público, eis que não podem transformar-se em mero jogo de palavras, pois, como visto, são indispensáveis à manutenção do “status” de dignidade da pessoa humana”[15].
No que toca ao direito à saúde, foram inseridos, no próprio texto constitucional, relevantes matizes da dimensão organizatória e procedimental. A Constituição Federal de 1988, nos Arts. 198 a 200, atribuiu ao Sistema Único de Saúde a coordenação e a execução das políticas para proteção e promoção da saúde no Brasil.
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A Constituição Federal de 1988 não se limitou a prever a criação de uma estrutura organizacional para garantir o direito à saúde, indicou, ainda, como seria atuação desse órgão administrativo e os objetivos que deveria perseguir, conferindo o esboço do que seria o Sistema Único de Saúde. Mesmo com a previsão constitucional, os procedimentos para o adequado funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como as atribuições específicas dos órgãos, só puderam ser concretizadas a partir da elaboração das Leis específicas da Saúde.
Nesse propósito, foi criada a Lei Federal 8080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as atribuições e funcionamento do Sistema Único de Saúde, bem como a Lei Federal 8142, de 28 de dezembro de 1990, que trata sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
Há procedimentos do SUS que são veiculados por meio de regulamentos, decretos, portarias, especificados no capítulo a seguir. Essas normas infralegais devem adequar-se à moldura constitucional que impõe a observância dos procedimentos à efetivação dos direitos fundamentais.
Desse modo, integra o chamado direito sanitário não apenas a Constituição Federal de 1988 e leis específicas atinentes à saúde, mas também as portarias e protocolos dos SUS, sendo imperioso que todas as normas atendam à finalidade constitucional do direito à saúde.
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Cabe ao Estado, por ser o responsável pela consecução da saúde, a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde. Desse modo, o amplo acesso aos medicamentos, por integrar a política sanitária, insere-se no contexto da efetivação do direito à saúde, de modo que as políticas e ações atinentes aos produtos farmacêuticos devem sempre atender ao mandamento constitucional de relevância pública.
A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 198, estabelece como diretrizes do Sistema Único de Saúde (i) a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, (ii) o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e (iii) a participação da comunidade.
Importante observar que as diretrizes do SUS não se esgotam nessas três diretrizes, porquanto ao longo da seção destinada à saúde observam-se alguns fundamentos desse direito, que servem de norte para a conduta da Administração Pública no tocante ao direito à saúde.
O presente tópico se dedicará aos pontos cujo conhecimento revela-se imprescindível ao estudo dos medicamentos do câncer, tais como a universalidade no acesso à saúde, a integralidade no atendimento, a descentralização dos serviços e ações de saúde e, por fim, o financiamento do SUS.
A universalidade não só constitui uma diretriz do Sistema Único de Saúde, mas também a base de toda a estrutura administrativa da saúde. A integralidade, por sua vez, relaciona-se sensivelmente com a política de fornecimento de medicamento, porque diz respeito à assistência terapêutica fornecida ao usuário do SUS. Em relação à descentralização dos serviços e ações de saúde e ao financiamento, apesar de serem analisados separadamente, há uma estreita interferência de um assunto sobre o outro, devendo-se analisar se a transferência de obrigações dá-se com o correspondente repasse financeiro em favor da saúde. É o que se verá nas linhas a seguir.
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2 – O caminho da universalização dos serviços de saúde
Na primeira oportunidade em que mencionou o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 já apontou a diferença do tratamento dispensado a esse direito diferenciando-o da previdência social[16].
O que parece um detalhe, em verdade, é um importante marco histórico, porquanto, apenas após a Constituição Federal de 1988, foi reconhecido o direito de todos de obter os serviços e ações de saúde independentemente de contribuição, diferentemente do que ocorre no sistema de previdência social, essencialmente contributivo.
O estudo sobre a história da saúde pública revela o tratamento desigual a que esteve submetida a população brasileira, caracterizando-se pela ausente ou pouca intervenção do Poder Público e a restrição de serviços de saúde a determinadas classes sociais.[17]
O Sistema Único de Saúde substituiu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia responsável pela saúde dos contribuintes da Previdência desde 1974, quando foi desmembrado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) até 1990, ano em que foi aprovada a Lei 8080, que implementou o Sistema Único de Saúde (SUS).
Importante salientar que os beneficiários da saúde eram apenas as pessoas que contribuíam com a Previdência Social, em regra, pessoas com vínculo empregatício. Aos excluídos da Previdência Social restava a prestação dos serviços de saúde apenas na forma preventiva, estando à mercê dos serviços de instituições filantrópicas de saúde para os demais serviços médicos.
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A universalização dos serviços públicos de saúde foi resultado da influência do movimento sanitarista na Assembleia Constituinte de 1987. Um dos mais importantes atos políticos do chamado movimento sanitarista ocorreu entre 17 a 21 de março de 1986, em Brasília – DF, onde se realizou a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), tendo discutido, dentre outros temas, a reformulação do sistema nacional de saúde pública, sobretudo, com a ampliação da cobertura e dos beneficiários dos serviços de saúde.
Após a VIII Conferência Nacional de Saúde, formulou-se o Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde (SUDS) a partir de convênios entre o INAMPS e os Estados, esboço do Sistema Único de Saúde (SUS), trazido pela Constituição Federal de 1988.
O Sistema Único de Saúde (SUS), organização administrativa destinada à promoção da saúde pública brasileira, cujo acesso deve ser universal e igualitário, constitui-se como uma rede regionalizada e hierarquizada, organizando-se de acordo com as diretrizes estabelecidas pela própria Constituição Federal de 1988, consoante se registra a seguir:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
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I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.”
O princípio da universalidade não está expresso em dispositivo constitucional, mas é norma facilmente extraído do Art. 196 da Constituição Federal de 1988, que prevê o acesso universal às ações e serviços de saúde, o que possibilita o ingresso de qualquer pessoa no Sistema Único de Saúde (SUS).
Além de universal, o acesso deve ser igualitário, não devendo haver distinção em relação a grupo de pessoas, nem de serviços prestados.
Para que o acesso seja universal e igualitário, impõe-se a gratuidade dos serviços, porquanto não se pode considerar universal, serviço público que exija contrapartida pecuniária[18].
Para conseguir atender à população, o SUS conta com rede própria e contratada, sendo que a participação da iniciativa privada dá-se apenas de forma complementar, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativo.
Consoante se lê no Art. 200 da Constituição Federal de 1988, as atribuições do SUS variam da competência fiscalizatória e de controle das atividades que envolvam a saúde, passando pela produção de medicamentos e insumos, preparação dos profissionais e a busca pela inovação na saúde.
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Apesar de ter dado os contornos procedimentais do SUS, a Constituição Federal de 1988 reservou à Lei específica a regulamentação do modelo estabelecido para prestação do serviço de saúde pública.
Em obediência à norma constitucional, foi publicada a Lei Federal n. 8080/90, que trata da organização do SUS, bem como a Lei Federal 8142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, ambas formando a Lei Orgânica da Saúde.
A Lei Federal 8.080/90, em seu Art. 2º, reconhece a saúde como direito fundamental do ser humano, sendo do Estado o dever de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Em seguida, o Art. 5º estabelece os principais objetivos do SUS: (i) identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; (ii) formular política de saúde; (iii) promover, proteger e recuperar a saúde a partir de ações assistenciais e de atividades preventivas.
No tocante às atribuições do Sistema Único de Saúde, a Lei Federal 8.080/90 reitera os dispositivos constitucionais e acrescenta outras obrigações no Art. 6º, sendo que uma se destaca em razão da pertinência com este trabalho, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, disposta no inciso I, alínea d, do mesmo artigo.
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Destacam-se, ainda, os incisos VI e X, ambos incumbindo ao SUS a formulação da política de medicamentos e incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico na área de saúde.
A Lei Federal 8.080/90 trata, ainda, do financiamento da saúde, sendo este tema, posteriormente, objeto da Lei Complementar 141/2011, que será estudada em tópico específico. Antes disso, alguns apontamentos serão realizados sobre a assistência terapêutica integral no SUS e a descentralização na saúde, temas importantes por direcionarem a política pública de saúde no Brasil.
3 – A Assistência terapêutica integral no SUS
O termo “atendimento integral”, inserido na Constituição Federal como um dos princípios norteadores da saúde, foi emprestado da medicina integral que propunha uma conduta médica que não se reduzisse às dimensões exclusivamente biológicas, em detrimento das considerações psicológicas e sociais[19]. Segundo Ruben Araújo Matos[20], a noção de medicina integral foi adaptada ao Brasil no sentido de prevenção de moléstias com enfoque na saúde coletiva.
Com efeito, o Art. 198, II, da Constituição Federal de 1988 registra a importância das ações de prevenção quando determina que o atendimento integral deva dar prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.
O atendimento integral abrange apenas prestações exigíveis dos serviços do SUS, de caráter preventivo ou curativo, relacionadas a ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
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Mesmo sendo fatores que influenciam e são importantes para saúde, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o lazer não devem ser considerados como ações e serviços de saúde a serem exigidos do SUS[21].
A propósito, o atendimento integral foi assegurado pelo Art. 198, II, da Constituição Federal de 1988, sendo definido pela Lei 8080/90, em seu artigo 7º, inciso II, como “conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”.
De se registrar que a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal 8080/90 não esclarecem quem deve ser considerado usuário do SUS e que ação pode ser reputada adequada.
Para Lenir Santos[22], a assistência integral somente é garantida àqueles que estão no SUS. Dessa feita, quem optou pela assistência privada, não poderia pleitear parcela da assistência pública, porque esta pressupõe a integralidade da atenção, devendo o paciente estar sob a terapêutica pública.[23]Nesse raciocínio, a assistência farmacêutica restringir-se-ia às pessoas que integralmente tenham optado pelo sistema público de saúde.
Do mesmo pensamento partilha Marlon Alberto Weichert[24], para quem o princípio da integralidade não confere, por si só, direito aos pacientes dos serviços privados de obter os insumos do SUS. Segundo entende,
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“As estruturas e as ações do sistema público são afetas aos usuários efetivos do SUS, que as acessam conforme regras e procedimentos específico. Assim, o usuário potencial do SUS que optou pela assistência sob uma relação jurídica de direito privado não é titular de pretensões subjetivas em relação ao sistema público naquele tratamento. […]
É ao cidadão que acessou ao SUS para receber a assistência integral que se devem prestações de tratamento de todas as suas demandas. O SUS não está –como regra constitucional – obrigado a fornecer insumos isolados àqueles que optaram pelo uso de serviços privados.”[25]
A noção de integralidade restrita apenas àqueles que estiverem utilizando o serviço público foi eleita pelo Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamentou a Lei Federal 8080/90, para definir a assistência farmacêutica do SUS.
“Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente:
I – estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;
II – ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;
III – estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e
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IV – ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.
§ 1º Os entes federativos poderão ampliar o acesso do usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem.
§ 2º O Ministério da Saúde poderá estabelecer regras diferenciadas de acesso a medicamentos de caráter especializado.”
O Decreto Federal nº 7.508/11 condiciona o acesso de determinada pessoa à assistência farmacêutica à comprovação de que o usuário seja assistido do SUS. Contudo, essa ressalva não foi feita na Constituição Federal, nem na Lei Federal 8080/90, devendo ser tida como ilegal. Da mesma forma, não atende à finalidade constitucional.
A Constituição Federal de 1988 distingue bem a saúde da assistência social, prevendo, no Art. 203, que a assistência social será prestada a quem dela necessitar. Identificam-se apenas quanto à independência da contribuição à seguridade social.
No tocante ao direito à saúde, qualquer pessoa tem direito a obter os serviços do SUS, tenha ou não condições econômicas para arcar com os gastos da saúde de forma privada. Há quem contrate um plano privado de saúde, pagando-o com muito esforço por entendê-lo prioritário e quem possua contrato de assistência médica adquirida com incentivo financeiro do empregador, não sendo razoável negar a essas pessoas a assistência farmacêutica do SUS punindo-as por ter assistência médica privada, até porque a distinção não tem fundamento legal, sequer constitucional.
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Em verdade, a Constituição Federal, em seu Art. 196, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, não cabendo à Lei restringir a extensão desse direito fundamental. Do mesmo modo, não se autoriza interpretação que reduza o direito à saúde às prestações de saúde a apenas uma categoria de pessoas, as que estejam sendo atendidas pelos profissionais do SUS.
Além de não ter embasamento jurídico, a exclusão de que possui assistência médica dos serviços do SUS é medida sem propósito. Isso porque o SUS, quando atende beneficiário de assistência médica privada, poderá ser ressarcido das despesas subsequentes, conduta que tem lastro no Art. 35 da Lei n. 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, in verbis:
“Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.
Com o objetivo de impugnar o dispositivo legal que permite o ressarcimento ao SUS pelas empresas operadoras de saúde, a Confederação Nacional de Saúde ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1931/98, contudo, a medida cautelar requerida foi negada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), não tendo havido, até o presente momento, o julgamento final da demanda[26].
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Mesmo sem uma posição derradeira sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal que permite o ressarcimento ao SUS, há de se destacar que o STF tem entendido, em demandas individuais com o mesmo pedido, que não haveria inconstitucionalidade a ser declarada, estando autorizada a cobrança do ressarcimento pelo serviço prestado, pois medida visaria, a um só tempo, recompor o patrimônio público e impedir o enriquecimento sem causa[27].
O Decreto Federal n. 7.508/11 quanto à restrição da assistência farmacêutica a apenas os usuários efetivos do SUS revela-se inconstitucional, porque inova no ordenamento jurídico sem ter base legal e afronta o direito fundamental à saúde da população que necessita de assistência terapêutica.
Por se tratar de regulamento, o Decreto Federal n. 7.508/11 não pode restringir as possibilidades existentes na Lei Federal 8080/90, pois possui apenas a função de explicitar o teor da norma legal ou explicar didaticamente seus termos a fim de facilitar a execução da Lei[28]. Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que
“Opostamente às leis, os regulamentos são elaborados em gabinetes fechados, sem publicidade alguma, libertos de qualquer fiscalização ou controle da sociedade, ou mesmo dos segmentos sociais interessados na matéria. Sua produção se faz apenas em função da vontade, isto é, da diretriz estabelecida por uma pessoa, o Chefe do Pode Executivo, sendo composto por um ou poucos auxiliares diretos seus ou de seus imediatos. Não necessitar passar, portanto, nem pelo embate de tendências políticas e ideológicas diferentes, nem mesmo pelo crivo técnico de uma pluralidade de pessoas instrumentadas por formação ou preparo profissional variado ou comprometido com orientações técnicas ou científicas discrepantes. Sobremais, irrompe da noite para o dia, e assim também pode ser alterado ou suprimido.”[29]
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Em relação ao conteúdo, a integralidade deve ser interpretada de modo a incluir atividades de prevenção epidemiológica, como vacinação, além dos atendimentos e consultas médicas, cirurgias, internações e de assistência farmacêutica, incluindo fornecimento de medicamento e de outros insumos como próteses, dentre outros.
Para Mônica de Almeida Magalhães Serrano o atendimento deve ser adequado, independentemente da complexidade da doença ou do custo do tratamento, mesmo que seja necessário o fornecimento de medicamentos não incluídos na lista de remédios elaborada pelo SUS[30].
A assistência terapêutica integral, nos termos do Art. 19-M, inciso I, da Lei Federal 8080/90, consiste na dispensação de medicamentos, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença.
O usuário de serviço público de saúde tem direito a obter o tratamento integral para doença que lhe acomete, todavia o tratamento dispensado para sua enfermidade deve estar previsto em protocolo clínico e diretriz terapêutica, documento utilizado no SUS que estabelece os critérios para o diagnóstico da doença, bem como os medicamentos e posologias recomendadas com o fim de padronizar o atendimento médico, com condutas terapêuticas fundamentadas em estudos científicos.
Marlon Alberto Weichert[31] considera legítimos os protocolos e esquemas terapêuticos, contudo, adverte que a vinculação a esses protocolos deve ser relativa, porquanto, algumas vezes, a situação concreta do paciente recomenda alterações no tratamento não previstas no protocolo, tornando-se indispensável que os serviços de saúde tenham disponível um canal apto a analisar e aprovar prescrições de medicamentos que fujam ao padrão.
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Para o autor citado[32], deve haver revisão por uma câmara técnica preparada para reanalisar o caso, sempre que for possível ao profissional do SUS responsável pelo atendimento do paciente concluir a necessidade de aplicação de um tratamento ou esquema terapêutico distinto do preconizado nos protocolos.
Parcela das demandas judiciais tem como causa a ausência de medicamento, nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, para determinada moléstia ou indicação terapêutica inapropriada para o usuário.
A Administração Pública, nesse caso, deve individualizar o tratamento de saúde, justificando sua decisão em parecer de equipe médica. A relação oficial de medicamentos traz segurança e previsibilidade de gastos com a saúde, mas não pode servir de obstáculo ao atendimento integral.
Do mesmo modo, entendem Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Júnior[33]:
“É evidente que os órgãos responsáveis podem, e devem, criar padrões de atendimento, objetivando não só a econômica de recursos, como também o aperfeiçoamento das modalidades de atenção. Faz parte de qualquer grande estrutura, pública ou privada, um intento de racionalização do sistema, o que frequentemente se realiza por meio de padronizações de processos e expedientes. Todavia, como dito, a questão é de fundo e não de forma. Assim, é evidentemente impossível que, por meio desses processos de padronização, o Poder Público venha a, direta ou indiretamente, limitar direitos que estejam enraizados na Constituição, especialmente o da saúde. admiti-lo constituiria autêntica burla a premissas essenciais do Estado de Direito, pois se concederia ao administrador público a possibilidade de anular um comando constitucional, o qual, além de reunido à norma fundante de nossa ordem jurídica, cuida, na espécie, de veículo de direitos fundamentais, quais sejam, o direito à vida e, especificamente, o direito à saúde.”
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O tratamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde deve ser privilegiado, mas sem impedir a Administração de decidir de forma diversa, caso se comprove que o tratamento oferecido não é eficaz em determinada situação[34].
Desse modo, decidiu o Supremo Tribunal Federal, com voto de relatoria do ministro Gilmar Mendes, concluindo que a ausência de Protocolo Clínico no SUS não pode violar o princípio constitucional da integralidade, não justificando a distinção entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada[35].
Encerra-se esse tópico sem esgotar a discussão sobre o princípio da integralidade. A discussão que permeia o atendimento integral do SUS seguirá em todos os capítulos dessa dissertação, uma vez que se constitui o âmago da presente pesquisa que é voltada ao acesso a medicamentos antineoplásicos para os pacientes de câncer.
A seguir outra importante diretriz do Sistema Único de Saúde, a descentralização das ações e serviços de saúde, cujo conhecimento é imprescindível à compreensão do organograma administrativo da saúde no Brasil.
4 – Financiamento da saúde: apontamentos sobre o mínimo constitucional
De início, é de se esclarecer que o conceito sobre o mínimo constitucional diz respeito à garantia constitucional relacionada ao direito fundamental à saúde. Nas precisas palavras de Paulo Bonavides,
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“De nada valeriam os direitos ou as declarações de direitos se não houvesse pois as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos esses direitos. A mais alta das garantias de um ordenamento jurídico, em razão da superioridade hierárquica das regras da Constituição, perante as quais se curvam, tanto o legislador comum, como os titulares de qualquer dos Poderes, obrigados ao respeito e acabamento de direitos que a norma suprema protege”[36].
Desde a sua promulgação, a Constituição Federal de 1988 demonstrou preocupação com a garantia do financiamento da saúde, tanto que reconheceu que as ações e serviços de saúde, considerados relevantes pelo ordenamento constitucional, deveriam ser financiados com os recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes[37].
Ao mesmo tempo, o Art. 55 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispôs que, até que fosse aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, seriam destinados ao setor de saúde.
A obrigatoriedade de aplicação de uma quantia mínima expressa no percentual de trinta por cento do orçamento da seguridade social expressa a relevância dada às ações e serviços de saúde.
A vinculação do financiamento ao mínimo constitucional permitido significa, sem dúvida, uma garantia conferida pela Constituição Federal de 1988 ao direito fundamental à saúde, sendo difícil o cumprimento dos deveres estatais relacionados à saúde se não houver uma vinculação mínima do orçamento público.
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A garantia conferida pela Constituição Federal de 1988 fica ainda mais clara quando se tem em vista o disposto no Art. 34, inciso VII, alínea e, bem como do Art. 35, inciso III, normas que autorizam a intervenção da União nos Estados, bem como a intervenção dos Estados nos municípios em razão da ausência de repasse do mínimo constitucional.
As garantias constitucionais, como é a obrigatoriedade do repasse mínimo para ações e serviços de saúde, legitimam sempre a ação do Estado, “em prol da sustentação, integridade e observância dos direitos fundamentais”[38].
A fim de garantir a aplicação do mínimo constitucional para saúde, foi elaborada a Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, que trouxe a redação do Art. 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estabelecendo ainda mudança na sistemática do financiamento, consoante se extrai da leitura do dispositivo constitucional a seguir:
“Art. 198. […]
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
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I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I – os percentuais de que trata o § 2º;
II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;
III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.”
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Segundo dispõe a norma constitucional transcrita, até que fosse promulgada a Lei Complementar prevista no §3º do artigo 198, o financiamento da saúde dar-se-ia na forma preconizada no artigo 77 do ADCT, cabendo aos Estados o repasse mínimo de 12% (doze por cento) da arrecadação própria, além das transferências do Fundo de Participação dos Estados. Aos municípios, o repasse de, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação própria, além das transferências do Fundo de Participação dos Municípios e à União, o valor empenhando no exercício financeiro anterior acrescido da variação nominal do PIB.
Gilson Carvalho[39] analisou os gastos do Ministério da Saúde entre os anos 1999 a 2009 e encontrou divergências entre o investimento real na saúde e a proposta trazida pela Emenda Constitucional n. 29/2000. Em sua opinião, alguns gastos foram compatibilizados como se fossem relacionados à saúde, mas o objetivo era diverso, como os gastos com os programas Farmácia Popular[40] e Bolsa Família e com o pagamento de assistência médica e odontológica dos servidores exclusivos do Ministério da Saúde, dentre outros. Para o citado autor, os gastos com os programas sociais mencionados foram incluídos nos gastos com a saúde, mesmo não havendo relação alguma com o tema[41].
A crítica também é direcionada aos recursos destinados ao Programa Bolsa Família, cujos gastos teriam sido debitados da conta da saúde desde 2002, quando se instituiu o Programa da Bolsa Alimentação, beneficio social anterior ao Programa Bolsa Família. O autor citado afirma, ainda, que, entre os anos de 2000 a 2009, mais de dois bilhões de reais foram destinados ao pagamento de assistência médica e odontológica dos servidores do Ministério da Saúde e seus familiares[42].
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Em janeiro de 2012, foi publicada a Lei Complementar Federal n. 141, que dispõe sobre os valores mínimos a serem anualmente aplicados na saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo, ainda, os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde.
Em relação aos repasses mínimos para os serviços de saúde, a Lei Complementar 141/12 repetiu o disposto no ADCT, não havendo qualquer alteração a ser apontada. Em relação ao descumprimento pelos Estados e municípios do repasse mínimo para saúde, pode a União restringir o repasse do rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, devendo esse valor ser depositado na conta vinculada ao Fundo de Saúde.
A Lei Complementar 141/12 trouxe, ainda, a relação de ações e serviços de saúde que devem ser considerados para aplicação dos recursos percentuais mínimos:
“Art. 3º […]
I – vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;
II – atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais;
III – capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS);
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IV – desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS;
V – produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos;
VI – saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei Complementar;
VII – saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos;
VIII – manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças;
IX – investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde;
X – remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais;
XI – ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde; e
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XII – gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde”
Para Lenir Santos[43], ao relacionar os serviços de saúde que devem ser levados em consideração para o repasse mínimo dos entes da Federação, a LC141/12 distingue duas dimensões do direito à saúde:
“a primeira que trata das políticas sociais e econômicas que se referem aos determinantes e condicionantes da saúde e a segunda que se refere à garantia de ações e serviços de saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde”[44].
Lenir Santos entende, com acerto, que, ainda que haja relação com a saúde, ao Sistema Único de Saúde caberia apenas garantir as ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, devendo o Estado ser impelido a proporcionar os fatores que se relacionam com o bem-estar social e interferem na saúde da população.[45]
Mesmo representando política pública benéfica à saúde, o saneamento básico, de uma forma geral, foi excluído dos serviços de saúde para fins de aplicação do mínimo legal, com exceção do saneamento de domicílios ou de pequenas comunidades e dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos, desde que haja concordância do Conselho de Saúde do ente financiador do projeto.
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Os demais serviços excluídos do mínimo legal da saúde foram relacionados no Art. 4º da LC 141/12, dentre os quais se destacam o pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive, dos servidores da saúde, bem como o pagamento do pessoal ativo da área de saúde em atividade diversa da área de saúde e ações de assistência social, incluindo-se programas de alimentação, e em benefício do meio ambiente em geral.
Para o rateio dos recursos da União em favor dos Estados e municípios, será utilizada a metodologia indicada pela Comissão Intergestores Tripartite, obtida mediante consenso e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, respeitando-se as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde.
A transferência dos recursos será realizada de forma direta e automática do Fundo Nacional de Saúde para os demais fundos de saúde e terá como principal escopo a redução das desigualdades regionais no âmbito da saúde.
Os recursos da saúde devem ser movimentados por meio de fundos de saúde, sendo condição para que os entes federativos recebam os recursos transferidos por outro ente o funcionamento do fundo, plano e conselho de saúde.
Para verificar a aplicação dos recursos mínimos com a saúde, o Ministério da Saúde deve manter, obrigatoriamente, um sistema de registro eletrônico centralizado contendo informações orçamentárias relativas aos recursos da saúde, garantindo o acesso público às informações ali contidas.
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Em verdade, a ideia de um sistema de informação dos gastos com a saúde já existe desde a publicação da Portaria Conjunta MS/PGR nº 1163, de 11 de outubro de 2000, que estabeleceu as diretrizes do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), cujo banco de dados é atualizado pelos Estados, Distrito Federal e municípios, os quais, a fim de tornarem públicas as receitas totais e as despesas em ações e serviços públicos de saúde, preenchem formulário em software desenvolvido pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS)[46].
Caso haja descumprimento do repasse dos mínimos pelos Estados, a União poderá restringir o repasse dos recursos até o valor da parcela do mínimo que deixou de ser aplicada em exercícios anteriores, mediante depósito direto na conta corrente vinculada ao Fundo de Saúde. A mesma providência pode ser tomada pelos Estados em relação aos municípios.
Em sua análise sobre a LC 141/12, Gilson Carvalho[47]critica o veto presidencial ao artigo. da Lei Complementar, que destinava à saúde o produto de taxas, tarifas ou multas arrecadadas pela própria área. Da mesma forma, tece críticas ao veto do § 1º do Art. 5º que previa correção das verbas à saúde, sempre que houvesse revisão do PIB, e ao veto do Art. 13, que determinava que, enquanto os recursos da saúde não fossem empregados, deveriam ser aplicados em conta específica, cujos rendimentos seriam investidos na área.
O repasse mínimo pela União permaneceu vinculado ao PIB, o que motivou a Associação Médica Brasileira a elaborar minuta de projeto de lei de iniciativa popular em que se determina o repasse mínimo da União para saúde da quantia equivalente a 10% (dez por cento) da arrecadação da União de suas receitas correntes brutas[48].
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Com efeito, se forem analisados os gastos realizados pela União com a saúde, observa-se que o decréscimo da contribuição da União em relação à saúde, o que ficou demonstrado no gráfico a seguir colacionado[49].
Embora os Entes da Federação sejam solidariamente responsáveis pelos serviços e ações de saúde, a normatização referente ao repasse mínimo constitucional de verbas relativas à saúde tratou-os de modo diferenciado.
Em uma perspectiva voltada para a melhor prestação de serviço de saúde, com participação da comunidade na política sanitária, deve haver o reforço dos municípios, uma vez que se encontram mais próximos da população e da vida local.
A transferência de responsabilidade sem o equivalente repasse financeiro é, nas palavras de Marta Arretche uma “descentralização por ausência”[50], porquanto apenas retira da União a responsabilidade de efetivar a política pública, esvaziando-a desse encargo e transfere irresponsavelmente aos municípios o dever de promover os direitos sociais. Como bem observou por Gilberto Bercovici,
“após a Constituição de 1988, de modo lento, inconstante e descoordenado, os Estados e municípios vem substituindo a União em várias áreas de atuação (especialmente nas áreas de saúde, educação, habitação e saneamento)”[51].
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No que se refere à política pública de oncologia, consoante se verá em capítulo próprio, a União, através do Ministério da Saúde, é o Ente responsável pelas diretrizes dessa política, bem como pela fiscalização pelo efetivo cumprimento do dever de prestação desse serviço.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 estabelecer o mínimo a ser investido na saúde, a União pode, e deve, aplicar os recursos necessários à saúde no que lhe toca como direcionador das políticas públicas de saúde, em especial, da voltada aos problemas de câncer.
A abstenção da União de cumprir o dever de prestação imposto pela Constituição implica violação negativa da Lei Fundamental. Concordando com o entendimento exarado pelo Ministro do STF Celso de Mello no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45/04, verifica-se que a omissão do Ente da Federação, em verdade, apresenta-se como comportamento de maior gravidade político-jurídica do que uma atuação positiva inconstitucional, uma vez que prejudica, por escassez ou ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade do postulado constitucional.
Apesar de ter julgado prejudicado o pedido contido na ADPF n. 45/04, em virtude da perda superveniente de seu objeto[52], o Ministro Celso de Mello fez algumas considerações que merecem, por sua lucidez, a devida transcrição:
“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
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Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.
Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191)
O dever de atuar obriga o Estado a estabelecer os alvos prioritários dos gastos públicos tendo em vista os objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988. Consoante expõe Ana Paula Barcelos,
“não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir.”[53]
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A prioridade que deve ter o direito à saúde legitima, inclusive, a ausência de aplicação da regra constitucional do Art. 100 da Constituição Federal de 1988, justificando o bloqueio de recursos públicos a fim de garantir o fornecimento do medicamento de uso contínuo, conforme tem decidido o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.
1. A obrigação de fazer que encerra prestação de fornecer medicamentos admite como meio de sub-rogação, visando adimplemento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor do ente estatal, bloqueio ou sequestro de verbas depositadas em conta corrente.
2. Isto por que, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário.
3. Depreende-se do art. 461, §5.º do CPC, que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o sequestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objetos da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.
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4. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante.
5. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º: "Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com frequência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente." 6. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.
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7. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.
8. In casu, a decisão ora hostilizada pelo recorrente importa na negativa do bloqueio de valor em numerário suficiente à aquisição de medicamento equivalente a três meses de tratamento, que além de não comprometer as finanças do Estado do Rio Grande do Sul, revela-se indispensável à proteção da saúde do autor da demanda que originou a presente controvérsia, mercê de consistir em medida de apoio da decisão judicial em caráter de sub-rogação.
9.Agravo Regimental Desprovido.” (AgRg no REsp 888325/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15/03/2007, DJ 29/03/2007, p. 230)
Com essa explanação encerra-se breve exposição sobre os principais pontos da estrutura administrativa do Sistema Único de Saúde.
Conclusão
Embora se reconheça o avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 no tocante ao direito à saúde, o caminho para a efetivação desse direito é longo, sendo relevante que o debate sobre o conceito da saúde e a abrangência desse direito seja realizado não apenas pelos juristas, mas por toda a sociedade brasileira, buscando-se o aperfeiçoamento das políticas públicas promovidas pelo Sistema Único de Saúde e por maior investimento governamental nesse setor.
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Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
ARRETCHE, Marta. Mitos da Descentralização: Mais democracia e eficiência nas políticas públicas? In Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 31, São Paulo, ANPOCS, junho de 1996.
BAHIA, Cláudio Jose Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. A Justiciabilidade do direito fundamental à saúde: Concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Ano 99, volume 892, fevereiro, pp. 37/85.
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Notas:
[1] Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, Paulo Lopo Saraiva já defendia a proteção aos direitos sociais, os quais definiu como sendo “o conjunto de princípios e normas imperativas que tem por sujeito os grupos e os membros dos grupos, tem por objetivo (fim) a adaptação da forma jurídica (Leis, Códigos) à realidade social e visa (atuação), nesta adaptação, à colaboração de todos ao bem comum.” SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia Constitucional dos Direitos Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, p. 23.
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[2] O reconhecimento da saúde como direito fundamental social foi inovação da Constituição Federal de 1988. Inexistiu em constituições anteriores a previsão de acesso aos serviços de saúde de forma universal e igualitária. As Constituições de 1824 e 1891 foram omissas no tocante ao direito à saúde. As Constituições Federais de 1934, 1937, 1946 e 1967, por sua vez, apenas delimitavam as competências legislativas dos entes federativos.
[3] O presente estudo parte do pressuposto de que a saúde constitui-se, na ordem jurídico-constitucional, como direito fundamental, revelado em uma dupla fundamentalidade, formal e material, nos termos sintetizados por Ingo Sarlet: “A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas "cláusulas pétreas") da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1, da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares. […]. Já no que diz com a fundamentalidade em sentido material, esta encontra-se ligada à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que – dada a inquestionável importância da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana – parece-nos ser ponto que dispensa maiores comentários.” SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, janeiro, 2002, Disponível em . Acesso em 30.11.2011. p. 2/3.
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O direito à saúde na Constituição Federal de 1988
01/07/2013
Resumo: Dentre os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, o direito à saúde figura entre os mais debatidos nos âmbitos acadêmico, doutrinário e judicial. Após a inserção desse direito na Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira tem se conscientizado que, efetivamente, é a destinatária final da proteção conferida pelo Estado. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 constitui-se marco histórico da proteção constitucional à saúde, de modo que, antes da sua promulgação, os serviços e ações de saúde eram destinados apenas a determinados grupos, os que poderiam, de alguma forma, contribuir, ficando de fora as pessoas quem não possuíam condições financeiras para custear o seu tratamento de forma particular e os que não contribuíam para a Previdência Social. Não obstante a proteção constitucional ao direito à saúde, a ausência de especificação do objeto desse direito e de definição dos princípios constitucionais relacionados à saúde tem dificultado a concretização desse direito fundamental.
Palavras-chaves: Direito à saúde. Constituição Federal de 1988. Sistema Único de Saúde.
Sumário: Introdução; 1- A saúde na Constituição Federal de 1988; 2 – O caminho da universalização dos serviços de saúde; 3 – A Assistência terapêutica integral no SUS; 4 – Financiamento da saúde: apontamentos sobre o mínimo constitucional; Conclusão.
Introdução
O presente artigo tem o escopo de analisar a saúde sob a ótica da Constituição Federal de 1988. De início, pretende-se abordar o conceito de saúde trazido pela Constituição Federal, partindo-se para o estudo sobre as principais diretrizes constitucionais envolvendo a saúde. Ao final, tratar-se-á sobre a previsão do mínimo constitucional no financiamento da saúde como mais uma garantia constitucional para efetivação desse direito fundamental.
1 – A saúde na Constituição Federal de 1988
O direito à saúde foi inserido na Constituição Federal de 1988 no título destinado à ordem social, que tem como objetivo o bem-estar e a justiça social. Nessa perspectiva, a Constituição Federal de 1988, no seu Art. 6º, estabelece como direitos sociais fundamentais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância[1].
Em seguida, no Art. 196, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Dentre os direitos sociais, o direito à saúde foi eleito pelo constituinte como de peculiar importância[2]. A forma como foi tratada, em capítulo próprio, demonstra o cuidado que se teve com esse bem jurídico. Com efeito, o direito à saúde, por estar intimamente atrelado ao direito à vida, manifesta a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.
A saúde, consagrada na Constituição Federal de 1988 como direito social fundamental[3], recebe, deste modo, proteção jurídica diferenciada na ordem jurídico-constitucional brasileira[4].
Ao reconhecer a saúde como direito social fundamental[5], o Estado obrigou-se a prestações positivas, e, por conseguinte, à formulação de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde.
A proteção constitucional à saúde seguiu a trilha do Direito Internacional[6], abrangendo a perspectiva promocional, preventiva e curativa da saúde, impondo ao Estado o dever de tornar possível e acessível à população o tratamento que garanta senão a cura da doença, ao menos, uma melhor qualidade de vida.
O conceito de saúde evoluiu, hoje não mais é considerada como ausência de doença, mas como o completo bem-estar físico, mental e social do homem. Contudo, o debate sobre o direito à saúde ainda segue no sentido do combate às enfermidades e consequentemente ao acesso aos medicamentos. Em última análise, há de se concordar com as palavras de Schwartz[7], para quem o escopo do direito sanitário é a libertação de doenças.
A importância de delimitar o tema exsurge quando se tem em vista que a Constituição Federal, no Art. 196, adotou o conceito amplo de saúde ao incumbir o Estado do dever de elaborar políticas sociais e econômicas que permitam o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
A par de assegurar o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 não delimitou objeto desse direito fundamental, não especificando “se o direito à saúde como direito a prestações abrange todo e qualquer tipo de prestação relacionada à saúde humana”[8].
Discute-se se o Estado, em seu dever de prestação dos serviços de saúde, obriga-se a disponibilizar o atendimento médico-hospitalar e odontológico, o fornecimento de todo tipo de medicamento indicado para o tratamento de saúde, a realização de exames médicos de qualquer natureza, o fornecimento de aparelhos dentários, próteses, óculos, dentre outras possibilidades.
Para Ingo Sarlet[9] é o Legislador federal, estadual e municipal, a depender da competência legislativa prevista na própria Constituição, quem irá concretizar o direito à saúde, devendo o Poder Judiciário, quando acionado, interpretar as normas da Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizarem[10]. Com a indefinição do que seria o objeto do direito à saúde, o legislador foi incumbido do dever de elaborar normas em consonância com a Constituição Federal de 1988.
Sabe-se que a aplicação da norma constitucional depende intrinsicamente de procedimentos a serem executados pelo Estado, bem como criação de estruturas organizacionais para o cumprimento do escopo constitucional de promover, preservar e recuperar a saúde e a própria vida humana.
Há, portanto, um claro dever do Estado de criar e fomentar a criação de órgãos aptos a atuarem na tutela dos direitos e procedimentos adequados à proteção e promoção dos direitos.
Como bem acentua Robert Alexy[11], “as normas de organização e procedimento devem ser criadas de forma que o resultado seja, com suficiente probabilidade e em suficiente medida, conforme os direitos fundamentais.” Do mesmo modo, orienta Ingo Sarlet,
“Se os direitos fundamentais são, sempre e de certa forma, dependentes da organização e do procedimento, sobre estes também exercem uma influência que, dentre outros aspectos, se manifesta na medida em que os direitos fundamentais podem ser considerados como parâmetro para a formatação das estruturas organizatórias e dos procedimentos, servindo, para além disso, como diretrizes para a aplicação e interpretação das normas procedimentais.”[12]
Ainda sobre a íntima vinculação entre direitos fundamentais, organização e procedimento, pontua Ingo Sarlet que “os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo e de certa forma, dependentes de organização e do procedimento, mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais”[13]. Significa dizer que, ao mesmo tempo em que os deveres de proteção do Estado devem concretizar-se mediante normas administrativas e com a criação de órgãos destinados ao cumprimento da tutela e promoção de direitos, a extensão e limites dessas normas e órgãos são impostos pela própria Constituição.
Na linha dos autores citados, Konrad Hesse[14] defende que a organização e o procedimento podem ser considerados o único meio de alcançar um resultado conforme aos direitos fundamentais e de assegurar a sua eficácia. Do outro lado, é direito do cidadão
“obter do Estado prestações positivas, as quais, pela importância que detém, ultrapassam o campo da discricionariedade administrativa para uma inafastável vinculação de índole e força constitucionais, de modo que as pautas de atuação governamental estabelecidas no próprio seio da Lei de Outubro, jamais poderão ser relegadas a conceitos de oportunidade ou conveniência do agente público, eis que não podem transformar-se em mero jogo de palavras, pois, como visto, são indispensáveis à manutenção do “status” de dignidade da pessoa humana”[15].
No que toca ao direito à saúde, foram inseridos, no próprio texto constitucional, relevantes matizes da dimensão organizatória e procedimental. A Constituição Federal de 1988, nos Arts. 198 a 200, atribuiu ao Sistema Único de Saúde a coordenação e a execução das políticas para proteção e promoção da saúde no Brasil.
A Constituição Federal de 1988 não se limitou a prever a criação de uma estrutura organizacional para garantir o direito à saúde, indicou, ainda, como seria atuação desse órgão administrativo e os objetivos que deveria perseguir, conferindo o esboço do que seria o Sistema Único de Saúde. Mesmo com a previsão constitucional, os procedimentos para o adequado funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como as atribuições específicas dos órgãos, só puderam ser concretizadas a partir da elaboração das Leis específicas da Saúde.
Nesse propósito, foi criada a Lei Federal 8080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as atribuições e funcionamento do Sistema Único de Saúde, bem como a Lei Federal 8142, de 28 de dezembro de 1990, que trata sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
Há procedimentos do SUS que são veiculados por meio de regulamentos, decretos, portarias, especificados no capítulo a seguir. Essas normas infralegais devem adequar-se à moldura constitucional que impõe a observância dos procedimentos à efetivação dos direitos fundamentais.
Desse modo, integra o chamado direito sanitário não apenas a Constituição Federal de 1988 e leis específicas atinentes à saúde, mas também as portarias e protocolos dos SUS, sendo imperioso que todas as normas atendam à finalidade constitucional do direito à saúde.
Cabe ao Estado, por ser o responsável pela consecução da saúde, a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde. Desse modo, o amplo acesso aos medicamentos, por integrar a política sanitária, insere-se no contexto da efetivação do direito à saúde, de modo que as políticas e ações atinentes aos produtos farmacêuticos devem sempre atender ao mandamento constitucional de relevância pública.
A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 198, estabelece como diretrizes do Sistema Único de Saúde (i) a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, (ii) o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e (iii) a participação da comunidade.
Importante observar que as diretrizes do SUS não se esgotam nessas três diretrizes, porquanto ao longo da seção destinada à saúde observam-se alguns fundamentos desse direito, que servem de norte para a conduta da Administração Pública no tocante ao direito à saúde.
O presente tópico se dedicará aos pontos cujo conhecimento revela-se imprescindível ao estudo dos medicamentos do câncer, tais como a universalidade no acesso à saúde, a integralidade no atendimento, a descentralização dos serviços e ações de saúde e, por fim, o financiamento do SUS.
A universalidade não só constitui uma diretriz do Sistema Único de Saúde, mas também a base de toda a estrutura administrativa da saúde. A integralidade, por sua vez, relaciona-se sensivelmente com a política de fornecimento de medicamento, porque diz respeito à assistência terapêutica fornecida ao usuário do SUS. Em relação à descentralização dos serviços e ações de saúde e ao financiamento, apesar de serem analisados separadamente, há uma estreita interferência de um assunto sobre o outro, devendo-se analisar se a transferência de obrigações dá-se com o correspondente repasse financeiro em favor da saúde. É o que se verá nas linhas a seguir.
2 – O caminho da universalização dos serviços de saúde
Na primeira oportunidade em que mencionou o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 já apontou a diferença do tratamento dispensado a esse direito diferenciando-o da previdência social[16].
O que parece um detalhe, em verdade, é um importante marco histórico, porquanto, apenas após a Constituição Federal de 1988, foi reconhecido o direito de todos de obter os serviços e ações de saúde independentemente de contribuição, diferentemente do que ocorre no sistema de previdência social, essencialmente contributivo.
O estudo sobre a história da saúde pública revela o tratamento desigual a que esteve submetida a população brasileira, caracterizando-se pela ausente ou pouca intervenção do Poder Público e a restrição de serviços de saúde a determinadas classes sociais.[17]
O Sistema Único de Saúde substituiu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia responsável pela saúde dos contribuintes da Previdência desde 1974, quando foi desmembrado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) até 1990, ano em que foi aprovada a Lei 8080, que implementou o Sistema Único de Saúde (SUS).
Importante salientar que os beneficiários da saúde eram apenas as pessoas que contribuíam com a Previdência Social, em regra, pessoas com vínculo empregatício. Aos excluídos da Previdência Social restava a prestação dos serviços de saúde apenas na forma preventiva, estando à mercê dos serviços de instituições filantrópicas de saúde para os demais serviços médicos.
A universalização dos serviços públicos de saúde foi resultado da influência do movimento sanitarista na Assembleia Constituinte de 1987. Um dos mais importantes atos políticos do chamado movimento sanitarista ocorreu entre 17 a 21 de março de 1986, em Brasília – DF, onde se realizou a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), tendo discutido, dentre outros temas, a reformulação do sistema nacional de saúde pública, sobretudo, com a ampliação da cobertura e dos beneficiários dos serviços de saúde.
Após a VIII Conferência Nacional de Saúde, formulou-se o Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde (SUDS) a partir de convênios entre o INAMPS e os Estados, esboço do Sistema Único de Saúde (SUS), trazido pela Constituição Federal de 1988.
O Sistema Único de Saúde (SUS), organização administrativa destinada à promoção da saúde pública brasileira, cujo acesso deve ser universal e igualitário, constitui-se como uma rede regionalizada e hierarquizada, organizando-se de acordo com as diretrizes estabelecidas pela própria Constituição Federal de 1988, consoante se registra a seguir:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.”
O princípio da universalidade não está expresso em dispositivo constitucional, mas é norma facilmente extraído do Art. 196 da Constituição Federal de 1988, que prevê o acesso universal às ações e serviços de saúde, o que possibilita o ingresso de qualquer pessoa no Sistema Único de Saúde (SUS).
Além de universal, o acesso deve ser igualitário, não devendo haver distinção em relação a grupo de pessoas, nem de serviços prestados.
Para que o acesso seja universal e igualitário, impõe-se a gratuidade dos serviços, porquanto não se pode considerar universal, serviço público que exija contrapartida pecuniária[18].
Para conseguir atender à população, o SUS conta com rede própria e contratada, sendo que a participação da iniciativa privada dá-se apenas de forma complementar, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativo.
Consoante se lê no Art. 200 da Constituição Federal de 1988, as atribuições do SUS variam da competência fiscalizatória e de controle das atividades que envolvam a saúde, passando pela produção de medicamentos e insumos, preparação dos profissionais e a busca pela inovação na saúde.
Apesar de ter dado os contornos procedimentais do SUS, a Constituição Federal de 1988 reservou à Lei específica a regulamentação do modelo estabelecido para prestação do serviço de saúde pública.
Em obediência à norma constitucional, foi publicada a Lei Federal n. 8080/90, que trata da organização do SUS, bem como a Lei Federal 8142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, ambas formando a Lei Orgânica da Saúde.
A Lei Federal 8.080/90, em seu Art. 2º, reconhece a saúde como direito fundamental do ser humano, sendo do Estado o dever de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Em seguida, o Art. 5º estabelece os principais objetivos do SUS: (i) identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; (ii) formular política de saúde; (iii) promover, proteger e recuperar a saúde a partir de ações assistenciais e de atividades preventivas.
No tocante às atribuições do Sistema Único de Saúde, a Lei Federal 8.080/90 reitera os dispositivos constitucionais e acrescenta outras obrigações no Art. 6º, sendo que uma se destaca em razão da pertinência com este trabalho, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, disposta no inciso I, alínea d, do mesmo artigo.
Destacam-se, ainda, os incisos VI e X, ambos incumbindo ao SUS a formulação da política de medicamentos e incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico na área de saúde.
A Lei Federal 8.080/90 trata, ainda, do financiamento da saúde, sendo este tema, posteriormente, objeto da Lei Complementar 141/2011, que será estudada em tópico específico. Antes disso, alguns apontamentos serão realizados sobre a assistência terapêutica integral no SUS e a descentralização na saúde, temas importantes por direcionarem a política pública de saúde no Brasil.
3 – A Assistência terapêutica integral no SUS
O termo “atendimento integral”, inserido na Constituição Federal como um dos princípios norteadores da saúde, foi emprestado da medicina integral que propunha uma conduta médica que não se reduzisse às dimensões exclusivamente biológicas, em detrimento das considerações psicológicas e sociais[19]. Segundo Ruben Araújo Matos[20], a noção de medicina integral foi adaptada ao Brasil no sentido de prevenção de moléstias com enfoque na saúde coletiva.
Com efeito, o Art. 198, II, da Constituição Federal de 1988 registra a importância das ações de prevenção quando determina que o atendimento integral deva dar prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.
O atendimento integral abrange apenas prestações exigíveis dos serviços do SUS, de caráter preventivo ou curativo, relacionadas a ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Mesmo sendo fatores que influenciam e são importantes para saúde, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o lazer não devem ser considerados como ações e serviços de saúde a serem exigidos do SUS[21].
A propósito, o atendimento integral foi assegurado pelo Art. 198, II, da Constituição Federal de 1988, sendo definido pela Lei 8080/90, em seu artigo 7º, inciso II, como “conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”.
De se registrar que a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal 8080/90 não esclarecem quem deve ser considerado usuário do SUS e que ação pode ser reputada adequada.
Para Lenir Santos[22], a assistência integral somente é garantida àqueles que estão no SUS. Dessa feita, quem optou pela assistência privada, não poderia pleitear parcela da assistência pública, porque esta pressupõe a integralidade da atenção, devendo o paciente estar sob a terapêutica pública.[23]Nesse raciocínio, a assistência farmacêutica restringir-se-ia às pessoas que integralmente tenham optado pelo sistema público de saúde.
Do mesmo pensamento partilha Marlon Alberto Weichert[24], para quem o princípio da integralidade não confere, por si só, direito aos pacientes dos serviços privados de obter os insumos do SUS. Segundo entende,
“As estruturas e as ações do sistema público são afetas aos usuários efetivos do SUS, que as acessam conforme regras e procedimentos específico. Assim, o usuário potencial do SUS que optou pela assistência sob uma relação jurídica de direito privado não é titular de pretensões subjetivas em relação ao sistema público naquele tratamento. […]
É ao cidadão que acessou ao SUS para receber a assistência integral que se devem prestações de tratamento de todas as suas demandas. O SUS não está –como regra constitucional – obrigado a fornecer insumos isolados àqueles que optaram pelo uso de serviços privados.”[25]
A noção de integralidade restrita apenas àqueles que estiverem utilizando o serviço público foi eleita pelo Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamentou a Lei Federal 8080/90, para definir a assistência farmacêutica do SUS.
“Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente:
I – estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;
II – ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;
III – estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e
IV – ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.
§ 1º Os entes federativos poderão ampliar o acesso do usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem.
§ 2º O Ministério da Saúde poderá estabelecer regras diferenciadas de acesso a medicamentos de caráter especializado.”
O Decreto Federal nº 7.508/11 condiciona o acesso de determinada pessoa à assistência farmacêutica à comprovação de que o usuário seja assistido do SUS. Contudo, essa ressalva não foi feita na Constituição Federal, nem na Lei Federal 8080/90, devendo ser tida como ilegal. Da mesma forma, não atende à finalidade constitucional.
A Constituição Federal de 1988 distingue bem a saúde da assistência social, prevendo, no Art. 203, que a assistência social será prestada a quem dela necessitar. Identificam-se apenas quanto à independência da contribuição à seguridade social.
No tocante ao direito à saúde, qualquer pessoa tem direito a obter os serviços do SUS, tenha ou não condições econômicas para arcar com os gastos da saúde de forma privada. Há quem contrate um plano privado de saúde, pagando-o com muito esforço por entendê-lo prioritário e quem possua contrato de assistência médica adquirida com incentivo financeiro do empregador, não sendo razoável negar a essas pessoas a assistência farmacêutica do SUS punindo-as por ter assistência médica privada, até porque a distinção não tem fundamento legal, sequer constitucional.
Em verdade, a Constituição Federal, em seu Art. 196, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, não cabendo à Lei restringir a extensão desse direito fundamental. Do mesmo modo, não se autoriza interpretação que reduza o direito à saúde às prestações de saúde a apenas uma categoria de pessoas, as que estejam sendo atendidas pelos profissionais do SUS.
Além de não ter embasamento jurídico, a exclusão de que possui assistência médica dos serviços do SUS é medida sem propósito. Isso porque o SUS, quando atende beneficiário de assistência médica privada, poderá ser ressarcido das despesas subsequentes, conduta que tem lastro no Art. 35 da Lei n. 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, in verbis:
“Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.
Com o objetivo de impugnar o dispositivo legal que permite o ressarcimento ao SUS pelas empresas operadoras de saúde, a Confederação Nacional de Saúde ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1931/98, contudo, a medida cautelar requerida foi negada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), não tendo havido, até o presente momento, o julgamento final da demanda[26].
Mesmo sem uma posição derradeira sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal que permite o ressarcimento ao SUS, há de se destacar que o STF tem entendido, em demandas individuais com o mesmo pedido, que não haveria inconstitucionalidade a ser declarada, estando autorizada a cobrança do ressarcimento pelo serviço prestado, pois medida visaria, a um só tempo, recompor o patrimônio público e impedir o enriquecimento sem causa[27].
O Decreto Federal n. 7.508/11 quanto à restrição da assistência farmacêutica a apenas os usuários efetivos do SUS revela-se inconstitucional, porque inova no ordenamento jurídico sem ter base legal e afronta o direito fundamental à saúde da população que necessita de assistência terapêutica.
Por se tratar de regulamento, o Decreto Federal n. 7.508/11 não pode restringir as possibilidades existentes na Lei Federal 8080/90, pois possui apenas a função de explicitar o teor da norma legal ou explicar didaticamente seus termos a fim de facilitar a execução da Lei[28]. Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que
“Opostamente às leis, os regulamentos são elaborados em gabinetes fechados, sem publicidade alguma, libertos de qualquer fiscalização ou controle da sociedade, ou mesmo dos segmentos sociais interessados na matéria. Sua produção se faz apenas em função da vontade, isto é, da diretriz estabelecida por uma pessoa, o Chefe do Pode Executivo, sendo composto por um ou poucos auxiliares diretos seus ou de seus imediatos. Não necessitar passar, portanto, nem pelo embate de tendências políticas e ideológicas diferentes, nem mesmo pelo crivo técnico de uma pluralidade de pessoas instrumentadas por formação ou preparo profissional variado ou comprometido com orientações técnicas ou científicas discrepantes. Sobremais, irrompe da noite para o dia, e assim também pode ser alterado ou suprimido.”[29]
Em relação ao conteúdo, a integralidade deve ser interpretada de modo a incluir atividades de prevenção epidemiológica, como vacinação, além dos atendimentos e consultas médicas, cirurgias, internações e de assistência farmacêutica, incluindo fornecimento de medicamento e de outros insumos como próteses, dentre outros.
Para Mônica de Almeida Magalhães Serrano o atendimento deve ser adequado, independentemente da complexidade da doença ou do custo do tratamento, mesmo que seja necessário o fornecimento de medicamentos não incluídos na lista de remédios elaborada pelo SUS[30].
A assistência terapêutica integral, nos termos do Art. 19-M, inciso I, da Lei Federal 8080/90, consiste na dispensação de medicamentos, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença.
O usuário de serviço público de saúde tem direito a obter o tratamento integral para doença que lhe acomete, todavia o tratamento dispensado para sua enfermidade deve estar previsto em protocolo clínico e diretriz terapêutica, documento utilizado no SUS que estabelece os critérios para o diagnóstico da doença, bem como os medicamentos e posologias recomendadas com o fim de padronizar o atendimento médico, com condutas terapêuticas fundamentadas em estudos científicos.
Marlon Alberto Weichert[31] considera legítimos os protocolos e esquemas terapêuticos, contudo, adverte que a vinculação a esses protocolos deve ser relativa, porquanto, algumas vezes, a situação concreta do paciente recomenda alterações no tratamento não previstas no protocolo, tornando-se indispensável que os serviços de saúde tenham disponível um canal apto a analisar e aprovar prescrições de medicamentos que fujam ao padrão.
Para o autor citado[32], deve haver revisão por uma câmara técnica preparada para reanalisar o caso, sempre que for possível ao profissional do SUS responsável pelo atendimento do paciente concluir a necessidade de aplicação de um tratamento ou esquema terapêutico distinto do preconizado nos protocolos.
Parcela das demandas judiciais tem como causa a ausência de medicamento, nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, para determinada moléstia ou indicação terapêutica inapropriada para o usuário.
A Administração Pública, nesse caso, deve individualizar o tratamento de saúde, justificando sua decisão em parecer de equipe médica. A relação oficial de medicamentos traz segurança e previsibilidade de gastos com a saúde, mas não pode servir de obstáculo ao atendimento integral.
Do mesmo modo, entendem Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Júnior[33]:
“É evidente que os órgãos responsáveis podem, e devem, criar padrões de atendimento, objetivando não só a econômica de recursos, como também o aperfeiçoamento das modalidades de atenção. Faz parte de qualquer grande estrutura, pública ou privada, um intento de racionalização do sistema, o que frequentemente se realiza por meio de padronizações de processos e expedientes. Todavia, como dito, a questão é de fundo e não de forma. Assim, é evidentemente impossível que, por meio desses processos de padronização, o Poder Público venha a, direta ou indiretamente, limitar direitos que estejam enraizados na Constituição, especialmente o da saúde. admiti-lo constituiria autêntica burla a premissas essenciais do Estado de Direito, pois se concederia ao administrador público a possibilidade de anular um comando constitucional, o qual, além de reunido à norma fundante de nossa ordem jurídica, cuida, na espécie, de veículo de direitos fundamentais, quais sejam, o direito à vida e, especificamente, o direito à saúde.”
O tratamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde deve ser privilegiado, mas sem impedir a Administração de decidir de forma diversa, caso se comprove que o tratamento oferecido não é eficaz em determinada situação[34].
Desse modo, decidiu o Supremo Tribunal Federal, com voto de relatoria do ministro Gilmar Mendes, concluindo que a ausência de Protocolo Clínico no SUS não pode violar o princípio constitucional da integralidade, não justificando a distinção entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada[35].
Encerra-se esse tópico sem esgotar a discussão sobre o princípio da integralidade. A discussão que permeia o atendimento integral do SUS seguirá em todos os capítulos dessa dissertação, uma vez que se constitui o âmago da presente pesquisa que é voltada ao acesso a medicamentos antineoplásicos para os pacientes de câncer.
A seguir outra importante diretriz do Sistema Único de Saúde, a descentralização das ações e serviços de saúde, cujo conhecimento é imprescindível à compreensão do organograma administrativo da saúde no Brasil.
4 – Financiamento da saúde: apontamentos sobre o mínimo constitucional
De início, é de se esclarecer que o conceito sobre o mínimo constitucional diz respeito à garantia constitucional relacionada ao direito fundamental à saúde. Nas precisas palavras de Paulo Bonavides,
“De nada valeriam os direitos ou as declarações de direitos se não houvesse pois as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos esses direitos. A mais alta das garantias de um ordenamento jurídico, em razão da superioridade hierárquica das regras da Constituição, perante as quais se curvam, tanto o legislador comum, como os titulares de qualquer dos Poderes, obrigados ao respeito e acabamento de direitos que a norma suprema protege”[36].
Desde a sua promulgação, a Constituição Federal de 1988 demonstrou preocupação com a garantia do financiamento da saúde, tanto que reconheceu que as ações e serviços de saúde, considerados relevantes pelo ordenamento constitucional, deveriam ser financiados com os recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes[37].
Ao mesmo tempo, o Art. 55 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispôs que, até que fosse aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, seriam destinados ao setor de saúde.
A obrigatoriedade de aplicação de uma quantia mínima expressa no percentual de trinta por cento do orçamento da seguridade social expressa a relevância dada às ações e serviços de saúde.
A vinculação do financiamento ao mínimo constitucional permitido significa, sem dúvida, uma garantia conferida pela Constituição Federal de 1988 ao direito fundamental à saúde, sendo difícil o cumprimento dos deveres estatais relacionados à saúde se não houver uma vinculação mínima do orçamento público.
A garantia conferida pela Constituição Federal de 1988 fica ainda mais clara quando se tem em vista o disposto no Art. 34, inciso VII, alínea e, bem como do Art. 35, inciso III, normas que autorizam a intervenção da União nos Estados, bem como a intervenção dos Estados nos municípios em razão da ausência de repasse do mínimo constitucional.
As garantias constitucionais, como é a obrigatoriedade do repasse mínimo para ações e serviços de saúde, legitimam sempre a ação do Estado, “em prol da sustentação, integridade e observância dos direitos fundamentais”[38].
A fim de garantir a aplicação do mínimo constitucional para saúde, foi elaborada a Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, que trouxe a redação do Art. 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estabelecendo ainda mudança na sistemática do financiamento, consoante se extrai da leitura do dispositivo constitucional a seguir:
“Art. 198. […]
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I – os percentuais de que trata o § 2º;
II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;
III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.”
Segundo dispõe a norma constitucional transcrita, até que fosse promulgada a Lei Complementar prevista no §3º do artigo 198, o financiamento da saúde dar-se-ia na forma preconizada no artigo 77 do ADCT, cabendo aos Estados o repasse mínimo de 12% (doze por cento) da arrecadação própria, além das transferências do Fundo de Participação dos Estados. Aos municípios, o repasse de, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação própria, além das transferências do Fundo de Participação dos Municípios e à União, o valor empenhando no exercício financeiro anterior acrescido da variação nominal do PIB.
Gilson Carvalho[39] analisou os gastos do Ministério da Saúde entre os anos 1999 a 2009 e encontrou divergências entre o investimento real na saúde e a proposta trazida pela Emenda Constitucional n. 29/2000. Em sua opinião, alguns gastos foram compatibilizados como se fossem relacionados à saúde, mas o objetivo era diverso, como os gastos com os programas Farmácia Popular[40] e Bolsa Família e com o pagamento de assistência médica e odontológica dos servidores exclusivos do Ministério da Saúde, dentre outros. Para o citado autor, os gastos com os programas sociais mencionados foram incluídos nos gastos com a saúde, mesmo não havendo relação alguma com o tema[41].
A crítica também é direcionada aos recursos destinados ao Programa Bolsa Família, cujos gastos teriam sido debitados da conta da saúde desde 2002, quando se instituiu o Programa da Bolsa Alimentação, beneficio social anterior ao Programa Bolsa Família. O autor citado afirma, ainda, que, entre os anos de 2000 a 2009, mais de dois bilhões de reais foram destinados ao pagamento de assistência médica e odontológica dos servidores do Ministério da Saúde e seus familiares[42].
Em janeiro de 2012, foi publicada a Lei Complementar Federal n. 141, que dispõe sobre os valores mínimos a serem anualmente aplicados na saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo, ainda, os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde.
Em relação aos repasses mínimos para os serviços de saúde, a Lei Complementar 141/12 repetiu o disposto no ADCT, não havendo qualquer alteração a ser apontada. Em relação ao descumprimento pelos Estados e municípios do repasse mínimo para saúde, pode a União restringir o repasse do rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, devendo esse valor ser depositado na conta vinculada ao Fundo de Saúde.
A Lei Complementar 141/12 trouxe, ainda, a relação de ações e serviços de saúde que devem ser considerados para aplicação dos recursos percentuais mínimos:
“Art. 3º […]
I – vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;
II – atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais;
III – capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS);
IV – desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS;
V – produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos;
VI – saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei Complementar;
VII – saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos;
VIII – manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças;
IX – investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde;
X – remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais;
XI – ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde; e
XII – gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde”
Para Lenir Santos[43], ao relacionar os serviços de saúde que devem ser levados em consideração para o repasse mínimo dos entes da Federação, a LC141/12 distingue duas dimensões do direito à saúde:
“a primeira que trata das políticas sociais e econômicas que se referem aos determinantes e condicionantes da saúde e a segunda que se refere à garantia de ações e serviços de saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde”[44].
Lenir Santos entende, com acerto, que, ainda que haja relação com a saúde, ao Sistema Único de Saúde caberia apenas garantir as ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, devendo o Estado ser impelido a proporcionar os fatores que se relacionam com o bem-estar social e interferem na saúde da população.[45]
Mesmo representando política pública benéfica à saúde, o saneamento básico, de uma forma geral, foi excluído dos serviços de saúde para fins de aplicação do mínimo legal, com exceção do saneamento de domicílios ou de pequenas comunidades e dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos, desde que haja concordância do Conselho de Saúde do ente financiador do projeto.
Os demais serviços excluídos do mínimo legal da saúde foram relacionados no Art. 4º da LC 141/12, dentre os quais se destacam o pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive, dos servidores da saúde, bem como o pagamento do pessoal ativo da área de saúde em atividade diversa da área de saúde e ações de assistência social, incluindo-se programas de alimentação, e em benefício do meio ambiente em geral.
Para o rateio dos recursos da União em favor dos Estados e municípios, será utilizada a metodologia indicada pela Comissão Intergestores Tripartite, obtida mediante consenso e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, respeitando-se as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde.
A transferência dos recursos será realizada de forma direta e automática do Fundo Nacional de Saúde para os demais fundos de saúde e terá como principal escopo a redução das desigualdades regionais no âmbito da saúde.
Os recursos da saúde devem ser movimentados por meio de fundos de saúde, sendo condição para que os entes federativos recebam os recursos transferidos por outro ente o funcionamento do fundo, plano e conselho de saúde.
Para verificar a aplicação dos recursos mínimos com a saúde, o Ministério da Saúde deve manter, obrigatoriamente, um sistema de registro eletrônico centralizado contendo informações orçamentárias relativas aos recursos da saúde, garantindo o acesso público às informações ali contidas.
Em verdade, a ideia de um sistema de informação dos gastos com a saúde já existe desde a publicação da Portaria Conjunta MS/PGR nº 1163, de 11 de outubro de 2000, que estabeleceu as diretrizes do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), cujo banco de dados é atualizado pelos Estados, Distrito Federal e municípios, os quais, a fim de tornarem públicas as receitas totais e as despesas em ações e serviços públicos de saúde, preenchem formulário em software desenvolvido pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS)[46].
Caso haja descumprimento do repasse dos mínimos pelos Estados, a União poderá restringir o repasse dos recursos até o valor da parcela do mínimo que deixou de ser aplicada em exercícios anteriores, mediante depósito direto na conta corrente vinculada ao Fundo de Saúde. A mesma providência pode ser tomada pelos Estados em relação aos municípios.
Em sua análise sobre a LC 141/12, Gilson Carvalho[47]critica o veto presidencial ao artigo. da Lei Complementar, que destinava à saúde o produto de taxas, tarifas ou multas arrecadadas pela própria área. Da mesma forma, tece críticas ao veto do § 1º do Art. 5º que previa correção das verbas à saúde, sempre que houvesse revisão do PIB, e ao veto do Art. 13, que determinava que, enquanto os recursos da saúde não fossem empregados, deveriam ser aplicados em conta específica, cujos rendimentos seriam investidos na área.
O repasse mínimo pela União permaneceu vinculado ao PIB, o que motivou a Associação Médica Brasileira a elaborar minuta de projeto de lei de iniciativa popular em que se determina o repasse mínimo da União para saúde da quantia equivalente a 10% (dez por cento) da arrecadação da União de suas receitas correntes brutas[48].
Com efeito, se forem analisados os gastos realizados pela União com a saúde, observa-se que o decréscimo da contribuição da União em relação à saúde, o que ficou demonstrado no gráfico a seguir colacionado[49].
Embora os Entes da Federação sejam solidariamente responsáveis pelos serviços e ações de saúde, a normatização referente ao repasse mínimo constitucional de verbas relativas à saúde tratou-os de modo diferenciado.
Em uma perspectiva voltada para a melhor prestação de serviço de saúde, com participação da comunidade na política sanitária, deve haver o reforço dos municípios, uma vez que se encontram mais próximos da população e da vida local.
A transferência de responsabilidade sem o equivalente repasse financeiro é, nas palavras de Marta Arretche uma “descentralização por ausência”[50], porquanto apenas retira da União a responsabilidade de efetivar a política pública, esvaziando-a desse encargo e transfere irresponsavelmente aos municípios o dever de promover os direitos sociais. Como bem observou por Gilberto Bercovici,
“após a Constituição de 1988, de modo lento, inconstante e descoordenado, os Estados e municípios vem substituindo a União em várias áreas de atuação (especialmente nas áreas de saúde, educação, habitação e saneamento)”[51].
No que se refere à política pública de oncologia, consoante se verá em capítulo próprio, a União, através do Ministério da Saúde, é o Ente responsável pelas diretrizes dessa política, bem como pela fiscalização pelo efetivo cumprimento do dever de prestação desse serviço.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 estabelecer o mínimo a ser investido na saúde, a União pode, e deve, aplicar os recursos necessários à saúde no que lhe toca como direcionador das políticas públicas de saúde, em especial, da voltada aos problemas de câncer.
A abstenção da União de cumprir o dever de prestação imposto pela Constituição implica violação negativa da Lei Fundamental. Concordando com o entendimento exarado pelo Ministro do STF Celso de Mello no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45/04, verifica-se que a omissão do Ente da Federação, em verdade, apresenta-se como comportamento de maior gravidade político-jurídica do que uma atuação positiva inconstitucional, uma vez que prejudica, por escassez ou ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade do postulado constitucional.
Apesar de ter julgado prejudicado o pedido contido na ADPF n. 45/04, em virtude da perda superveniente de seu objeto[52], o Ministro Celso de Mello fez algumas considerações que merecem, por sua lucidez, a devida transcrição:
“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.
Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191)
O dever de atuar obriga o Estado a estabelecer os alvos prioritários dos gastos públicos tendo em vista os objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988. Consoante expõe Ana Paula Barcelos,
“não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir.”[53]
A prioridade que deve ter o direito à saúde legitima, inclusive, a ausência de aplicação da regra constitucional do Art. 100 da Constituição Federal de 1988, justificando o bloqueio de recursos públicos a fim de garantir o fornecimento do medicamento de uso contínuo, conforme tem decidido o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.
1. A obrigação de fazer que encerra prestação de fornecer medicamentos admite como meio de sub-rogação, visando adimplemento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor do ente estatal, bloqueio ou sequestro de verbas depositadas em conta corrente.
2. Isto por que, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário.
3. Depreende-se do art. 461, §5.º do CPC, que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o sequestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objetos da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.
4. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante.
5. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º: "Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com frequência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente." 6. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.
7. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.
8. In casu, a decisão ora hostilizada pelo recorrente importa na negativa do bloqueio de valor em numerário suficiente à aquisição de medicamento equivalente a três meses de tratamento, que além de não comprometer as finanças do Estado do Rio Grande do Sul, revela-se indispensável à proteção da saúde do autor da demanda que originou a presente controvérsia, mercê de consistir em medida de apoio da decisão judicial em caráter de sub-rogação.
9.Agravo Regimental Desprovido.” (AgRg no REsp 888325/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15/03/2007, DJ 29/03/2007, p. 230)
Com essa explanação encerra-se breve exposição sobre os principais pontos da estrutura administrativa do Sistema Único de Saúde.
Conclusão
Embora se reconheça o avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 no tocante ao direito à saúde, o caminho para a efetivação desse direito é longo, sendo relevante que o debate sobre o conceito da saúde e a abrangência desse direito seja realizado não apenas pelos juristas, mas por toda a sociedade brasileira, buscando-se o aperfeiçoamento das políticas públicas promovidas pelo Sistema Único de Saúde e por maior investimento governamental nesse setor.
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WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010.
Notas:
[1] Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, Paulo Lopo Saraiva já defendia a proteção aos direitos sociais, os quais definiu como sendo “o conjunto de princípios e normas imperativas que tem por sujeito os grupos e os membros dos grupos, tem por objetivo (fim) a adaptação da forma jurídica (Leis, Códigos) à realidade social e visa (atuação), nesta adaptação, à colaboração de todos ao bem comum.” SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia Constitucional dos Direitos Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, p. 23.
[2] O reconhecimento da saúde como direito fundamental social foi inovação da Constituição Federal de 1988. Inexistiu em constituições anteriores a previsão de acesso aos serviços de saúde de forma universal e igualitária. As Constituições de 1824 e 1891 foram omissas no tocante ao direito à saúde. As Constituições Federais de 1934, 1937, 1946 e 1967, por sua vez, apenas delimitavam as competências legislativas dos entes federativos.
[3] O presente estudo parte do pressuposto de que a saúde constitui-se, na ordem jurídico-constitucional, como direito fundamental, revelado em uma dupla fundamentalidade, formal e material, nos termos sintetizados por Ingo Sarlet: “A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas "cláusulas pétreas") da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1, da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares. […]. Já no que diz com a fundamentalidade em sentido material, esta encontra-se ligada à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que – dada a inquestionável importância da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana – parece-nos ser ponto que dispensa maiores comentários.” SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, janeiro, 2002, Disponível em . Acesso em 30.11.2011. p. 2/3.
[4] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, janeiro, 2002, Disponível em . Acesso em 30.11.2011. p. 2.
[5] Nesse sentido conferir: MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2ª Edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[6] A Organização Mundial de Saúde – OMS ofertou um conceito de saúde o mais abrangente possível, tratando o direito à saúde não apenas como ausência de doenças, mas como o completo bem-estar físico, mental e social do homem.
[7] SCHWARTZ, Germano. A Autopoiese do Sistema Sanitário. Revista do Direito Sanitário. Volume 4, n. 1, março de 2003, p. 54
[8] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 4, dez. 2006, p. 1-22. Disponível em: . Acesso em: 30/11/2011, p. 15.
[9] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 4, dez. 2006, p. 1-22. Disponível em: . Acesso em: 30/11/2011, p. 15.
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[10] Não é objeto da presente dissertação aprofundar o debate em torno do direito à saúde, indicando as teses que envolvem a temática como a análise do princípio do mínimo existencial, da doutrina da reserva do possível, da suposta afronta ao princípio da separação dos poderes, do princípio da legalidade orçamentária. De todo modo, indicam-se como leitura complementar os seguintes manuscritos: BORGES, Alice Gonzales. Reflexões sobre a judicialização de políticas públicas. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 7, n. 25, pp. 9-44, abr./jun., 2009; BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (org.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; BAHIA, Cláudio Jose Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. A Justiciabilidade do direito fundamental à saúde: Concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Ano 99, volume 892, fevereiro, pp. 37/85.
[11] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 473.
[12] SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Processo. Ano 34, vol. 175, setembro, 2009, p. 21.
[13] idem, p. 20.
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[14] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. (Tradução de Luís Afonso Heck). Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 434.
[15] BAHIA, Cláudio Jose Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. A Justiciabilidade do direito fundamental à saúde: Concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Ano 99, volume 892, fevereiro, pp. 37/85, p. 57/58.
[16] A saúde, a previdência e assistência social constituem a seguridade social, segundo a redação do Art. 194 da Constituição Federal de 1988.
[17] No período colonial, os serviços de saúde eram desenvolvidos pelas Santas Casas de Misericórdia. No Império, passou-se a intervir na saúde pública mediante o controle sanitário nos portos, onde todas as embarcações suspeitas de transportar enfermos eram submetidas à quarentena. A intervenção estatal na saúde aumentou com as crescentes epidemias nas cidades, resultando na criação, em 1900, de duas importantes instituições, respectivamente, no Rio de Janeiro e em São Paulo: O Instituto Soroterápico Federal e o Instituto Butantan. Outro importante marco para saúde pública foi a criação, em 1920, do Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP, um embrião do Ministério da Saúde, criado apenas em 1953. Apenas com a publicação do decreto n° 4.682, conhecido como Lei Eloy Chaves, em 1923, houve previsão legal da assistência à saúde. A Lei Eloy Chaves determina a criação, em cada uma das empresas de estrada de ferro, uma Caixa de Aposentadoria e Pensões – CAP para os respectivos empregados, os quais teriam direito a assistência médica familiar, bem como a medicamentos obtidos a preço especial, sob a condição de contribuírem para os fundos da Caixa. Esse modelo foi estendido para outros profissionais a partir do Decreto 20.465/31. Como se percebe, as contribuições continuavam sendo realizadas a partir de descontos nos salários dos trabalhadores. A contribuição financeira do Estado apenas deu-se a partir da criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, destinado a conceder ao pessoal da marinha marcante nacional os benefícios das aposentadorias e pensões. Posteriormente, foram criados o IAP dos industriários, dos Comerciários, todos marcados pelo caráter contributivo como condição para prestação do serviço de saúde. Com a criação do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS pelo Decreto 72/66, os IAP’s foram unificados. Além do INPS, em favor dos empregados urbanos, foram criados o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL e o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, em beneficio dos trabalhadores rurais contribuintes e servidores públicos respectivamente. Em favor dessas classes, com o escopo de prestar-lhes assistência médica, a Lei 6.439/77 criou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS. Para aprofundar o estudo sobre o histórico da saúde pública do Brasil, conferir BERTOLLI FILHO, Claudio. História da saúde pública no Brasil. São Paulo: Ática, 2010 e BRASIL. Direito Sanitário e Saúde Pública: Manual de atuação jurídica em saúde pública e coletânea de leis e julgados em saúde, volume II, Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
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[18] Fátima Vieira Henriques defende que “a gratuidade só é obrigatória no caso de serviços amparados pela Lei 8080/90 e sua regulamentação; consequentemente, se pleiteadas em juízo quaisquer outras prestações de saúde não abrangidas a priori – como, por exemplo, o fornecimento de medicamentos não incluídos nas listagens oficiais ou em desconformidade com os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde -, é requisito indispensável à concessão da ordem a demonstração pelo postulante de sua necessidade financeira.” HENRIQUES, Fátima Vieira. Direito Prestacional à Saúde e Atuação Jurisdicional. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 830.
[19] MATTOS, Ruben Araújo. Os sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em http://www.uefs.br/pepscentroleste/arquivos/artigos/os_sentidos_integralidade.pdf, p. 5.
[20] Idem, p. 5.
[21] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 116.
[22] SANTOS, Lenir. SUS: Contornos da Integralidade da Atenção à Saúde. Boletim de Direito Administrativo. Ano XXIII, n. 8, agosto, 2007, 921-927, p. 924.
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[23] Idem, p. 922.
[24] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 107.
[25] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 108. O autor faz uma ressalva à integralidade quando se trata de ações preventivas de saúde. Quando as ditas ações tratarem de providência em favor da coletividade, esta é considerada usuária do serviço. Como a prestação ofertada é indivisível, não haveria como distinguir os usuários efetivos dos potenciais, como acontece com o combate a vetores de transmissão de moléstias, no saneamento básico, na vigilância sanitária e epidemiológica, etc. WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 109.
[26] STF, ADI 1931 MC, Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2003, DJ 28-05-2004 PP-00003 EMENT VOL-02153-02 PP-00266.
[27] Conferir: STF, RE 510606 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-04 PP-00756 RT v. 99, n. 895, 2010, p. 174-176; STF, RE 601804, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, julgado em 05/11/2009, publicado em DJe-222 DIVULG 25/11/2009 PUBLIC 26/11/2009; RE 594266 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe-048 DIVULG 14-03-2011 PUBLIC 15-03-2011 EMENT VOL-02481-02 PP-00321.
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[28] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 19ª Edição. São Paulo, Editora Malheiros, 2005, p. 339.
[29] Idem, p. 343.
[30] SERRANO, Mônica de Almeida Magalhães. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais. São Paulo: Editora Verbatim, 2012, p. 146.
[31] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 124.
[32]Idem, p. 124.
[33] DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Direito Sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010, p. 93.
[34] Sobre o tema, discorre Marco Aurélio Serau Júnior: “À medida que a tecnologia produz novas descobertas e inventos dia a dia, impossível que se enquadre tal ritmo de produção científica nos rígidos moldes da legalidade novecentista, pois o legislador nunca terá condições de acompanhar um ritmo de desenvolvimento que lhe é alheio e radicalmente distinto. As denominadas listas de medicamentos (parâmetro regulamentar quais os remédios e tratamentos médicos a serem dispensados ao cidadão), nesses termos, possuem eficácia limitada. Em síntese, as insuficiências da legalidade estrita que acarretam prejuízo à dignidade humana e a seu aspecto específico do direito à saúde podem ser supridas pelo Poder Judiciário”. SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Aspectos processuais do acesso a medicamentos e tratamentos médicos: tutela judicial do direito fundamental à saúde. Revista dos Tribunais, Ano 99, volume 902, desembro, 2010, pp.67/86, p. 80.
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[35] Vale conferir a interpretação do STF no tocante ao princípio da integralidade: STF – PLENÁRIO – AG. REG. STA 175/CE – Decisão unânime, Publicada no DJE 30/04/2010 – ATA Nº 12/2010. DJE nº 76, Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: . Acesso em 20/01 2012).
[36] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 532.
[37] Essa era a redação do parágrafo único do Art. 198 da Constituição Federal de 1988, mas a redação encontra-se, após a promulgação da Emenda Constitucional n. 29/00, no parágrafo primeiro do mesmo Artigo.
[38] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 532.
[39] CARVALHO, Gilson. Financiamento Federal para a Saúde no Brasil: 2000-2009. SANTOS, Lenir (organizadora). In Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 281/307.
[40] O Programa Farmácia Popular foi instituído pela Decreto nº 5.090, de 20 de maio de 2004 e tem como objetivo a venda de medicamentos tidos como essenciais ao cidadão a custo mínimo ou nenhum custo. Os medicamentos são vendidos em farmácias comerciais privadas com subsídio do governo correspondente a 90% (noventa por cento) do seu valor e com copagamento de 10% (dez por cento) pelo cidadão.
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O direito à saúde na Constituição Federal de 1988
01/07/2013
Resumo: Dentre os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, o direito à saúde figura entre os mais debatidos nos âmbitos acadêmico, doutrinário e judicial. Após a inserção desse direito na Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira tem se conscientizado que, efetivamente, é a destinatária final da proteção conferida pelo Estado. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 constitui-se marco histórico da proteção constitucional à saúde, de modo que, antes da sua promulgação, os serviços e ações de saúde eram destinados apenas a determinados grupos, os que poderiam, de alguma forma, contribuir, ficando de fora as pessoas quem não possuíam condições financeiras para custear o seu tratamento de forma particular e os que não contribuíam para a Previdência Social. Não obstante a proteção constitucional ao direito à saúde, a ausência de especificação do objeto desse direito e de definição dos princípios constitucionais relacionados à saúde tem dificultado a concretização desse direito fundamental.
Palavras-chaves: Direito à saúde. Constituição Federal de 1988. Sistema Único de Saúde.
Sumário: Introdução; 1- A saúde na Constituição Federal de 1988; 2 – O caminho da universalização dos serviços de saúde; 3 – A Assistência terapêutica integral no SUS; 4 – Financiamento da saúde: apontamentos sobre o mínimo constitucional; Conclusão.
Introdução
O presente artigo tem o escopo de analisar a saúde sob a ótica da Constituição Federal de 1988. De início, pretende-se abordar o conceito de saúde trazido pela Constituição Federal, partindo-se para o estudo sobre as principais diretrizes constitucionais envolvendo a saúde. Ao final, tratar-se-á sobre a previsão do mínimo constitucional no financiamento da saúde como mais uma garantia constitucional para efetivação desse direito fundamental.
1 – A saúde na Constituição Federal de 1988
O direito à saúde foi inserido na Constituição Federal de 1988 no título destinado à ordem social, que tem como objetivo o bem-estar e a justiça social. Nessa perspectiva, a Constituição Federal de 1988, no seu Art. 6º, estabelece como direitos sociais fundamentais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância[1].
Em seguida, no Art. 196, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Dentre os direitos sociais, o direito à saúde foi eleito pelo constituinte como de peculiar importância[2]. A forma como foi tratada, em capítulo próprio, demonstra o cuidado que se teve com esse bem jurídico. Com efeito, o direito à saúde, por estar intimamente atrelado ao direito à vida, manifesta a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.
A saúde, consagrada na Constituição Federal de 1988 como direito social fundamental[3], recebe, deste modo, proteção jurídica diferenciada na ordem jurídico-constitucional brasileira[4].
Ao reconhecer a saúde como direito social fundamental[5], o Estado obrigou-se a prestações positivas, e, por conseguinte, à formulação de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde.
A proteção constitucional à saúde seguiu a trilha do Direito Internacional[6], abrangendo a perspectiva promocional, preventiva e curativa da saúde, impondo ao Estado o dever de tornar possível e acessível à população o tratamento que garanta senão a cura da doença, ao menos, uma melhor qualidade de vida.
O conceito de saúde evoluiu, hoje não mais é considerada como ausência de doença, mas como o completo bem-estar físico, mental e social do homem. Contudo, o debate sobre o direito à saúde ainda segue no sentido do combate às enfermidades e consequentemente ao acesso aos medicamentos. Em última análise, há de se concordar com as palavras de Schwartz[7], para quem o escopo do direito sanitário é a libertação de doenças.
A importância de delimitar o tema exsurge quando se tem em vista que a Constituição Federal, no Art. 196, adotou o conceito amplo de saúde ao incumbir o Estado do dever de elaborar políticas sociais e econômicas que permitam o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
A par de assegurar o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 não delimitou objeto desse direito fundamental, não especificando “se o direito à saúde como direito a prestações abrange todo e qualquer tipo de prestação relacionada à saúde humana”[8].
Discute-se se o Estado, em seu dever de prestação dos serviços de saúde, obriga-se a disponibilizar o atendimento médico-hospitalar e odontológico, o fornecimento de todo tipo de medicamento indicado para o tratamento de saúde, a realização de exames médicos de qualquer natureza, o fornecimento de aparelhos dentários, próteses, óculos, dentre outras possibilidades.
Para Ingo Sarlet[9] é o Legislador federal, estadual e municipal, a depender da competência legislativa prevista na própria Constituição, quem irá concretizar o direito à saúde, devendo o Poder Judiciário, quando acionado, interpretar as normas da Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizarem[10]. Com a indefinição do que seria o objeto do direito à saúde, o legislador foi incumbido do dever de elaborar normas em consonância com a Constituição Federal de 1988.
Sabe-se que a aplicação da norma constitucional depende intrinsicamente de procedimentos a serem executados pelo Estado, bem como criação de estruturas organizacionais para o cumprimento do escopo constitucional de promover, preservar e recuperar a saúde e a própria vida humana.
Há, portanto, um claro dever do Estado de criar e fomentar a criação de órgãos aptos a atuarem na tutela dos direitos e procedimentos adequados à proteção e promoção dos direitos.
Como bem acentua Robert Alexy[11], “as normas de organização e procedimento devem ser criadas de forma que o resultado seja, com suficiente probabilidade e em suficiente medida, conforme os direitos fundamentais.” Do mesmo modo, orienta Ingo Sarlet,
“Se os direitos fundamentais são, sempre e de certa forma, dependentes da organização e do procedimento, sobre estes também exercem uma influência que, dentre outros aspectos, se manifesta na medida em que os direitos fundamentais podem ser considerados como parâmetro para a formatação das estruturas organizatórias e dos procedimentos, servindo, para além disso, como diretrizes para a aplicação e interpretação das normas procedimentais.”[12]
Ainda sobre a íntima vinculação entre direitos fundamentais, organização e procedimento, pontua Ingo Sarlet que “os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo e de certa forma, dependentes de organização e do procedimento, mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais”[13]. Significa dizer que, ao mesmo tempo em que os deveres de proteção do Estado devem concretizar-se mediante normas administrativas e com a criação de órgãos destinados ao cumprimento da tutela e promoção de direitos, a extensão e limites dessas normas e órgãos são impostos pela própria Constituição.
Na linha dos autores citados, Konrad Hesse[14] defende que a organização e o procedimento podem ser considerados o único meio de alcançar um resultado conforme aos direitos fundamentais e de assegurar a sua eficácia. Do outro lado, é direito do cidadão
“obter do Estado prestações positivas, as quais, pela importância que detém, ultrapassam o campo da discricionariedade administrativa para uma inafastável vinculação de índole e força constitucionais, de modo que as pautas de atuação governamental estabelecidas no próprio seio da Lei de Outubro, jamais poderão ser relegadas a conceitos de oportunidade ou conveniência do agente público, eis que não podem transformar-se em mero jogo de palavras, pois, como visto, são indispensáveis à manutenção do “status” de dignidade da pessoa humana”[15].
No que toca ao direito à saúde, foram inseridos, no próprio texto constitucional, relevantes matizes da dimensão organizatória e procedimental. A Constituição Federal de 1988, nos Arts. 198 a 200, atribuiu ao Sistema Único de Saúde a coordenação e a execução das políticas para proteção e promoção da saúde no Brasil.
A Constituição Federal de 1988 não se limitou a prever a criação de uma estrutura organizacional para garantir o direito à saúde, indicou, ainda, como seria atuação desse órgão administrativo e os objetivos que deveria perseguir, conferindo o esboço do que seria o Sistema Único de Saúde. Mesmo com a previsão constitucional, os procedimentos para o adequado funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como as atribuições específicas dos órgãos, só puderam ser concretizadas a partir da elaboração das Leis específicas da Saúde.
Nesse propósito, foi criada a Lei Federal 8080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as atribuições e funcionamento do Sistema Único de Saúde, bem como a Lei Federal 8142, de 28 de dezembro de 1990, que trata sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
Há procedimentos do SUS que são veiculados por meio de regulamentos, decretos, portarias, especificados no capítulo a seguir. Essas normas infralegais devem adequar-se à moldura constitucional que impõe a observância dos procedimentos à efetivação dos direitos fundamentais.
Desse modo, integra o chamado direito sanitário não apenas a Constituição Federal de 1988 e leis específicas atinentes à saúde, mas também as portarias e protocolos dos SUS, sendo imperioso que todas as normas atendam à finalidade constitucional do direito à saúde.
Cabe ao Estado, por ser o responsável pela consecução da saúde, a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde. Desse modo, o amplo acesso aos medicamentos, por integrar a política sanitária, insere-se no contexto da efetivação do direito à saúde, de modo que as políticas e ações atinentes aos produtos farmacêuticos devem sempre atender ao mandamento constitucional de relevância pública.
A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 198, estabelece como diretrizes do Sistema Único de Saúde (i) a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, (ii) o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e (iii) a participação da comunidade.
Importante observar que as diretrizes do SUS não se esgotam nessas três diretrizes, porquanto ao longo da seção destinada à saúde observam-se alguns fundamentos desse direito, que servem de norte para a conduta da Administração Pública no tocante ao direito à saúde.
O presente tópico se dedicará aos pontos cujo conhecimento revela-se imprescindível ao estudo dos medicamentos do câncer, tais como a universalidade no acesso à saúde, a integralidade no atendimento, a descentralização dos serviços e ações de saúde e, por fim, o financiamento do SUS.
A universalidade não só constitui uma diretriz do Sistema Único de Saúde, mas também a base de toda a estrutura administrativa da saúde. A integralidade, por sua vez, relaciona-se sensivelmente com a política de fornecimento de medicamento, porque diz respeito à assistência terapêutica fornecida ao usuário do SUS. Em relação à descentralização dos serviços e ações de saúde e ao financiamento, apesar de serem analisados separadamente, há uma estreita interferência de um assunto sobre o outro, devendo-se analisar se a transferência de obrigações dá-se com o correspondente repasse financeiro em favor da saúde. É o que se verá nas linhas a seguir.
2 – O caminho da universalização dos serviços de saúde
Na primeira oportunidade em que mencionou o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 já apontou a diferença do tratamento dispensado a esse direito diferenciando-o da previdência social[16].
O que parece um detalhe, em verdade, é um importante marco histórico, porquanto, apenas após a Constituição Federal de 1988, foi reconhecido o direito de todos de obter os serviços e ações de saúde independentemente de contribuição, diferentemente do que ocorre no sistema de previdência social, essencialmente contributivo.
O estudo sobre a história da saúde pública revela o tratamento desigual a que esteve submetida a população brasileira, caracterizando-se pela ausente ou pouca intervenção do Poder Público e a restrição de serviços de saúde a determinadas classes sociais.[17]
O Sistema Único de Saúde substituiu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia responsável pela saúde dos contribuintes da Previdência desde 1974, quando foi desmembrado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) até 1990, ano em que foi aprovada a Lei 8080, que implementou o Sistema Único de Saúde (SUS).
Importante salientar que os beneficiários da saúde eram apenas as pessoas que contribuíam com a Previdência Social, em regra, pessoas com vínculo empregatício. Aos excluídos da Previdência Social restava a prestação dos serviços de saúde apenas na forma preventiva, estando à mercê dos serviços de instituições filantrópicas de saúde para os demais serviços médicos.
A universalização dos serviços públicos de saúde foi resultado da influência do movimento sanitarista na Assembleia Constituinte de 1987. Um dos mais importantes atos políticos do chamado movimento sanitarista ocorreu entre 17 a 21 de março de 1986, em Brasília – DF, onde se realizou a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), tendo discutido, dentre outros temas, a reformulação do sistema nacional de saúde pública, sobretudo, com a ampliação da cobertura e dos beneficiários dos serviços de saúde.
Após a VIII Conferência Nacional de Saúde, formulou-se o Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde (SUDS) a partir de convênios entre o INAMPS e os Estados, esboço do Sistema Único de Saúde (SUS), trazido pela Constituição Federal de 1988.
O Sistema Único de Saúde (SUS), organização administrativa destinada à promoção da saúde pública brasileira, cujo acesso deve ser universal e igualitário, constitui-se como uma rede regionalizada e hierarquizada, organizando-se de acordo com as diretrizes estabelecidas pela própria Constituição Federal de 1988, consoante se registra a seguir:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.”
O princípio da universalidade não está expresso em dispositivo constitucional, mas é norma facilmente extraído do Art. 196 da Constituição Federal de 1988, que prevê o acesso universal às ações e serviços de saúde, o que possibilita o ingresso de qualquer pessoa no Sistema Único de Saúde (SUS).
Além de universal, o acesso deve ser igualitário, não devendo haver distinção em relação a grupo de pessoas, nem de serviços prestados.
Para que o acesso seja universal e igualitário, impõe-se a gratuidade dos serviços, porquanto não se pode considerar universal, serviço público que exija contrapartida pecuniária[18].
Para conseguir atender à população, o SUS conta com rede própria e contratada, sendo que a participação da iniciativa privada dá-se apenas de forma complementar, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativo.
Consoante se lê no Art. 200 da Constituição Federal de 1988, as atribuições do SUS variam da competência fiscalizatória e de controle das atividades que envolvam a saúde, passando pela produção de medicamentos e insumos, preparação dos profissionais e a busca pela inovação na saúde.
Apesar de ter dado os contornos procedimentais do SUS, a Constituição Federal de 1988 reservou à Lei específica a regulamentação do modelo estabelecido para prestação do serviço de saúde pública.
Em obediência à norma constitucional, foi publicada a Lei Federal n. 8080/90, que trata da organização do SUS, bem como a Lei Federal 8142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, ambas formando a Lei Orgânica da Saúde.
A Lei Federal 8.080/90, em seu Art. 2º, reconhece a saúde como direito fundamental do ser humano, sendo do Estado o dever de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Em seguida, o Art. 5º estabelece os principais objetivos do SUS: (i) identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; (ii) formular política de saúde; (iii) promover, proteger e recuperar a saúde a partir de ações assistenciais e de atividades preventivas.
No tocante às atribuições do Sistema Único de Saúde, a Lei Federal 8.080/90 reitera os dispositivos constitucionais e acrescenta outras obrigações no Art. 6º, sendo que uma se destaca em razão da pertinência com este trabalho, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, disposta no inciso I, alínea d, do mesmo artigo.
Destacam-se, ainda, os incisos VI e X, ambos incumbindo ao SUS a formulação da política de medicamentos e incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico na área de saúde.
A Lei Federal 8.080/90 trata, ainda, do financiamento da saúde, sendo este tema, posteriormente, objeto da Lei Complementar 141/2011, que será estudada em tópico específico. Antes disso, alguns apontamentos serão realizados sobre a assistência terapêutica integral no SUS e a descentralização na saúde, temas importantes por direcionarem a política pública de saúde no Brasil.
3 – A Assistência terapêutica integral no SUS
O termo “atendimento integral”, inserido na Constituição Federal como um dos princípios norteadores da saúde, foi emprestado da medicina integral que propunha uma conduta médica que não se reduzisse às dimensões exclusivamente biológicas, em detrimento das considerações psicológicas e sociais[19]. Segundo Ruben Araújo Matos[20], a noção de medicina integral foi adaptada ao Brasil no sentido de prevenção de moléstias com enfoque na saúde coletiva.
Com efeito, o Art. 198, II, da Constituição Federal de 1988 registra a importância das ações de prevenção quando determina que o atendimento integral deva dar prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.
O atendimento integral abrange apenas prestações exigíveis dos serviços do SUS, de caráter preventivo ou curativo, relacionadas a ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Mesmo sendo fatores que influenciam e são importantes para saúde, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o lazer não devem ser considerados como ações e serviços de saúde a serem exigidos do SUS[21].
A propósito, o atendimento integral foi assegurado pelo Art. 198, II, da Constituição Federal de 1988, sendo definido pela Lei 8080/90, em seu artigo 7º, inciso II, como “conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”.
De se registrar que a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal 8080/90 não esclarecem quem deve ser considerado usuário do SUS e que ação pode ser reputada adequada.
Para Lenir Santos[22], a assistência integral somente é garantida àqueles que estão no SUS. Dessa feita, quem optou pela assistência privada, não poderia pleitear parcela da assistência pública, porque esta pressupõe a integralidade da atenção, devendo o paciente estar sob a terapêutica pública.[23]Nesse raciocínio, a assistência farmacêutica restringir-se-ia às pessoas que integralmente tenham optado pelo sistema público de saúde.
Do mesmo pensamento partilha Marlon Alberto Weichert[24], para quem o princípio da integralidade não confere, por si só, direito aos pacientes dos serviços privados de obter os insumos do SUS. Segundo entende,
“As estruturas e as ações do sistema público são afetas aos usuários efetivos do SUS, que as acessam conforme regras e procedimentos específico. Assim, o usuário potencial do SUS que optou pela assistência sob uma relação jurídica de direito privado não é titular de pretensões subjetivas em relação ao sistema público naquele tratamento. […]
É ao cidadão que acessou ao SUS para receber a assistência integral que se devem prestações de tratamento de todas as suas demandas. O SUS não está –como regra constitucional – obrigado a fornecer insumos isolados àqueles que optaram pelo uso de serviços privados.”[25]
A noção de integralidade restrita apenas àqueles que estiverem utilizando o serviço público foi eleita pelo Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamentou a Lei Federal 8080/90, para definir a assistência farmacêutica do SUS.
“Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente:
I – estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;
II – ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;
III – estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e
IV – ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.
§ 1º Os entes federativos poderão ampliar o acesso do usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem.
§ 2º O Ministério da Saúde poderá estabelecer regras diferenciadas de acesso a medicamentos de caráter especializado.”
O Decreto Federal nº 7.508/11 condiciona o acesso de determinada pessoa à assistência farmacêutica à comprovação de que o usuário seja assistido do SUS. Contudo, essa ressalva não foi feita na Constituição Federal, nem na Lei Federal 8080/90, devendo ser tida como ilegal. Da mesma forma, não atende à finalidade constitucional.
A Constituição Federal de 1988 distingue bem a saúde da assistência social, prevendo, no Art. 203, que a assistência social será prestada a quem dela necessitar. Identificam-se apenas quanto à independência da contribuição à seguridade social.
No tocante ao direito à saúde, qualquer pessoa tem direito a obter os serviços do SUS, tenha ou não condições econômicas para arcar com os gastos da saúde de forma privada. Há quem contrate um plano privado de saúde, pagando-o com muito esforço por entendê-lo prioritário e quem possua contrato de assistência médica adquirida com incentivo financeiro do empregador, não sendo razoável negar a essas pessoas a assistência farmacêutica do SUS punindo-as por ter assistência médica privada, até porque a distinção não tem fundamento legal, sequer constitucional.
Em verdade, a Constituição Federal, em seu Art. 196, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, não cabendo à Lei restringir a extensão desse direito fundamental. Do mesmo modo, não se autoriza interpretação que reduza o direito à saúde às prestações de saúde a apenas uma categoria de pessoas, as que estejam sendo atendidas pelos profissionais do SUS.
Além de não ter embasamento jurídico, a exclusão de que possui assistência médica dos serviços do SUS é medida sem propósito. Isso porque o SUS, quando atende beneficiário de assistência médica privada, poderá ser ressarcido das despesas subsequentes, conduta que tem lastro no Art. 35 da Lei n. 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, in verbis:
“Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.
Com o objetivo de impugnar o dispositivo legal que permite o ressarcimento ao SUS pelas empresas operadoras de saúde, a Confederação Nacional de Saúde ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1931/98, contudo, a medida cautelar requerida foi negada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), não tendo havido, até o presente momento, o julgamento final da demanda[26].
Mesmo sem uma posição derradeira sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal que permite o ressarcimento ao SUS, há de se destacar que o STF tem entendido, em demandas individuais com o mesmo pedido, que não haveria inconstitucionalidade a ser declarada, estando autorizada a cobrança do ressarcimento pelo serviço prestado, pois medida visaria, a um só tempo, recompor o patrimônio público e impedir o enriquecimento sem causa[27].
O Decreto Federal n. 7.508/11 quanto à restrição da assistência farmacêutica a apenas os usuários efetivos do SUS revela-se inconstitucional, porque inova no ordenamento jurídico sem ter base legal e afronta o direito fundamental à saúde da população que necessita de assistência terapêutica.
Por se tratar de regulamento, o Decreto Federal n. 7.508/11 não pode restringir as possibilidades existentes na Lei Federal 8080/90, pois possui apenas a função de explicitar o teor da norma legal ou explicar didaticamente seus termos a fim de facilitar a execução da Lei[28]. Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que
“Opostamente às leis, os regulamentos são elaborados em gabinetes fechados, sem publicidade alguma, libertos de qualquer fiscalização ou controle da sociedade, ou mesmo dos segmentos sociais interessados na matéria. Sua produção se faz apenas em função da vontade, isto é, da diretriz estabelecida por uma pessoa, o Chefe do Pode Executivo, sendo composto por um ou poucos auxiliares diretos seus ou de seus imediatos. Não necessitar passar, portanto, nem pelo embate de tendências políticas e ideológicas diferentes, nem mesmo pelo crivo técnico de uma pluralidade de pessoas instrumentadas por formação ou preparo profissional variado ou comprometido com orientações técnicas ou científicas discrepantes. Sobremais, irrompe da noite para o dia, e assim também pode ser alterado ou suprimido.”[29]
Em relação ao conteúdo, a integralidade deve ser interpretada de modo a incluir atividades de prevenção epidemiológica, como vacinação, além dos atendimentos e consultas médicas, cirurgias, internações e de assistência farmacêutica, incluindo fornecimento de medicamento e de outros insumos como próteses, dentre outros.
Para Mônica de Almeida Magalhães Serrano o atendimento deve ser adequado, independentemente da complexidade da doença ou do custo do tratamento, mesmo que seja necessário o fornecimento de medicamentos não incluídos na lista de remédios elaborada pelo SUS[30].
A assistência terapêutica integral, nos termos do Art. 19-M, inciso I, da Lei Federal 8080/90, consiste na dispensação de medicamentos, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença.
O usuário de serviço público de saúde tem direito a obter o tratamento integral para doença que lhe acomete, todavia o tratamento dispensado para sua enfermidade deve estar previsto em protocolo clínico e diretriz terapêutica, documento utilizado no SUS que estabelece os critérios para o diagnóstico da doença, bem como os medicamentos e posologias recomendadas com o fim de padronizar o atendimento médico, com condutas terapêuticas fundamentadas em estudos científicos.
Marlon Alberto Weichert[31] considera legítimos os protocolos e esquemas terapêuticos, contudo, adverte que a vinculação a esses protocolos deve ser relativa, porquanto, algumas vezes, a situação concreta do paciente recomenda alterações no tratamento não previstas no protocolo, tornando-se indispensável que os serviços de saúde tenham disponível um canal apto a analisar e aprovar prescrições de medicamentos que fujam ao padrão.
Para o autor citado[32], deve haver revisão por uma câmara técnica preparada para reanalisar o caso, sempre que for possível ao profissional do SUS responsável pelo atendimento do paciente concluir a necessidade de aplicação de um tratamento ou esquema terapêutico distinto do preconizado nos protocolos.
Parcela das demandas judiciais tem como causa a ausência de medicamento, nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, para determinada moléstia ou indicação terapêutica inapropriada para o usuário.
A Administração Pública, nesse caso, deve individualizar o tratamento de saúde, justificando sua decisão em parecer de equipe médica. A relação oficial de medicamentos traz segurança e previsibilidade de gastos com a saúde, mas não pode servir de obstáculo ao atendimento integral.
Do mesmo modo, entendem Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Júnior[33]:
“É evidente que os órgãos responsáveis podem, e devem, criar padrões de atendimento, objetivando não só a econômica de recursos, como também o aperfeiçoamento das modalidades de atenção. Faz parte de qualquer grande estrutura, pública ou privada, um intento de racionalização do sistema, o que frequentemente se realiza por meio de padronizações de processos e expedientes. Todavia, como dito, a questão é de fundo e não de forma. Assim, é evidentemente impossível que, por meio desses processos de padronização, o Poder Público venha a, direta ou indiretamente, limitar direitos que estejam enraizados na Constituição, especialmente o da saúde. admiti-lo constituiria autêntica burla a premissas essenciais do Estado de Direito, pois se concederia ao administrador público a possibilidade de anular um comando constitucional, o qual, além de reunido à norma fundante de nossa ordem jurídica, cuida, na espécie, de veículo de direitos fundamentais, quais sejam, o direito à vida e, especificamente, o direito à saúde.”
O tratamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde deve ser privilegiado, mas sem impedir a Administração de decidir de forma diversa, caso se comprove que o tratamento oferecido não é eficaz em determinada situação[34].
Desse modo, decidiu o Supremo Tribunal Federal, com voto de relatoria do ministro Gilmar Mendes, concluindo que a ausência de Protocolo Clínico no SUS não pode violar o princípio constitucional da integralidade, não justificando a distinção entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada[35].
Encerra-se esse tópico sem esgotar a discussão sobre o princípio da integralidade. A discussão que permeia o atendimento integral do SUS seguirá em todos os capítulos dessa dissertação, uma vez que se constitui o âmago da presente pesquisa que é voltada ao acesso a medicamentos antineoplásicos para os pacientes de câncer.
A seguir outra importante diretriz do Sistema Único de Saúde, a descentralização das ações e serviços de saúde, cujo conhecimento é imprescindível à compreensão do organograma administrativo da saúde no Brasil.
4 – Financiamento da saúde: apontamentos sobre o mínimo constitucional
De início, é de se esclarecer que o conceito sobre o mínimo constitucional diz respeito à garantia constitucional relacionada ao direito fundamental à saúde. Nas precisas palavras de Paulo Bonavides,
“De nada valeriam os direitos ou as declarações de direitos se não houvesse pois as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos esses direitos. A mais alta das garantias de um ordenamento jurídico, em razão da superioridade hierárquica das regras da Constituição, perante as quais se curvam, tanto o legislador comum, como os titulares de qualquer dos Poderes, obrigados ao respeito e acabamento de direitos que a norma suprema protege”[36].
Desde a sua promulgação, a Constituição Federal de 1988 demonstrou preocupação com a garantia do financiamento da saúde, tanto que reconheceu que as ações e serviços de saúde, considerados relevantes pelo ordenamento constitucional, deveriam ser financiados com os recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes[37].
Ao mesmo tempo, o Art. 55 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispôs que, até que fosse aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, seriam destinados ao setor de saúde.
A obrigatoriedade de aplicação de uma quantia mínima expressa no percentual de trinta por cento do orçamento da seguridade social expressa a relevância dada às ações e serviços de saúde.
A vinculação do financiamento ao mínimo constitucional permitido significa, sem dúvida, uma garantia conferida pela Constituição Federal de 1988 ao direito fundamental à saúde, sendo difícil o cumprimento dos deveres estatais relacionados à saúde se não houver uma vinculação mínima do orçamento público.
A garantia conferida pela Constituição Federal de 1988 fica ainda mais clara quando se tem em vista o disposto no Art. 34, inciso VII, alínea e, bem como do Art. 35, inciso III, normas que autorizam a intervenção da União nos Estados, bem como a intervenção dos Estados nos municípios em razão da ausência de repasse do mínimo constitucional.
As garantias constitucionais, como é a obrigatoriedade do repasse mínimo para ações e serviços de saúde, legitimam sempre a ação do Estado, “em prol da sustentação, integridade e observância dos direitos fundamentais”[38].
A fim de garantir a aplicação do mínimo constitucional para saúde, foi elaborada a Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, que trouxe a redação do Art. 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estabelecendo ainda mudança na sistemática do financiamento, consoante se extrai da leitura do dispositivo constitucional a seguir:
“Art. 198. […]
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I – os percentuais de que trata o § 2º;
II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;
III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.”
Segundo dispõe a norma constitucional transcrita, até que fosse promulgada a Lei Complementar prevista no §3º do artigo 198, o financiamento da saúde dar-se-ia na forma preconizada no artigo 77 do ADCT, cabendo aos Estados o repasse mínimo de 12% (doze por cento) da arrecadação própria, além das transferências do Fundo de Participação dos Estados. Aos municípios, o repasse de, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação própria, além das transferências do Fundo de Participação dos Municípios e à União, o valor empenhando no exercício financeiro anterior acrescido da variação nominal do PIB.
Gilson Carvalho[39] analisou os gastos do Ministério da Saúde entre os anos 1999 a 2009 e encontrou divergências entre o investimento real na saúde e a proposta trazida pela Emenda Constitucional n. 29/2000. Em sua opinião, alguns gastos foram compatibilizados como se fossem relacionados à saúde, mas o objetivo era diverso, como os gastos com os programas Farmácia Popular[40] e Bolsa Família e com o pagamento de assistência médica e odontológica dos servidores exclusivos do Ministério da Saúde, dentre outros. Para o citado autor, os gastos com os programas sociais mencionados foram incluídos nos gastos com a saúde, mesmo não havendo relação alguma com o tema[41].
A crítica também é direcionada aos recursos destinados ao Programa Bolsa Família, cujos gastos teriam sido debitados da conta da saúde desde 2002, quando se instituiu o Programa da Bolsa Alimentação, beneficio social anterior ao Programa Bolsa Família. O autor citado afirma, ainda, que, entre os anos de 2000 a 2009, mais de dois bilhões de reais foram destinados ao pagamento de assistência médica e odontológica dos servidores do Ministério da Saúde e seus familiares[42].
Em janeiro de 2012, foi publicada a Lei Complementar Federal n. 141, que dispõe sobre os valores mínimos a serem anualmente aplicados na saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo, ainda, os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde.
Em relação aos repasses mínimos para os serviços de saúde, a Lei Complementar 141/12 repetiu o disposto no ADCT, não havendo qualquer alteração a ser apontada. Em relação ao descumprimento pelos Estados e municípios do repasse mínimo para saúde, pode a União restringir o repasse do rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, devendo esse valor ser depositado na conta vinculada ao Fundo de Saúde.
A Lei Complementar 141/12 trouxe, ainda, a relação de ações e serviços de saúde que devem ser considerados para aplicação dos recursos percentuais mínimos:
“Art. 3º […]
I – vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;
II – atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais;
III – capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS);
IV – desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS;
V – produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos;
VI – saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei Complementar;
VII – saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos;
VIII – manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças;
IX – investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde;
X – remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais;
XI – ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde; e
XII – gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde”
Para Lenir Santos[43], ao relacionar os serviços de saúde que devem ser levados em consideração para o repasse mínimo dos entes da Federação, a LC141/12 distingue duas dimensões do direito à saúde:
“a primeira que trata das políticas sociais e econômicas que se referem aos determinantes e condicionantes da saúde e a segunda que se refere à garantia de ações e serviços de saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde”[44].
Lenir Santos entende, com acerto, que, ainda que haja relação com a saúde, ao Sistema Único de Saúde caberia apenas garantir as ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, devendo o Estado ser impelido a proporcionar os fatores que se relacionam com o bem-estar social e interferem na saúde da população.[45]
Mesmo representando política pública benéfica à saúde, o saneamento básico, de uma forma geral, foi excluído dos serviços de saúde para fins de aplicação do mínimo legal, com exceção do saneamento de domicílios ou de pequenas comunidades e dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos, desde que haja concordância do Conselho de Saúde do ente financiador do projeto.
Os demais serviços excluídos do mínimo legal da saúde foram relacionados no Art. 4º da LC 141/12, dentre os quais se destacam o pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive, dos servidores da saúde, bem como o pagamento do pessoal ativo da área de saúde em atividade diversa da área de saúde e ações de assistência social, incluindo-se programas de alimentação, e em benefício do meio ambiente em geral.
Para o rateio dos recursos da União em favor dos Estados e municípios, será utilizada a metodologia indicada pela Comissão Intergestores Tripartite, obtida mediante consenso e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, respeitando-se as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde.
A transferência dos recursos será realizada de forma direta e automática do Fundo Nacional de Saúde para os demais fundos de saúde e terá como principal escopo a redução das desigualdades regionais no âmbito da saúde.
Os recursos da saúde devem ser movimentados por meio de fundos de saúde, sendo condição para que os entes federativos recebam os recursos transferidos por outro ente o funcionamento do fundo, plano e conselho de saúde.
Para verificar a aplicação dos recursos mínimos com a saúde, o Ministério da Saúde deve manter, obrigatoriamente, um sistema de registro eletrônico centralizado contendo informações orçamentárias relativas aos recursos da saúde, garantindo o acesso público às informações ali contidas.
Em verdade, a ideia de um sistema de informação dos gastos com a saúde já existe desde a publicação da Portaria Conjunta MS/PGR nº 1163, de 11 de outubro de 2000, que estabeleceu as diretrizes do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), cujo banco de dados é atualizado pelos Estados, Distrito Federal e municípios, os quais, a fim de tornarem públicas as receitas totais e as despesas em ações e serviços públicos de saúde, preenchem formulário em software desenvolvido pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS)[46].
Caso haja descumprimento do repasse dos mínimos pelos Estados, a União poderá restringir o repasse dos recursos até o valor da parcela do mínimo que deixou de ser aplicada em exercícios anteriores, mediante depósito direto na conta corrente vinculada ao Fundo de Saúde. A mesma providência pode ser tomada pelos Estados em relação aos municípios.
Em sua análise sobre a LC 141/12, Gilson Carvalho[47]critica o veto presidencial ao artigo. da Lei Complementar, que destinava à saúde o produto de taxas, tarifas ou multas arrecadadas pela própria área. Da mesma forma, tece críticas ao veto do § 1º do Art. 5º que previa correção das verbas à saúde, sempre que houvesse revisão do PIB, e ao veto do Art. 13, que determinava que, enquanto os recursos da saúde não fossem empregados, deveriam ser aplicados em conta específica, cujos rendimentos seriam investidos na área.
O repasse mínimo pela União permaneceu vinculado ao PIB, o que motivou a Associação Médica Brasileira a elaborar minuta de projeto de lei de iniciativa popular em que se determina o repasse mínimo da União para saúde da quantia equivalente a 10% (dez por cento) da arrecadação da União de suas receitas correntes brutas[48].
Com efeito, se forem analisados os gastos realizados pela União com a saúde, observa-se que o decréscimo da contribuição da União em relação à saúde, o que ficou demonstrado no gráfico a seguir colacionado[49].
Embora os Entes da Federação sejam solidariamente responsáveis pelos serviços e ações de saúde, a normatização referente ao repasse mínimo constitucional de verbas relativas à saúde tratou-os de modo diferenciado.
Em uma perspectiva voltada para a melhor prestação de serviço de saúde, com participação da comunidade na política sanitária, deve haver o reforço dos municípios, uma vez que se encontram mais próximos da população e da vida local.
A transferência de responsabilidade sem o equivalente repasse financeiro é, nas palavras de Marta Arretche uma “descentralização por ausência”[50], porquanto apenas retira da União a responsabilidade de efetivar a política pública, esvaziando-a desse encargo e transfere irresponsavelmente aos municípios o dever de promover os direitos sociais. Como bem observou por Gilberto Bercovici,
“após a Constituição de 1988, de modo lento, inconstante e descoordenado, os Estados e municípios vem substituindo a União em várias áreas de atuação (especialmente nas áreas de saúde, educação, habitação e saneamento)”[51].
No que se refere à política pública de oncologia, consoante se verá em capítulo próprio, a União, através do Ministério da Saúde, é o Ente responsável pelas diretrizes dessa política, bem como pela fiscalização pelo efetivo cumprimento do dever de prestação desse serviço.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 estabelecer o mínimo a ser investido na saúde, a União pode, e deve, aplicar os recursos necessários à saúde no que lhe toca como direcionador das políticas públicas de saúde, em especial, da voltada aos problemas de câncer.
A abstenção da União de cumprir o dever de prestação imposto pela Constituição implica violação negativa da Lei Fundamental. Concordando com o entendimento exarado pelo Ministro do STF Celso de Mello no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45/04, verifica-se que a omissão do Ente da Federação, em verdade, apresenta-se como comportamento de maior gravidade político-jurídica do que uma atuação positiva inconstitucional, uma vez que prejudica, por escassez ou ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade do postulado constitucional.
Apesar de ter julgado prejudicado o pedido contido na ADPF n. 45/04, em virtude da perda superveniente de seu objeto[52], o Ministro Celso de Mello fez algumas considerações que merecem, por sua lucidez, a devida transcrição:
“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.
Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191)
O dever de atuar obriga o Estado a estabelecer os alvos prioritários dos gastos públicos tendo em vista os objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988. Consoante expõe Ana Paula Barcelos,
“não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir.”[53]
A prioridade que deve ter o direito à saúde legitima, inclusive, a ausência de aplicação da regra constitucional do Art. 100 da Constituição Federal de 1988, justificando o bloqueio de recursos públicos a fim de garantir o fornecimento do medicamento de uso contínuo, conforme tem decidido o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.
1. A obrigação de fazer que encerra prestação de fornecer medicamentos admite como meio de sub-rogação, visando adimplemento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor do ente estatal, bloqueio ou sequestro de verbas depositadas em conta corrente.
2. Isto por que, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário.
3. Depreende-se do art. 461, §5.º do CPC, que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o sequestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objetos da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.
4. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante.
5. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º: "Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com frequência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente." 6. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.
7. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.
8. In casu, a decisão ora hostilizada pelo recorrente importa na negativa do bloqueio de valor em numerário suficiente à aquisição de medicamento equivalente a três meses de tratamento, que além de não comprometer as finanças do Estado do Rio Grande do Sul, revela-se indispensável à proteção da saúde do autor da demanda que originou a presente controvérsia, mercê de consistir em medida de apoio da decisão judicial em caráter de sub-rogação.
9.Agravo Regimental Desprovido.” (AgRg no REsp 888325/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15/03/2007, DJ 29/03/2007, p. 230)
Com essa explanação encerra-se breve exposição sobre os principais pontos da estrutura administrativa do Sistema Único de Saúde.
Conclusão
Embora se reconheça o avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 no tocante ao direito à saúde, o caminho para a efetivação desse direito é longo, sendo relevante que o debate sobre o conceito da saúde e a abrangência desse direito seja realizado não apenas pelos juristas, mas por toda a sociedade brasileira, buscando-se o aperfeiçoamento das políticas públicas promovidas pelo Sistema Único de Saúde e por maior investimento governamental nesse setor.
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Notas:
[1] Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, Paulo Lopo Saraiva já defendia a proteção aos direitos sociais, os quais definiu como sendo “o conjunto de princípios e normas imperativas que tem por sujeito os grupos e os membros dos grupos, tem por objetivo (fim) a adaptação da forma jurídica (Leis, Códigos) à realidade social e visa (atuação), nesta adaptação, à colaboração de todos ao bem comum.” SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia Constitucional dos Direitos Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, p. 23.
[2] O reconhecimento da saúde como direito fundamental social foi inovação da Constituição Federal de 1988. Inexistiu em constituições anteriores a previsão de acesso aos serviços de saúde de forma universal e igualitária. As Constituições de 1824 e 1891 foram omissas no tocante ao direito à saúde. As Constituições Federais de 1934, 1937, 1946 e 1967, por sua vez, apenas delimitavam as competências legislativas dos entes federativos.
[3] O presente estudo parte do pressuposto de que a saúde constitui-se, na ordem jurídico-constitucional, como direito fundamental, revelado em uma dupla fundamentalidade, formal e material, nos termos sintetizados por Ingo Sarlet: “A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas "cláusulas pétreas") da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1, da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares. […]. Já no que diz com a fundamentalidade em sentido material, esta encontra-se ligada à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que – dada a inquestionável importância da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana – parece-nos ser ponto que dispensa maiores comentários.” SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, janeiro, 2002, Disponível em . Acesso em 30.11.2011. p. 2/3.
[4] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, janeiro, 2002, Disponível em . Acesso em 30.11.2011. p. 2.
[5] Nesse sentido conferir: MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2ª Edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[6] A Organização Mundial de Saúde – OMS ofertou um conceito de saúde o mais abrangente possível, tratando o direito à saúde não apenas como ausência de doenças, mas como o completo bem-estar físico, mental e social do homem.
[7] SCHWARTZ, Germano. A Autopoiese do Sistema Sanitário. Revista do Direito Sanitário. Volume 4, n. 1, março de 2003, p. 54
[8] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 4, dez. 2006, p. 1-22. Disponível em: . Acesso em: 30/11/2011, p. 15.
[9] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 4, dez. 2006, p. 1-22. Disponível em: . Acesso em: 30/11/2011, p. 15.
[10] Não é objeto da presente dissertação aprofundar o debate em torno do direito à saúde, indicando as teses que envolvem a temática como a análise do princípio do mínimo existencial, da doutrina da reserva do possível, da suposta afronta ao princípio da separação dos poderes, do princípio da legalidade orçamentária. De todo modo, indicam-se como leitura complementar os seguintes manuscritos: BORGES, Alice Gonzales. Reflexões sobre a judicialização de políticas públicas. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 7, n. 25, pp. 9-44, abr./jun., 2009; BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (org.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; BAHIA, Cláudio Jose Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. A Justiciabilidade do direito fundamental à saúde: Concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Ano 99, volume 892, fevereiro, pp. 37/85.
[11] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 473.
[12] SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Processo. Ano 34, vol. 175, setembro, 2009, p. 21.
[13] idem, p. 20.
[14] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. (Tradução de Luís Afonso Heck). Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 434.
[15] BAHIA, Cláudio Jose Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. A Justiciabilidade do direito fundamental à saúde: Concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Ano 99, volume 892, fevereiro, pp. 37/85, p. 57/58.
[16] A saúde, a previdência e assistência social constituem a seguridade social, segundo a redação do Art. 194 da Constituição Federal de 1988.
[17] No período colonial, os serviços de saúde eram desenvolvidos pelas Santas Casas de Misericórdia. No Império, passou-se a intervir na saúde pública mediante o controle sanitário nos portos, onde todas as embarcações suspeitas de transportar enfermos eram submetidas à quarentena. A intervenção estatal na saúde aumentou com as crescentes epidemias nas cidades, resultando na criação, em 1900, de duas importantes instituições, respectivamente, no Rio de Janeiro e em São Paulo: O Instituto Soroterápico Federal e o Instituto Butantan. Outro importante marco para saúde pública foi a criação, em 1920, do Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP, um embrião do Ministério da Saúde, criado apenas em 1953. Apenas com a publicação do decreto n° 4.682, conhecido como Lei Eloy Chaves, em 1923, houve previsão legal da assistência à saúde. A Lei Eloy Chaves determina a criação, em cada uma das empresas de estrada de ferro, uma Caixa de Aposentadoria e Pensões – CAP para os respectivos empregados, os quais teriam direito a assistência médica familiar, bem como a medicamentos obtidos a preço especial, sob a condição de contribuírem para os fundos da Caixa. Esse modelo foi estendido para outros profissionais a partir do Decreto 20.465/31. Como se percebe, as contribuições continuavam sendo realizadas a partir de descontos nos salários dos trabalhadores. A contribuição financeira do Estado apenas deu-se a partir da criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, destinado a conceder ao pessoal da marinha marcante nacional os benefícios das aposentadorias e pensões. Posteriormente, foram criados o IAP dos industriários, dos Comerciários, todos marcados pelo caráter contributivo como condição para prestação do serviço de saúde. Com a criação do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS pelo Decreto 72/66, os IAP’s foram unificados. Além do INPS, em favor dos empregados urbanos, foram criados o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL e o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, em beneficio dos trabalhadores rurais contribuintes e servidores públicos respectivamente. Em favor dessas classes, com o escopo de prestar-lhes assistência médica, a Lei 6.439/77 criou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS. Para aprofundar o estudo sobre o histórico da saúde pública do Brasil, conferir BERTOLLI FILHO, Claudio. História da saúde pública no Brasil. São Paulo: Ática, 2010 e BRASIL. Direito Sanitário e Saúde Pública: Manual de atuação jurídica em saúde pública e coletânea de leis e julgados em saúde, volume II, Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
[18] Fátima Vieira Henriques defende que “a gratuidade só é obrigatória no caso de serviços amparados pela Lei 8080/90 e sua regulamentação; consequentemente, se pleiteadas em juízo quaisquer outras prestações de saúde não abrangidas a priori – como, por exemplo, o fornecimento de medicamentos não incluídos nas listagens oficiais ou em desconformidade com os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde -, é requisito indispensável à concessão da ordem a demonstração pelo postulante de sua necessidade financeira.” HENRIQUES, Fátima Vieira. Direito Prestacional à Saúde e Atuação Jurisdicional. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 830.
[19] MATTOS, Ruben Araújo. Os sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em http://www.uefs.br/pepscentroleste/arquivos/artigos/os_sentidos_integralidade.pdf, p. 5.
[20] Idem, p. 5.
[21] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 116.
[22] SANTOS, Lenir. SUS: Contornos da Integralidade da Atenção à Saúde. Boletim de Direito Administrativo. Ano XXIII, n. 8, agosto, 2007, 921-927, p. 924.
[23] Idem, p. 922.
[24] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 107.
[25] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 108. O autor faz uma ressalva à integralidade quando se trata de ações preventivas de saúde. Quando as ditas ações tratarem de providência em favor da coletividade, esta é considerada usuária do serviço. Como a prestação ofertada é indivisível, não haveria como distinguir os usuários efetivos dos potenciais, como acontece com o combate a vetores de transmissão de moléstias, no saneamento básico, na vigilância sanitária e epidemiológica, etc. WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 109.
[26] STF, ADI 1931 MC, Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2003, DJ 28-05-2004 PP-00003 EMENT VOL-02153-02 PP-00266.
[27] Conferir: STF, RE 510606 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-04 PP-00756 RT v. 99, n. 895, 2010, p. 174-176; STF, RE 601804, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, julgado em 05/11/2009, publicado em DJe-222 DIVULG 25/11/2009 PUBLIC 26/11/2009; RE 594266 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe-048 DIVULG 14-03-2011 PUBLIC 15-03-2011 EMENT VOL-02481-02 PP-00321.
[28] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 19ª Edição. São Paulo, Editora Malheiros, 2005, p. 339.
[29] Idem, p. 343.
[30] SERRANO, Mônica de Almeida Magalhães. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais. São Paulo: Editora Verbatim, 2012, p. 146.
[31] WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. SANTOS, Lenir (organizadora) Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 124.
[32]Idem, p. 124.
[33] DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Direito Sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010, p. 93.
[34] Sobre o tema, discorre Marco Aurélio Serau Júnior: “À medida que a tecnologia produz novas descobertas e inventos dia a dia, impossível que se enquadre tal ritmo de produção científica nos rígidos moldes da legalidade novecentista, pois o legislador nunca terá condições de acompanhar um ritmo de desenvolvimento que lhe é alheio e radicalmente distinto. As denominadas listas de medicamentos (parâmetro regulamentar quais os remédios e tratamentos médicos a serem dispensados ao cidadão), nesses termos, possuem eficácia limitada. Em síntese, as insuficiências da legalidade estrita que acarretam prejuízo à dignidade humana e a seu aspecto específico do direito à saúde podem ser supridas pelo Poder Judiciário”. SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Aspectos processuais do acesso a medicamentos e tratamentos médicos: tutela judicial do direito fundamental à saúde. Revista dos Tribunais, Ano 99, volume 902, desembro, 2010, pp.67/86, p. 80.
[35] Vale conferir a interpretação do STF no tocante ao princípio da integralidade: STF – PLENÁRIO – AG. REG. STA 175/CE – Decisão unânime, Publicada no DJE 30/04/2010 – ATA Nº 12/2010. DJE nº 76, Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: . Acesso em 20/01 2012).
[36] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 532.
[37] Essa era a redação do parágrafo único do Art. 198 da Constituição Federal de 1988, mas a redação encontra-se, após a promulgação da Emenda Constitucional n. 29/00, no parágrafo primeiro do mesmo Artigo.
[38] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 532.
[39] CARVALHO, Gilson. Financiamento Federal para a Saúde no Brasil: 2000-2009. SANTOS, Lenir (organizadora). In Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 281/307.
[40] O Programa Farmácia Popular foi instituído pela Decreto nº 5.090, de 20 de maio de 2004 e tem como objetivo a venda de medicamentos tidos como essenciais ao cidadão a custo mínimo ou nenhum custo. Os medicamentos são vendidos em farmácias comerciais privadas com subsídio do governo correspondente a 90% (noventa por cento) do seu valor e com copagamento de 10% (dez por cento) pelo cidadão.
[41] CARVALHO, Gilson. Financiamento Federal para a Saúde no Brasil: 2000-2009. SANTOS, Lenir (organizadora). In Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 295.
[42] Idem, p. 299.
[43] SANTOS, Lenir. SUS e a Lei Complementar 141 comentada, Campinas: Editora Saberes, 2012, p 61.
[44] idem, p 61.
[45] Ibidem, p 61.
[46] Informação obtida no site http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/texto/6996/905/O-que-e-SIOPS.html. Acesso em 15/03/2013
[47] CARVALHO, Gilson. Comentários à Lei Complementar 141 de 13-1-2012 que regulamenta a EC-29 e aos vetos ao projeto aprovado no Senado. Disponível em . Acesso em 11/10/12.
[48] O projeto da nova Lei Complementar pode ser obtido no site
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[49] BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. O Financiamento da Saúde. Brasília: CONASS, 2011, p. 68.
[50] ARRETCHE, Marta. Mitos da Descentralização: Mais democracia e eficiência nas políticas públicas? In Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 31, São Paulo, ANPOCS, junho de 1996.
[51] BERCOVICI, Gilberto. A Descentralização de Políticas Sociais e o Federalismo Cooperativo Brasileiro. Revista de Direito Sanitário, vol. 3, n. 1, março de 2002, p. 13/28.
[52] A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45/04 foi proposta em razão de veto presidencial ao então § 2º do art. 55 da Lei nº 10.707/03, que tratava da elaboração da lei orçamentária anual de 2004, cuja redação considerava como ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, com exceção dos encargos previdenciários da União, dos serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza. Segundo pedido contido na inicial, o veto presidencial representou afronta a preceito fundamental decorrente da EC 29/00, que pretendeu garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Antes do julgamento da ADPF 45/04, contudo, foi aprovada a Lei n. 10.777/03, que trouxe a mesma redação do dispositivo legal cujo veto estava sendo impugnado, o que prejudicou o julgamento do mérito da ADPF.
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[53] BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, São Paulo: Editora Renovar, 2002, p. 245-246.
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Informações Sobre o Autor
Elisângela Santos de Moura
Defensora Pública Federal, Mestre em direito constitucional pela UFRN
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https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/o-direito-a-saude-na-constituicao-federal-de-1988/
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ARTIGO: PRISÃO PREVENTIVA E PREFEITO
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Professor: Flávio Martins
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O MINISTÉRIO PÚBLICO DO AMAZONAS requereu ao TJ a prisão preventiva do Prefeito de Manaus, David de Almeida, dentre outras autoridades locais. Segundo o MP, teriam sido praticados crimes de falsidade ideológica e peculato.
FORAM CONTRATADOS , às vésperas do processo de imunização, 10 médicos para o cargo de “gerente de projetos”, amealhados por relações de influência política, econômica, amizade e parentesco, com fortes indícios de beneficiar esse grupo no processo imunizatório.
O QUE MAIS QUE CAUSA PERPLEXIDADE é que, quando a sociedade alardeou o “esquema” de fura-fila das vacinas em Manaus (já que alguns vacinados postaram fotos nas redes sociais), o Prefeito informou que seria publicada Portaria com o fim de proibir fotografias durante o ato de vacinação. Esse fato é indício de dolo, já que, se o ato fosse culposo, o Prefeito tentaria elucidar os fatos, e não esconder.
ALGUNS ASPECTOS jurídicos do presente caso.
O TJ/AM afirmou que os crimes são de competência da Justiça Federal, nos termos da Súmula 208, do STJ: “compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante o órgão federal”. Segundo o TJ/AM, o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação é de responsabilidade da UNIÃO, motivo pelo qual a burla criminosa desse processo seria de competência da Justiça Federal.
A DECISÃO NESSE CRIME será paradigmática. Isso porque se tem notícias de outras burlas ao processo de imunização, em outras cidades brasileiras.
POR FIM, quanto à prisão preventiva, entendo ser mais recomendada ao caso a “medida cautelar diversa da prisão”, consistente no afastamento da autoridade do cargo público. Lembro que, como já decidiu o STF (na ADPF 347, por exemplo), a prisão preventiva só é recomendada quando não for aplicável uma medida diversa da prisão. No caso, o afastamento do Prefeito e de outras autoridades, no meu ponto de vista, já seria capaz de evitar a interferência indevida no processo imunizatório.
LEIA A ÍNTEGRA da decisão do TJ/AM, sobre o caso
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O VACILÃO
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Bezerra da Silva
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Soltaram os bichos no cara porque não soube chegar
Lá na minha bocada a rapaziada bota pra quebrar
Soltaram os bichos no cara porque não soube chegar
Lá na minha bocada a rapaziada bota pra quebrar
Ele pintou no pedaço pagando sugesta para a toda gente
E que é ferro a brasa no buraco quente
E que já mandou mais de dez pro caju
Aconteceu que os meninos não acreditaram e soltaram os bichos
Jogaram o malandro no latão do lixo
Enfiaram o cacete, deixaram ele nu!
Soltaram os bichos no cara porque não soube chegar
Lá na minha bocada a rapaziada bota pra quebrar
Ele pensou que lá só morava mané calça frouxa
Só porque tinha um cara com cara de trouxa
Foi aí que ele se atropelou
Porque esse cara era considerado demais na bocada
Deu somente um alô para a rapaziada
Aí a moçada logo executou!
Soltaram os bichos no cara porque não soube chegar
Lá na minha bocada a rapaziada bota pra quebrar
Composição de Luiz Grande
https://www.cifraclub.com.br/bezerra-da-silva/805924/letra/
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