quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O dia em que Palácios chorou: "Os Cientistas, somos pessoas muito estranhas."

"O inesperado tem que ser esperado."
Ricardo Palacios Médico formado na Universidad Nacional de Colombia, com Doutorado em Doenças Infecciosas pela UNIFESP/Escola Paulista de Medicina e Especialização em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Trabalhou como Coordenador da Unidade de Pesquisa Clínica do CIDEIM (Cali, Colômbia) e foi colaborador dos Programas de Doenças Tropicais e de Pesquisa em Vacinas da Organização Mundial da Saúde (TDR/OMS e IVR/OMS) no monitoramento e auditoria de estudos clínicos em Ásia, África e América Latina. Atualmente é Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento Clínico do Instituto Butantan e estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. https://mba.butantan.gov.br/convidados.php Butantan confirma eficácia geral da Coronavac em 50,38% Embora inferior à primeira taxa divulgada, o índice não deve impedir a aprovação do imunizante pela Anvisa 12/01/2021 | 13:34 Atualizado 15:04 AE e R7
Número de hoje é inferior ao apresentado na semana passada pelo governo paulista | Foto: Governo de São Paulo / Divulgação / CP A taxa de eficácia geral da Coronavac, vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, é de 50,38%. A taxa que considera a análise de todos os voluntários infectados pela Covid-19 foi revelada nesta terça-feira durante entrevista coletiva, pelo diretor médico de pesquisa clínica do Instituto Butantan, Ricardo Palácios. Ele explicou que essa é a eficácia geral da vacina nos estudos de fase 3. O número é inferior ao apresentado na semana passada pelo governo paulista, de 78%, pois a taxa referia-se somente a um recorte do estudo: ao grupo de voluntários que manifestaram casos leves de Covid, mas com necessidade de atendimento médico. A taxa de eficácia geral é o principal indicador medido pelo estudo da Coronavac (o chamado desfecho primário), segundo protocolo da pesquisa. Embora inferior à primeira taxa divulgada, o índice de 50,38% não deve impedir a aprovação do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que exige eficácia mínima de 50%. A Anvisa e a Organização Mundial da Saúde (OMS) entendem que vacinas que apresentem eficácia de no mínimo 50% podem ser utilizadas em programas de imunização nesta pandemia diante da urgência em controlar o vírus e a incidência de quadros graves de Covid-19. A taxa de eficácia para Coronavac foi uma probabilidade, calculada a partir da análise de pessoas que contraíram o coronavírus no grupo que recebeu a vacina em comparação com os que tomaram placebo. Os resultados foram obtidos a partir da análise de dados de 9.252 voluntários. Destes, 4.653 tomaram a vacina e outros 4.599 receberam placebo. No grupo da vacina, ocorreram 85 casos de Covid-19 (11,74%). O grupo placebo registrou 167 pessoas com Covid-19 (23,64%). Atraso no uso Um pouco antes do anúncio de Ricardo Palácios, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, questionou o prazo para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analise o uso emergencial da Coronavac, vacina contra a Covid-19 desenvolvida em parceria com a chinesa Sinovac. "Por que atrasar o uso da Coronavac?", afirmou. "Ela tem segurança e eficácia", completou Covas. Durante o anúncio nesta tarde, Covas relembrou que a vacina foi duramente criticada por conta da origem, uma vez que foi desenvolvida em parceria com uma farmacêutica chinesa. "Isso é uma virtude", disse o diretor do instituto. "Se isso não tivesse acontecido, não teríamos milhões de doses na prateleira esperando uso", afirmou. Na quinta-feira passada, a gestão João Doria (PSDB) afirmou que o imunizante tem 78% de eficácia contra casos leves da doença e 100% contra os quadros graves e moderados. Mas, como já dito, os dados referem-se só a um recorte do estudo. A eficácia geral, principal indicador da pesquisa e que considera toda a amostra de voluntários, não foi revelada e ficaria em patamar inferior, segundo disse à reportagem o infectologista Esper Kallas. Professor da USP, ele é coordenador do centro da pesquisa da Coronavac no Hospital das Clínicas. "O que dá para dizer com os dados que temos é que a eficácia de 78% é para aqueles casos leves que precisaram de alguma intervenção médica, classificados como nível 3 na escala da Organização Mundial da Saúde, e a de 100% é para casos moderados e graves, classificados a partir do nível 4. Gostaríamos de ver os dados também para o nível 2, que são aqueles infectados que evoluíram bem em casa e não precisaram de atendimento médico", disse Kallas. "Quando você amplia a definição de caso, ou seja, inclui todos os casos positivos independentemente da gravidade, aumenta a sensibilidade para identificar casos de Covid-19, mas perde em especificidade. Quando forem incluídos os dados de pacientes nível 2, dilui um pouco mais a eficácia e ela deve ficar menor", completou. Logo após a coletiva, vários cientistas criticaram a falta de transparência do Butantan ao não divulgar a eficácia geral e outros detalhes dos testes clínicos. O número de casos de Covid-19 registrados em cada grupo do estudo (placebo e vacinado) só foi divulgado após questionamento do Estadão na coletiva de imprensa. Os dados informados pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, após a pergunta apontavam eficácia de 63% - calculada com base no registro de 218 casos de covid entre voluntários, sendo 160 no grupo que recebeu placebo e pouco menos de 60 entre os vacinados. Após as críticas, o governo anunciou que faria coletiva de imprensa hoje para apresentar tais dados. Segundo o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, os dados sobre eficácia geral da Coronavac estão em posse exclusiva do Butantan e da Anvisa. "As pessoas estão cobrando mais transparência, mas nem eu nem o governador sabemos qual é esse número." Contradição No sábado passado, a Anvisa cobrou dados mais detalhados do Butantan para avaliar o pedido de uso emergencial, submetido na sexta-feira. Nesta segunda-feira, em coletiva, governo e Butantan entraram em contradição quanto ao envio de dados. Gorinchteyn afirmou que os dados que a Anvisa disse faltar já tinham sido enviados no dossiê de 10 mil páginas submetido na sexta. Já a diretora do Butantan, Cintia Lucci, disse que informações complementares ainda estavam sendo enviadas. À tarde, em nota ao Estadão, o Butantan confirmou a fala de Cintia. Doria voltou a cobrar urgência da Anvisa na análise, mesmo com as pendências de documentos. "Não é razoável que processos burocráticos, ainda que em nome da ciência, se sobreponham à vida." Uso emergencial A CoronaVac será usada, uma vez que seja aprovada pela Anvisa, no plano nacional de imunização contra Covid-19, do SUS. O Ministério da Saúde já se comprometeu com a compra de 46 milhões de doses até abril, além de uma opção de mais 52 milhões posteriormente, caso haja demanda. O Butantan pediu autorização de uso emergencial da vacina junto à Anvisa para o uso das primeiras 6 milhões de doses. A conclusão dos técnicos deve ocorrer até próximo domingo, 17 de janeiro.
ASSISTA A VÍDEO AO VIVO DA APRESENTAÇÃO DO BUTANTAN NO LINK: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/geral/butantan-confirma-efic%C3%A1cia-geral-da-coronavac-em-50-38-1.552065 Pesquisador do Butantan aborda estudos de desafio em humanos em artigo publicado na Trials O gerente médico de Ensaios Clínicos do Instituto Butantan, Ricardo Palacios, e a advogada americana e especialista em bioética, Seema K. Shah, publicaram o artigo intitulado “Quando testes humanos de desafio podem ser implantados para combater doenças infecciosas emergentes? Lições do caso de um teste de desafio humano com vírus Zika”, na edição de dezembro da revista científica Trials. Nele, os autores relatam a discussão e as conclusões de um grupo de especialistas que, a convite dos Instituto Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, se reuniram em 2016 para discutir os limites éticos de estudar a infecção pelo Zika pela inoculação deliberada do vírus em voluntários. Essa forma de ensaios clínicos, denominados “estudos de desafio” – ou, em inglês, Human Challenge Trials (HCTs) – podem se tornar necessários para preparar a resposta a uma epidemia causada por vírus ainda não conhecido ou que tenha se modificado. Segundo o artigo, estudos de desafio já tem sido realizados em pesquisas relacionadas à febre amarela, malária, cólera, influenza e febre tifoide, por exemplo. Eles permitem aos cientistas entender melhor os primeiros estágios de uma doença causada por agentes infecciosos, e também acelerar o processo de testes de intervenções, como vacinas ou tratamentos. Há, no entanto, aspectos éticos e práticos a serem considerados para avaliar se um estudo de desafio se justifica ou não. Por exemplo, a avaliação dos riscos que a infecção trará para os voluntários e para terceiros, entre outros. “Como em todo estudo, num primeiro momento, partimos de uma pergunta que seja cientificamente relevante, algo que, por outros meios, não seria possível obter informações, até porque estamos falando de algo que expõe os potenciais participantes da pesquisa a um risco maior do que o usual. São casos muito específicos, envolvendo uma amostra muito pequena e controlada”, afirma Palacios.
O exemplo do vírus Zika Em 2016, a Organização Mundial de Saúde declarou a epidemia de Zika no Brasil e em outros países uma “emergência de saúde pública internacional”. Diante disso, pesquisadores propuseram um estudo de desafio com voluntários sadios nos Estados Unidos, o que motivou a formação do painel internacional de especialistas, independente e multidisciplinar para examinar a questão. Após meses de discussões, foi elaborado um relatório, publicado em fevereiro de 2017, que concluiu que o HCT do vírus zika poderia ser eticamente justificado em princípio, mas seria prematura a sua realização à época devido a incertezas sobre o período de infecção do vírus, a probabilidade de exposição de terceiros, dúvidas sobre sua aplicação no desenvolvimento de uma vacinas, entre outros. O relatório também serviu de base para aplicação do HCT em outros tipos de infecções emergentes, além de apontar para a importância de uma preparação ética para o advento de futuros surtos e garantir não só o bom uso dos recursos, mas também respostas rápidas e confiáveis numa emergência de saúde pública. Aplicação em uma "doença x" No artigo, Palacios e Shah ainda consideram esse tipo de experiência uma alternativa importante, guardado os devidos critérios éticos, para possíveis epidemias futuras e ainda desconhecidas, o que Organização Mundial de Saúde (OMS) chama de "doença x". "Considera-se 'doença x' aquela que não se conhecia uma patogenicidade importante, mas que, de um momento para outro, muda seu comportamento, e passa a ter. Por isso a importância de discutir como uma essa ferramenta (HCT) e outras para nos prepararmos para essa potencial nova doença", explica Palacios. O gerente médico de Ensaios Clínicos do Butantan falou um pouco mais sobre o artigo e explicou o que são e em que condições podem ser aplicados o estudos de desafio humano aqui. Confira o vídeo aqui. (por Luana Paiva) https://butantan.gov.br/noticias/pesquisador-do-butantan-aborda-estudos-de-desafio-em-humanos-em-artigo-publicado-na-trials?r=noticias/pesquisador-do-butantan-aborda-estudos-de-desafio-em-humanos-em-artigo-publicado-na-trials ***
Filme retrata encontro fictício entre Dr. Josef Breuer, Friedrich Nietzsche e a escritora Lou Andreas Salomé Fórum de Psicanálise e Cinema exibe 'Quando Nietzsche chorou' por comunicacao — publicado 28/08/2014 15h55, última modificação 03/09/2014 20h46 Evento acontece nesta sexta-feira, dia 29, às 18h, no Auditório Vera Janacopulos O Fórum de Psicanálise e Cinema dá início à programação do segundo semestre nesta sexta-feira, dia 29 de agosto, às 18h, com o filme Quando Nietzsche Chorou (Pinchas Perry, 2007). A exibição, seguida de debate, acontece no Auditório Vera Janacopulos (Av. Pasteur, 296, Urca). A obra é baseada em livro homônimo do psicanalista americano Irvin Yalon, que, por meio de um encontro fictício, reúne o famoso doutor Josef Breuer, o filósofo Friedrich Nietzsche e a escritora Lou Andreas Salomé. A história se passa na Viena do século XIX, na primavera de 1882, com bela reconstituição da época e excertos de óperas. Sobre o fórum O Fórum de Psicanálise e Cinema foi criado em 1997 como uma atividade de extensão científica da Associação Psicanalítica Rio 3, pelo então presidente, Waldemar Zusman, e pelo diretor Neilton Dias da Silva. Em 2004, passou a contar com a participação da museóloga e professora da UNIRIO Ana Lúcia de Castro, responsável pela análise cultural dos filmes. Dois anos depois, a APRIO 3 celebrou parceria com a UNIRIO para, mensalmente, sediar o Fórum de Psicanálise e Cinema. Em agosto de 2011, a APRIO 3 fundiu-se com a Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), sendo mantida a parceria para sediar o evento. FONTE: UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Disponível em: http://www.unirio.br/news/forum-de-psicanalise-e-cinema-discute-filme-201cquando-nietzsche-chorou201d Acesso em: 14/01/2021 ***
Resenha Rudiger Safranski, Nietzsche: biografia de uma tragedia. Traducao de Lya Luft. Sao Paulo: Geracao Editorial, 2001. 263 paginas. Sandra S. F. Erickson* Ao contrario das biografias sobrc Nietzsche rescnhadas para 0 ultimo numero dessa revista I, essa biografia de Rudiger (que alias e nao por acaso tambern escreveu uma biografia de Heidegger publicada pela mesma cditora) e urn texto bastantc interessante e bern cscrito no que se refere it aprescntacao e organizacao do material, tanto "objetivo" (os dados da vida do controvcrtido biografado), quanto "subjetivo" (a aprcciacao do autor c suas rcspostas aos dados reportados). o texto enquanto construto grarnatical, deixa a descjar em muitas passagens por causa de muitos crros que contern (56,60, 61,63,89... 122, 123, 124, 125, enfim sao muitas para citar-se todas), inclusive de concordancia e grafia ("0 artistas", 86; "ser referir", 122; "metaforo", 299; "Nnatureza", 103 "aspetos", 255). As notas explicativas no rodape tanto do autor, quanta do tradutor sao bastante uteis, pois contextualizam termos alemaes dificeis de traduzir para 0 portugues, como eo caso de Ungeheuer, que, conforme a nota I (13) explica, pode SCI' traduzido por "rnonstro", mas tarnbern por extraordinario, incomum, ingentc, e ainda inaudito, que ca acepcao acolhida pelo tradutor. Ja para 0 tcrmo ... *B.A., em Filosofia, Western Carolina University, Doutorado em Letras, UFPB; Professor do Departamento de Letras, UFRN. E-mail: sferickson@ufrnet.br I Chamberlain, Lesley. Nietzsche em Turim: ofim dofuturo (trad. Pedro Jorgensen Jr.; Rio de Janeiro: Difel, 2000; 283 paginas); e Quando Nietzsche chorou: romance da obsessdo (trad. Ivo Korytowski; Rio de Janeiro: Ediouro, 1995). Alias, vale a pena comentar que a presente biografia menciona Nietzsche chorando varias vezes (ver, por exemplo, 218). unheimliche, 0 tradutor prefere "sinistro", em vez do "estranhamente familiar" de Freud ou Heidegger, mesmo quando ele e utilizado em contraste com heimliche, traduzido por "familiar" (69 e 151, n. 14). Para 0 controvertido Ubermensch, foi adotada a acepcao "alem-do-homem" de Rubens Rodrigues Torres do volume Nietzsche para Os pensadores, conforme explicada na nota 9 (97) e tambern seguida por Scarlet Marton em sua traducao de Nietzsche e suas vozes por Ronald Hayman, mencionada mais abaixo. Comecando a tratar 0 biografado como urn heroi epico modemo (22), urn "Hamlet encarnado", 0 autor oferece a ideia plausivel de que 0 proprio Nietzsche tratou de sua propria vida como urn Bildungsroman, urn "romance de formacao", e seus escritos cram motivados, em parte pela necessidade de responder a proposicao "como me tomei 0 que sou" (20) porque, segundo 0 biografo, ele sempre sc considerou importante e nunca duvidou de que sua vida valeria a pena ser vivida. Existe uma certa tentacao de tratar Nietzsche como uma especie de santo, "alguem que carrega nos ombros, como representantes de Atlas, os problemas do mundo" (22). Essa tendencia de idealizar Nietzsche pareee comum entre seus biografos (por exemplo, em Nietzsche em Turim se chama muito a atencao para seu sofrimento fisico, enquanto 0 ficcional Quando Nietzsche Chorou para 0 sofrimento metafisico). Felizmente, 0 autor abandona logo esse tratamento pouco adequado a Nietzsche, passando a trata-lo, se bern com reverencia, apenas como humano, apenas, humano. A epistografia, parte importante dos escritos de Nietzsche, e utilizada sempre estrategicamente e com born gosto. As selecoes sao sempre apropriadas aos contextos nos quais sao utilizadas. Pouca enfase e dada ao sofrimento de Nietzsche com suas horriveis dores de cabeca. Talvez porque 0 autor nao que ira incitar no leitor sentimentos de pena que 0 proprio biografado nao toleraria, mas independente disso, as constantes e intensas dores de cabeca que Nietzsche sofreu e urn fato importante de sua vida - supera-las fez dele uma pessoa admiravel. Urn dos pontos interessantes do texto - e que por si so ja justificam a leitura des sa biografia - e a organizacao do pensamento do jovem Nietzsche que 0 autor faz. Comecando com os escritos do Nietzsche crianca e do adolescentc, 0 autor tenta e consegue mostrar como tudo 0 que Nietzsche cscrcvcu corresponde a urn processo continuo e mesmo sistematico que culmina nos escritos do Nietzsche "maduro" - se eque existe tal coisa. A propria insanidade de Nietzsche parece fazer parte de urn plano. 0 famoso episodic rcportado pela senhoria da pousada onde ele sc hospcdava em Turim, de que 0 tinha visto dancando nu pclo quarto (283), gcralmente apontado como indicio da falta de sanidadc de Nietzsche aparece na biografia como sc fosse urn teatro que Nietzsche encenasse para si mesmo. Porem essa ideia de que a loucura possa ser parte dc urn plano teatral atraves do qual Nietzsche se retirou da vida intelectual ativa, nao seja defensivel, embora possamos entender a descsperada tentativa do biografo de "salvar" ou poupar seu ilustre biografado de um fim tao pouco digno. Sim, porquc 0 problema da loucura de Nietzsche nao e a loucura em si, mas a forma abjeta que ela tomou. Ele podcria ter sido urn grande louco, dancando nu nas luas chcias ao som da musica das esferas, celebrando assim seu Dioniso ate 0 fim de seus dias. Mas nao foi isso que aconteceu. Embora 0 autor pareca nao entender 0 conceito de musica que Nietzsche absorve de Schopenhaucr, isto e, como conceito matematico, abstracao, e nao 0 meramentc audivel, que "existe ate na confusao das linguas em babel" (89), c, portanto, completamente diferente daquilo que eescutado e "apreendido" por alguem "sentado no metro com urn walkman no ouvido" (90), o papel da musica na vida de Nietzsche aparece com dignidade c propriedade, e nao com a mesquinhez do Nietzsche em Turim; da mesma forma, 0 problema da sanidade mental de Nietzsche e enfrentado com dignidade, coragem, embora talvez idealisticamente, conforme se apontou acima, pois aparece meio que de repente (Capitulo 14), numa narrativa que construiu para 0 leitor urn Nietzsche vigoroso, ativo, pleno de poderes fisicos, intelectuais e, por que nao, espirituais? Nesse ponto da narrativa, e com uma tristeza tragica, com urn sentido de hamartia, que 0 leitor se apercebe do que aconteceu com 0 heroico protagonista. o crepusculo do grande pcnsador... Dcpois, alguns comentarios ainda sao acrescentados sobre 0 Nietzsche ensandecido, como que para se confirmar realmente que foi verdade, que aconteceu de fato. Esse outro lado da vida do filosofo tambem aparece pouco em outras biografias. Outro momenta corajoso do texto e a discussao das ideias politicas de Nietzsche, inclusive apoiadas por citacoes do proprio Nietzsche, sobre a questao dificil das proposicoes "biopoliticas" de Nietzsche (285), bern como de suas posicoes (e disposicoes) antidcmocraticas, que muitas biografias abafam, inclusive 0 fato de que ele era a favor, entre outras igualmente dificeis posicocs politicas, do trabalho infantil (135). 0 autor reafirma a incompatibilidadc do pensamento de Nietzsche com 0 nazismo, mas explica como esse pensamento pode desembocar numa justificativa para a guerra coerentemente apropriavel pelo nazismo (300), recuperando depois 0 nietzschismo para seu papel mais historicamente apropriado ao definir sua influencia em termos de uma confrontacao entre a "comunidade dionisiaca contra a sociedade mecanica; herois contra comerciantes, consciencia tragica contra pensamcnto utilitarista" (300-301) da Europa pes-guerra. Alguns pontos fracos podem ser encontrados na relativa pouca importancia dada ao relacionamento de Nietzsche com Lou Salome, embora, contraditoriamente, 0 autor atribua a inspiracao final para Zaratustra, que ele chega a chamar de "filho" dessa relacao de Nietzsche, a essa passagem intensa de sua vida. Outro ponto pouco mencionado nas biografias de Nietzsche e seu alegado homoeroticismo, 0 qual 0 presente autor promete discutir no Capitulo 12, mas que, como a discussao sobre Lou Salome, acabou apenas em passant, gerando mais duvidas do que esclarecimentos. Entre as influencias de outros pensadores sobre Nietzsche, sente-se a falta de Hegel. Uma analise mais sensivel, pertinente e ate, necessaria do poeta grego Hesiodo, a quem Nietzsche estudou e que 0 autor discute em mais de uma ocasiao seria salutar, ate porque, se, como 0 autor sugere a compaixao era 0 pecado de Nietzsche, essa, como dizer, fraqueza, nao se deriva necessariamente de urn cristianismo mal resolvido em Nietzsche, mas era uma virtude cuja perda Hesiodo muitissimo lamenta em Dias e Trabalhos. Embora seu tratamento das ideias cvolucionistas de Charles Darwin, na verdadc responsaveis pela "rnortc de Deus", apenas proclamada, mas nao promulgada por Nietzsche deixe urn pouco a desejar, 0 autor oferece uma interessante discussao da difcrenca entre a doutrina da cvolucao de Darwin a qual interpreta a existencia em termos de luta pela sobrevivencia, e a doutrina de Nietzsche da "luta pela dominacao" (243). Outra "fraqueza" do texto e a sobrevaloracao estetica de Zaratustra, que na verdade.ja que filosofia nao C, porque em estilo, conteudo e forma nao lhes corresponde, tambem como poesia, deixa muito a desejar em estilo, conteudo e forma. Everdade que o texto de Zaratustra tern seus momentos dc grandeza poetica, como tambcm filos6fica, mas nem uma nem outra qualidade se mantern por todo 0 texto. Zaratustra, se bern ele venceu, como nem Belerofonte 0 fez, 0 interdito da montanha proibida aos excluidos da graca divina, nao passa de urn pobre profeta menor, sem a forca de urn Daniel quando entrou - c saiu - da cova dos leocs, ou sem a dignidade de urn Joao Batista arredio vivendo de gafanhotos e de favos de mel silvestre, pagando com sua cabcca 0 preco de sua liberdade espiritual e 0 direito de bern falar sobre verdades temporais. Essa sobrevaloracao do Zaratustra tarnbem aparece em Nietzsche e suas vozes por Ronald Hayman (trad. Scarlet Marton; Sao Paulo: UNESP, 1999), que promete uma analise das vozes que no texto 0 autor diferencia da do Nietzsche autor, mas nao cumpre, ficando 0 leitor a imaginar, enfim, 0 que de novidade e ali oferecido, ja que 0 Hayman inclusive nao se envergonha de utilizar dados biograficos, quando convenientes, para justificar "vozes" que ele nao consegue derivar dentro do corpo narrativo, talvez por falta de treino na critica literaria. U rna leitura de Zaratustra como par6dia biblica talvez seria mais apropriado. Ressalvados esses negativos, 0 livro tern seus momentos bons, ate iluminadores, mesmo para os leitores ja familiarizados tanto com 0 pensamento como com as biografias de Nietzsche. Talvez ate especialmente para esses, pois, podendo separar 0 joio do trigo, o leitor cultivado encontrara bastante desse ultimo. Menciona-se entre esses momentos, a discussao de Wagner e sua influencia na vida do biografado; a analise de 0 nascimento da tragedia, no Capitulo 4, onde se ressalva 0 que nunca e demais repetir, a saber, a importancia desse estudo para a estetica; e a discussao no ultimo capitulo da influencia de Nietzsche em autores como Karl Jaspers, Heidegger, Thomas Mann, Bergson, Adorno, Horkheimer, e Foucault, bern como a discussao da apropriacao do pensamento de Nietzsche pelo nazismo hitleriano, ja mencionada acima. Esse livro consegue mostrar Nietzsche como 0 pensador original e fascinante que ele foi. Sem ser na linha de entretenimento, 0 que a gente ja sabe nos aparcce de modo agradavel, refrcscante, bern vindo. E se a gcnte nao 0 sabe, aprende-se com a mesma disposicao, pois sem ser urn cstudo "profissional", e filos6fico 0 bastante para atrair, sem trair, 0 interesse de estudiosos e leigos desse pensador. Eurn livro belo, que tern apenas urn erro tragico: nao consegue separar a vida do biografado de seus textos tanto quanta 0 biografado merece. No mais, nota-se 0 cuidado e desvelo, 0 carinho mesmo com 0 qual foi concebido e escrito. Seria tambem elegante, se nao fosse pelos muitos erros gramaticais de urn texto que merece ser melhor editado. FONTE: Principios UFRN Natal v.9 n"'.11-12 p.266-271 Jan./Dez.2002 Disponível em: file:///C:/Users/TEMP.DESKTOP-OC95VG1.002/Downloads/Dialnet-RudigerSafranskiNietzsche-5890889.pdf Acesso em: 14/01/2021 ***

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