quinta-feira, 1 de julho de 2021

O SUS É O MEU PARTIDO

*** *** "Meu partido é o SUS", desabafa servidor do Ministério da Saúde que denuncia compra da Covaxin *** A CPI da Pandemia ouvirá nesta sexta-feira (25), às 14h, os depoimentos de Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, e de seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Eles denunciaram possíveis irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin pelo governo federal. Fonte: Agência Senado *** *** https://www.youtube.com/watch?v=kJ-S3d9oczw *** *** FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM EXCELÊNCIA CONCURSADO Enunciado Augustus, brasileiro, solteiro, residente e domiciliado em Rio Claro/SP é engenheiro civil e possui 33 anos de idade. Atualmente, Augustus estuda para concursos publicos. O Municípioo de Campinas, por meio do Secretário de Finanças, realizou concurso público para diversos cargos, dentre os quais de administador de finanças, realizou concurso público para diversos cargos, dentre os quais de administrador de finanças. Para este cargo foram designadas 20 vagas, com vencimentos mensais de R$ 15.000,oo (quinze mil reais). O Edital do concurso foi publicado em 28.04.2015 e o concurso terá validade de dois anos. Interessado na vaga. Augustus inscreveu-se no certame e após muito estudo e dedicação passou em 10º lugar. A homologação do resultado ocorreu em 28.04.2015. Não obstante, passados 03 (três) meses da homologação do resultado, o Município de Campinas contratou, sem realização de concurso público, 15 funcionários para exercer o cargo de administrador de finanças, sem ter nomeado nenhum dos aprovados. A justificativa do Secretário foi no sentido de que estes contratados onerariam menos as finanças do município, pois seus vencimentos eram menores aos indicados no edital do concurso, bem como a justificativa de demanda pela demanda. Passados 180 dias após ter tomado ciência de contratação de funcionários temporários e inconformado com esta situação, pois é sabedor de seus direitos e que está sendo prejudicado nos subsídios mensais que receberia com a nomeação. Augustus procura seus serviços de advocacia. Na qualidade de advogado de Augustus adote a medida judicial cabível, considerando a competência e legitimidade, os fundamentos de direito, a urgência e o pedido. *** TREINANDO - ENUNCIADO *** Qual a peça? *** Quem é o cliente? *** O que ele deseja (objeto)? *** Por quê? Tema central? *** Inicial ou recurso? *** É urgente? *** Estruturando a peça *** Endereçamento *** Preâmbulo *** Autor *** Réu *** Nome da peça *** Fundamento *** Fatos *** Direito (teses) *** Tutela de urgência *** Pedidos e requerimentos *** Formalidades da peça *** RESPOSTA - AÇÃO PELO PROCEDIMENTO COMUM *** Qual a peça? *** Quem é o cliente? Augustus. *** O que ele deseja (objeto)? Nomeação no cargo para o qual foi aprovado em concurso público. *** Por que? Tema central? Município que realizou o certame preteiu os candidatos aprovados em concurso para contratar sem realização de concurso público, conforme exige a Constituição da República. Imperioso destacar que sequer havia situação emergencial para que houvesse a contratação de temporários. *** Inicial ou recurso? Inicial. *** É urgente? Sim, necessidade de ingressar no cargo para o qual foi aprovado. *** Estruturando a peça *** Endereçamento Excelentíssimo Senhor Doutor de Direito da ___ Vara Cível (ou da Fazenda Pública) da Comarca do Estado. *** Preâmbulo *** Autor Augustus *** Réu Município de Campinas/SP *** Nome da peça Ação pelo procedimento comum com pedido de Tutela Provisória de Urgência Antecipada. Obs.: não é cabível Mandado de Segurança em virtude do prazo decadencial de 120 dias (art. 23 da Lei 12.016/2009). *** Fundamento Art. 319 c/c arts. 294 e 300 do CPC/2015 *** Fatos Augustus foi aprovado em concurso público para o cargo de administrador de finanças do Município de Campinas///SP. Sua classificação final foi o 10º lugar, sendo que foram abertas 20 (vinte) vagas. Não obstante, após a aprovação no concurso, o Secretário de Finanças do citado Município realizou contratação de funcionários sem observar a norma constitucional que exige a realização de certame, preterindo os aprovados. Tal conduta, como será demonstrada a seguir é inconstitucional e ilegal. *** Direito (teses) No caso há diversas teses, entres os quais: 1. Princípio constitucional do concurso público (art. 37, I e II da CF/1988). 2. Direito de nomeação (não é mera expectativa de direito). Art. 37, IV da CF/1988. 3. Dever de boa-fé da administração pública. A administação deve se pautar pelos princípios da moralidade e da legalidade, de modo que não pode, sob pena de violação da boa-fé, agir de um modo e, posteriormente, quebrar a relação de confiança com a sociedade atuando de modo contraditório. *** Tutela de urgência Cabível pedido de Tutela Provisória de Urgência Antecipada, nos termos do art. 294 c/c art. 300 do CPC/2015. Demonstrar a probabilidade do direito(aprovação no concurso público dentro do número de vagas e a contratação irregular de voluntários sem concurso) e o perigo de dano (prejuízo ao candidato que está sendo preterido em cargo para o qual foi aprovado). Obs.: por se tratar de matéria enfrentada de forma reiterada pelos tribunais superiores, seria admissível também formular pedido de tutela provisória de evidência, nos termos do art. 311, II, do CPC/2015, que prescinde da demonstração do perigo de dano. *** Pedidos e requerimentos Concessão da Tutela de Urgência Antecipada para que Augustus seja nomeado e tome posse no cargo e ao final, seja confirmada a Tutela Provisória de Urgência Antecipada, obrigando o Município de Campinas a nomear o candidato aprovado. *** Formalidades da peça Citação dos réus deixa-se de formular pedido de designação de ausência de conciliação por ser inviável autocomposição (art. 319, VII c/c art. 334, par. 4º, II, do CPC/2015), pedido de produção de provas, valor da causa. *** Fonte: REVISÃO E TREINO CADERNO DE DIREITO CONSTITUCIONAL COORDENADORES Darlan Barroso Marco Antonio Araujo Junior Marcelo Romão Marinelli 2ª edição revista e atualizada THOMSON REUTERS REVISTA DOS TRIBUNAIS *** *** Publicado em23/06/21 11:45Atualizado em23/06/21 11:53 Em entrevista, servidor da Saúde relata que avisou Bolsonaro sobre suspeitas na importação da vacina Covaxin ***
*** O servidor Luis Ricardo Miranda com o presidente Jair Bolsonaro, em encontro no dia 20 de marçoO servidor Luis Ricardo Miranda com o presidente Jair Bolsonaro, em encontro no dia 20 de março Foto: Reprodução Natália Portinari, Julia Lindner e Thiago Bronzatto *** Após se recusar a assinar um recibo que previa um pagamento antecipado pela importação da vacina indiana Covaxin, o servidor concursado do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda diz, em entrevista ao GLOBO, ter se encontrado pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro no dia 20 de março para denunciar as suspeitas sobre a importação do imunizante. Segundo ele, o presidente teria se comprometido a encaminhar o caso para a Polícia Federal. O contato entre Luis Ricardo e Bolsonaro foi feito por meio do irmão do servidor, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Ambos estiveram no Palácio da Alvorada num encontro registrado com fotos e mensagens que serão apresentadas à CPI da Covid na próxima sexta-feira. Ao GLOBO, Luis Ricardo diz ter denunciado ao presidente as suspeitas envolvendo a Covaxin e apresentado um material que comprovaria que houve um pedido de pagamento fora do contrato para importar três lotes com data próxima do vencimento. Caso esse documento tivesse sido assinado pelo servidor, a empresa poderia cobrar um pagamento que considerava indevido no valor de US$ 45 milhões (R$ 222,6 milhões). O contrato para a compra da Covaxin com o Ministério da Saúde não prevê pagamento antecipado. Em entrevista, o servidor relatou também uma "pressão anormal" no processo para agilizar o envio da documentação à Anvisa e pedir a importação da vacina Covaxin. A agência reguladora negou o pedido, já que a farmacêutica indiana não tinha cumprido os requisitos necessários para conseguir a emissão de um certificado de boas práticas. O Palácio do Planalto foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Leia abaixo a entrevista. Qual é o seu trabalho no ministério? Eu trabalho no ministério como servidor público, concursado desde 2011. Sempre lotado no departamento de logística. Estou à frente da importação do ministério desde 2016. Somos responsáveis por toda a importação de insumos estratégicos para a Saúde. Vacina, medicamentos, enfim. Somos a ponta do processo. Após a construção de assinaturas de contrato, de todo o processo, somos a parte final, a ponta para que o medicamento, a vacina chegue ao Brasil e seja distribuída a toda a população. O senhor relatou ao Ministério Público Federal (MPF) que houve pressão no caso da Covaxin. Como se deu essa pressão? A gente executou primeiro o embarque internacional de vacina do consórcio Covax (Facility, da OMS). A OPAS, devido à dificuldade de todos os países quererem adquirir as vacinas do consórcio, a OPAS conseguiu algumas doses para o Brasil. A documentação ficou pronta só vinte e quatro horas, se eu não me engano, antes do voo chegar no Brasil. A gente fez todo o processo de importação, junto com a Anvisa, a Receita Federal e o aeroporto. Conseguimos realizar o desembaraço. Não teve nenhuma pressão, ligação, reunião, algo muito intenso, por parte dos gestores para a realização desse processo. No caso máximo, se eu não me engano, foi quando chegou essa vacina, o primeiro embarque. No caso da Covaxin, houve muito questionamento, como estava a documentação, muita reunião e faltava documentação técnica. A documentação apresentada estava muito divergente do que estava estipulado no contrato. A equipe por parte nossa, da importação, não se sentiu segura e confortável para a execução daquele processo, daquela importação. Veio ordens superiores para que fosse solicitada a autorização pela Anvisa, mesmo não tendo toda a documentação completa. Eu me isentei como chefe de assinar esse processo. É um ofício que solicita uma excepcionalidade, que chama. Foi assinado por um outro gestor e a gente fez a solicitação para a Anvisa, a qual foi negada. Quando o senhor diz que recebeu ordens, essas ordens partiram de quem? No relato ao Ministério Público, eu (disse) que sou subordinado a um coordenador geral, o qual eu citei no meu depoimento, que é o Alex Lial Marinho, era o coordenador da CGLOG, coordenação logística de insumos estratégicos da Saúde, que cuida da distribuição e recebimento de vacinas. O diretor do departamento de logística, Roberto Ferreira Dias. E tive contato também com um assessor da Secretaria Executiva. Coronel Pires. Como foi essa ligação do coronel Pires fora do horário de trabalho? Eu recebi esse contato, né? Da Secretaria Executiva, desse coronel Pires. “Precisamos fazer tudo para ajudar, o representante da empresa veio agora à noite falar. Com o secretário executivo, Élcio, para agilizar as licenças de importação para embarcar as vacinas ainda esta semana.” (Essa ligação ocorreu em 19 de março, segundo o servidor, às 23h de sexta-feira.) Como foi o contato com o seu irmão naquele momento? Qual a informação que o senhor queria levar adiante? Devido à falha de documentação, a inconsistência com o contrato e também as pressões, a equipe se sentiu desconfortável. Eu como tenho um irmão, Luis Miranda, ao qual eu confio muito, né, por ser meu irmão de sangue, relatei toda a situação pra ele. E passamos a situação para a autoridade superior. Ele me convidou se eu estava disposto a levar isso ao presidente Bolsonaro. Como foi esse encontro com o presidente Jair Bolsonaro? Eu apresentei toda a documentação, o contrato assinado, as pressões que estavam acontecendo internamente no Ministério, e a gente levou até a casa do presidente, conversamos com ele, mostramos todas as documentações, as pressões, e ele ficou de, após a reunião, falar com o chefe da Polícia Federal para investigar. Isso foi no dia 20 de março. Como foi a reação de Bolsonaro? Ele disse que realmente estava muito estranha a situação. Ele ficou, posso dizer, não sei, surpreso. Disse que confia no pessoal do Ministério e não tinha conhecimento de tudo, de detalhe, e que ia investigar. Por que decidiram levar esse caso ao presidente? Ele é o chefe do Poder Executivo, ao qual detém conhecimento de todas as situações que estão passando no governo, e ao qual cabe a sua responsabilidade verificar todas as inconsistências, às vezes que não chegam até ele. Depois do encontro com o presidente Bolsonaro, mudou alguma coisa no Ministério? Como teve a negação da autorização pela Anvisa, ficou um desgaste entre o Ministério e a Anvisa. Então, eles evitaram de ter que acontecer isso novamente e se reuniram, o ministério com a empresa, para ver toda documentação completa e depois dar entrada. O que você explicou exatamente ao presidente sobre possíveis irregularidades? Toda a documentação é fornecida pela empresa, são documentos à respeito da carga, documentos técnicos, de certificados, estudos da vacina, a gente recebe esse documento pela empresa. A invoice é similar a uma nota fiscal no Brasil, um documento que demonstra aos órgãos responsáveis que foi feita uma compra, uma venda ou qualquer tipo de transação internacional importada. O que foi apresentada pela empresa foi essa invoice. O que te chamou atenção nesse recibo? A gente não faz parte de licitação, somos área de execução, somos a ponta para que a vacina chegue ao país. É passado o contrato para a nossa área para execução. O que a gente faz é verificar o que diz o contrato e a documentação que a empresa apresentou para a gente seguir o contrato. Esses levantamentos que a gente fez, questão de pagamento, quantidade de doses, a questão da empresa que estava divergente, a gente verificou essas inconsistências. (A empresa que consta no recibo se chama Madison Biotech PTE Ltd.) Essa terceira empresa que apareceu no processo, divergindo do contrato, traria prejuízo ao país? Sim, há questão de prejuízo por envolver o recebimento de uma quantidade menor, num valor altíssimo, fora do acordado, essa empresa é totalmente divergente do contrato, algo que não é legal, porque se você tem um contrato assinado com um fornecedor quem tem que te fornecer é aquele fornecedor, não uma empresa terceira que você desconhece, que não assinou. E a forma como tudo isso aconteceu diverge totalmente de processos que você lidou antes? Sim. Acontecem erros pontuais na invoice que não são tão discrepantes em relação ao contrato. O que foi mais estranho no processo todo para você? Achei estranho a questão da pressão, porque a gente é uma área que é a ponta final. A gente está acostumado a lidar com urgências, com pressões, mas elas foram muito fora do comum. Fora essa questão da documentação não estar completa, tudo isso. A gente está acostumado a ter pressão, mas isso foi muito além. Como era essa pressão? Acontecia muita reunião, muita ligação, inclusive na sexta-feira à noite e final de semana para perguntar ‘e aí, a empresa mandou documentação?’, ‘como é que tá?’, ‘cobra a empresa’. O coronel Alex Lial, coordenador da área, também pressionava? Ele sempre perguntava, como está a Covaxin, como está a importação, tem mensagem de texto dizendo que era prioridade máxima. Ele sempre questionava a gente para saber se está tudo ok. Era constante. Qual foi a sua preocupação como servidor que te levou a sentir desconfortável para levar isso até o presidente? Como havia muita inconsistência, bastante pressão, isso gerou suspeita, né, insegurança. Nosso baseado é o contrato, que é a lei, e ele estava divergente. Então falei com meu irmão para verificar se estava legal. *** *** https://extra.globo.com/noticias/brasil/em-entrevista-servidor-da-saude-relata-que-avisou-bolsonaro-sobre-suspeitas-na-importacao-da-vacina-covaxin-25073440.html *** *** ***
*** Livro Machado de Assis Funcionário Público R. Magalhães Junior *** RSP Revisitada Machado de Assis funcionário público Texto publicado na RSP de out/dez 1981 (Ano 38, v. 109, n. 4) Raymundo Magalhães Jr. Joaquim Maria Machado de Assis, uma das maiores figuras do mundo literário brasileiro do século passado e do início deste século, teve duas carreiras paralelas, a de homem de letras e a de burocrata. Na primeira iniciou-se mais cedo, quando, apenas um adolescente de pouco mais de 15 anos, publicou um soneto – por sinal bem ruinzinho – no Periódico dos Pobres, a 3 de outubro de 1854. Nascido no morro do Livramento, perto da Gamboa e do Saco do Alferes, a 21 de junho de 1839, deu mostras de impressionante precocidade, ao assinar um Soneto, no mesmo jornalzinho. Nota-se que, nessa época, o Rio de Janeiro ainda não tinha sequer iluminação a gás – só contratada pelo governo imperial em 1859 – nem sabia ainda o que fossem estradas de ferro. Seu ingresso no serviço público só se daria quase treze anos depois dessa estréia literária, que em nada fazia prever o grande escritor que viria a ser. E isto se deu a 8 de abril de 1867, com a sua nomeação para “ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial”, então subordinado ao Ministério da Fazenda, durante o 22o gabinete ministerial da monarquia, chefiado pelo então deputado-geral Zacarias de Góis e Vasconcelos. RSP Revisitada: Machado de Assis funcionário público Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 RSP 238 Entre essas duas datas do primeiro escrito publicado na imprensa e a admissão no serviço público do Império, Machado de Assis realizara uma brilhante carreira jornalística e literária. Colaborara nas revistas A Marmota Fluminense, O Espelho, A Semana Ilustrada, O Futuro, Jornal das Famílias, e nos jornais Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil, O Paraíba, Imprensa Acadêmica (de São Paulo), Correio da Tarde e outros. Publicara seus primeiros trabalhos em livro: a peça teatral Desencantos, o volume intitulado Teatro (contendo as comédias O caminho da porta e O protocolo), as comédias Quase ministro e Os deuses de casaca (em volumes separados) e, ainda, seu primeiro livro de versos, intitulado Crisálidas. Além disso, exercitara a sua pena como tradutor de peças teatrais para a Companhia Furtado Coelho, numa delas, Obarbeiro de Sevilha, de Beaumarchais; fizera parte da equipe de tradutores de O Brasil pitoresco, obra em dois grandes volumes, escrita por Charles Ribeyrolles e ilustrada pelo fotógrafo Victor Frond; traduzira a obra anônima Queda que as mulheres têm pelos tolos e, ainda, o romance de Victor Hugo, Os trabalhadores do mar, publicado em folhetim no Diário do Rio de Janeiro. O que é mais singular é que Machado de Assis, embora sendo autodidata, não apenas traduzia correntemente do francês para o português, mas ainda escrevia diretamente em francês versos bastante razoáveis, principalmente paródias cômicas de poesias de Victor Hugo e de Alfred de Musset. A publicação das Crisálidas, em 1864, colocara seu nome em evidência, como um dos mais promissores entre os novos poetas brasileiros. Como jornalista, ligado ao Partido Liberal, pois o Diário do Rio de Janeiro, para onde entrou em 1860, antes dos 21 anos, era antes de tudo um órgão partidário, comprometido com aquela agremiação – a mais inquieta, progressista e turbulenta da monarquia (de sua ala extremada tinham irrompido as revoluções em 1842, em Minas e São Paulo, e a de 1848 em Pernambuco) – Machado de Assis várias vezes atacara Zacarias de Góis e Vasconcelos, que ainda não se desligara inteiramente de seus antigos vínculos com o Partido Conservador. Mas, quando Zacarias adotou a posição liberal, mudou de atitude, o que não lhe foi difícil, pois seus ataques não tinham sido extremados ou agressivos. Foi o próprio gabinete de Zacarias que, a 16 de março de 1867, fez condecorar Machado de Assis com a insígnia de cavaleiro da Ordem da Rosa, destinada a premiar o mérito literário e artístico. E, vinte e dois dias depois, assinava, como Ministro da Fazenda, o ato que lhe assegurava o ingresso no serviço público. Neste, entrara Machado de Assis com o pé direito, pois que, pouco antes, tivera o seu valor reconhecido e oficialmente proclamado. Que fizera ele para merecer tanto? Em primeiro lugar, esses dois fatos se verificaram em plena guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai de Francisco Solano López. Além de apoiar, como jornalista, as posições do governo, Machado de Assis escreveu poesias patrióticas. Três anos antes, por ocasião da Questão Christie, já havia escrito um hino cantado nos teatros do Rio de Janeiro, em desagravo da honra nacional, ultrajada pela intervenção inglesa em nossos portos, com o apresamento de vários dos nossos navios mercantes. Além disso, durante três anos, Machado de Assis exercera, sem remuneração, a função de censor teatral, como membro do Conservatório Dramático Brasileiro, entidade particular reconhecida pelo governo. RSP Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 239 Raymundo Magalhães Jr. Machado de Assis deixou o Diário do Rio de Janeiro ao entrar para o Diário Oficial, mas continuou a atuar no jornalismo, colaborando em várias publicações sem filiação partidária declarada. Dois anos e oito meses depois de seu ingresso no serviço público, Machado de Assis se casava com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, que chegara ao Brasil a 18 de junho de 1868, para cuidar do irmão enfermo, Faustino Xavier de Novais, poeta e jornalista, fundador e diretor de O Futuro, a revista efêmera em que o autor das Crisálidas muito colaborara em prosa e verso. Com o aumento de suas responsabilidades, Machado desdobrou-se em trabalhos, principalmente como tradutor. Traduziu novas peças teatrais. Traduziu como folhetim para o Jornal da Tarde o longo romance de Charles Dickens Oliver Twist, e para a revista A Instrução Pública, a obra do médico e educador francês T. Gallard, Notions d’hygiene à l’usage des instituteurs primaires, a que deu o título de Higiene para o uso dos mestres-escolas, cuja publicação se prolongou até 1874. Em 1871, retornou à função de censor teatral, ainda uma vez sem receber qualquer remuneração. E, em abril de 1872, foi designado pelo Ministro da Marinha a fazer parte da comissão do Dicionário Marítimo Brasileiro, em substituição a Henrique César Muzzio, que, cego e em tratamento na Europa, morrera em Paris. Muzzio havia sido o secretário do Diário do Rio de Janeiro, quando Machado nele começara a trabalhar. Essa nova função era um mero “bico” e não atendia às suas necessidades mais prementes. Mas, nesse mesmo ano, quando se achava na presidência do gabinete o visconde do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos), notável estadista imortalizado por ter feito aprovar na Câmara e no Senado do Império a famosa “Lei do Ventre-Livre” – segundo a qual não mais nasceram escravos no Brasil – Machado de Assis conseguiu obter um cargo de primeiro oficial, ou de amanuense, do Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, cujo ministro era, então, o deputado José Fernandes da Costa Pereira Júnior. Durante algum tempo, Machado de Assis se manteve nos dois cargos – o do Diário Oficial e o do Ministério – trabalhando primeiro neste e depois naquele, onde o expediente se prolongava noite adentro. Machado de Assis ingressou no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas quando tinha passado dos 33 anos e já era uma figura destacada das letras brasileiras. Em 1868, José de Alencar o consagrara como a mais importante figura da crítica literária de seu tempo, ao pedir-lhe que apresentasse ao meio intelectual do Rio de Janeiro o jovem poeta Castro Alves. Em 1870, publicara os Contos fluminenses e o segundo livro de versos, Falenas. Em 1872, publicara o seu primeiro romance, Ressurreição. E, em 1873, novo livro de contos, das Histórias fluminenses. Ia ter, a partir daquela nomeação, vida mais tranqüila e segura, mas não menos laboriosa, por sua inexcedível dedicação, tanto às letras como às funções burocráticas, exemplarmente desempenhadas. Machado de Assis era ainda chefe da 2a Seção do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, quando deu um memorável parecer sobre importante assunto submetido à sua apreciação, que dizia respeito ao registro de escravos, regulado pela Lei do Ventre-Livre, de 28 de setembro de 1871. O registro tinha como finalidade manter um cadastro da população escravizada, fazer com que as crianças nascidas depois da promulgação dessa lei tivessem os nascimentos RSP Revisitada: Machado de Assis funcionário público Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 RSP 240 registrados como pessoas livres, além de outras medidas no interesse dos cativos. Aquela lei instituíra também ações de liberdade, ou causas de liberdade, propostas pelos escravos, ou em nome destes, para que objetivassem a condição de pessoas livres. Dessas ações, quando as decisões judiciais fossem contrárias a seus autores, haveria sempre a apelação ex-officio para a instância superior. Ora, um proprietário da comarca de Resende, na província do Rio de Janeiro, ganhara uma ação ordinária e, não tendo havido apelação, por parte dos escravos envolvidos no pleito, pretendia o interessado, José Pereira da Silva Porto, obter o registro desses mesmos escravos, mediante apresentação de traslado da sentença que lhe dera ganho de causa. O presidente da província do Rio de Janeiro, Francisco Xavier Pinto Lima (depois agraciado com o título de barão de Pinto Lima) achou que a situação não estava suficientemente clara e, por isso, submeteu o assunto ao exame do Ministério da Fazenda. O ministro, na época o barão de Cotejipe, decidiu que fosse ouvido o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, por ser deste a competência, pois lhe estavam subordinados os assuntos referentes aos escravos, cartas de alforria, manumissões, e todos os demais, exceto a cobrança das taxas de registro. As questões suscitadas eram as seguintes: 1) Poderia o coletor de Resende inscrever na matrícula especial os escravos do cidadão José Pereira da Silva Porto, que não haviam sido matriculados em tempo hábil, isto é, no prazo determinado pela lei de 28 de setembro de 1871? 2) Em vista do artigo 7o, § 2 o, da mesma lei – o qual estabelecia que, nas causas em favor da liberdade, haveria apelação ex-officio quando as decisões lhes fossem contrárias – produziria efeitos a sentença obtida com base no artigo 19 do regulamento da mesma lei, sem que da mesma houvesse sido interposta apelação ex-officio ou voluntária? O ministro Tomás José Coelho de Almeida pediu que fossem ouvidos os funcionários do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de maior graduação e com a necessária competência para opinar sobre o assunto. E pediu também a opinião do procurador da coroa, desembargador João Evangelista de Negreiros Saião Lobato. Os funcionários que opinaram foram os seguintes: José Diniz de Vilas-Boas, oficial da Secretaria; Augusto José de Castro e Silva, antigo diretor de Agricultura; José Pedro Xavier Pinheiro, oficial da Secretaria; Francisco Leopoldino Gusmão Lobo, chefe da Diretoria Central; e, finalmente, Joaquim Maria Machado de Assis, chefe da 2a Seção de Agricultura. Esse episódio é, sem dúvida, um dos mais significativos da carreira de Machado de Assis, sobretudo por ter sido vitorioso o ponto de vista de um funcionário que, sem ser bacharel em direito, demonstrou grande tino jurídico, vendo o seu ponto de vista vencedor. As opiniões foram de início divergentes. Saião Lobato manifestou-se contra a concessão da matrícula. No seu entender, como não houvera apelação, também não podia haver registro. VilasBoas opinou no mesmo sentido. Mas em sentido contrário opinaram três altos funcionários: Xavier Pinheiro, Castro e Silva e, finalmente, Gusmão Lobo, que foi citado por Joaquim Nabuco, no livro Minha formação, como um adepto da causa abolicionista. Castro e Silva afirmou se tratava da “libertação de escravos que deixaram de ser matriculados, e cuja reivindicação era permitida por ação ordinária, nos termos do artigo 19 da lei RSP Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 241 Raymundo Magalhães Jr. de 28 de setembro, e que o artigo 7o se referia ao processo, aliás sumário, para a alforria por indenização do valor ou remissão”. E concluía dizendo pensar que, “sendo independentes os poderes políticos do Império, ao Executivo cabia acatar as decisões do Judiciário e, conseqüentemente, ordenar ao coletor de Resende que matriculasse os escravos de José Pereira da Silva Porto.” Xavier Pinheiro fez várias considerações sobre o problema, para por fim declarar: “Examinando atentamente os papéis, cabe me dizer que, para resolvê-lo, basta considerar que duas são as ações concernentes à alforria de escravos. Em uma, a favor da liberdade, em que o autor é escravo, o processo é sumário e, quando a decisão do juiz é contrária à liberdade, haverá apelação ex-officio(artigo 7o da lei no 2.040). Noutra, a favor da escravidão, em que o senhor é o autor, o processo é ordinário, e não há recurso ex-officio, sem que, no entanto, às partes seja tolhido o direito de apelar. No caso presente, a causa é ordinária, e o juiz não está na obrigação de apelar ex-officio. Os interessados, isto é, os três escravos, não recorreram da sentença, que assim passou em julgado. Resta, portanto, expedir ordens a fim de que produza os devidos efeitos”. Gusmão Lobo, pelo menos aparentemente, dava visível apoio a essa tese. Disse tratar-se de uma questão “muito grave” e alegou que era com pesar que discordava “do parecer do Sr. Procurador da Coroa”. Finalmente, declarou que, “ainda que a matéria esteja largamente discutida, conviria que sobre ela dissesse o atual chefe da 2a Seção”, Tal chefe, ainda em caráter interino, era Machado de Assis, que assim foi provocado a manifestar-se. Nesse processo encontram-se palavras de Gusmão Lobo que valem como um atestado de seu zelo e capacidade funcional: “Recomendo- lhe que o faça em prazo curto, como costuma fazer, pois trata-se de negócio pendente há quase um ano./ 15 de julho de 1876./ Gusmão Lobo”. Seis dias depois, dava Machado de Assis seu magistral parecer, em que começava por declarar: “2a Seção./ Obedecendo ao despacho da Diretoria, examinei detidamente estes papéis e, à vista deles e das disposições legais, direi resumidamente o que me parece./ No art. 7o, § 2o da lei de 28 de setembro de 1871 se diz que das decisões contrárias à liberdade, nas causas em favor desta, haverá apelação ex-officio. Pelo artigo 18 do regulamento de 1o de dezembro do mesmo ano, os escravos que não forem dados à matrícula por culpa ou omissão dos senhores serão considerados libertos, salvo aos mesmos senhores o meio de provar, em ação ordinária, o domínio que têm sobre eles, e não ter havido culpa, ou omissão sua, na falta da matrícula./ Pergunta- se: Das sentenças que, na hipótese do artigo 19, forem contrárias à liberdade, cabe apelação ex-ofício?/ Minha resposta é afirmativa. Para responder de outro modo, fora preciso fazer entre os dois casos uma distinção que não existe, e que, a meu juízo, repugna ao espírito da lei”. Em seguida, Machado de Assis começava a expor suas razões: “O argumento principal que acho nestes papéis, favorável à negativa, é que as causas de que trata o artigo 19 do regulamento não são a favor da liberdade, isto é, não são propostas pelo escravo, mas pelo senhor, a favor da escravidão, entenda-se a favor da propriedade./ Esta diferença não é radical, mas aparente e acessória. As causas do artigo 19 é certo que não as propõe o escravo, mas o senhor; não têm por objeto a libertação, mas a prova da propriedade do senhor e da força maior que deu lugar à falta de matrícula. Mas em que tal RSP Revisitada: Machado de Assis funcionário público Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 RSP 242 diversidade de origem pode eliminar o objeto essencial e superior do pleito, isto é, a liberdade do escravo?/ Importa pouco ou nada que o recurso à justiça parta do escravo ou do senhor, desde que o resultado do pleito é dar ou retirar a condição livre ao indivíduo nascido na escravidão. Acresce que, na hipótese do artigo 19, a decisão contraria a liberdade, é contrária à liberdade adquirida, anula um efeito da lei, restitui à escravidão o indivíduo já chamado à sociedade livre; neste, como no caso do artigo 7o da lei, é a liberdade que perece; em favor dela deve prevalecer a mesma disposição”. Ainda não esgotara, no entanto, sua argumentação. E assim concluiu: “Na diferença entre ação sumária (artigo 7o da lei) e ação ordinária(artigo 19 do regulamento) não estará, presumo eu, a razão da diferença para a aplicação do recurso de que se trata. Ser sumário ou ordinário o processo, suponho que apenas lhe diminui ou multiplica os trâmites, circunstância alheia ao ponto litigioso./ Outrossim, convém não esquecer o espírito da lei. Cautelosa, eqüitativa, correta, em relação à propriedade dos Senhores, ela é, não obstante, uma lei de liberdade, cujo interesse ampara em todas as suas partes e disposições. É ocioso apontar o que está no ânimo de quantos a têm folheado; desde o direito e facilidades da alforria até à disposição máxima, sua alma e fundamento. Sendo este o espírito da lei, é para mim manifesto que num caso como o do artigo 19 do regulamento, em que, como ficou dito, o objeto superior e essencial é a liberdade do escravo, não podia o legislador consentir que esta perecesse sem aplicar em seu favor a preciosa garantia indicada no artigo 7 o da lei./ Tal é o meu parecer, que sujeito à esclarecida competência da Diretoria. Em 21 de julho de 1876./Machado de Assis”. Mas isso não foi bastante para convencer o diretor Gusmão Lobo, que voltou a insistir em seu ponto de vista e terminou por sugerir: “A questão é grave e, dada a diversidade de pareceres, penso que deve ser submetida ao exame da ilustrada Seção dos Negócios da Justiça do Conselho de Estado, cujo esclarecido voto exercerá decisiva influência sobre o ânimo dos julgadores, concorrendo para firmar uma interpretação segura e invariável./3 de agosto de 1876./ Gusmão Lobo”. Os membros da Seção dos Negócios da Justiça do Conselho de Estado eram três juristas ilustres: o conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco e antigo ministro da Justiça; Francisco de Paula Saião Lobato (visconde de Niterói), antigo magistrado e ex-ministro da Justiça; e José Ildefonso de Sousa Ramos, bacharel em direito, parlamentar do Império e também antigo ministro da Justiça. O parecer dos três ilustres homens de estado concluiu no mesmo sentido pelo qual se havia manifestado Machado de Assis. É uma peça longa, que examina minuciosamente a questão e apresenta essas conclusões: “A lei não diz ações de liberdade, mas causas de liberdade; a lei refere-se ao objeto e não ao meio. Mas, então, a ação do artigo 19 citado devia ser sumária? Não; porque a lei só tem por fim favorecer a liberdade e não a escravidão; as exceções são só em favor da liberdade; a escravidão fica como antes dela, no princípio ou regra de direito comum, que é a ação ordinária. Portanto, o argumento legal em que se apóia a afirmativa é o argumento a simile, que consiste em aplicar a um caso não previsto na lei a regra estabelecida para caso semelhante, quando a razão de decidir é a mesma. Esse argumento ainda tem mais valor à vista da regra das Ordenações, Livro 4o , título II – que em favor da RSP Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 243 Raymundo Magalhães Jr. liberdade são muitas coisas outorgadas contra as regras gerais. Se em caso análogo e semelhante, tanto na espécie como no motivo, não cabe a regra da Ordenação citada, não há mais hermenêutica, e as leis devem ser casuísticas”. Remetendo o processo ao despacho da princesa regente (D. Isabel ocupava pela segunda vez o trono do Império, enquanto o imperador Pedro II viajava pela Europa depois de ter representado o Brasil nas festas do primeiro centenário da independência dos Estados Unidos), o parecer acrescentava: “Vossa Alteza mandará o que for melhor”. O despacho de D. Isabel foi o clássico – “como parece” – ou seja, a aprovação do mesmo, datado do “Palácio do Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1876”. Encerrou-se, assim, a questão. Por falta de matrícula, adquiriram a liberdade os três escravos resendenses, pois que, muito embora o senhor deles, José Pereira da Silva Porto, houvesse ganho a ação ordinária, esta não produzira efeitos para o registro, por não ter havido apelação e, logo, não existir sentença confirmatória de segunda instância. Quando dei conhecimento desse parecer de Machado de Assis ao jurisconsulto brasileiro Levi Carneiro, que foi um dos constituintes de 1934 e membro da Academia Brasileira de Letras, disse ele que, embora não sendo formado em direito – nem em qualquer outra coisa – Machado de Assis demonstrara “uma clara consciência jurídica, um verdadeiro sentimento de justiça, uma perfeita compreensão do espírito da lei”. Foi depois de tal parecer que o ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Tomás José Coelho de Almeida, efetivou Machado de Assis no cargo de chefe de seção, que ele exercia interinamente. Isso foi feito por decreto de 7 de dezembro de 1876, quando estava no poder o último gabinete presidido pelo senador Caxias (elevado a duque depois da guerra com o Paraguai). Com as novas responsabilidades e as vantagens financeiras decorrentes de sua efetivação em tal posto, pôde Machado de Assis deixar o cargo que exercia no Diário Oficial, consagrando-se daí por diante, como funcionário, apenas ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que ainda em vida dele começaria a ser desdobrado, dando origem a outras pastas – como a da Viação e a do Comércio. Arranjou Machado de Assis outros meios de aumentar os seus proventos, passando a escrever romances folhetins para jornais, como O Globo e O Cruzeiro, ou para revistas, como a Revista Brasileira. Em O Globo, dirigido a partir do ano de 1874 por seu amigo Quintino Bocaiúva – que viria a ter grande evidência na República, como ministro das Relações Exteriores, deputado à Constituinte, senador e governador do Estado do Rio de Janeiro – publicou sucessivamente os romances A Mão e a luva, em 1874, e Helena, em 1876. Em O Cruzeiro, que começou a circular em 1878, publicou o romance Iaiá Garcia. E, na Revista Brasileira, iniciou em 1880 a publicação do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, uma de suas obras-primas, que se prolongaria de março a dezembro, saindo em volume no ano seguinte. Por doze anos e quase quatro meses permaneceu Machado de Assis como simples chefe de seção, muito embora tenha exercido a função de oficial de gabinete de dois ministros, durante esse período. Quando, a 8 de março de 1880, passou a exercer o cargo de ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas o engenheiro Manuel Buarque de Macedo, que se formara na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e, em seguida, fizera em RSP Revisitada: Machado de Assis funcionário público Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 RSP 244 Paris um curso de aperfeiçoamento profissional, Machado de Assis foi por ele chamado para servir em seu gabinete. Mas pouco durou a gestão do ilustre engenheiro. Ele morreu repentinamente a 21 de agosto de 1881, quando acompanhava o imperador D. Pedro II a Minas, na viagem destinada a inaugurar o ramal ferroviário de São João del Rei. Foi então designado para responder pela pasta vaga o deputado-geral fluminense Pedro Luís Pereira de Sousa, que era em caráter efetivo ministro dos estrangeiros. Assoberbado com o trabalho de duas pastas – a segunda ainda mais trabalhosa que a primeira –, Pedro Luís Pereira de Sousa confiou a Machado de Assis grande parte de suas tarefas na última. Durante os meses que se seguiram, Machado de Assis foi praticamente um vice-ministro. Era quem recebia, em nome do ministro, as pessoas brasileiras e estrangeiras que tinham interesse a tratar no seu Ministério. Quando o senador José Antônio Saraiva passou a ocupar a pasta, em caráter efetivo, Machado retornou a seu posto de chefe de seção. Só a 30 de março de 1889, quando era ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas o senador Rodrigo Augusto da Sirva, integrante do gabinete chefiado por João Alfredo Corrêa de Oliveira, que no ano anterior promovera a abolição total da escravatura, é que Machado de Assis foi novamente promovido. Passou, nessa data, a diretor de um dos departamentos em que se dividia o ministério. Seu título era o de diretor de Viação. Com a República, proclamada a 15 de novembro de 1889, sua situação permaneceu inalterada. O primeiro ministro da Agricultura do novo regime, foi, em caráter interino, o seu velho amigo Quintino Bocaiúva, seu companheiro por vários anos na redação do Diário do Rio de Janeiro e, mais tarde, diretor de O Globo, onde publicara dois romances. Quintino, que era o ministro efetivo das Relações Exteriores (novo nome do antigo Ministério dos Estrangeiros), pouco tempo depois entregou a segunda pasta ao ministro efetivo, Demétrio Ribeiro, que nela pouco demorou, sendo a 30 de janeiro de 1800 substituído por Francisco Glicério. Durante a gestão deste, Machado de Assis sofreu uma tentativa de agressão, por parte de outro funcionário, que, aliás, era também escritor – Luís Francisco da Veiga –, mas o ministro deu mão forte ao agredido. O assunto chegou a ser tratado numa das reuniões do chefe do Governo Provisório, marechal Manuel Deodoro da Fonseca, com seus ministros. Francisco Glicério disse ter determinado a suspensão de Luís Francisco da Veiga, que entretanto, não se conformara. Assim, propunha a aposentadoria imediata de Luís Francisco da Veiga. Tal proposta foi aprovada por unanimidade pelos presentes: Deodoro, Campos Sales, Eduardo Wandenkolk, Cesário Alvim, Benjamim Constant e o próprio Francisco Glicério (dois ministros tinham deixado de comparecer: Quintino e Rui Barbosa, que era o titular da Fazenda). Machado de Assis sofreu, durante o último ano do governo do Marechal Floriano Peixoto, injustos ataques de um inimigo gratuito, o exaltado panfletário e agitador político Deocleciano Mártir, que então publicava um pequeno jornal intitulado O Jacobino. Pouco depois de encerrada a “revolta da esquadra”, o exaltado verrineiro começou a estampar nos “a pedidos” dos jornais listas de pessoas que eram por ele apresentadas como “monarquistas impenitentes” e “adversários encapuzados do regime republicano”, exigindo que todos os denunciados fossem afastados, quanto antes, do RSP Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 245 Raymundo Magalhães Jr. serviço público. Entre eles, além de Machado de Assis e de numerosos outros, estava o barão do Rio Branco, que então pertencia ao serviço consular e viria a ser um benemérito da República, além de ter sido quem, até hoje, exerceu por mais tempo o cargo de ministro das Relações Exteriores – nada menos de dez anos – servindo nos governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Machado de Assis não respondeu às acusações de Deocleciano Mártir. Mas foi defendido por um “republicano histórico”, Lúcio de Mendonça, sob o pseudônimo de Z. Marcas, na revista A Semana, de Valentim Magalhães. Lúcio de Mendonça, que exercia importante cargo no Ministério da Justiça, fez ao mesmo tempo o elogio do escritor e do funcionário, ambos merecedores de consideração, estima e reconhecimento. Na verdade assim era. Lúcio de Mendonça não citou, mas poderia ter citado casos específicos, em que Machado de Assis demonstrara seu espírito público, evitando que erros fossem cometidos pela administração, como no parecer sobre os escravos de Resende e episódios semelhantes. Um destes era bem recente. Ocorrera dois anos antes, quando lavrara a grande crise financeira, que deu lugar às especulações do chamado “encilhamento”. Em maio de 1892, quando o governo do marechal Floriano Peixoto ainda não havia completado um ano, Machado de Assis vira, no Diário Oficial, a publicação de um “relatório de invenção”, firmado por um norte-americano, George Boyngton Boyngton, que dizia ter descoberto “um processo engenhosíssimo e inteiramente novo para a obtenção do capital necessário a um empreendimento qualquer”. E acrescentava: “A idéia do inventor é aproveitar o bem conhecido espírito de especulação do povo, a fim de dirigir, a um destino novo e útil, o dinheiro empregado em especulações arriscadas”. E adiante explicava que se tratava da “venda de cartões, em tal número e tal preço, que de seu produto, deduzidas as despesas, ficaria como lucro líquido o capital desejado.” E ainda: “Exemplificando para maior clareza: dado que se precise, para uma empresa reunir o capital de 550:000$, anunciava-se a venda de 200.000 cartões, a 5$ cada um, o que produzirá 1.000:000$. Dessa quantia há a deduzir: o desconto de 10% dos vendedores, 100:000$; as despesas dos anúncios e outras, 20:000$; os prêmios pagos em dinheiro, 330:000$; 450:000$. Restam os desejados 550:000$, que constituem o capital da companhia, dividido em ação de 200$ cada uma, das quais umas serão distribuídas por segundo sorteio e outras ficarão pertencendo ao inventor da distribuição sistemática”... Era uma arapuca, uma dupla loteria – e a patente já havia sido concedida, pelo Ministério da Fazenda, sob o número 1.140. Machado de Assis, por puro espírito público, ainda que se tratasse de assunto de outro ministério, resolveu intervir para promover a cassação de tal patente, aprovada por inadvertência do jovem ministro da Fazenda, Inocêncio Serzedelo Correia. Em caso anterior, quando outra patente fora concedida, para outra loteria dissimulada, a anulação fora promovida por via judicial, pois que fora outorgada pelo Governo Provisório, que tinha poderes não só executivos, mas legislativos. Depois de ouvir o parecer da 2a Seção da Diretoria de Comércio, Machado de Assis submetera o assunto à decisão do ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Antão Gonçalves de Faria, pedindo que fosse promovida a anulação RSP Revisitada: Machado de Assis funcionário público Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 RSP 246 da patente de Boyngton. Apesar dos protestos de Boyngton, que ameaçou promover uma ação por perdas e danos, a Diretoria de Comércio, pela qual respondia Machado de Assis, obteve que o ministro interviesse, para anular a concessão, o que acabou sendo feito, por despacho de 8 de setembro de 1892, por se ter “transformado a concessão em loteria e em fonte de jogo”. Lúcio de Mendonça não citou em defesa de Machado de Assis essa recente demonstração de zelo, mas condenou as maliciosas denúncias de Deocleciano Mártir, dirigindo-se a esse desabusado panfletário: “Com um nome, então, foi você caipora como nos seus piores dias: com o nome de Machado de Assis. Quem é este homem, sabem-no todos, menos talvez o Sr. Deocleciano Mártir. É um filho de si próprio, ex se natus, na enérgica expressão de Tácito; obscuro, artista anônimo, tipógrafo, depois revisor de provas, depois noticiarista, depois cronista e poeta, depois chefe incontestado da literatura brasileira. Apenas isto: uma reputação nacional, feita a pouco e pouco, passo a passo, dia a dia, na modéstia, na perseverança e no trabalho para o pão de cada dia, e no estudo e no esforço nobre para a conquista do saber e da glória. Se há um homem para honrar toda uma democracia moderna é este. Quem quer que tenha uma leve intuição de justiça, uma centelha de paixão republicana, há de venerar este homem. O Sr. Deocleciano Mártir apedreja-o. É medonho para você, jacobino”. Mais importante ainda que a defesa de Lúcio de Mendonça – que não tardaria a ser procurador geral da República em seguida, ministro do Supremo Tribunal Federal – foi a carta de agradecimento que o general Sérgio Bibiano da Fonseca Costallat – o último ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do governo do marechal Floriano Peixoto – enviou a Machado de Assis na data em que deixou o poder. Nessa carta, louvou ele a capacidade e a diligência do funcionário Machado de Assis, dizendo que, sem o seu esclarecido auxílio e sem o seu profundo conhecimento dos negócios daquela pasta, com os quais, como militar, pela primeira vez lidava, não teria conseguido desempenhar-se a contento do cargo de ministro, a que fora levado pela confiança de Floriano. Machado de Assis viria a sofrer, no governo do presidente Prudente de Morais, o que considerou uma grave injustiça. Julgando lhe ser agradável e querendo deixar-lhe mais tempo livre para seus trabalhos literários, o novo ministro, Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda – pai do grande tribuno parlamentar Maurício de Lacerda e avô de Carlos Lacerda – resolveu substituir Machado de Assis na Diretoria de Viação, que então ocupava, deixando-o como simples “adido à Secretaria de Estado, percebendo os vencimentos que lhe competirem”. Machado ficou muito magoado, achando que o ministro o julgara um inútil. Queixouse muito, em cartas aos amigos, não se conformando em ficar de braços cruzados, ganhando o dinheiro da nação sem trabalhar. Foi durante esse período que escreveu uma de suas obras-primas, Dom Casmurro; sempre demonstrara, em seus romances, contos e crônicas, profunda aversão aos parasitas. E era sincero. Não queria ser um deles. E não sossegou enquanto não voltou à atividade, embora diminuído funcionalmente: de diretor de um departamento, passou a ser simples secretário do ministro Severino Vieira. Quando este se demitiu, no governo de Campos Sales, para candidatar-se ao governo da Bahia, o ministro da Justiça, RSP Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 247 Raymundo Magalhães Jr. Epitácio Pessoa, nomeado para substituir interinamente Severino Vieira, não se deu bem com Machado de Assis. Jovem, irrequieto, Epitácio estava então veraneando em Petrópolis. Pela manhã, atendia ao expediente da pasta da Justiça. À tarde, ia para o outro Ministério, onde Machado de Assis lhe fazia minuciosas exposições sobre cada assunto, apresentando-lhe em seguida as minutas dos despachos. Epitácio queria sempre abreviar as exposições, a fim de não perder a barca que saía da Prainha para Mauá, no fundo da baía, de onde nos fins do século passado partia o trem para Petrópolis. Algumas vezes perdeu a barca, só tomando a segunda e chegando à casa já em plena noite. Por isso disse um dia, de Machado: “Grande escritor, mas péssimo secretário!” Talvez Machado, sem o dizer, pensasse a mesma coisa de Epitácio: “Moço inteligente, mas muito afobado para ser um bom ministro!” Machado passou vários anos constrangido e humilhado até encontrar, em Lauro Müller – o grande ministro da Viação que iniciou as obras do Porto do Rio de Janeiro e fez construir a avenida Central, hoje avenida Rio Branco – quem lhe fizesse justiça. Lauro Müller fez Machado voltar a ser diretor. E diretor-geral de Contabilidade. O sucessor de Lauro Müller, Miguel Calmon, a 16 de dezembro de 1907, aumentou ainda mais suas responsabilidades, nomeando-o juntamente com Luís Rodolfo Cavalcanti de Albuquerque (diretor das Rendas Públicas do Tesouro Nacional) e com o engenheiro Francisco Bicalho, para exercer as funções de membro da Comissão Fiscal e Administrativa das Obras do Porto do Rio de Janeiro, sem prejuízo de suas funções de diretor-geral de contabilidade. Machado de Assis morreu no ano seguinte, a 29 de setembro, com 69 anos de idade e com 40 anos e cinco meses de serviço público. Morreu sem ter se aposentado, porque teve a preocupação de ser útil à pátria, enquanto teve forças para tanto. Seus funerais foram custeados pelo governo federal e o Ministério da Viação, Indústria e Obras Públicas, em que ele trabalhava (o da Agricultura já tinha então existência à parte). O expediente da Diretoria Geral de Contabilidade foi encerrado ao meio-dia, para que os funcionários subordinados a Machado de Assis pudessem comparecer ao enterro, que saiu do Silogeu Brasileiro, à rua Augusto Severo, onde então a Academia Brasileira de Letras tinha a sua sede. O senador Rui Barbosa, membro da Academia, discursou na saída do enterro. Falaram, no Senado, o senador Érico Coelho e, na Câmara, o deputado Alcindo Guanabara, fazendo o seu elogio. O presidente Afonso Pena, que morreria no ano seguinte, transmitiu à Academia Brasileira de Letras este telegrama: “Apresento a essa ilustre corporação os meus sinceros pêsames pelo falecimento de seu preclaro presidente, Machado de Assis, glória da literatura brasileira”. Todas essas homenagens – e muitas outras, que seria longo enumerar-se – dirigiam-se, é claro, ao escritor que, nos seus últimos anos de vida, culminara sua atividade com a publicação de alguns dos seus mais notáveis livros – os romances Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires e as narrativas curtas das Várias histórias, dos Papéis avulsos e das Relíquias de casa velha. Porque também nas letras, como na função pública, não se aposentou. E só largou a pena quando a morte o venceu. RSP Revisitada: Machado de Assis funcionário público Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 *** *** file:///C:/Users/Vitor/Downloads/228-Texto%20do%20Artigo-826-1-10-20140220%20(3).pdf *** *** *** ***
*** Diego Amorim entrevista os irmãos Miranda - Papo Antagonista especial 57.487 visualizaçõesTransmitido ao vivo em 26 de jun. de 2021 O Antagonista *** *** *** https://www.youtube.com/watch?v=l5SUxWKowbA *** *** *** *** Taiguara - Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara (1976) - Completo/Full Album *** Heroico disco de Taiguara, com arranjos de Hermeto Paschoal e regência de Wagner Tiso. Contou com um elenco de grandes músicos, dentre eles, Jacques Morelenbaum, Toninho Horta, Nivaldo Ornelas e Novelli. O álbum é célebre por ter sido recolhido das lojas pela censura da Ditadura Militar, apenas trinta e seis horas após o seu lançamento, permanecendo sem reedição nacional até este ano. Para maiores informações: http://www.taiguara.art.br Faixas: 01 - Pianice (Pecinha Sinfônica) 00:00 02 - Delírio Transatlântico e Chegada no Rio 01:28 03 - Público 01:57 04 - Terra das Palmeiras 07:24 05 - Como em Guernica 11:47 06 - A Volta do Pássaro Ameríndio 15:10 07 - Luanda, Violeta Africana 19:25 08 - Aquarela de um País na Lua 20:50 09 - Situação 24:32 10 - Sete Cenas de Imyra 28:26 11 - Três Pontas 33:10 12 - Samba das Cinco 36:51 13 - Primeira Bateria 39:33 14 - Outra Cena 42:19 Todas as faixas compostas por Taiguara Chalar da Silva, com exceção de "Três Pontas", de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. Excertos dos créditos e citações retirados do encarte do LP: "Por motivos de 'edição', as músicas 'Situação', 'Público' e 'Terra das Palmeiras' foram assinadas por Gheisa Gomes Chalar da Silva". "...ela está tão ocupada sendo árvore..." Joni Mitchell "... numa América dita latina que é na verdade a América Indígena". Jean Louis Davant *** *** https://www.youtube.com/watch?v=UQBIS1ViH0o *** *** *** A moral impõe o impeachment de Jair Bolsonaro Mario Sabino Mario Sabino 30.06.21 11:51 ***
*** Depois das revelações da Crusoé sobre a oferta de propina a Luis Miranda no caso da Covaxin, o presidente já pode ser acusado de prevaricação A moral impõe o impeachment de Jair Bolsonaro Reprodução/Redes Sociais O repórter Patrik Camporez, da Crusoé, revelou em reportagem publicada ontem à noite que o deputado Luis Miranda, que esteve pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro, ao lado do irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, para alertá-lo sobre um esquema de corrupção na compra da vacina Covaxin, esteve por duas vezes numa dessas casas de encontros noturnos usadas por lobistas em Brasília. De acordo com Luis Miranda, o lobista Silvio Assis, figura notória na Capital Federal, queria convencer Miranda a interceder junto ao irmão, para que ele parasse de impor dificuldades ao contrato firmado com Precisa Medicamentos, intermediária entre o laboratório indiano fabricante da Covaxin e o Ministério da Saúde. Contrato no valor de 1,6 bilhão de reais. Numa das reuniões, estava presente o deputado Ricardo Barros, líder do governo citado pelo presidente da República quando foi alertado sobre o esquema por Luis Miranda e o irmão. “Mais uma desse cara, não aguento mais”, teria dito Jair Bolsonaro aos denunciantes. Ele prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso, mas nada fez. Aguentou mais. Depois que a reportagem foi publicada pela Crusoé, Luis Miranda foi ao Twitter para dizer o seguinte: “A revista Crusoé é responsável por suas matérias e certamente arcará com o que escreve! Não quero ser usado para criar narrativas e volto a afirmar que a todas as minhas conversas com Ricardo Barros foram republicanas e não vou me pronunciar sobre fatos que não posso provar!” Pouco tempo depois da publicação do tuíte, Luis Miranda o apagou e deu entrevista exclusiva a Rodrigo Rangel, diretor da revista Crusoé. Na entrevista publicada hoje de manhã, Luis Miranda confirma que no segundo encontro com Silvio Assis, ao qual estava presente Ricardo Barros, o lobista propôs-lhe uma propina de 6 centavos de dólar por dose de Covaxin comprada pelo Ministério da Saúde — o que totalizaria uma bolada de 1,2 milhão de dólares. De acordo com Luis Miranda, a proposta não lhe foi feita em frente a Ricardo Barros, mas à saída da casa, quando o lobista o acompanhou. A vagabundagem em Brasília segue uma liturgia. Luis Miranda, em sua conversa com Rodrigo Rangel, definiu assim a casa onde se encontrou com o lobista e o líder do governo: “Para mim, aquela é uma casa como as das frentes parlamentares que fazem jantares… Há vários ambientes (em Brasília) que têm frentes parlamentares e que têm defesas de bandeiras… Oferecem jantares para fazer networking entre parlamentares que precisam fazer ajustes de entendimento. É normal isso. Vou dar um exemplo, o da energia solar. O pessoal da energia solar estava batendo de frente com a opinião do Marcelo Ramos (vice-presidente da Câmara). Então, é normal o pessoal se reunir e tentar convencer os deputados, dizer que não vai ter impacto na conta de energia dos mais pobres. E aí eles usam para tentar explicar para nós. É algo republicano, normal, sem nenhum tipo de oferta. Infelizmente, eu tive o desprazer de receber uma oferta que eu não entendi como uma oferta empresarial. Apesar de não ter citado o nome do meu irmão, ele falar para eu “ajudar com as vacinas” foi mais do que suficiente. Como eu ajudaria? Eu sou um deputado. Sou do Legislativo, e não do Executivo”. Chega a ser enternecedor como Luis Miranda acha “republicano” e “normal” reuniões feitas na caluda, entre lobistas e parlamentares, em casas utilizadas para esse fim. Talvez ele tenha comparecido duas vezes ao encontro com o lobista, aliás, para mostrar como são sólidas as suas próprias convicções republicanas. É comovente como o deputado ainda tenta livrar a cara de Jair Bolsonaro. Perguntado “se considera que há relação entre essa oferta (de 1,2 milhão de dólares de propina) e a denúncia que o sr. havia feito ao presidente Jair Bolsonaro, semanas antes, sobre as suspeitas em torno da compra da Covaxin”, ele fez uma pausa e respondeu: “Eu juro que, apesar de eu ter achado a oferta imoral naquele momento, com esses últimos desdobramentos eu estou começando a perceber que é o modus operandi de algumas pessoas, e talvez com influência dessa pessoa que me fez a oferta”. Rodrigo Rangel voltou à carga e questionou se “a denúncia feita ao presidente pode ter deflagrado a ação dessas pessoas interessadas em fazer com que o negócio avançasse”. Luis Miranda afirmou: “não consigo precisar isso porque em nenhum momento ele fala em nome do presidente. Volto a dizer: eu estava indo para o carro, e o cara fala: ‘Deputado, se puder ajudar a gente com a questão da vacina, consigo colaborar com você, com a sua campanha, com 6 centavos de dólar por unidade’. Aí eu falo assim: ‘Está ficando louco, meu irmão? Não estou entendendo o que você está falando. Se você falar isso novamente, vou ter que te dar voz de prisão‘. E ele diz: ‘O que é isso deputado, estou falando com o empresário… O senhor também não é empresário?‘. E eu digo: ‘Não, amigo. Eu sou parlamentar, não trabalho com vacina, como você quer que eu te ajude?‘. Aí ele diz: ‘Então esquece. Se o senhor se incomodou, se eu lhe ofendi, então esquece‘. E deu um sorriso. Eu olhei para ele com cara de quem comeu e não gostou e fui embora”. As revelações feitas pela Crusoé e confirmadas por Luis Miranda deixam claro que Ricardo Barros, líder do governo de Jair Bolsonaro, está enrolado até o nó da gravata nessa história suspeitíssima sobre a compra da Covaxin — uma vacina que, por recomendação da Anvisa, só poderia ser aplicada em menos de 1% da população, apesar de Ricardo Barros ter movido mundos e, pelo jeito, fundos para que fosse adquirida pelo Ministério da Saúde. O líder do governo também foi convocado pela CPI da Covid e, como disse a senadora Simone Tebet, precisaria ser acareado com Luis Miranda. A revista trouxe ainda para dentro do caso o lobista Silvio de Assis, que dizia agir em nome da Precisa, intermediária da compra da Covaxin produzida na Índia. A figura cada vez menos oculta dessa trama, contudo, é a do presidente Jair Bolsonaro. Diante de tudo o que foi revelado, ele já pode ser acusado de crime de prevaricação, para dizer o mínimo. O governo que não comprou as vacinas certas no momento certo agora está enlameado por um esquema de corrupção alicerçado sobre uma doença que já matou mais de meio milhão de brasileiros, carnificina para a qual o próprio presidente contribuiu de maneira decisiva com o seu comportamento de sociopata. Nas mãos do Centrão, do qual Ricardo Barros é expoente, Jair Bolsonaro deixou o esquema correr solto, até que o deputado Luis Miranda e o seu irmão colocassem a boca no trombone. A moral impõe o impeachment do presidente da República. 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