domingo, 18 de julho de 2021

As democracias (ainda) sob cerco

"Tudo pode ser, contanto que me salvem o xadrez”, escreveu Machado de Assis, em uma crônica de 1896. ***
*** Relação de Machado de Assis com xadrez era conhecida, mas pensava-se que ele havia abandonado a prática a partir dos anos 1880 Foto: Arte André Mello. *** "(...) contanto que não se perca a posição.(...)" *** “no dicen nada” ***
*** A Palestina em busca de uma democracia sob ocupação e apartheid Foto: Leandro Taques *** domingo, 18 de julho de 2021 Luiz Sérgio Henriques* - As democracias (ainda) sob cerco O Estado de S. Paulo Há algo profundamente inquietante e inédito na cruzada global da direita autocrática Não pode surpreender tanto assim que no programa ultradireitista, nesta e em outras plagas, o assalto ao sufrágio universal, às eleições e à rotatividade no poder ocupe lugar absolutamente central. Deixam de importar os processos eleitorais em si, o modo efetivo como se desenvolvem, o grau maior ou menor de confiança que inspiram nos cidadãos. Quer transcorram lisamente, como tem sido possibilitado pelas urnas eletrônicas brasileiras, quer mostrem falhas e ineficiências, como ocorre com os arrastados e anacrônicos pleitos norte-americanos, o fato é que denunciar fraudes e espalhar suspeitas, minando dolosamente a legitimidade do vencedor e das próprias instituições, são atitudes que definem, de modo “orgânico”, o item central do manual de instruções patrocinado pelas forças subversivas do nosso tempo. A historiadora Anne Applebaum, ao escrever sobre o declínio das democracias e a sedutora atração do moderno autoritarismo, chama a atenção para a convergência até mesmo de linguagem entre três perdedores recentes. Longe de reconhecerem a derrota que, em países e circunstâncias diferentes, lhes foi imposta, Donald Trump, Keiko Fujimori e Benjamin Netanyahu nem sequer esperaram a contagem final dos votos para se declararem vítimas de tramas e maquinações perversas. O vocabulário que empregam é perturbadoramente semelhante, ressalvadas algumas poucas particularidades. Suas palavras poderiam ser trocadas umas pelas outras e nem perceberíamos a diferença. Para nós, aliás, nada disso é novidade: observando nosso contexto, esse também é o veneno que nestes dois últimos anos e meio temos provado em doses certamente não homeopáticas. Consideremos o fenômeno a partir da sua matriz trumpista. Os otimistas dirão que, afinal, Trump “não passou”, que a barreira erguida por Joe Biden, um moderado, com a sustentação da esquerda do seu partido, claramente renovou o consenso majoritário em torno das regras escritas e não escritas da democracia. Dirão mesmo, com acerto, que personagens políticos como Biden são os mais bem talhados para projetar pontes num momento de polarização irracional e destrutiva, que corta transversalmente a sociedade e não poupa nenhum âmbito, até mesmo, para citar um caso de vida ou morte, o ambiente relativo aos meios e modos de combater um mal universal como a pandemia. No entanto, deixando de lado por um momento o alívio advindo com o triunfo de Biden, há algo inédito e profundamente inquietante na cruzada global da direita autocrática. Antes de mais nada, valendo-se da situação criada pelas dores do parto de sociedades de novo tipo, cuja trama econômica se espalha em nível planetário, mas cujos recursos políticos estão basicamente confinados às fronteiras nacionais e não protegem os desfavorecidos, os novos cruzados mandam às favas os escrúpulos de consciência de um modo que os torna muito semelhantes aos seus avós fascistas dos anos 1930. A demagogia irracionalista, então como agora, parece não ter limites. De fato, vai além da mobilização de interesses propriamente econômicos, que, por mais contrastantes que sejam, podem em princípio ser recompostos em função de um bem maior e comum, como o atesta o “compromisso social-democrata” que marcou toda uma fase de progresso no Ocidente. É neste quadro, de resto, que se inserem as tenebrosas “guerras culturais”, que buscam substituir o conflito político normal, estruturado segundo interesses materiais e orientações de valor mais razoáveis, por uma interminável conflagração entre valores últimos e irreconciliáveis, refratários por definição a uma síntese democrática. Processos eleitorais não teriam como ficar imunes a esta dramática passagem de época. Passaram também a estar envoltos numa espessa nuvem de paranoia e mistificação, sob a qual derrotados em eleições limpas se proclamam vencedores e arrastam milhões de prisioneiros de um universo virtual autorreferenciado. Descortina-se um panorama orwelliano em que um vitorioso, como Jair Bolsonaro em 2018, afirma ter obtido o mandato em urnas fraudadas, sem que ninguém saiba como nem quando. Ou declara terem sido adulteradas as eleições de 2014, sem que a suposta vítima tenha percebido. E, ameaçando virar a mesa em 2022, requer que os votos sejam em papel e, por isso, “auditáveis”, embora a crônica jornalística registre que, nos Estados Unidos, a auditoria dos votos em papel se tornou um exercício de fanáticos com momentos cômicos, como quando, ainda agora, se procuram fibras de bambu nas cédulas que teriam vindo prontas de certo país asiático para beneficiar Joe Biden... Os toques de comédia não podem nos distrair. Ontem como hoje, em 1930 ou agora, há um assalto à razão, à democracia e à ideia de bem comum. Uma vantagem é que as forças que o promovem não se disfarçam nem ocultam seus truques, que estão todos à vista. O que pode detê-las é uma frente muito ampla em defesa das regras do jogo e da lealdade entre os contendores para que paixões, conflitos e contradições humanas, ao fim e ao cabo, se expressem de modo produtivo. *** *Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/luiz-sergio-henriques-as-democracias.html#more *** *** ***
*** domingo, 18 de julho de 2021 Paulo Fábio Dantas Neto* - Pandemia e endemia: a volta do tema da corrupção Em artigo no seu blog essa semana (“A corrupção está aí, mas não é a questão principal”) Marco Aurelio Nogueira fez, como sempre, uma abordagem lúcida e responsável, dessa vez sobre o lugar que o tema da corrupção deve ter na agenda da oposição e, mais importante ainda, sobre sua relevância relativa num programa mais amplo de defesa, fortalecimento e renovação da nossa democracia. As ideias gerais do texto, conforme interpreto, são, primeiro, que o tema não pode ser ignorado, pelos nexos evidentes com outros temas que, a juízo do autor (e ao meu também) são mais cruciais do que ele. Segundo que precisa ser melhor tratado, numa agenda ampla e ser enquadrado, politicamente, de modo a salvar a política, em vez de demonizá-la. Terceiro que é flanco vulnerável do governo Bolsonaro – como a CPI inicialmente focada na pandemia deixa claro, a cada dia – e que, como tal, não deve ser dispensado como arma política na luta contra o autocrata e sua antipolítica. Estou de pleno acordo com as três proposições (só evito a sugestão de salvar a política, preferindo o verbo renovar). O que pretendo acrescentar às reflexões de Marco não se refere a esse deve ser e sim a como as coisas vem sendo efetivamente conduzidas. Entendo que o tema da corrupção está sendo, de novo, o destaque principal da agenda política da mídia (o que é compreensível pelo compromisso e cumplicidade que ela guarda com o que converge ao senso comum) e da oposição - o que aí já considero um problema político sério, porque o protagonismo indisputado desse tema contraria, ou mesmo revoga, cada uma das três proposições acima. Em vez de nexos, começa-se a ver na corrupção a causa dos outros problemas, inclusive da tragédia sanitária e social. Em vez de apontar caminhos que associem justiça e política, a demagogia que transborda, na CPI e fora dela, leva água ao moinho inclemente da antipolítica, que associa justiça e polícia. E pelo efeito combinado dessas duas atitudes (a simplificação e a demagogia) acaba comprometida a eficácia, como arma política, do combate à corrupção. Em vez da desejável separação entre joio e trigo, instala-se uma guerra entre ratos pardos, como a que o dispositivo governista trava com os irmãos Miranda e vários outros ratos de navio, ora em busca de salvação do naufrágio. O lavajatismo, com outra roupagem, está reassumindo o centro da agenda, através da CPI. Outros personagens, outros alvos, outras performances e o mesmo ethos. O trio que comanda a comissão tem distintas conexões com o ambiente que levou àquele resultado eleitoral de 2018. O senador Randolfe é um ator de tradição, vivendo um personagem consagrado pela plateia afeita a esse espetáculo. Renan Calheiros é ainda mais experiente, mas atuava na companhia rival, interpretando papel de vidraça. No de estilingue, nem sempre tem feito jus à fama de astuto. Quanto ao senador Aziz, salta aos olhos o figurante catapultado ao primeiro plano por injunções de bastidor. Às vezes os três batem cabeça, mas acabam remando na direção comum de ampliar o prazo da CPI para que o foco também se amplie, mesmo que se perca de vista, contanto que não se perca a posição. Estamos indo a bom lugar? O desgaste eleitoral de Bolsonaro é efeito colateral benfazejo dessa CPI. Mas nem o trio diretor, nem Lula - o atual líder das pesquisas de intenção de voto e potencial beneficiário desse script - pode controlar consequências de um processo desse. Parecem querer manter Bolsonaro no jogo como Geni, para fazer da eleição de 2022 um plebiscito com resultado antecipado por pesquisas, folgado a ponto de liquidar a fatura no primeiro turno. Conseguirão? Precisam combinar com Bolsonaro, não porque ele vá se reabilitar, mas porque detesta purgatório e compra bilhete para o inferno político. Atores do establishment tem olhos para ver, cabeça para raciocinar e meios para intervir. Sabem cuidar da própria vida. Excluída a hipótese de golpe, buscarão a via eleitoral. Lula pode até ser plano B, mas por que apostariam as fichas nele desde já? Há uma avenida aberta para outras saídas democráticas, populistas ou não. Entre algum fardado do bem e um Ciro Gomes reciclado para conversar à direita, há também quadros no DEM e no PSDB. A avenida será percorrida e é bom que seja, por dois motivos. Isso pode tirar Bolsonaro do páreo (e só isso já a justificaria) e pode ainda estabelecer um pacto entre o establishment e o centro social-democrata para a disputa eleitoral com o PT. Pluralismo nunca é ruim (é sempre melhor que hegemonias prévias), não importa em quem cada um de nós votará. Um bom passo em direção a essa avenida é fugir do beco lamacento onde pigmeus políticos proliferam como pintos. As trombetas da caça a corruptos soam, mas, dessa vez, a caravana da política precisa passar. É bom refletir: denúncias de corrupção ajudam a derreter Bolsonaro, sim e devem ser processadas, sem dúvida. Mas onde e por quem? Por uma Curitiba às avessas no Senado? A que serve a mudança de objeto da CPI? O grande tema da saúde pública é apequenado pelo foco na corrupção. Assim como o da saída econômica e o da proteção social tendem a ter o mesmo tratamento subordinado. A corrupção ter sido ponto lateral da agenda política foi um diferencial positivo das eleições municipais de 2020 em comparação com as de 2016. Em parte dependem dessa lateralidade as chances de 2022 fugir à lógica de 2018. Se a reação populista lograr colocar esse tema em destaque novamente, as chances de solução política vão para o espaço. Derrotar Bolsonaro por aí é reeditar a lenda de que todo político é ladrão. "Que se van todos!" é o subtexto de um script assim. Abramos o olho: ele está se insinuando, de novo, usando, de modo instrumental, as trincheiras institucionais da demagogia endêmica. *Cientista político e professor da UFBa. E-mail: pfabio@ufba.br *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/paulo-fabio-dantas-neto-pandemia-e.html *** *** ***
*** Nas entrelinhas: Militares no poder Publicado em 18/07/2021 - 08:00 Luiz Carlos AzedoCongresso, Ética, Governo, Justiça, Memória, Militares, Partidos, Política, Política, Saúde, Segurança O grupo de militares que hoje manda e desmanda no país está perdendo a batalha para os senadores da CPI da Covid, que estão mais sintonizados com a opinião pública É beabá de qualquer gerenciamento de crise não mentir. A mentira falseia a realidade, escamoteia responsabilidades e, para prosperar, precisa de cúmplices. Por isso, acaba desnudada, como acontece agora com o general de divisão da ativa do Exército Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde responsável pelo desastre sanitário que vivemos, em coautoria com o presidente Jair Bolsonaro. Em seu depoimento na CPI da Saúde, Pazuello mentiu; agora, está no sal, porque um vídeo gravado em seu gabinete revela que negociou diretamente a compra de vacinas com empresários que faziam, diga- mos, “intermediações onerosas” com o governo. Dos 12 inves- tigados na CPI até agora, por envolvimento em negociações suspeitas, seis são militares. Pazuello tratou da possibilidade de compra de 30 milhões de doses de CoronaVac sem envolvimento do Instituto Butantan, mesmo sabendo que o governo federal tinha um acordo com o laboratório do governo paulista para o fornecimento de até 100 milhões de unidades da vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac. O vídeo obtido pela CPI da Covid foi gravado em 11 de março. Nele, Pazuello explica que o grupo fora tratar da possibilidade de adquirir as vacinas “numa compra direta com o governo chinês”. Os intermediadores da compra representariam a empresa World Brands Distribuidora, com sede em Itajaí (SC). Pazuello teria recebido a comitiva fora da agenda oficial. Ofereceram 30 milhões de doses por US$ 28 cada uma, com depósito de metade do valor total até 2 dias depois da assinatura do contrato. Ao Butantan, o Ministério da Saúde pagou US$ 10 por dose, quase 2/3 a menos que a suposta oferta feita pelos empresários em março. Ao depor na CPI da Covid, em 20 de maio, Pazuello disse que não participava de negociações com empresas. O ex-ministro da Saúde faz parte de um grupo de militares que se formou no Comando Militar do Leste, com sede no Rio de Janeiro, à época sob comando do ex-ministro da Defesa Fernando de Azevedo e Silva, demitido do cargo por divergir da politização e manipulação das Forças Armadas por Bolsonaro. Seu chefe de estado-maior era o atual ministro da Defesa, general Braga Netto, que foi interventor na segurança do Rio de Janeiro no governo Michel Temer e manteve absoluto sigilo sobre as investigações que apontaram o envolvimento das milícias com o assassinato da vereadora Marielle Franco, cuja revelação po- deria atrapalhar a eleição de Bolsonaro. O comandante da Vila Militar, a maior unidade do Exército, era o atual secretário-geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos. Pazuello comandava a Brigada de Paraquedistas. Hoje, o grupo manda no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e nas Forças Armadas, como uma espécie de guarda pretoriana de Bolsonaro Neófitos e refratários Premido pela necessidade de quadros e visando seus propósitos autoritários, Bolsonaro formou um governo de viés bonapartista, com grande número de militares. Hoje, estima-se que sejam em torno de 6,2 mil oficiais nos altos escalões, ocupando funções civis, segundo a pesquisa Militarização da Administração Pública no Brasil: Projeto de Nação ou Projeto de Poder?, de William Nozaki, do Fórum Nacional das Carreiras Públicas de Estado (Fonacate). Como muitos são da ativa, como Pazuello, por exemplo, isso subverte a hierarquia militar e ameaça a democracia, ao envolver as Forças Armadas diretamente na política. Sem falar no desgaste de imagem causado pelo envolvimento de alguns elementos em negócios suspeitos e outras não-conformidades. Alguém já disse que os homens fazem sua própria história, mas não como querem; não escolhem as circunstâncias, elas lhe foram legadas. Militares são patriotas com aptidões que podem ser muito úteis nas atividades civis, mas não têm a competência dos técnicos e gestores públicos de carreira, formados nos centros de excelência da administração direta e indireta, que são tão patriotas quanto. Afora isso, são pessoas como outras quaisquer, cuja integridade e honradez independem das suas patentes e que podem, sim, na reserva, prestar grande colaboração à administração pública, nas funções para as quais têm formação compatível. Entretanto, são neófitos ou refratários à política propriamente dita, que não está apenas nas esferas de decisão do governo, mas em todo lugar. É aí que a panelinha de militares que hoje manda e desmanda no país está perdendo a batalha para os senadores da CPI da Covid, que formam um grupo heterogêneo, mas sintonizado com a opinião pública e a maioria da sociedade. A República democrática é um regime de partidos políticos, representativo da sociedade, formado por políticos por vocação; a tutela militar sobre a República é a gênese do autoritarismo corporativista, um regime de casta, incompatível com a Constituição de 1988 e que leva ao fascismo. *** *** https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-militares-no-poder/ *** *** *** "(...) Um vídeo que pode ter mandado Pazuello para o saco salgado. (...)"
*** *** Pazuello negociou vacina fora da agenda e por quase o triplo do preço 12.638 visualizações16 de jul. de 2021 Band Jornalismo 2,89 mi de inscritos Em 11 de março, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses da vacina chinesa CoronaVac, oferecida ao governo por quase o triplo do preço negociado pelo Instituto Butantan. *** *** https://www.youtube.com/watch?v=FznZQdOzt7o *** ***
*** *** Relator da CPI acusa Pazuello de mentir no depoimento 20/05/2021, 20h25 Na parte da tarde da audiência com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, nesta quinta-feira (20), o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros (MDB-AL), acusou o depoente de mentir flagrantemente 14 vezes durante o depoimento. Renan sugeriu a contratação de uma empresa de checagem de fatos. O ex-ministro disse que não recomendou prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada e que não se influenciou pela opinião do presidente da República, Jair Bolsonaro. Fonte: Agência Senado *** *** https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2021/05/relator-da-cpi-acusa-pazuello-de-mentir-no-depoimento *** *** *** As ofensas de Bolsonaro a quem investiga O Estado de S. Paulo Mesmo em internação hospitalar, Jair Bolsonaro criticou a CPI da Covid. Tinha cancelado a sua live semanal, mas não se absteve de ofender os três principais integrantes da comissão. “No circo da CPI, Renan, Omar e Saltitante (referência ao senador Randolfe Rodrigues) estão mais para três otários que três patetas”, escreveu na quinta-feira passada o presidente em sua conta no Twitter. A agressividade do presidente Bolsonaro, descumprindo sua promessa da semana passada de que daria uma trégua nos ataques contra os outros Poderes, mostra que a CPI da Covid, em seus três primeiros meses de funcionamento, vem cumprindo seus objetivos. O trabalho investigativo dos senadores foi capaz de revelar aspectos constrangedores da atuação do governo federal na pandemia. Há ainda muito a investigar, mas alguns fatos já são de conhecimento público. O atraso na vacinação contra a covid não se deu apenas por uma questão ideológica. Enquanto postergou e dificultou as tratativas diretas com os fabricantes de vacinas, o governo de Jair Bolsonaro deu preferência à negociação de vacinas por meio de empresas intermediárias. “Esse governo não quis comprar vacina a 10 dólares da Pfizer, mas quis comprar a Covaxin a 15 dólares”, disse o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM). Aparentemente inexplicável, essa diferença de tratamento por parte do governo federal torna-se a cada dia mais compreensível para a população. São crescentes os indícios de que negociações com empresas intermediárias envolveram pedido de propina – ou “comissionamento”, como afirmou Cristiano Carvalho, representante da Davati Medical Supply no Brasil, em seu depoimento aos senadores no dia 15 de julho. De fato, a atuação do governo federal na pandemia é muito peculiar. No mesmo período em que, sem provas, Jair Bolsonaro acusava governadores estaduais de desviarem verbas da saúde, sabe-se agora, em função da CPI da Covid, que o presidente da República foi informado a respeito de mau uso de recursos públicos no próprio Ministério da Saúde. Confirmando ter recebido informações do deputado Luis Miranda (DEM-DF) sobre a compra da vacina Covaxin, Jair Bolsonaro disse que encaminhou o caso ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal abriu inquérito no dia 12 de julho para investigar se Jair Bolsonaro praticou crime de prevaricação nesse episódio. O mais estranho é que, mesmo com todos os indícios de malfeitos revelados pela CPI da Covid, Jair Bolsonaro não tenha, em nenhum momento, defendido a apuração dos fatos. De forma descarada e cada vez com mais violência, o presidente ataca quem expõe fatos relativos ao Ministério da Saúde. Tem-se assim o completo abandono de todo e qualquer discurso de combate à corrupção. Até internado num hospital, Jair Bolsonaro volta-se contra quem tenta expor negociatas e sobrepreço na compra de vacinas. No último mês, a CPI da Covid trouxe elementos para intuir a existência de quadrilhas operando na pasta de Eduardo Pazuello. A agressividade de Jair Bolsonaro depois de cada escândalo exposto pela CPI da Covid é ainda mais embaraçosa tendo em vista o inquérito da Polícia Federal para investigar o presidente da República por crime de prevaricação. Com as ofensas que profere, Jair Bolsonaro reforça os indícios contra si mesmo. Se, de forma pública e reiterada, Jair Bolsonaro coloca-se frontalmente contrário a toda investigação de eventuais malfeitos em seu governo, é no mínimo estranho pensar que a portas fechadas, longe dos olhos do público, Jair Bolsonaro teria apoiado e determinado as diligências investigativas a que ele tanto se opõe em público. Por força do recesso parlamentar, a CPI da Covid voltará aos seus trabalhos no dia 3 de agosto. Há muito a ser apurado. Jair Bolsonaro sempre esteve próximo das questões relativas às vacinas anticovid, determinando publicamente o que podia e o que não podia comprar. Suas recentes ofensas confirmam quanto o tema o afeta direta e pessoalmente. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/o-que-midia-pensa-opinioes-editoriais_18.html#more *** *** "Que se van todos!" *** Cantos de sirenas Por Mario Goloboff * Fonte: Página/12::Cotratapa::Cantos de sirenas Miércole, 12 de agosto de 2015 / Hoy ***
*** Ulises y las Sirenas (1909), de Herbert James Draper. *** Es común oír, en todos lados, la recomendación por parte de políticos y de opinantes de no atender a las promesas electorales (de los otros, se entiende), de “no escuchar cantos de sirena”. (Algunos son, ciertamente, más cínicos, verbigracia Monsieur Charles Pascua, quien acaba de fallecer, pero dejó el concepto, cuando fue ministro del Interior de la avezada derecha en Francia: “Las promesas de los candidatos comprometen sólo a los que creen en éstas...”). La mayoría de quienes pronuncian aquella frase del título, ignoran por completo a qué se refieren. No las fuentes, claro, ya que casi todos saben, porque lo han visto en la secundaria y hasta algunos privilegiados en la primaria, porque han leído o han escuchado que viene de la historia del divinal Odiseo y que consta en libros famosos. Pero lo que desconocen es su sentido. Pocas personas, aun entre las muy formadas, se han interrogado sobre él, y menos todavía que esas pocas han acertado a responder o a trazar una respuesta a las preguntas elementales: ¿Qué era el canto de las sirenas? ¿Qué cantaban? ¿Por qué era tan peligroso ese canto? ¿Por qué había que taparse los oídos para no oírlo? Etcétera. Es, acertadamente, lo que plantea Maurice Blanchot en la magnífica introducción a su no menos magnífico Le livre à venir (El libro por venir): “¿De qué naturaleza era el canto de las sirenas? ¿En qué consistía su defecto? ¿Por qué ese defecto lo volvía tan poderoso?”. Por lo que recuerdo o pude registrar, y pese a los tremendos anuncios que se esgrimen, una sola vez las sirenas hablan, cantan, en aquel libro famoso, la primera gran narración de la cultura que nos abarca: Odisea, Rapsodia XII. Y todo lo que dicen o cantan se resume en las pocas líneas que transcribe, escuetamente, la “versión directa y literal del griego”, de Luis Segalá y Estalella: “¡Ea, célebre Odiseo, gloria insigne de los aqueos! Acércate y detén la nave para que oigas nuestra voz. Nadie ha pasado en su negro bajel sin que oyera la suave voz que fluye de nuestra boca, sino que se van todos después de recrearse con ella, sabiendo más que antes, pues sabemos cuántas fatigas padecieron en la vasta Troya argivos y teucros, por la voluntad de los dioses y conocemos también todo cuanto ocurre en la fértil tierra”. Fin de la cita, del único parlamento a cargo de “Las sirenas”, “cuyo canto hacía enloquecer a quien las oyera”, de su intervención directa en este vasto libro. Como se ve, las denostadas sirenas, aparentemente, apenas piden no más que ser escuchadas, nada dicen de terrible o peligroso, nada para quitar el sueño a nadie (o sea, como alguien afirmaría en nuestro modesto y contundente rioplatense, “no dicen nada”). Es “un canto enigmático, potente por lo que le falta” (otra vez Blanchot, para quien aquellas ínfimas líneas son todo el espacio en que se juega la Odisea). En cambio, captando ese poder de lo no dicho, de lo que falta, Franz Kafka acentúa lo contrario, desde el título, en su extraña fábula “El silencio de las sirenas”. Y sin embargo, hay que impedirse oírlas, tapar con cera los oídos de los acompañantes, atarse el héroe a los mástiles, para no volverse loco o tirarse ardientemente al fondo de la mar embravecida. Hay veces que los dioses exageran... Dicho canto es el que permite sostener a Tzvetan Todorov, en un joven trabajo sobre “La narración primitiva”, que “Así como el jefe de un pueblo era la encarnación de un tipo de palabra (la palabra-acción), el aeda viene a ser el campeón indiscutible de la palabra-narración. La admiración general se centra en el aeda porque sabe decir bien; merece los más grandes honores: ‘es así que su voz lo iguala a los Inmortales’; es un regalo escucharlo. Nunca un auditor comenta el contenido del canto, sino sólo el arte del aeda y su voz. /.../ La palabra-narración, la palabra-arte, encuentra su sublimación en el canto de las Sirenas /.../ Las Sirenas tienen la voz más hermosa de la tierra y su canto es el más bello sin ser por eso diferente del canto del aeda /.../ Es un canto que trata de sí mismo. Las Sirenas sólo dicen una cosa: que están cantando”. Porque en realidad las sirenas (dos, para Homero, que utiliza el dual del griego antiguo; tres o más, según Robert Graves, quien les pone también nombres), como se ve, no declaraban nada, nada que no fuera su propio canto. No decían, más allá de ello (que ésta es “nuestra voz”, ésta es “la suave voz que fluye de nuestra boca”), algo que tuviera otro “contenido”, otro “mensaje”, ni siquiera de intimidación, ninguna profecía, ningún acertijo (como el de la Esfinge tebana), ningún dilema levantado, ninguna réplica. La única amenaza, cumplida, es su propio canto. Como si dijéramos: cuidado con lo que yo hablo, porque, cualquiera sea mi mensaje, es amenazante, es terrible, te llevará al abismo. ¿Por qué? Porque soy yo quien lo emite. La Sirena. La historia puede ser contada, en resumen, así: advertido por los dioses, “por la divina Circe”, de lo peligroso que era el canto de las sirenas, Odiseo ordena tapar con cera los oídos de sus remeros y se hace atar al mástil del navío. Si hechizado por el canto, él llegara a pedir que lo desatasen, sus compañeros deberían apretar aún más fuerte las ataduras. Gracias a este artificio, el héroe consigue ser el único humano que oye el canto y sobrevive a las sirenas, las que devoran a los infaustos que se dejan seducir. Al verse vencidas, son estas criaturas monstruosas las que se precipitan al abismo. Luego vinieron otros textos que fueron continuando esa tradición y, aun deformándola en la línea que trazó Apolodoro (en verdad, el seudo-Apolodoro), en su Biblioteca Mitológica (siglos I-II), quien narra que Orfeo (con anterioridad, claro, a Odiseo), desde la nave de los argonautas, cantó más dulcemente que las sirenas, por lo que éstas se tiraron al mar y quedaron convertidas en rocas, ya que su ley era morir cuando alguien resistiera su hechizo. La historia parece venir a cuento entre nosotros por los cambios de discurso de la derecha argentina (asimismo, levemente monstruosa por la mezcla o transformación de animal marino en criatura de armada y artificial belleza), y en general de la oposición, muy preocupada ahora, según a cada rato clama, por los pobres, la falta de educación y salud públicas, de aguas corrientes, de cloacas y de pavimento. Nuevo discurso que “la gente”, el interlocutor que ellos construyeron, naturalmente no toma en serio. Porque no cree en ese emisor, sabiendo que sólo por provenir de tal emisor es un “canto” que la conducirá a la pérdida. Quienes lo oyen, parecen seguir en esto una de las reglas que consagraron los analistas del discurso desde la escuela de la Pragmática: “Dime quién habla y te diré qué dice”, y advertir que las palabras son las mismas, si bien no quieren decir lo mismo cuando las pronuncia uno u otro. Hay quien compara la situación con el Pierre Menard de Jorge Luis Borges, pero olvida que Menard, el “autor del Quijote” (y de ahí la calidad del cuento), “no se proponía copiarlo”, “lo cual es fácil”, “quería ser (subrayado) Miguel de Cervantes”, lo que es cualitativamente distinto. Aunque, bueno, como ya nos lo advierte el mismo Borges en el principio del bello texto que les dedica en su Manual de zoología fantástica: “A lo largo del tiempo, las sirenas cambian de forma”. * Escritor, docente universitario. *** *** https://www.pagina12.com.ar/diario/contratapa/13-279148-2015-08-12.html *** ***

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