segunda-feira, 5 de julho de 2021

NÃO!

Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo ***
*** A igreja do diabo – Machado de Assis Revista Prosa Verso e Arte Por Revista Prosa Verso e Arte - Literatura *** *** https://www.revistaprosaversoearte.com/igreja-do-diabo-machado-de-assis/ *** *** Fernando Henrique Cardoso - Cuidado, presidente domingo, 4 de julho de 2021 ***
*** O Globo / O Estado de S. Paulo Maior falha de Bolsonaro na compra de vacinas é dar sensação à opinião pública de que não avaliou corretamente o tipo de problema que havia, que era grave Tentei escapar, mas é quase inevitável falar sobre a CPI e os fatos que levam a ela. Não gosto de personalizar e menos ainda, por motivos óbvios, quando se trata do presidente. Tratarei de não o fazer, embora seja difícil. O caso parecia banal: uma tentativa de gastar dinheiro público, sem critério. Mas não era. Não só porque há certa irritação no país com relação ao desvio de finalidades no uso do dinheiro dos contribuintes, mas porque, no caso, trata-se de um governo que se jacta de ser cuidadoso nessa matéria (obrigação de qualquer presidente que se preze). E também porque os fatos em tela se dão no âmbito de uma pasta, a da Saúde, diretamente ligada à luta contra a pandemia, a qual torna a vida de cada um de nós arriscada. Portanto, o olhar da opinião pública fica ainda mais atento para tudo o que se passa em seu âmbito e no dos setores do governo a ele ligados. Não quero dizer que se deva generalizar o que aconteceu, nem deixar de reconhecer o efeito, louvável, de o governo prestar atenção ao que ocorre com os fundos públicos. Não deveria agora desviar o olhar. E não se trata só do presidente, mas do conjunto da administração: o chefe dela paga o preço de erros dos quais sequer toma conhecimento. Quem está na chuva, se molha, como eu me molhei, mesmo não sendo responsável direto por alguns erros... Por isso mesmo, pasma ver quanta incompetência e descaso na administração de coisas tão importantes como o que ocorre com recursos do Ministério da Saúde. Pior, chega a assustar o pouco caso inicial da autoridade máxima com os eventos que ocorreram naquela pasta. A alegação de desconhecimento pode até ser verdadeira (recordo-me do caso do apagão, quando eu, entusiasmado com a construção de novas hidroelétricas, não me dei conta de outros problemas de distribuição de energia que já atormentavam o povo e terminaram por “balançar o coreto”). Sei, por ter ocupado as funções que ocupei, que o responsável maior não pode saber o que se passa em cada setor da administração, nem a ele se pode atribuir “culpa” por desvio de recursos que não maneja diretamente. Mas, uma vez sabidos os casos, há que mostrar irritação e há que jogar ao mar os “culpados”, pois é forte a reação que eles provocam em quem deles não participou e é sua vítima: o eleitorado. Foi nisso, principalmente que falhou o presidente. Deu sensação à opinião pública de que não avaliou corretamente o tipo de falha que havia, que era grave. Fica-se sempre com a sensação: se ocorrem desvios na Saúde, por que não em outros casos? E é por aí que os governos podem se perder. A memória coletiva forma-se assim nessa matéria. O povo já pensa, em geral, que los de arriba de outra coisa não cuidam que de seus interesses pessoais ou no de seus familiares e amigos. E logo agora quando temos um governo no qual os filhos, embora alguns eleitos, têm tanta presença. O fato só parece confirmar a crença antecipada do povo. Não há, portanto, como considerar mero equívoco a pouca atenção inicial dada pelos altos círculos políticos aos acontecimentos. A mídia estará sempre pronta — é seu dever — para fazê-los recordar, seja insistindo em matéria já sabida, seja indicando caminhos que podem levar a outros tropeços. Não torço por impeachments, nem por novos desvios de dinheiro público, mesmo que nos levem a isso. Já votei por um impeachment e acompanhei outro, quando já não era mais senador. O custo para a memória democrática é sempre elevado. Mas... o que fazer? Se o próprio presidente não cuidar de inibir os atos capazes de favorecerem a ação do Congresso nesse sentido, ela acaba ocorrendo. Ainda há tempo para consertar o rumo. Mas, com a proximidade das eleições, o jogo político voltará a pressionar. Não adianta jogar a culpa na mídia ou “nos políticos”: trata-se de um sinal de alerta a ser devidamente compreendido pelos que exercem o poder. E o poder é cruel. Principalmente quando alguém é dele retirado pelo voto dos congressistas e não pelo voto do povo. Por tudo isso, presidente, atue enquanto há tempo. Um pouco mais que ele transcorra e já será tarde. Quando acontecer o inevitável, se não houver reação prática de sua parte, de pouco adiantarão os queixumes. Ação já, é o que o país espera. Quem elege o presidente é o povo. Este, às vezes erra. Paciência. É melhor aguentar o quanto possível do que tentar usar o bisturi do Congresso para “acelerar” a história. Não digo isso “da boca para fora”. Resisti quanto pude a impeachments de presidentes; até que... chega a hora. Estamos longe dela e espero que não ocorra. Mas, reafirmo: abra os olhos presidente. Querendo ou não, se for tarde, as lágrimas podem não ser de crocodilo, mas não serão suficientes para evitar o que por ora parece ser longínquo. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/fernando-henrique-cardoso-cuidado.html#more *** *** *** ENTREVISTAS
*** "O que explica (as suspeitas de corrupção no governo) é a desorganização, a falta de diretrizes claras, de capacidade de mexer na estrutura e modificar os vícios existentes." *** O governo do show Gen Div Santos Cruz: O governo do show Ex-ministro de Jair Bolsonaro, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz diz que o presidente age para transformar tudo em espetáculo, blefa ao sustentar que tem apoio dos quarteis e se mostra incapaz de mexes nas estruturas viciadas do governo 02 de Julho, 2021 - 22:00 ( Brasília ) Fábio Leite Crusoé 02 Julho 2021 Dois meses após ser demitido da Secretaria de Governo pelo presidente Jair Bolsonaro, em junho de 2019, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz decidiu abrir uma conta no Twitter para se manifestar politicamente, algo que ele não podia fazer de maneira aberta nos 47 anos em que serviu ao Exército e nos seis meses em que ficou na Esplanada dos Ministérios. A lucidez do oficial reformado o transformou em uma das principais vozes críticas ao governo entre os militares. O objetivo de Santos Cruz ao aderir às redes sociais e emitir suas opiniões sem reservas, diz ele, era alertar para o fanatismo encravado no Palácio do Planalto e para o risco do Exército ser “arrastado para a política“. Aos 69 anos de idade, o general deve, muito em breve, se lançar de vez na política partidária. Ele tem conversas avançadas para se filiar ao Podemos e, possivelmente, disputar um cargo nas eleições do ano que vem, quando terá uma meta para perseguir: ajudar a evitar não só a reeleição de Bolsonaro como também a volta do PT ao poder. “Tem que vir alguém que represente um projeto, uma nova opção. Não tem que ter mito ou gente em missão divina“, afirma. Nesta entrevista a Crusoé, Santos Cruz fala das suspeitas de corrupção e da atuação de extremistas no governo e critica as tentativas de uso político das Forças Armadas pelo atual presidente da República. O que explica essa sucessão de suspeitas, até na compra de vacinas, em um governo que se elegeu prometendo combater a corrupção? O que explica é a desorganização, a falta de diretrizes claras, de capacidade de mexer na estrutura e modificar os vícios existentes. Como consequência disso, surge todo tipo de ocorrência. Quando o sr. estava no governo, já percebia sinais de corrupção ou da falta de controle para evitar desvios? Não. A minha participação foi apenas no início do governo. Ainda havia ali uma tentativa de modificação da estrutura. O que estamos assistindo não é só de agora. Os vícios são antigos. Para mexer em estruturas viciadas você precisa de tempo, ter planejamento, diretrizes claras, uma liderança que conduza esse processo. O governo não mostrou até agora capacidade de modificar essas estruturas problemáticas. É muita preocupação com coisas supérfluas, é uma campanha eleitoral permanente. Você não senta para trabalhar e mudar essa estrutura. A atenção fica desviada para outras questões menos importantes e daí acontecem essas coisas. Como o sr. enxergou a decisão do comando do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por participar de ato político com Bolsonaro? Normalmente, a gente não critica a decisão do comandante do Exército por uma questão cultural. A cultura da minha geração é a de não criticar o comandante por não saber a quais pressões ele está submetido. Acho que houve uma fixação muito forte à questão da punição ou da não punição. O comandante pode punir ou não. Não é todo erro que você conserta com punição, e erros acontecem. Mas o fato criado é um fato inaceitável na cultura militar. Esse não é só um caso disciplinar, é muito maior do que isso. É um fato político que tem um responsável maior no cenário, que até faz questão de dizer que é o comandante em chefe. Se ele é o comandante em chefe não pode desprestigiar, colocar em risco e desacreditar a instituição. Tem uma figura maior no cenário. Que é o presidente Jair Bolsonaro. Claro, o presidente da República, que atuou de forma completamente irresponsável. Ou ele não sabe nada do regulamento ou não sabe qual a postura que ele tem de ter como comandante em chefe. Comandante em chefe não deve ficar chamando militar para palanque, deve tomar decisões estratégicas. Toda vez em que faz discurso político e fica tentando envolver os militares, ele é o grande responsável. Houve uma fixação muito grande com o general que foi para o palanque, com a decisão do comandante do Exército, mas o pessoal está perdendo o foco, que é de um presidente que desde o ano passado está querendo arrastar o Exército para a política. Esse é o problema. Por que o presidente faz isso? Isso, para mim, é falta de noção institucional. O Exército não é a única instituição que tem sofrido com esse comportamento. Por exemplo, o Ministério da Saúde: um dia o ministro diz que tem de usar máscara e no outro dia o presidente da República sai na rua sem máscara. Ou a Anvisa, que é um órgão técnico: aprova a vacina um dia, e no dia seguinte o presidente diz que a vacina não tem amparo técnico. É um vício dele desprestigiar as instituições. São muitos os exemplos. É uma falta de noção pessoal. Todas as instituições devem ser valorizadas, não o contrário. A democracia funciona porque tem um processo permanente de aperfeiçoamento das instituições. Nesse contexto, que recado o Exército passa à sociedade ao decidir não punir o general Pazuello? Faz muito tempo que estou fora do Exército, na prática desde 2012, e não posso falar pelo Exército. Não sei se o comandante fez alguma recomendação interna, mas isso é uma coisa tão lógica, tão parte da cultura militar, que todos os militares sabem que não devem fazer (participar de ato político). Por não ter havido uma manifestação pública, as pessoas podem ter achado que estão mudando a cultura dentro do Exército. Não vão mudar. Isso está muito enraizado. O Exército não se envolve com política. Quando houve o incidente com os três comandantes, do Exército, da Aeronáutica e da Marinha (substituídos por Bolsonaro em março), eles saíram sem falar nada. Deve ter sido por alguma discordância. Não adianta porque não é esse tipo de investida que vai destruir a cultura militar. Isso é da porta do quartel para dentro. E do quartel para fora? Ao decidir não punir Pazuello, a instituição não passa a impressão de que se curvou aos interesses políticos do presidente? Sem dúvida nenhuma existe uma percepção na sociedade de que o Exército está participando do governo do presidente Bolsonaro. Ela começa pelo grande número de militares que exercem funções de destaque no governo. Como a representação social está desequilibrada no governo, passa essa impressão. Concordo que existe essa percepção, e ela não está errada, mas não bate exatamente com a realidade. Isso é feito de maneira proposital pelo presidente para transferir o prestígio das Forças Armadas para o governo e mostrar para a sociedade que o Exército está envolvido em assuntos de governo. E, o pior de tudo, de que está envolvido em projeto pessoal de poder. E não está, mas a impressão é a de que está. As pessoas que acompanham mais de perto o Exército, sabem que isso é um blefe. Tem várias indicações disso. Quais indicações? Tem várias ameaças (da parte do presidente) de que vai fazer um decreto para isso ou aquilo. Mas você percebe que aquilo não se concretiza. No geral, porém, o show acaba tendo algum efeito. Quem deve conter esse ímpeto do presidente? Em primeiro lugar, eu acho que esse tipo de conversa que estamos tendo faz parte de um alerta para a sociedade. O pessoal da ativa não vai fazer isso, nem pode fazer. A postura militar não permite. Se fizer, gera uma crise maior ainda. Os comandantes trabalham e ficam quietos. Veja que os três comandantes que saíram não falaram nada sobre o episódio, mostraram como é a cultura militar. Agora, quem alerta para isso? É a imprensa, são os militares que estão na reserva, como eu. E a população, sabendo disso, começa a formar a convicção dela. A grande participação da população é o momento do voto. Fora disso, você tem o Ministério Público, o Congresso Nacional, o Judiciário. Se perceberem alguma coisa fora da legislação. eles têm de atuar. O sr. vê semelhanças entre o governo Bolsonaro e o de Nicolás Maduro? Vejo, sem dúvida nenhuma. Particularmente, no estilo populista de transformar tudo em espetáculo, de sempre tentar arrastar as Forças Armadas para a disputa política. Chamar a instituição de “meu Exército”, esse pronome possessivo que não tem sentido nenhum porque absolutamente demagógico, é populismo. Existe um jogo político e você tem que jogá-lo, mas sem envolver as Forças Armadas. Aí vem a similaridade com Nicolás Maduro. Acredita que Jair Bolsonaro possa ser reeleito no ano que vem? Pode até acontecer. Se acontecer, temos que respeitar. Mas vejo hoje um quadro com duas opções que o Brasil não merece. O Brasil merece uma opção que entregue paz e união. O Brasil está desunido e não é de hoje. Por que estamos mal na condução da pandemia? Porque não tem união nacional. Se tivesse união nacional desde o início, nós passaríamos melhor por esse período. Mas não. O que temos é briga com todo mundo, com as instituições. É desrespeito pessoal, desrespeito funcional, desrespeito institucional. Não é assim que uma sociedade vive. O fato de o presidente ser militar e de o governo ser formado por muitos militares alimenta o temor de que ele poderia promover um golpe para se manter no poder. O sr. acha isso possível? Eu acho que se uma meia dúzia inventar de fazer tumulto vira caso de polícia e aí a polícia resolve. Não vamos considerar que haverá uma convulsão nacional se o presidente perder a eleição. O sr. crê em uma candidatura competitiva de terceira via que possa romper a polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula? Sem dúvida. A sociedade brasileira está se conscientizando sobre essa necessidade, tirando os extremos. Porque nos extremos há fanatismo, o que não é racional. Fanatismo se alimenta de fanatismo, anda junto com crime e sempre termina em violência. Então, tirando esses extremos, a maior parte da sociedade quer paz, harmonia, tolerância, convivência, desenvolvimento, e vai optar por uma alternativa que traga paz social e união. Dos nomes que já estão postos, tem algum que lhe agrada mais? Tem que ver a proposta. Alguns já são mais conhecidos, mas acho que ainda pode aparecer gente nova. Não tem que vir mais nenhum salvador da pátria. Tem que vir alguém que represente um projeto, uma nova opção. Não tem que ter mito, gente em missão divina. Tem que ter uma pessoa que seja menor do que o projeto e que cumpra o projeto. Um novo governo do PT pode trazer esse clima de paz e união, como Lula tem pregado? Essa é uma manobra política que é válida, de tentar transmitir essa sensação, de que a convivência política será melhor. Mas não podemos esquecer que foi o próprio PT que começou a investir na divisão social. E tem outra coisa importante: o Partido dos Trabalhadores teve oportunidade de governar por três mandatos e meio, praticamente. Teve a oportunidade dele. Realizou algumas coisas e outras não realizou, como qualquer governo. Mas terminou o ciclo muito desgastado por escândalos e demagogia. Acho que a volta do PT, sem nenhum exagero, é um retrocesso. Nós precisamos andar para a frente. O que fez o sr. acreditar no governo Bolsonaro e ter sido ministro por seis meses? Assim como eu, mais de 57 milhões de brasileiros também fizeram a mesma opção. Em primeiro lugar, era importante encerrar aquele ciclo de quatro mandatos em que o PT era o partido central do governo. É bom politicamente para um país ter alternância de ciclos. Em segundo lugar, tirando as coisas espetaculares que uma campanha sempre tem, essa parte mais emocional, o que foi falado durante a eleição era importante: combate à corrupção, fazer uma nova política, que não fosse toma lá dá cá. Se afastar desse modelo de tentar explorar o estado, no seu orçamento, nas emendas parlamentares, no recurso público uma forma geral. Foi isso tudo que (me) levou (a integrar o governo). Na campanha, o presidente falou tudo que a sociedade queria ouvir: que a Lava Jato iria continuar, que o ex-juiz Sergio Moro iria ser ministro da Justiça. Só que, depois, na prática, aquilo não se concretizou. Falava-se em união nacional, porque se acusava o ciclo anterior, do PT, de ter dividido o país entre nortistas e sulistas, entre pobre e rico, coxinha e mortadela. Mas não foi isso que aconteceu. Logo os extremistas passaram a ter influência do governo. Quando o sr. se deu conta que não havia um projeto de governo? Se você voltar lá para o início do governo, vai ver a influência de um grupo muito extremista, que não era numeroso, mas era muito atuante, radicalizando em um nível baixíssimo na internet. A gente mudou o governo para melhorar o nível do nosso relacionamento social e político, não para chegar ao nível daquela escória extremista. Não há mais discussão de ideias. Há apenas ataques pessoais, os mais baixos possíveis. O sr. foi um dos alvos desse grupo extremista. Particularmente não me afeta, mas é uma vergonha social. A sociedade brasileira não merece ter um grupo de influencers governamentais daquele nível, que é o mais baixo possível. Se não concordamos com as coisas, vamos mudar, fazer alguma coisa construtiva, e não fazer um show de xingamentos para todo lado. Não fui lá para isso. Nesse grupo está o vereador Carlos Bolsonaro, filho 02 do presidente, que atacou o sr. nas redes sociais pouco antes da demissão. A quem o sr. credita a sua saída do governo? Em primeiro lugar, alguém se torna ministro porque é convidado pelo presidente, e depois deixa de ser porque o presidente não quer. Não tem nada de errado quando o presidente decide substituir um ministro. Nenhum governo no mundo termina com a mesma equipe que começou. O que é ruim para a sociedade é ver uma grande quantidade de crimes medíocres para justificar (a demissão). O sr. se refere ao famoso print de uma suposta troca de mensagens do sr. criticando o presidente? Sim. Para tirar um ministro, não precisa dar show. Tem um grupo que eu considero uma escória social que tenta influir em todas as ações de governo. Aquelas mensagens divulgadas foram montagens? Claro. É uma coisa até burra porque fizeram a montagem no momento em que eu estava embarcado em um avião, sem internet. Foi ridículo, é medíocre. Qual é sua opinião sobre o tratamento que o presidente Bolsonaro tem dispensado ao vice Hamilton Mourão, escanteado do governo? Não quero falar da pessoa de um ou de outro, mas isso é péssimo para o país. Mostra falta de liderança, de capacidade de convivência. Tem que convidar para trabalhar alguém em quem se tenha confiança, admiração, respeito. Isso passa por uma questão pessoal, de valores. Dá para fazer desse relacionamento uma coisa extremamente construtiva, mas, infelizmente, isso não existe. Quais foram os maiores erros do governo na condução da pandemia no Brasil? Em primeiro lugar, a falta de liderança. Diante de uma situação complexa como essa, a autoridade maior tem de chamar a responsabilidade para ela e conduzir o processo. Outra coisa é a falta de união nacional. A autoridade maior tinha de convocar governadores, prefeitos, toda a classe política, para esquecer temporariamente os objetivos partidários e pessoais e se unir. A falta de liderança tem como consequência a falta de união nacional. E daí vem a politização do assunto e a falta de utilização da estrutura existente dentro do governo para um aconselhamento técnico. Nós tivemos politização até de medicamento. Ainda estamos discutindo se tem remédio que funciona ou não funciona. E o pior é que uma discussão que não é técnica. É mais um show no qual escutamos mais coisas absurdas. *** *** https://www.defesanet.com.br/tfbr/noticia/41222/Gen-Div-Santos-Cruz--O-governo-do-show/ *** *** ***
*** ENTREVISTA *** *** Ciro Gomes fala sobre eleições de 2022, Bolsonaro e Lula | UOL Entrevista Transmitido ao vivo em 2 de jul. de 2021 *** O UOL Entrevista desta sexta-feira (2) recebe Ciro Gomes (PDT), ex-ministro, ex-deputado federal, ex-governador do Ceará e atual presidenciável para 2022. Além de falar sobre os cenários para as eleições, Ciro comenta sobre o governo de Jair Bolsonaro, a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à corrida eleitoral, a CPI da Pandemia e mais. A entrevista será conduzida por Diego Sarza, apresentador do UOL, e os colunistas Tales Faria e Josias de Souza *** ****https://www.uol.com.br/play/videos/noticias/2021/07/02/ciro-gomes-fala-sobre-eleicoes-de-2022-bolsonaro-e-lula--uol-entrevista.amp.htm *** *** *** *** https://www.youtube.com/watch?v=JEEL9jM8qcc&t=90s *** *** *** ***
*** ENTREVISTA *** EXCLUSIVO! Lula responde Ciro sobre eventual 2º turno: 'Seria extraordinário para o Brasil' Petista afirmou que não sente raiva das críticas do ex-aliado O Liberal 02.07.21 13h49 *** *** O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou na manhã de hoje que um segundo turno entre ele e Ciro Gomes (PDT) "seria extraordinário para o Brasil". A declaração foi dada durante entrevista exclusiva ao Grupo Liberal. A íntegra da entrevista será veiculada em OLiberal.com neste sábado (03), quando também começa a circulação da versão impressa de O Liberal, que também irá publicar a íntegra da entrevista. Na segunda-feira, as rádios Liberal AM e FM irão transmitir a entrevista, a partir das 12 horas. "É muito provável que seja eu contra o Lula", diz Ciro Gomes sobre segundo turno das eleições 2022 "Seria extraordinário pro Brasil que disputassem o Ciro e eu o segundo turno. Seria uma vitória da democracia esplendorosa, como era esplendorosa quando eu disputava com o Serra, com o Alckmin. Quem começou a atrapalhar isso foi o Aécio, na campanha contra a Dilma", afirma. ***
*** Lula falou sobre as críticas que tem recebido do pedestistaLula falou sobre as críticas que tem recebido do pedestista (Divulgação)A avaliação do eventual candidato do Partido dos Trabalhadores ao Planalto em 2022 foi uma resposta a Gomes, que afirmou hoje, em entrevista ao site UOL, que o segundo turno das eleições presidenciais de 2022 seria disputado entre ele e Lula - e que Bolsonaro nem estará na eleição. Entrevista de Lula ao Grupo Liberal repercute na imprensa nacional O petista considerou normais as críticas que Ciro tem dispensado contra ele, mas afirmou que não pretende entrar na briga. Ciro foi ministro do primeiro governo Lula, quando comandou a pasta da Integração Nacional, e apoiou o PT em todas as eleições presidenciais seguintes. A relação foi rompida em 2018, quando Gomes concorreu ao Planalto e terminou em 3º lugar."O fato do Ciro fazer crítica eu acho normal. Já falei várias vezes: não vou responder o Ciro, não vou brigar com o Ciro. É normal. Se eu tivesse 2% e ele tivesse 30%, ele nem citaria o meu nome. Agora como eu que tenho 30% e ele 2%, ele tem que citar meu nome. Paciência. Mas é assim mesmo na política. Não vou ficar com raiva dele por conta disso", afirmou. *** *** https://www.oliberal.com/politica/lula-sobre-2-turno-contra-ciro-seria-extraordinario-para-o-brasil-1.405381 *** ***
*** Graciliano Ramos: observador perspicaz, é também exímio decodificador do nosso labirinto existencial (Foto: Kurt Klagsbrunn) *** Graciliano Ramos entre “a gramática e a lei” João Paulo Ayubdisse: 2 de março de 2021 “Toda palavra tem sempre um mais-além, sustenta muitas funções, envolve muitos sentidos. Atrás do que diz um discurso, há o que ele quer dizer, há ainda um outro querer-dizer, e nada será nunca esgotado…” Jacques Lacan *** “Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.” *** *** https://revistacult.uol.com.br/home/graciliano-ramos-entre-a-gramatica-e-a-lei/ *** *** ***
*** A IGREJA DO DIABO Capítulo I De uma idéia mirífica Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez. — Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: — Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul. Capítulo II Entre Deus e o Diabo Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor. — Que me queres tu? perguntou este. — Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos. — Explica-te. — Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros... — Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura. — Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece? — Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor. — Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental. — Vai. — Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra? — Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja. O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje de memória, qualquer coisa que, nesse breve instante de eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse: — Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazêlas todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura... — Velho retórico! murmurou o Senhor. — Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, — a indiferença, ao menos, — com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, — ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos... Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o Diabo. — Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez? — Já vos disse que não. — Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão? — Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega. — Negas esta morte? — Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los... — Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai, vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai! Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra. Capítulo III A boa nova aos homens Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas. — Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo... Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu..." O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos de Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de propriedades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento. As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: Muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrado assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele. Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regime: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: — Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria. Capítulo IV Franjas e franjas A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo. Um dia, porém, longos anos depois notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros. A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas, socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outras descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meterse na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia que duvidar; o caso era verdadeiro. Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse-lhe: — Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana. *** FONTE: *** A Igreja do Diabo, de Machado de Assis Fonte: ASSIS, Machado de. Volume de contos. Rio de Janeiro : Garnier, 1884. Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais. Texto-base digitalizado por: Edição eletrônica produzida pela Costa Flosi Ltda. Revisão: Sandra Flosi/Edição: Edson Costa Flosi e Nancy Costa Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para . *** *** http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000195.pdf *** ***

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