Sobrenatural da
Matta
Segundo Nelson, o Sobrenatural tivera os seus tempos de glória mas agora, coitado, morava em Irajá e viajava nos trens da Central. Por isso até chegava atrasado ao Maracanã, e só então começava a interferir.
...uma entidade
do sobrenatural da política...
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Vinicius
Torres Freire - Morte e destruição não afetam Bolsonaro
- Folha de S.
Paulo
Presidente se
descola de epidemia, queimada, fracasso de renda básica, carestia de comida
O Pantanal que queimou até agora é do
tamanho de metade do estado do Rio de Janeiro. É mais ou menos o triplo da área
da região metropolitana de São Paulo, onde vivem quase 22 milhões de pessoas em
39 cidades. É maior que o estado de Sergipe inteiro.
Algumas pessoas se comovem com a
imagem horrível dos pobres bichos mortos ou fugindo do fogo queimados e
asfixiados, pedindo água nas estradas e nas ruas das cidades à beira do
inferno. Sabe-se lá quantas poucas se preocupam com o tamanho do desastre
ambiental, da calamidade irreversível que pode ter havido.
No mais, parece que o sentimento
nacional de emergência definha quanto mais cresce nossa tolerância com a morte
e a destruição. Sempre grande, a indiferença parece maior nos tempos de Jair
Bolsonaro.
Ainda morrem 800 pessoas por dia de Covid-19. É como se todos os dias morressem
todas as crianças de uma escola das grandes aqui de São Paulo. Talvez imaginar
todos os pequenos cadáveres estendidos no pátio ajudasse a suscitar alguma comiseração.
Mas talvez na verdade argumentem que três de cada quatro mortos são velhos,
gente de mais de 60 anos, “e daí?”, como se faz numa dessas trocas quaisquer de
insultos sórdidos e burrice feroz das redes insociáveis.
A indiferença pela epidemia é crescente,
notam jornalistas e especialistas que medem a atenção da audiência, do público.
Os abatidos pela Covid-19 mais e mais fazem parte da natureza mortal do Brasil,
das dezenas de milhares de assassinados ou mortos no trânsito, para as quais
quase ninguém liga. No Natal deste ano horrível de 2020 os mortos pelo vírus
talvez sejam 200 mil.
Como se sabe com muito asco, o governo
federal jamais juntou uma comissão dos melhores cientistas ou pensadores e
administradores de calamidades a fim de conter o espalhamento da morte pelo
coronavírus. Ao contrário, escorraçou toda a gente estudiosa, a razão e a
humanidade. Transformou o Ministério da Saúde em um almoxarifado militar. Por
que haveria de se ocupar da emergência do Pantanal?
A destruição do Pantanal, da Amazônia
e do que resta do cerrado é parte do programa da coalizão governista, que
juntou também grileiros, mineradores e madeireiros ilegais e o pior do
agronegócio. Tudo isso é óbvio. Mais importante para quem pretende se ocupar da
próxima destruição ou evita-la é o método Bolsonaro de ser irresponsável. Isto
é, de não assumir suas responsabilidades, da capacidade de se colocar em um
universo à parte, em uma bolha de culto à personalidade desvairado e odiento.
Bolsonaro se exime de
responsabilidades na epidemia, nas queimadas, no fracasso do Renda Brasil, na
indiferença inepta em relação à carestia da comida, às filas do INSS o que
seja. Com sucesso, convence boa parte da população, uns dois terços, de que foi
eleito para outras tarefas, como mentir, fazer propaganda de moralismo
farisaico (logo ele, que faz piadas sujas com meninas de dez anos), eliminar
ONGs, esquerdistas, “militâncias”, armar a população e evitar que seus filhos
e, um dia, ele mesmo acabem na cadeia.
A medida de governo mais importante de
seu mandato e que evitou uma convulsão social, o auxílio emergencial, foi
tomada pelo Congresso. Nem mesmo estelionatos eleitorais evidentes colam, como
ter escorraçado o lava-jatismo e feito pacto com a “velha política” do centrão
(isto é, reencontrou-se consigo mesmo, apenas).
Bolsonaro por enquanto conseguiu se
transformar em uma entidade do sobrenatural da política. Não é cobrado pelo seu
desgoverno e se descola da destruição, as que promove ou tolera.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/vinicius-torres-freire-morte-e.html
Nelson Rodrigues
e o “Sobrenatural de Almeida” (Portal Entretextos)
16/08/2012
11.07.2012
Miguel Carqueija
Um mestre do “mainstream” também
entrou em terreno fantástico.
Nelson Rodrigues, de quem se comemora
o centenário em 2012, não foi apenas um dramaturgo e contista, mas também
produziu crônica esportiva. Por muito tempo manteve uma coluna no jornal
carioca “O Globo” — e naquele tempo este diário, hoje decadente, possuia bons
colunistas — que mudava de nome, mas o seu titulo principal era “À sombra das
chuteiras imortais” (outros títulos usados foram “A batalha” e “Os bandeirinhas
também são anjos”).
Nelson tinha um estilo sui-generis e, a rigor, reconhecível facilmente, mesmo
se ele não assinasse. Fluminense doente, era descaradamente parcial nas suas
crônicas. E eu, que torcia pelo Fluminense, as lia comprazer.
Detalhe interessante é que Nelson, na maior cara-de-pau, gostava de
“profetizar” a vitória do Flu no então campeonato carioca. O futebol, naquele
tempo, era muito regional. E, claro, a profecia dava certo quando o clube
ganhava o campeonato.
Certo ano, durante o que parecia ser uma maré de azar, Nelson escreveu que o
sobrenatural estava perseguindo o Fluminense. Dias depois o cronista publicou
uma “carta” que teria recebido, e que diria mais ou menos assim: “No dia tal o
senhor disse que o sobrenatural está perseguindo o Fluminense. Ora, o
Sobrenatural sou eu, e garanto que isso não é verdade etc.” O “personagem”
encerrava a missiva garantindo que no próximo jogo o tricolor ganharia, e
assinava: “Sobrenatural de Almeida”.
Veio o domingo e o Fluminense perdeu. Revoltado, Nelson acusou o Sobrenatural
de Almeida de haver mentido descaradamente. Aí começava a guerra da torcida do
Fluminense, chefiada por Nelson Rodrigues, contra o sinistro Sobrenatural de
Almeida.
Pode parecer estranho hoje em dia, para quem não conheceu o carisma do cronista
e dramaturgo falecido em 1980, mas o caso é que o Sobrenatural de Almeida foi,
durante algum tempo, verdadeira coqueluche na cidade. Os repórteres esportivos
falavam nele. Certo jogo foi acompanhado de forte ventania, que chegou a desviar
a bola que ia para o gol. “É o Sobrenatural de Almeida!”, gritou o locutor da
rádio.
Veio um novo jogo e o Fluminense venceu. Nelson comemorou a vitória contra o
inimigo, que teria se retirado melancolicamente do Maracanã. Depois, porém, por
motivos que hoje me escapam, o campeonato foi suspenso por algum tempo. Nelson
Rodrigues então “recebeu” um telefonema do Sobrenatural de Almeida, assumindo
ser o responsável pela interrupção do campeonato.
Com o tempo o colunista foi dando maiores informações sobre a misteriosa
figura, que nas caricaturas aparecia com uma roupa preta, tão “assustador” como
o Zé do Caixão. Segundo Nelson, o Sobrenatural tivera os seus tempos de glória
mas agora, coitado, morava em Irajá e viajava nos trens da Central. Por isso
até chegava atrasado ao Maracanã, e só então começava a interferir.
Essa febre do Sobrenatural de Almeida durou semanas, meses, mas acabou
saturando e o Nelson terminou parando de falar nele. Mas, de certa forma, foi
uma contribuição do jornalista para a nossa literatura fantástica.
https://umaincertaantropologia.org/2012/08/16/nelson-rodrigues-e-o-sobrenatural-de-almeida-portal-entretextos/
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