quinta-feira, 17 de setembro de 2020

 

Sobrenatural da Matta

Segundo Nelson, o Sobrenatural tivera os seus tempos de glória mas agora, coitado, morava em Irajá e viajava nos trens da Central. Por isso até chegava atrasado ao Maracanã, e só então começava a interferir.

...uma entidade do sobrenatural da política...



quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Vinicius Torres Freire - Morte e destruição não afetam Bolsonaro

 

 

- Folha de S. Paulo

Presidente se descola de epidemia, queimada, fracasso de renda básica, carestia de comida

 

Pantanal que queimou até agora é do tamanho de metade do estado do Rio de Janeiro. É mais ou menos o triplo da área da região metropolitana de São Paulo, onde vivem quase 22 milhões de pessoas em 39 cidades. É maior que o estado de Sergipe inteiro.

Algumas pessoas se comovem com a imagem horrível dos pobres bichos mortos ou fugindo do fogo queimados e asfixiados, pedindo água nas estradas e nas ruas das cidades à beira do inferno. Sabe-se lá quantas poucas se preocupam com o tamanho do desastre ambiental, da calamidade irreversível que pode ter havido.

No mais, parece que o sentimento nacional de emergência definha quanto mais cresce nossa tolerância com a morte e a destruição. Sempre grande, a indiferença parece maior nos tempos de Jair Bolsonaro.

Ainda morrem 800 pessoas por dia de Covid-19. É como se todos os dias morressem todas as crianças de uma escola das grandes aqui de São Paulo. Talvez imaginar todos os pequenos cadáveres estendidos no pátio ajudasse a suscitar alguma comiseração. Mas talvez na verdade argumentem que três de cada quatro mortos são velhos, gente de mais de 60 anos, “e daí?”, como se faz numa dessas trocas quaisquer de insultos sórdidos e burrice feroz das redes insociáveis.

A indiferença pela epidemia é crescente, notam jornalistas e especialistas que medem a atenção da audiência, do público. Os abatidos pela Covid-19 mais e mais fazem parte da natureza mortal do Brasil, das dezenas de milhares de assassinados ou mortos no trânsito, para as quais quase ninguém liga. No Natal deste ano horrível de 2020 os mortos pelo vírus talvez sejam 200 mil.

Como se sabe com muito asco, o governo federal jamais juntou uma comissão dos melhores cientistas ou pensadores e administradores de calamidades a fim de conter o espalhamento da morte pelo coronavírus. Ao contrário, escorraçou toda a gente estudiosa, a razão e a humanidade. Transformou o Ministério da Saúde em um almoxarifado militar. Por que haveria de se ocupar da emergência do Pantanal?

A destruição do Pantanal, da Amazônia e do que resta do cerrado é parte do programa da coalizão governista, que juntou também grileiros, mineradores e madeireiros ilegais e o pior do agronegócio. Tudo isso é óbvio. Mais importante para quem pretende se ocupar da próxima destruição ou evita-la é o método Bolsonaro de ser irresponsável. Isto é, de não assumir suas responsabilidades, da capacidade de se colocar em um universo à parte, em uma bolha de culto à personalidade desvairado e odiento.

Bolsonaro se exime de responsabilidades na epidemia, nas queimadas, no fracasso do Renda Brasil, na indiferença inepta em relação à carestia da comida, às filas do INSS o que seja. Com sucesso, convence boa parte da população, uns dois terços, de que foi eleito para outras tarefas, como mentir, fazer propaganda de moralismo farisaico (logo ele, que faz piadas sujas com meninas de dez anos), eliminar ONGs, esquerdistas, “militâncias”, armar a população e evitar que seus filhos e, um dia, ele mesmo acabem na cadeia.

A medida de governo mais importante de seu mandato e que evitou uma convulsão social, o auxílio emergencial, foi tomada pelo Congresso. Nem mesmo estelionatos eleitorais evidentes colam, como ter escorraçado o lava-jatismo e feito pacto com a “velha política” do centrão (isto é, reencontrou-se consigo mesmo, apenas).

Bolsonaro por enquanto conseguiu se transformar em uma entidade do sobrenatural da política. Não é cobrado pelo seu desgoverno e se descola da destruição, as que promove ou tolera.

https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/vinicius-torres-freire-morte-e.html

 

Nelson Rodrigues e o “Sobrenatural de Almeida” (Portal Entretextos)

16/08/2012

 

11.07.2012

Miguel Carqueija

Um mestre do “mainstream” também entrou em terreno fantástico.

Nelson Rodrigues, de quem se comemora o centenário em 2012, não foi apenas um dramaturgo e contista, mas também produziu crônica esportiva. Por muito tempo manteve uma coluna no jornal carioca “O Globo” — e naquele tempo este diário, hoje decadente, possuia bons colunistas — que mudava de nome, mas o seu titulo principal era “À sombra das chuteiras imortais” (outros títulos usados foram “A batalha” e “Os bandeirinhas também são anjos”).
Nelson tinha um estilo sui-generis e, a rigor, reconhecível facilmente, mesmo se ele não assinasse. Fluminense doente, era descaradamente parcial nas suas crônicas. E eu, que torcia pelo Fluminense, as lia comprazer.
Detalhe interessante é que Nelson, na maior cara-de-pau, gostava de “profetizar” a vitória do Flu no então campeonato carioca. O futebol, naquele tempo, era muito regional. E, claro, a profecia dava certo quando o clube ganhava o campeonato.
Certo ano, durante o que parecia ser uma maré de azar, Nelson escreveu que o sobrenatural estava perseguindo o Fluminense. Dias depois o cronista publicou uma “carta” que teria recebido, e que diria mais ou menos assim: “No dia tal o senhor disse que o sobrenatural está perseguindo o Fluminense. Ora, o Sobrenatural sou eu, e garanto que isso não é verdade etc.” O “personagem” encerrava a missiva garantindo que no próximo jogo o tricolor ganharia, e assinava: “Sobrenatural de Almeida”.
Veio o domingo e o Fluminense perdeu. Revoltado, Nelson acusou o Sobrenatural de Almeida de haver mentido descaradamente. Aí começava a guerra da torcida do Fluminense, chefiada por Nelson Rodrigues, contra o sinistro Sobrenatural de Almeida.
Pode parecer estranho hoje em dia, para quem não conheceu o carisma do cronista e dramaturgo falecido em 1980, mas o caso é que o Sobrenatural de Almeida foi, durante algum tempo, verdadeira coqueluche na cidade. Os repórteres esportivos falavam nele. Certo jogo foi acompanhado de forte ventania, que chegou a desviar a bola que ia para o gol. “É o Sobrenatural de Almeida!”, gritou o locutor da rádio.
Veio um novo jogo e o Fluminense venceu. Nelson comemorou a vitória contra o inimigo, que teria se retirado melancolicamente do Maracanã. Depois, porém, por motivos que hoje me escapam, o campeonato foi suspenso por algum tempo. Nelson Rodrigues então “recebeu” um telefonema do Sobrenatural de Almeida, assumindo ser o responsável pela interrupção do campeonato.
Com o tempo o colunista foi dando maiores informações sobre a misteriosa figura, que nas caricaturas aparecia com uma roupa preta, tão “assustador” como o Zé do Caixão. Segundo Nelson, o Sobrenatural tivera os seus tempos de glória mas agora, coitado, morava em Irajá e viajava nos trens da Central. Por isso até chegava atrasado ao Maracanã, e só então começava a interferir.
Essa febre do Sobrenatural de Almeida durou semanas, meses, mas acabou saturando e o Nelson terminou parando de falar nele. Mas, de certa forma, foi uma contribuição do jornalista para a nossa literatura fantástica.

https://umaincertaantropologia.org/2012/08/16/nelson-rodrigues-e-o-sobrenatural-de-almeida-portal-entretextos/

Nenhum comentário:

Postar um comentário