Foto: Caio Guatelli/VEJA
Em artigo publicado no Estadão, Fernando Henrique Cardoso
reconheceu que a reeleição, dispositivo criado em 1997 para beneficiar o então
presidente, foi “historicamente” um erro.
“Cabe aqui um ‘mea culpa’. Permiti, e por fim aceitei, o
instituto da reeleição. Verdade que, ainda no primeiro mandato, fiz um discurso
no Itamaraty anunciando que ‘as trevas’ se aproximavam: pediríamos socorro ao
Fundo Monetário Internacional (FMI). Não é desculpa. Sabia, e continuo pensando
assim, que um mandato de quatro anos é pouco para ‘fazer algo’. Tinha em mente
o que acontece nos Estados Unidos. Visto de hoje, entretanto, imaginar que os
presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade (…).
Devo reconhecer que historicamente foi um erro: se quatro anos
são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto
ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitário’, seria preferível termos um
mandato de cinco anos e ponto final.”
O Antagonista
Observando
06/09/2020 às 08:50
“Nem na ditadura militar tinha
"reeleicao", cada general era 4 anos e acabava, entrava outro
general. Ai os civis democraticos, entre eles FHC, queriam 8 anos. A
oposicao(PT) foi contra, mas quando chegou ao poder, nao acabou com a boquinha.
Bolsonaro na campanha era contra a reeleicao, mas ai……..”
https://www.blogdobg.com.br/
domingo, 6 de setembro de 2020
Fernando Henrique Cardoso*
- Reeleição e crises
- O Globo / O Estado de S. Paulo
É ingenuidade imaginar que os presidentes não
farão o impossível para se reelegerem
Recordo-me da visita que André Malraux, na ocasião ministro da
Cultura de De Gaulle, fez ao Brasil. Esteve na USP, na Rua Maria Antônia, onde
funcionava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e expôs no “grande
auditório” (que comportava não mais que umas cem pessoas) sua visão de
Brasília, obra de Juscelino Kubitschek. Malraux estava extasiado, comparava o
plano diretor da cidade não a um pássaro (coisa habitual na época), mas a uma
cruz. Com sua verve inigualável, dizia em francês o que não estávamos
acostumados a ouvir em português: fazia o elogio da obra.
Esse não era, contudo, o sentimento predominante, pois víamos
Brasília mais como desperdício, que induzia à inflação, do que como um “sonho”,
um símbolo.
A visão dominante era negativa, principalmente no Rio de
Janeiro (que perderia a condição de capital da República), em São Paulo e daqui
para o sul. O gasto era grande e os recursos, minguados.
Eu compartilhava esse sentimento negativo, e olha que um de
meus bisavôs fizera parte, no Império, da “missão Cruls”, que demarcara o
território da futura capital do Brasil... Brasília foi construída onde desde
aquela época se previa fazer a capital do País.
Não é que Malraux tinha razão? Não que a obra deixasse de ser
custosa ou mesmo impulsionadora da inflação. Mas um país também se constrói com
projetos, sonhos e, quem sabe, alguns devaneios...
Juscelino fez muitas coisas, algumas más, mas não é por elas
que é lembrado. Brasília, sim, ficou como sua marca.
Não o conheci. Vi-o pessoalmente uma vez, sentado, solitário,
num banco no aeroporto de “sua” cidade. Aproximei-me e o saudei; pouca
conversa, mas muita admiração. Ele já havia sido “cassado”. Passa o tempo e
fica na memória das pessoas sua “obra”, Brasília.
Não estou recomendando que Bolsonaro faça algo semelhante. Não
sou ingênuo para pretender que minhas palavras cheguem ao presidente e, se
chegarem, sejam ouvidas... Como estive no Planalto, às vezes me ponho no lugar
de quem ocupa aquela cadeira espinhosa: é normal a obsessão por fazer algo,
para o povo e para o País. Como o presidente será julgado são outros
quinhentos. Maquiavel já notava que os chefes de Estado (os grandes homens...
na linguagem dele) dependem não só de astúcia, mas da fortuna (da sorte).
O governo atual não teve sorte. São de desanimar os fatores
contrários: a pandemia, logo depois de uma crise econômica que vem de antes,
com o produto interno bruto (PIB) crescendo pouco (se é que...), e uma “base
política” que depende, como sempre, mais do “dá lá toma cá” do que da adesão
popular a algo grandioso. Ganhou e levou; mas mais pelo negativo (o não ao PT e
aos desatinos financeiros praticados) do que pelo sim a uma agenda positiva.
Agora se tem a sensação (pelo menos, eu tenho) de que o
presidente não está bem acomodado na cadeira que ganhou. É difícil mesmo. De
economia sabe pouco; fez o devido: transferiu as decisões para um “posto
Ipiranga”. Este trombou com a crise, pela qual não é responsável. Não importa,
vai pagar o preço: tudo o que era seu sonho, cortar gastos, por exemplo, vira
pesadelo, terá de autorizá-los. E pior: como é economista, sabe que a dívida
interna cresce depressa, e sem existir mais a alternativa da inflação, que
tornava aparentemente possível fazer o que os presidentes querem – atender a
todos ou à maioria e ganhar a reeleição. Só resta o falatório vazio. Este cansa
e é ineficaz num Congresso que, no geral, também quer gastar e igualmente pensa
nas eleições.
Cabe aqui um “mea culpa”. Permiti, e por fim aceitei, o
instituto da reeleição. Verdade que, ainda no primeiro mandato, fiz um discurso
no Itamaraty anunciando que “as trevas” se aproximavam: pediríamos socorro ao
Fundo Monetário Internacional (FMI). Não é desculpa. Sabia, e continuo pensando
assim, que um mandato de quatro anos é pouco para “fazer algo”. Tinha em mente
o que acontece nos Estados Unidos. Visto de hoje, entretanto, imaginar que os
presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade.
Eu procurei me conter. Apesar disso, fui acusado de “haver
comprado” votos favoráveis à tese da reeleição no Congresso. De pouco vale
desmentir e dizer que a maioria da população e do Congresso era favorável à
minha reeleição: temiam a vitória... do Lula. Devo reconhecer que
historicamente foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser
muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo
“plebiscitário”, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto
final.
Caso contrário, volto ao tema, o ministro da Economia, por
mais que queira ser racional, terá de fazer a vontade do presidente. Não há o
que a faça parar, muito menos um ajuste fiscal, por mais necessário que seja. E
tudo o que o presidente fizer será visto pelas mídias, como é natural, como
atos preparatórios da reeleição. Sejam ou não.
Acabar com o instituto da reeleição e, quem sabe, propor uma
forma mais “distritalizada” de voto são mudanças a serem feitas. Esperemos...
*Sociólogo, foi presidente da República
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/fernando-henrique-cardoso-reeleicao-e.html
Josias de Souza | FHC faz mea culpa: reeleição
'foi um erro'
setembro 06, 2020 44
O problema das autocríticas é que elas quase sempre chegam
tarde. O instituto da reeleição foi enfiado dentro da Constituição em 1997 para
beneficiar o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que se reelegeria na
sucessão presidencial de 1998. Decorridos 23 anos, FHC decidiu fazer um
"mea culpa".
Em artigo intitulado "Reeleição e crises", publicado
neste domingo no Estadão e no Globo, o ex-presidente tucano escreveu:
"Devo reconhecer que historicamente foi um erro."
"Permiti, e por fim aceitei, o instituto da
reeleição", anotou FHC, antes de contextualizar a posição que adotou na
época: "Sabia, e continuo pensando assim, que um mandato de quatro anos é
pouco para 'fazer algo'. Tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos.
Visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível
para ganhar a reeleição é ingenuidade."
Num instante em que as pesquisas apresentam como principal
carta do baralho de 2022, FHC disse que prefere engordar o mandato em um ano,
sem a possibilidade de recondução: "Se quatro anos são insuficientes e
seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê
um voto de tipo 'plebiscitário', seria preferível termos um mandato de cinco
anos e ponto final."
No trecho em que mencionou Bolsonaro, FHC disse ter "a
sensação de que o presidente não está bem acomodado na cadeira que
ganhou." A despeito disso, insinuou que o capitão namora a ideia de fazer
"o impossível" para obter um segundo mandato. Previu dias ruins
para Paulo Guedes. Sustentou que o ministro da Economia terá de se ajustar
ao projeto reeleitoral do chefe.
Eis o que escreveu FHC sobre a sina de Guedes:
"...Trombou com a crise, pela qual não é responsável. Não importa, vai
pagar o preço: tudo o que era seu sonho, cortar gastos, por exemplo, vira
pesadelo, terá de autorizá-los. E pior: como é economista, sabe que a dívida
interna cresce depressa, e sem existir mais a alternativa da inflação, que
tornava aparentemente possível fazer o que os presidentes querem - atender a
todos ou à maioria e ganhar a reeleição. Só resta o falatório vazio. Este cansa
e é ineficaz num Congresso que, no geral, também quer gastar e igualmente pensa
nas eleições."
A reeleição é um tema espinhoso para FHC. "Fui acusado de
'haver comprado' votos favoráveis à tese da reeleição no Congresso",
recordou o ex-presidente a certa altura. A acusação de compra de votos está
grudada na biografia do grão-tucano como as escamas no peixe.
FHC referiu-se ao escândalo com o conformismo de quem já jogou
a toalha: "De pouco vale desmentir e dizer que a maioria da população e do
Congresso era favorável à minha reeleição: temiam a vitória... do Lula."
Realmente, a tentativa de desmentido vale pouco quando confrontada com as
evidências.
A reeleição foi aprovada no Congresso sob atmosfera vadia.
Soavam ao fundo as vozes de deputados pilhados numa fita. Eles mencionavam uma
certa "cota federal" providenciada pelo "Serjão." Obtida
pelo repórter Fernando Rodrigues, a fita foi publicada pela Folha. Vale a pena
rememorar alguns trechos.
"Pelo que eu sei bem, é o seguinte: eram os 200 do
Serjão, via Amazonino, que era a cota federal, aí do acordo...", escuta-se
num trecho da gravação. "Ele falou, pra todo mundo, aí, meio mundo, aí. Eu
falei com o Luís Eduardo. O Luís Eduardo marcou uma audiência com o Serjão.
Daí, o Serjão marcou com o Amazonino."
Serjão, já morto, era Sérgio Roberto Vieira da Motta.
Espaçoso, cresceu muito para as laterais. Daí o apelido. O aumentativo não
embutia nenhum exagero. Exceto pela voz, fina como a do ex-lutador Anderson
Silva, tudo em Serjão parecia exagerado. A começar por seu apetite.
Afora a natural apetência por alimentos, Serjão tinha outro
tipo de fome. Ele tinha fome de poder. Era fácil irritá-lo. Bastava chamá-lo de
"tesoureiro". Conhecera FHC em 1975, no jornal 'Movimento'. Em 1978,
já atuava como coordenador de sua campanha ao Senado. Tornaram-se amigos
íntimos.
No governo FHC, Serjão foi ministro das Comunicações. Onde
houvesse uma fresta vazia, lá estava ele para ocupá-la. Faltava oposição ao
governo? Serjão tachava o Comunidade Solidária, programa da primeira dama Ruth
Cardoso, de ''masturbação sociológica''. Faltava coordenação política ao
Planalto? Serjão abraçava, ele próprio, o papel de mercador da reeleição.
Gestos fartos, Serjão guiava-se pela emoção. O poder era seu
brinquedo. O lume do holofote, sua vitamina. O subsolo, seu ambiente predileto.
Serjão era, antes de ministro, uma combinação de empresário e tocador de
campanhas políticas, não necessariamente nessa ordem.
FHC estava tão obcecado pela tese da reeleição que permitiu
que a empreitada ficasse com a cara do Serjão -um trator de carne e osso, um
personagem pouco afeito a pedidos de licença. O desmentido de hoje contrasta
com tudo o que desceu ao verbete da enciclopédia: as fitas, a "cota
federal", as menções ao amigão do presidente.
Na época, uma oposição claudicante tentou instalar uma CPI da
Reeleição. FHC dizia: "Não podemos transformar o Congresso em
polícia." Quando o passado volta para assombrá-lo, algo que só acontece de
raro em raro, FHC costuma dizer que houve, sim, uma investigação. Onde? Na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Em tempos de Lava Jato, parece
piada.
Dois deputados do Acre cujas vozes soaram na fita da
"cota federal" foram cassados. Outros três renunciaram aos
respectivos mandatos. No artigo em que trata a reeleição como "um
erro", FHC deveria ter anotado o pedaço da missa recitada pelos católicos
para reconhecer, num ritual secular, seus erros perante Deus.
Em latim: "Confiteor Deo omnipotenti, beatae Mariae
semper Virgini, beato Michaeli Archangelo, beato Joanni Baptistae, sanctis
Apostolis Petro et Paulo, omnibus Sanctis, et tibi pater: quia peccavi nimis
cogitatione verbo, et opere: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa."
Em português: "Eu pecador me confesso a Deus
Todo-Poderoso, bem-aventurada sempre Virgem Maria, ao bem-aventurado Miguel
Arcanjo, ao bem-aventurado São João Batista, aos santos apóstolos São Pedro e
São Paulo, a todos os Santos e a vós, Padre, porque pequei muitas vezes, por
pensamentos, palavras e obras, por minha culpa, minha culpa, minha máxima
culpa."
http://www.24brasil.com/geral/josias-de-souza-fhc-faz-mea-culpa-reeleicao-foi-um-erro/1099947-noticias
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