A INSUSTENTÁVEL
LEVEZA DO SER
Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa
vida, e mais real e verdadeira ela é.
sábado,
26 de setembro de 2020
Marco Aurélio Nogueira* - Sangrar sem esmorecer
- O Estado de S. Paulo
Resistir significa antes de tudo não perder a trincheira do
diálogo... Para unir as forças
Estamos
carentes de uma explicação abrangente da sociedade atual.
Para
desafios complexos uma teoria da complexidade é indispensável. Precisamos
infletir sobre o todo, abraçá-lo. Mas os paradigmas vigentes são a
hiperespecialização, de um lado, e o fanatismo negacionista, de outro. Ambas as
vertentes desarmam o pensamento crítico, levando a que se vejam paisagens na
neblina, pedaços imprecisos do real.
Parte
importante da dificuldade se deve a estarmos numa megatransição, saindo da vida
apoiada em instituições estáveis e em rotinas disciplinares bem estabelecidas –
na família, na escola, no trabalho – para uma a vida mais líquida, veloz,
instável, sobrecarregada de riscos e incertezas, na qual “tudo o que é sólido
se dissolve no ar” em questão de dias.
Achar
que éramos felizes antes é uma nostalgia paralisante. Não viveremos mais como
nossos pais, se é que algum dia vivemos. Continuaremos a repetir alguns de seus
hábitos e atitudes, a ser influenciados por sua convivência e por sua memória,
mas o futuro seguirá outros caminhos.
A
megatransição subverte o modo como trabalhamos e vivemos, como nos
relacionamos, nos organizamos e fazemos política, como pensamos e estudamos.
Inutiliza os mapas antigos, os discursos codificados, as práticas
cristalizadas. Mas no dia a dia tendemos a buscar refúgio naquilo que
conhecemos e terminamos por não saber em que terreno pisamos. Fugimos da
realidade que não compreendemos. O negacionismo é parte disso, impulsionado
pela ignorância anticientífica.
Explicações
simplistas, “analógicas”, orientadas por doutrinas congeladas, colidem com a
complexidade do real, mas nem por isso são abandonadas. Funcionam como fotos em
preto e branco num ambiente multicolorido.
As
dificuldades inerentes a essa transição – adaptação, insegurança, assimilação –
combinam-se com crises desastrosas, que se interpenetram e ampliam a crise do
modo de produção capitalista. A pandemia explicitou uma crise sanitária de
vastas proporções. Há a crise do emprego e do trabalho, que desestrutura, desprotege
e rouba identidades, embaralhando sindicatos e movimentos associativos. A crise
climática e ambiental está aí, desafiadora. Há a crise da democracia
representativa e dos partidos políticos, que também é uma crise da política. Há
uma crise de paradigmas, que nos tira o foco da totalização e nos deixa com
mais dificuldades de pensar, de escolher, de explicar o mundo.
No
Brasil, o passado lateja forte. O País modernizou-se, mas não o suficiente para
se soltar das estruturas tradicionais. Perdemos uma oportunidade durante o
ciclo de ouro da social-democracia à brasileira, entre 1995 e 2010. “Passado”,
aqui, é uma metáfora com múltiplos significados: a desigualdade, a miséria, a
falta de saneamento, o desmatamento selvagem, o sistema escolar ruim, a economia
de baixa produtividade, o racismo estrutural, o autoritarismo mal disfarçado, o
Estado pouco eficiente, a escassez de estadistas e lideranças democráticas.
Tudo isso sustenta o reacionarismo prevalecente.
Temos
um governo que fracassa em termos de gestão, mas se apresenta como um porto
seguro retórico que ilude e bloqueia o entendimento da realidade. Nega todas as
crises, que, se não são por ele provocadas, têm nele um fator de propulsão. Seu
plano é criar confusão permanente, dentro e fora do País, intoxicando a
população com palavras de ordem grotescamente nacionalistas e assustando
investidores.
Desgasta-se,
assim, o que há de cultura democrática nos brasileiros, que são desestimulados
de participar civicamente da vida coletiva. Uma imagem de País vai pelo ralo.
Viver
em redes tem significado viver com mais dispersão e menos diálogo. A
sociabilidade digital não conseguiu, até agora, expandir as interações
democráticas. Desloca as pessoas para guetos autossuficientes, em que vicejam
superficialidades, boatos e mentiras, em que cada um fixa sua bandeira à espera
de aplausos. Os manipuladores deitam e rolam. Perde-se a motivação para
dialogar com os diferentes. A política sangra. Viramos prisioneiros da nossa
própria individualidade.
Será
preciso um enorme esforço para reerguer o movimento liberal-social-democrático.
Protagonizamos
uma incompletude: nossa democratização não se estabeleceu de fato, não se
concluiu, por mais que tenhamos avançado. A sociedade não a digeriu, não a
incorporou ao seu DNA. Jamais nos desgarramos das bases do retrocesso. A
“Constituição cidadã”, uma conquista democrática, não chegou a ser propriamente
assimilada pelos diversos interesses.
Não
é só o governo retrógrado que perturba, nem somente o capitalismo, o desemprego
e a desigualdade. Disputas estéreis dividem os democratas. Há muitos problemas
em termos de valores, ideias e atitudes. Estamos sem perspectiva.
Lutar
contra essa crise passa por dar murros em pontas de faca. Sangrar sem
esmorecer. Resistir, hoje, significa antes de tudo não perder a trincheira do
diálogo, da argumentação serena e generosa. Para reunir as forças.
*Professor titular de teoria política da Unesp
UMA CONVERSA ENTRE KUNDERA E HUXLEY SOBRE
FELICIDADE
PUBLICADO EM LITERATURA POR BRENDA
BELLANI
O que os livros "A insustentável leveza do
ser" e "Admirável mundo novo" concordam sobre a definição de
felicidade.
“A felicidade nunca é grandiosa.”
(Aldous Huxley)
Milan Kundera:
“O drama de uma vida sempre pode ser explicado pela metáfora
do peso. Dizemos que temos um fardo nos ombros. Carregamos esse fardo, que
suportamos ou não, lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente
aconteceu com Sabina? Nada. Deixara um homem porque quisera deixá-lo. Ele a
perseguira depois disso? Quisera se vingar? Não. Seu drama não era o drama do
peso, mas da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a
insustentável leveza do ser.“
Aldous Huxley:
“A felicidade real parece bastante sórdida em comparação com
as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de
longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de estar satisfeito nada
tem de fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada pitoresco de um
combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob golpes da paixão ou da
dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.“
No link:
http://obviousmag.org/muchness/2015/07/uma-conversa-entre-kundera-e-huxley-sobre-felicidade.html
domingo, 27 de setembro de 2020
Luiz Carlos Azedo - Todos
os homens de Bolsonaro
- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente só pensa na reeleição, que parece ao
alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se controlar o
Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022?
Para quem leu Todos os Homens do Kremlin (Editora Vestígio),
de Mikhail Zygar, ex-editor-chefe da única emissora de TV independente da
Rússia, a TV Rain (Dozhd), o paralelo com o presidente Jair Bolsonaro e sua
atuação no poder é inevitável, resguardadas, é óbvio, as diferenças de contexto
histórico e nacional. Como Vladimir Putin, Bolsonaro tornou-se presidente
porque soube aproveitar a oportunidade, bafejado pela sorte. Diferentemente do
presidente russo, porém, não era um candidato do sistema: o homem certo na hora
certa para o então presidente Boris Yeltsin, o político carismático, beberrão e
imprevisível, que implodiu a antiga União Soviética, destronando Mikhail
Gorbatchev, e liderou a transição selvagem para o capitalismo na Federação
Russa. Bolsonaro foi um candidato antisistema, que surfou o tsunami eleitoral
de 2018, na onda de insatisfação popular com os políticos gerada pela Operação
Lava-Jato.
As semelhanças são maiores quando levamos em conta que Putin
não tinha uma estratégia de poder –– foi administrando as circunstâncias para
mantê-lo. Ex-chefe da FSB, usou a força do Estado para afastar aliados
indesejáveis, proteger os amigos de São Petersburgo e da antiga KGB, seduzir os
militares e liquidar os adversários. Os instrumentos de coerção do Estado –– os
serviços de inteligência, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário ––
foram fundamentais para a consolidação de sua longa permanência no poder,
depenando oligarcas que se apoderaram das estatais russas, favorecendo os
empresários amigos e eliminando possíveis concorrentes eleitorais. Putin
acreditou que seria bem recebido pelos líderes das grandes potências
ocidentais, mas logo se viu frustrado por Angela Merkel, a primeira-ministra
alemã; Nicolas Sarkozy, o presidente francês; e, principalmente, Barack Obama,
o presidente negro dos Estados Unidos.
Arreganhou os dentes quando chegou à conclusão de que todos
queriam enfraquecer a Federação Russa e afastá-la das antigas repúblicas
soviéticas. E de que o menosprezavam, tratando-o como um personagem menor na
cena internacional. Esse sentimento de rejeição somente aumentou ao longo dos
anos, mas teve como resposta o endurecimento da política externa russa em
relação às ex-repúblicas soviéticas da Geórgia e da Ucrânia, e ao Oriente
Médio. A decisão estratégica de manter o ditador da Síria, Bashar al-Assad, no
poder a qualquer preço, e assim preservar sua base naval no Mediterrâneo, foi
uma demonstração de força. Da mesma forma, a divisão da Ucrânia, com a anexação
da Criméia como uma república autônoma da Federação Russa, com o propósito de
manter a grande base naval da frota do Mar Negro. Por último, o apoio econômico
e militar a Nicolás Maduro, na Venezuela.
No terceiro mandato de presidente, a relação de Putin com o
ex-presidente liberal Dmitri Medvedev, com quem também se revezou no cargo de
primeiro-ministro, hoje é de estranhamento. Na verdade, sempre foi tensa, como
a de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão, um general de quatro
estrelas. Putin afastou todos os aliados com política própria ou a lhe fazer
sombra. Bolsonaro fez a mesma coisa. Começou com o general Santos Cruz,
ministro da Secretaria de Governo, hoje ocupada pelo general Luiz Ramos,
principal articulador político do governo, e o advogado Gustavo Bebiano,
secretário-geral da Presidência, já falecido, defenestrado para dar lugar a um
ex-assessor parlamentar de inteira confiança, Jorge Oliveira. O ex-deputado
Onyx Lorenzoni foi deslocado da Casa Civil para o Ministério da Cidadania, para
dar lugar ao general Braga Netto. Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da
Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no auge do prestígio, também foram
defenestrados, sendo substituídos pelo advogado da União André Mendonça e outro
general, Eduardo Pazuello, respectivamente, dois bem-mandados.
Deputado ligado ao baixo clero durante toda a sua trajetória,
para neutralizar qualquer tentativa de impeachment, Bolsonaro montou uma base
parlamentar com os partidos do Centrão, cujos líderes — Gilberto Kassab
(PSD-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Ciro
Nogueira (PP-PI) — apoiam qualquer governo. Trocou os desastrados deputados de
extrema direita, que defendiam o seu governo no Congresso, por raposas
moderadas do Parlamento: Ricardo Barros (PP-PR), na Câmara, Fernando Bezerra
(MDB-PE), no Senado, e Eduardo Gomes (MDB-TO), no Congresso. E está fritando o
ministro da Economia, Paulo Guedes, um economista ultraliberal, cada vez mais
isolado no governo.
Qual foi a estratégia de Putin para manter sua popularidade ao
longo de duas décadas? Domar o Parlamento, controlar o Judiciário, estreitar a
aliança com a Igreja Ortodoxa, estimular o nacionalismo russo e o
conservadorismo machista e homofóbico. Putin transformou a jovem democracia
russa numa ditadura da maioria, no qual assume um papel cada vez mais
autocrático. Mais populista do que nunca, Bolsonaro recuperou a popularidade,
apesar da pandemia, e só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O
que acontecerá com a democracia brasileira se Bolsonaro controlar o Judiciário
e passar o rodo no Congresso, em 2022, como deseja?
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, MILAN KUNDERA (#93)
No link:
https://www.youtube.com/watch?v=QMjhwZnhhfI
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