domingo, 27 de setembro de 2020

 

A INSUSTENTÁVEL

LEVEZA DO SER

 

Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é.

 

sábado, 26 de setembro de 2020

Marco Aurélio Nogueira* - Sangrar sem esmorecer

 

- O Estado de S. Paulo

Resistir significa antes de tudo não perder a trincheira do diálogo... Para unir as forças

 

Estamos carentes de uma explicação abrangente da sociedade atual.

 

 

Para desafios complexos uma teoria da complexidade é indispensável. Precisamos infletir sobre o todo, abraçá-lo. Mas os paradigmas vigentes são a hiperespecialização, de um lado, e o fanatismo negacionista, de outro. Ambas as vertentes desarmam o pensamento crítico, levando a que se vejam paisagens na neblina, pedaços imprecisos do real.

 

 

Parte importante da dificuldade se deve a estarmos numa megatransição, saindo da vida apoiada em instituições estáveis e em rotinas disciplinares bem estabelecidas – na família, na escola, no trabalho – para uma a vida mais líquida, veloz, instável, sobrecarregada de riscos e incertezas, na qual “tudo o que é sólido se dissolve no ar” em questão de dias.

 

 

Achar que éramos felizes antes é uma nostalgia paralisante. Não viveremos mais como nossos pais, se é que algum dia vivemos. Continuaremos a repetir alguns de seus hábitos e atitudes, a ser influenciados por sua convivência e por sua memória, mas o futuro seguirá outros caminhos.

 

 

A megatransição subverte o modo como trabalhamos e vivemos, como nos relacionamos, nos organizamos e fazemos política, como pensamos e estudamos. Inutiliza os mapas antigos, os discursos codificados, as práticas cristalizadas. Mas no dia a dia tendemos a buscar refúgio naquilo que conhecemos e terminamos por não saber em que terreno pisamos. Fugimos da realidade que não compreendemos. O negacionismo é parte disso, impulsionado pela ignorância anticientífica.

 

 

Explicações simplistas, “analógicas”, orientadas por doutrinas congeladas, colidem com a complexidade do real, mas nem por isso são abandonadas. Funcionam como fotos em preto e branco num ambiente multicolorido.

 

 

As dificuldades inerentes a essa transição – adaptação, insegurança, assimilação – combinam-se com crises desastrosas, que se interpenetram e ampliam a crise do modo de produção capitalista. A pandemia explicitou uma crise sanitária de vastas proporções. Há a crise do emprego e do trabalho, que desestrutura, desprotege e rouba identidades, embaralhando sindicatos e movimentos associativos. A crise climática e ambiental está aí, desafiadora. Há a crise da democracia representativa e dos partidos políticos, que também é uma crise da política. Há uma crise de paradigmas, que nos tira o foco da totalização e nos deixa com mais dificuldades de pensar, de escolher, de explicar o mundo.

 

 

No Brasil, o passado lateja forte. O País modernizou-se, mas não o suficiente para se soltar das estruturas tradicionais. Perdemos uma oportunidade durante o ciclo de ouro da social-democracia à brasileira, entre 1995 e 2010. “Passado”, aqui, é uma metáfora com múltiplos significados: a desigualdade, a miséria, a falta de saneamento, o desmatamento selvagem, o sistema escolar ruim, a economia de baixa produtividade, o racismo estrutural, o autoritarismo mal disfarçado, o Estado pouco eficiente, a escassez de estadistas e lideranças democráticas. Tudo isso sustenta o reacionarismo prevalecente.

 

 

Temos um governo que fracassa em termos de gestão, mas se apresenta como um porto seguro retórico que ilude e bloqueia o entendimento da realidade. Nega todas as crises, que, se não são por ele provocadas, têm nele um fator de propulsão. Seu plano é criar confusão permanente, dentro e fora do País, intoxicando a população com palavras de ordem grotescamente nacionalistas e assustando investidores.

 

 

Desgasta-se, assim, o que há de cultura democrática nos brasileiros, que são desestimulados de participar civicamente da vida coletiva. Uma imagem de País vai pelo ralo.

 

 

Viver em redes tem significado viver com mais dispersão e menos diálogo. A sociabilidade digital não conseguiu, até agora, expandir as interações democráticas. Desloca as pessoas para guetos autossuficientes, em que vicejam superficialidades, boatos e mentiras, em que cada um fixa sua bandeira à espera de aplausos. Os manipuladores deitam e rolam. Perde-se a motivação para dialogar com os diferentes. A política sangra. Viramos prisioneiros da nossa própria individualidade.

 

 

Será preciso um enorme esforço para reerguer o movimento liberal-social-democrático.

 

 

Protagonizamos uma incompletude: nossa democratização não se estabeleceu de fato, não se concluiu, por mais que tenhamos avançado. A sociedade não a digeriu, não a incorporou ao seu DNA. Jamais nos desgarramos das bases do retrocesso. A “Constituição cidadã”, uma conquista democrática, não chegou a ser propriamente assimilada pelos diversos interesses.

 

 

Não é só o governo retrógrado que perturba, nem somente o capitalismo, o desemprego e a desigualdade. Disputas estéreis dividem os democratas. Há muitos problemas em termos de valores, ideias e atitudes. Estamos sem perspectiva.

 

Lutar contra essa crise passa por dar murros em pontas de faca. Sangrar sem esmorecer. Resistir, hoje, significa antes de tudo não perder a trincheira do diálogo, da argumentação serena e generosa. Para reunir as forças.

 

 

*Professor titular de teoria política da Unesp

 

UMA CONVERSA ENTRE KUNDERA E HUXLEY SOBRE FELICIDADE

PUBLICADO EM LITERATURA POR BRENDA BELLANI

 

O que os livros "A insustentável leveza do ser" e "Admirável mundo novo" concordam sobre a definição de felicidade.

 

“A felicidade nunca é grandiosa.”

(Aldous Huxley)

 

Milan Kundera:

“O drama de uma vida sempre pode ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo nos ombros. Carregamos esse fardo, que suportamos ou não, lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? Nada. Deixara um homem porque quisera deixá-lo. Ele a perseguira depois disso? Quisera se vingar? Não. Seu drama não era o drama do peso, mas da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.“

 

Aldous Huxley:

“A felicidade real parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de estar satisfeito nada tem de fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.“

 

No link:

http://obviousmag.org/muchness/2015/07/uma-conversa-entre-kundera-e-huxley-sobre-felicidade.html



 

domingo, 27 de setembro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Todos os homens de Bolsonaro

 

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022?

Para quem leu Todos os Homens do Kremlin (Editora Vestígio), de Mikhail Zygar, ex-editor-chefe da única emissora de TV independente da Rússia, a TV Rain (Dozhd), o paralelo com o presidente Jair Bolsonaro e sua atuação no poder é inevitável, resguardadas, é óbvio, as diferenças de contexto histórico e nacional. Como Vladimir Putin, Bolsonaro tornou-se presidente porque soube aproveitar a oportunidade, bafejado pela sorte. Diferentemente do presidente russo, porém, não era um candidato do sistema: o homem certo na hora certa para o então presidente Boris Yeltsin, o político carismático, beberrão e imprevisível, que implodiu a antiga União Soviética, destronando Mikhail Gorbatchev, e liderou a transição selvagem para o capitalismo na Federação Russa. Bolsonaro foi um candidato antisistema, que surfou o tsunami eleitoral de 2018, na onda de insatisfação popular com os políticos gerada pela Operação Lava-Jato.

As semelhanças são maiores quando levamos em conta que Putin não tinha uma estratégia de poder –– foi administrando as circunstâncias para mantê-lo. Ex-chefe da FSB, usou a força do Estado para afastar aliados indesejáveis, proteger os amigos de São Petersburgo e da antiga KGB, seduzir os militares e liquidar os adversários. Os instrumentos de coerção do Estado –– os serviços de inteligência, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário –– foram fundamentais para a consolidação de sua longa permanência no poder, depenando oligarcas que se apoderaram das estatais russas, favorecendo os empresários amigos e eliminando possíveis concorrentes eleitorais. Putin acreditou que seria bem recebido pelos líderes das grandes potências ocidentais, mas logo se viu frustrado por Angela Merkel, a primeira-ministra alemã; Nicolas Sarkozy, o presidente francês; e, principalmente, Barack Obama, o presidente negro dos Estados Unidos.

Arreganhou os dentes quando chegou à conclusão de que todos queriam enfraquecer a Federação Russa e afastá-la das antigas repúblicas soviéticas. E de que o menosprezavam, tratando-o como um personagem menor na cena internacional. Esse sentimento de rejeição somente aumentou ao longo dos anos, mas teve como resposta o endurecimento da política externa russa em relação às ex-repúblicas soviéticas da Geórgia e da Ucrânia, e ao Oriente Médio. A decisão estratégica de manter o ditador da Síria, Bashar al-Assad, no poder a qualquer preço, e assim preservar sua base naval no Mediterrâneo, foi uma demonstração de força. Da mesma forma, a divisão da Ucrânia, com a anexação da Criméia como uma república autônoma da Federação Russa, com o propósito de manter a grande base naval da frota do Mar Negro. Por último, o apoio econômico e militar a Nicolás Maduro, na Venezuela.

Reeleição

No terceiro mandato de presidente, a relação de Putin com o ex-presidente liberal Dmitri Medvedev, com quem também se revezou no cargo de primeiro-ministro, hoje é de estranhamento. Na verdade, sempre foi tensa, como a de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas. Putin afastou todos os aliados com política própria ou a lhe fazer sombra. Bolsonaro fez a mesma coisa. Começou com o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, hoje ocupada pelo general Luiz Ramos, principal articulador político do governo, e o advogado Gustavo Bebiano, secretário-geral da Presidência, já falecido, defenestrado para dar lugar a um ex-assessor parlamentar de inteira confiança, Jorge Oliveira. O ex-deputado Onyx Lorenzoni foi deslocado da Casa Civil para o Ministério da Cidadania, para dar lugar ao general Braga Netto. Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no auge do prestígio, também foram defenestrados, sendo substituídos pelo advogado da União André Mendonça e outro general, Eduardo Pazuello, respectivamente, dois bem-mandados.

Deputado ligado ao baixo clero durante toda a sua trajetória, para neutralizar qualquer tentativa de impeachment, Bolsonaro montou uma base parlamentar com os partidos do Centrão, cujos líderes — Gilberto Kassab (PSD-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Ciro Nogueira (PP-PI) — apoiam qualquer governo. Trocou os desastrados deputados de extrema direita, que defendiam o seu governo no Congresso, por raposas moderadas do Parlamento: Ricardo Barros (PP-PR), na Câmara, Fernando Bezerra (MDB-PE), no Senado, e Eduardo Gomes (MDB-TO), no Congresso. E está fritando o ministro da Economia, Paulo Guedes, um economista ultraliberal, cada vez mais isolado no governo.

Qual foi a estratégia de Putin para manter sua popularidade ao longo de duas décadas? Domar o Parlamento, controlar o Judiciário, estreitar a aliança com a Igreja Ortodoxa, estimular o nacionalismo russo e o conservadorismo machista e homofóbico. Putin transformou a jovem democracia russa numa ditadura da maioria, no qual assume um papel cada vez mais autocrático. Mais populista do que nunca, Bolsonaro recuperou a popularidade, apesar da pandemia, e só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se Bolsonaro controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022, como deseja?




 

https://youtu.be/QMjhwZnhhfI

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, MILAN KUNDERA (#93)

No link:

https://www.youtube.com/watch?v=QMjhwZnhhfI

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