terça-feira, 27 de outubro de 2020

Embargos dos embargos dos embargos constitucionais

 

"O juiz de primeira instância virou um nada."

EMBARGOS CULTURAIS

 

Súmula 282

É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

 

 

Jurisprudência selecionada

● Necessidade de prequestionamento da questão constitucional como pré-requisito do recurso extraordinário


Com efeito, consoante afirmado na decisão agravada, esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a interposição do recurso extraordinário impõe que o dispositivo constitucional tido por violado, como meio de se aferir a admissão da impugnação, tenha sido debatido no acórdão recorrido, sob pena de padecer o recurso da imposição jurisprudencial do prequestionamento. (...)  Oportuno asseverar que a exigência do prequestionamento não é mero rigorismo formal que pode ser afastado pelo julgador a qualquer pretexto. Ele consubstancia a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento das questões submetidas a este Supremo Tribunal Federal, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal, em seu artigo 102. Nesse dispositivo não há previsão de apreciação originária por este Pretório Excelso de questões como as que ora se apresentam. A competência para a apreciação originária de pleitos no STF está exaustivamente arrolada no antecitado dispositivo constitucional, não podendo sofrer ampliação na via do recurso extraordinário.
[ARE 1.073.395 AgR, rel. min. Luiz Fux, 1ª T, j. 7-12-2018, DJE 271 de 18-12-2018]

 

O Juízo de origem não analisou a questão constitucional veiculada, não tendo sido esgotados todos os mecanismos ordinários de discussão, INEXISTINDO, portanto, o NECESSÁRIO PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO, que pressupõe o debate e a decisão prévios sobre o tema jurígeno constitucional versado no recurso. Incidência das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 5. Tendo o acórdão recorrido solucionado as questões a si postas com base em preceitos de ordem infraconstitucional, não há espaço para a admissão do recurso extraordinário, que supõe matéria constitucional prequestionada explicitamente. 6. A solução da controvérsia depende da análise da legislação local, o que é incabível em sede de recurso extraordinário, conforme consubstanciado na Súmula 280 (Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário).
[
RE 1.070.340 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes, 1ª T, j. 4-4-2018, DJE 73 de 17-4-2018.]

 


Assim, como tem consignado este Tribunal por meio da 
Súmula 282, é inadmissível o recurso extraordinário se a questão constitucional suscitada não tiver sido apreciada no acórdão recorrido. Ao contrário do que sustenta a parte agravante, a oposição dos embargos de declaração com a finalidade de provocar tal debate, é inservível para se reconhecer a matéria como causa decidida, viabilizadora da abertura da instância extraordinária.
[
ARE 790.511 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 19-3-2015, DJE 70 de 15-4-2015.]

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2496

Decisão - Supremo Tribunal Federal

www.stf.jus.br › portal › processo › verProcessoTexto

 

 

 

 

OPINIÃO

Embargos de declaração no novo CPC e o pré-questionamento

20 de março de 2017, 9h03

Por Rogerio Licastro Torres de Mello

Os embargos declaratórios foram um dos recursos que literalmente estiveram na berlinda quando se estabeleceram as primeiras discussões em torno de um projeto de novo Código de Processo Civil [1].

A continuidade de sua existência, com efeito, esteve sob risco: nos debates prévios à elaboração do Anteprojeto de Novo CPC apresentado ao Senado Federal pela Comissão de Juristas presidida pelo ministro Luiz Fux e que teve como relatora Teresa Arruda Alvim, professora da PUC-SP, chegou-se a cogitar a extinção dos embargos declaratórios como recurso cível, que seriam substituídos pelo que então se chamava de “pedido de esclarecimentos”.

Não obstante o risco de simplesmente desaparecerem do sistema jurídico processual civil brasileiro, aos menos com as feições que lhes dava o CPC/73, e serem substituídos por um tíbio pedido de esclarecimentos, a tradição de nosso direito processual acabou por fazer-se ouvir na evolução do processo legislativo que resultou no novo CPC e, enfim, os embargos de declaração remanesceram como recurso cível.

E mais: a manutenção dos embargos declaratórios no novo regime processual deu-se com a absorção expressa, pelo CPC/2015, de uma vocação que já havia sido aderida a tal recurso pela jurisprudência formada quando vigente o CPC/73, qual seja, a de servir ao pré-questionamento de matéria federal e constitucional justificadoras da interposição de recurso especial ou extraordinário.

O que era objeto de sedimentação jurisprudencial (embargos declaratórios “pré-questionadores”) passou, agora, com o advento do novo CPC, à condição de realidade legislativa expressa (artigo 1.025 do CPC/2015).

Há a consolidação legislativa, portanto, dos chamados embargos de declaração “pré-questionadores”.

Tal consolidação, contudo, vem acrescida de um interessante dispositivo: ao dispor que se considerará satisfeito o requisito do pré-questionamento desde que, ainda que as matérias federal ou constitucional não constem do acórdão recorrido, tenham estas sido abordadas nos embargos declaratórios opostos, o CPC/2015 produz uma potencialização dos declaratórios como viabilizadores do pré-questionamento.

De fato, se antes, quando vigorava o CPC/73, só haveria o pré-questionamento da matéria recursal excepcional se acolhidos os embargos declaratórios e, sanada a omissão neles apontada, houvesse expresso pronunciamento do órgão recorrido a respeito, com o advento do artigo 1.025 do CPC/2015 os próprios embargos de declaração por si só satisfarão o requisito do pré-questionamento, independentemente de serem providos pelo prolator do acórdão embargado.[2]

Se outrora (CPC/73) os declaratórios tinham eficácia pré-questionadora somente se providos (esta era, historicamente, a posição do Superior Tribunal de Justiça a respeito), doravante (CPC/2015) servirão ao pré-questionamento mesmo que rejeitados ou improvidos pelo tribunal a quo.

Para maior clareza do que ora afirmamos, reputamos conveniente a reprodução do artigo 1.025 em referência: “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.”

Em face desta nova realidade dos embargos declaratórios, e aqui bate o ponto, poderíamos afirmar que o pré-questionamento, (i) de ato exclusivo do juízo, passou a, também, ser possivelmente ato exclusivo da parte, ou (ii) persiste como ato unicamente judicial?

A pergunta acima sugerida justifica-se porque, nos estertores da vigência do CPC/73, parece-nos haver sido estabelecida uniformidade jurisprudencial de que o pré-questionamento era ato do juízo (linha decisória tradicional do STJ, que se mostrou ultimamente absorvida pelo Supremo Tribunal Federal [3]), na medida em que sua satisfação, enquanto requisito inerente aos recursos excepcionais, era dependente de o órgão jurisdicional fazer constar, implícita ou explicitamente, o debate federal ou constitucional ensejadores do recurso especial ou extraordinário, não bastando a mera oposição dos embargos de declaração (o chamado “pré-questionamento ficto”).

Com o advento do novo CPC, mormente à vista de seu artigo 1.025, questiona-se se o cenário seria o mesmo ou teria sofrido alguma alteração.

Em nosso pensar, nem a primeira circunstância (ato exclusivo da parte) consumou-se, sequer podendo afirmar-se que a segunda (ato exclusivamente do juízo) teria persistido nos exatos moldes verificados anteriormente à entrada em vigor do CPC/2015.

O que houve, em realidade, foi uma espécie de requalificação do pré-questionamento em sua relação com os embargos declaratórios.

Explica-se.

Na vigência da codificação processual civil anterior, o ato de pré-questionar firmou-se induvidosamente como ato exclusivo do órgão jurisdicional, no sentido de que a este incumbia, em regime de exclusividade, fazer constar, ou não, o debate federal ou constitucional permissivos da interposição do recurso excepcional.

É certo que a parte poderia tentar viabilizar a ocorrência do pré-questionamento, no sentido de criar condições propícias para o seu acontecimento, principalmente opondo embargos declaratórios para tal mister (os chamados embargos declaratórios pré-questionadores).

Ao fim e ao cabo, contudo, sempre cabia ao órgão jurisdicional prolator da decisão a ser impugnada por recurso excepcional suprir o requisito do pré-questionamento, mediante provimento dos embargos declaratórios: se, por exemplo, os embargos declaratórios opostos pela parte fossem rejeitados ou inadmitidos, inapelavelmente não se implementaria a prévia constância da matéria excepcional na decisão e quedaria, dessarte, não atendido o requisito do pré-questionamento.

Com o surgimento do artigo 1.025 do CPC/2015, nos parece ter havido sutil, porém relevante, modificação da fisionomia do instituto do pré-questionamento no tocante à iniciativa para sua satisfação.

Diz precitado artigo do novo CPC que, mesmo rejeitados ou inadmitidos os embargos declaratórios, seu conteúdo será considerado integrado ao acórdão para fins de pré-questionamento caso o tribunal superior (destinatário do recurso excepcional) entenda que tais embargos deveriam ter sido acolhidos na instância a quo.

O fato de permitir-se que o recurso de embargos de declaração seja, por si só, visto como parte integrante do acórdão para efeitos de pré-questionamento revela, positivamente, uma sensível ampliação, comparativamente ao que notávamos quando vigente o CPC/73, da participação do jurisdicionado quanto à implementação de tão relevante requisito recursal excepcional.

Definir que a própria manifestação da parte seja tida como parcela integrante da decisão para fins de pré-questionamento é algo maiúsculo, significativo, especialmente porque revela projeção do artigo 6º do novo CPC, uma das normas fundamentais do processo civil respeitante à colaboração entre os sujeitos do processo, sobre o artigo 1025. Assoma, aqui, uma das mais frisantes mostras de que o CPC/2015 efetivamente levou a sério o princípio da colaboração entre os diversos sujeitos processuais como veículo para um processo civil mais eficiente.

Não obstante, pese signifique positiva mudança das feições dos embargos declaratórios pré-questionadores, e respondendo à indagação que nos motivou a desenvolver este singelo estudo, não nos parece correto afirmar que o CPC/2015 tornou o pré-questionamento ato também passível de implementação exclusivamente pela parte.

Deveras, e aqui reside o ponto relevante de nossa asserção, a parte final do artigo 1.025 do CPC/2015 é decisiva para a conclusão de que o pré-questionamento persiste como ato do órgão jurisdicional (apesar de ser, repitamos, mais ampla a participação do jurisdicionado, como afirmamos supra): ao dispor que os declaratórios serão tidos como integrados à decisão, para fins de pré-questionamento, “caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”, estamos diante de algo que podemos considerar uma espécie de juízo postecipado de acolhimento dos embargos de declaração, desta feita pelo tribunal ad quem, para que se implemente o pré-questionamento.

Seria como houvesse, por parte do tribunal excepcional competente, um juízo, digamos, velado de acolhimento dos embargos declaratórios, como decidissem o STJ ou o STF algo assim: “os declaratórios foram inadmitidos ou rejeitados na origem, mas não deveriam havê-lo sido”.[4]

Nota-se, portanto, que a última palavra acerca da presença ou não do pré-questionamento permanece com o órgão jurisdicional, ainda que de modo dúplice (seja na origem, seja no juízo ad quem, a teor do artigo 1.025 do Novo CPC) e com muito maior atividade do jurisdicionado em sua estruturação.

Não podemos, pois, afirmar que, após o CPC/2015, pode o pré-questionamento ser tido como ato do juízo ou da parte: tal seria possível se, e somente se, os declaratórios fossem considerados pré-questionadores independentemente de qualquer juízo de valoração por parte do órgão ad quem, o que não é o caso.

A inovação atribuída aos embargos declaratórios pelo artigo 1.025 do Novo CPC de que acima nos ocupamos exige nova mirada também sobre um importante enunciado sumular que diz respeito a esta modalidade recursal.

Referimo-nos ao Enunciado 211 da Súmula do STJ, cujo teor diz o seguinte: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.

Como vimos, esta orientação, outrora prevalecente, não mais pode servir de baliza jurisprudencial com a entrada em vigor do CPC/2015.

De fato, bem sabemos que atualmente, e esta é a decorrência fundamental da parte final do artigo 1.025 do CPC/2015, o pré-questionamento conta com nova fisionomia: a despeito de persistir como ato do juízo, pois a este cabe enxergar, ou não, na decisão o debate autorizador do recurso excepcional, é fato que não estamos mais diante de cenário em que apenas ao juízo recorrido (a quo) cabe promover, ou não, a satisfação de tal requisito (provendo ou rejeitando os declaratórios pré-questionadores, ad exemplum).

Ao juízo ad quem cabe, também, considerar preenchido tal relevante requisito recursal excepcional em contraposição ao que decidiu o juízo recorrido, desde que repute merecedores de provimento os embargos declaratórios opostos pela parte com desiderato pré-questionador e que foram inadmitidos ou rejeitados na origem.

Portanto, o Enunciado 211 da Súmula do STJ, condicionador do pré-questionamento ao acolhimento, pelo juízo local, dos declaratórios opostos para tal finalidade, não mais deve ser observado, dado haver sido superado pelo CPC/2015, porque o pré-questionamento não é mais dependente, em regime de exclusividade, do pronunciamento do juízo a quo. Também o juízo ad quem toma parte na satisfação do pré-questionamento, como acima expusemos.[5]

Há perceptível mudança de paradigma — em sentido ampliativo e inclusivo — quanto à iniciativa jurisdicional para considerar pré-questionada a matéria recursal excepcional, agora duplicada (porque extensiva ao juízo ad quem dos recursos especial e extraordinário), e tal mudança é positiva, notadamente se considerarmos que o juízo a quo, justamente o prolator da decisão recorrida, no mais das vezes apresenta, como percebemos na práxis forense, forte resistência ao acolhimento dos declaratórios opostos em face da decisão que proferiu.

Nota-se, enfim, que o CPC/2015, no tocante aos declaratórios, ainda que não tenha promovido a possibilidade de o pré-questionamento ser, também, ato proveniente da parte em caráter exclusivo (o que teria ocorrido se a mera existência de embargos de declaração pré-questionadores fosse hábil à satisfação de tal requisito, a despeito de decisão judicial a seu respeito), acabou por tornar maior, mais larga a via para seu atingimento.


[1] O presente artigo é reflexo de discussões estabelecidas entre os membros do Grupo F – Recursos, do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados de Processo, presentes à reunião semestral realizada em dezembro de 2016: Rogerio Licastro Torres de Mello, Cristiane Druve, Izabel Cristina Pantaleão, Elton Possa e Anwar Mohamad Ali.

[2] Em passado recente, identificava-se a existência de divergência entre a jurisprudência do STJ e do STF no tocante à capacidade de os embargos de declaração servirem ao pré-questionamento. No âmbito do STJ, consolidou-se o entendimento de que os declaratórios apenas serviriam ao pré-questionamento das matérias federais e constitucionais se efetivamente providos pelo juízo a quo, existindo, portanto, a efetiva constância do debate jurídico excepcional na decisão. De conformidade com o entendimento do STF firmado até recentemente, apenas a oposição dos declaratórios pré-questionadores era bastante para que se consumasse a satisfação de tal requisito recursal excepcional, independentemente de seu provimento pelo órgão jurisdicional a quo. Era o que se chamava de “pré-questionamento ficto”. Houve, ultimamente (nos estertores da vigência do CPC/73), a adoção, em diversos julgados do STF, da mesma linha decisória do STJ a respeito do assunto, de modo que os declaratórios apenas teriam utilidade para fins pré-questionadores se efetivamente acolhidos. Oferece-nos o panorama ora noticiado MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno, Ed. RT, São Paulo, 2015, p. 2015.

[3] Neste sentido, confira-se, por exemplo, trecho da ementa do AI 739580 AgR / SP - SÃO PAULO, Rel. Ministra Rosa Weber:“Esta Corte não tem procedido à exegese a contrario sensu da Súmula STF 356 e, por consequência, somente considera prequestionada a questão constitucional quando tenha sido enfrentada, de modo expresso, pelo Tribunal de origem. A mera oposição de embargos declaratórios não basta para tanto.”

4 Teresa Arruda Alvim já detectara este fenômeno: “O órgão ad quem age como se estivesse dando provimento aos embargos, considerando que o embargante de declaração tem direito àquilo que pede (...). ARRUDA ALVIM, Teresa. Código de Processo Civil Anotado, coord. de José Rogerio Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti, Sando Gilbert Martins, GZ Editora, Rio de Janeiro, 2016, p. 1405.

5 Neste sentido, MAZZEI, Rodrigo Reis. Breves Comentários ao Novo CPC, coord. de Teresa Arruda Alvim, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas, Ed. RT, São Paulo, 2015, p. 2283.

 

Rogerio Licastro Torres de Mello é doutor e mestre em direito processual civil pela PUC-SP. Advogado em São Paulo. Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado.

Revista Consultor Jurídico, 20 de março de 2017, 9h03

https://www.conjur.com.br/2017-mar-20/rogerio-licastro-embargos-declaracao-cpc-pre-questionamento

 

 

STF

Incidência da Súmula n° 282 desta Corte. Anote-se que o fato do recorrente ter trazido a questão constitucional no bojo dos embargos de declaração não é ...

 

 

Decisão:

Vistos.

José Benedito Costa e outros interpõem agravo de instrumento contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário assentado em contrariedade ao artigo 6º da Constituição Federal.

Insurgem-se, no apelo extremo, contra acórdão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:

 

“DIREITO CIVIL. CONTRATO. SFH. CORREÇÃO DE SALDO DEVEDOR APLICAÇÃO DA TR. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL A SER DIRIMIDO. QUESTÃO PACIFICADA NO STJ. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 168/STJ. IN CASU.

I - Se, no contrato, compromete-se o mutuário a pagar o saldo devedor observando a sua atualização pela TR, tal deve ser cumprido, inexistente qualquer ilegalidade a comprometer o pacto. Esta a hodierna jurisprudência deste eg. Tribunal, tanto das Turmas de direito público quanto as de direito privado.

II - Aplicação da Súmula n. 168/STJ, na espécie.

III – Precedentes citados: Resp n. 656.083/DF, Primeira Turma, Rel. Min. JOSÉ DELGADO , in DJ de 1º/7/05; Resp n. 695.906/CE, Segunda Turma, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, in DJ de 20/6/05; Resp n. 576.638/RS, Quarta Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, in DJ de 23/5/05.

IV – Agravo regimental improvido” (fl. 146).

 

Opostos embargos de declaração (fls. 150 a 154), foram rejeitados (fls. 157 a 161).

Decido.

Anote-se, inicialmente, que o acórdão dos embargos de declaração foi publicado em 8/10/07, conforme expresso na certidão de folha 163, não sendo exigível a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07.

No que se refere ao artigo 6º da Constituição Federal, único dispositivo indicado como violado, carece do necessário prequestionamento, sendo certo que esse ponto não foi objeto dos acórdãos recorridos. Incidência da Súmula n° 282 desta Corte. Anote-se que o fato do recorrente ter trazido a questão constitucional no bojo dos embargos de declaração não é bastante para suprir o requisito do prequestionamento, a teor da Súmula nº 356/STF. Nesse sentido:

 

“1. Recurso extraordinário: descabimento: dispositivo constitucional dado por violado (CF, art. 5º, II) não analisado pelo acórdão recorrido: incidência das Súmulas 282 e 356. 2. Embargos de declaração, prequestionamento e Súmula 356. Os embargos declaratórios só suprem a falta de prequestionamento quando a decisão embargada tenha sido efetivamente omissa a respeito da questão antes suscitada. 3. Recurso extraordinário: inadmissibilidade: alegada violação a dispositivo constitucional que, se ocorresse, seria reflexa ou indireta, que não enseja exame no recurso extraordinário: incidência, mutatis mutandis, da Súmula 636” (AI nº 596.757/RS-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 10/11/06).

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. Ao contrário do que sustenta o agravante, os embargos de declaração, para fins de prequestionamento, servem para suprir omissão do acórdão recorrido em relação à matéria suscitada no recurso cabível ou nas contra-razões e não para inovar matéria constitucional não debatida nos autos. 2. Ausente o prequestionamento do art. 129, III, da Constituição, dado como contrariado. Não prescinde desse requisito, inerente ao cabimento do recurso de natureza extraordinária, a circunstância de poder a ilegitimidade ativa ad causam ser analisada em qualquer grau de jurisdição. 3. Agravo regimental improvido” (RE nº 434.420/DF-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 14/6/05).

 

Ademais, a jurisprudência desta Corte é firma no sentido de que  não se admite recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça no qual se suscita questão constitucional resolvida na decisão de segundo grau. Sobre o tema:

 

Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de RE interposto concomitantemente ao recurso especial. Preclusão .

1. Não se admite recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no qual se suscita questão constitucional resolvida na decisão de 2º grau.

2. Agravo regimental desprovido” (AI nº 666.003/DF-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 19/12/07).

 

 

CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO CONSTITUCIONAL NÃO DECIDIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO CABIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. I. - Questão constitucional invocada não decidida no acórdão recorrido, do STJ, mesmo porque não comportaria apreciação no recurso especial, limitado ao contencioso de direito comum. II. - No sistema da Carta, em que os recursos especial e extraordinário devem ser interpostos concomitantemente - contencioso comum, REsp, contencioso constitucional, RE - não interposto o RE, a matéria constitucional preclue. A matéria constitucional que enseja recurso extraordinário de acórdão do STJ, que decide o REsp, é aquela que surge no julgamento deste. III. - Agravo não provido” (AI nº 364.277/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso , DJ de 28/6/02).

 

Ressalte-se que a Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios confirmou a decisão de 1º grau que assentou a possibilidade de aplicação da Taxa Referencial como índice de correção monetária e o Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, examinando, tão-somente, os aspectos legais, se limitou a negar provimento ao recurso especial.

Nego provimento ao agravo.

Publique-se.

Brasília, 18 de outubro de 2010

 

Ministro Dias Toffoli

Relator

Documento assinado digitalmente

 

 

 

 


No link:

https://youtu.be/hIMuy9Zv8lk

Entrevista Exclusiva com a ministra Eliana Calmon: "O juiz de primeira instância virou um nada."

 


Marco Antonio Villa

Nesta entrevista:

- As quatro instâncias da justiça brasileira.

- O desprezo pela primeira instância.

- O trabalho da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça

- A judicialização da política.

- Redefinir o papel do Supremo Tribunal de Justiça.

- Uma justiça mais célere e justa.

https://www.youtube.com/watch?v=hIMuy9Zv8lk

 

 

 

 

 

EMBARGOS CULTURAIS

Machado de Assis e a teoria das almas, antes de Freud

1 de dezembro de 2019, 8h00

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Machado de Assis nunca leu Freud. E Freud nunca leu Machado de Assis. Freud explorou a literatura de ficção na construção de sua teoria e de suas tipologias: Édipo, Hamlet e Lady Macbeth são os exemplos mais significativos. Machado de Assis era recorrentemente preocupado com a alma, e com a saúde da alma. A epilepsia, e a crença de que epiléticos tinham pedras na cabeça (de onde a expressão louco de pedra), talvez possa ter alguma influência nesse interesse.

O tema da alma é constante em Machado de Assis. O enredo do Alienista e o Dr. Simão Bacamarte ilustram a premissa. Acrescento ao argumento o intrigante conto O Espelho da Alma, publicado primeiramente na Gazeta de Notícias, em 8 de setembro de 1882. Freud tinha 26 anos, ainda não se ocupava com a teoria psicanalítica. De algum modo, Machado de Assis tratou desse assunto. Reitera-se a tese de Roberto Schwartz e das ideias fora do lugar. Espelho da Alma é um dos textos mais perturbadoras de Papéis Avulsos, nome do livro no qual o conto também foi publicado.

Já se disse que Machado de Assis não pode ser lido antes dos 30 anos de idade. Perturba. Desestabiliza. Como na fascinante passagem do Eclesiastes (3:1-8), “tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu; há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”. E há também o tempo certo para lermos nosso maior escritor.

Nesse conto, O Espelho da Alma, cinco homens, que orçavam entre 40 e 50 anos, discutem questões da mais alta transcendência. São metafísicos, preocupados com a realidade que escapa à realidade perceptível sem maiores esforços. Quatro deles falavam muito. O quinto, Jacobina, permanecia a maior parte do tempo calado. Jamais discutia. Ao longo da discussão, no entanto, e inesperadamente, levantou a voz e proclamou que não há apenas uma alma. Para Jacobina nós contamos com duas almas. A primeira delas olha para fora, a segunda delas, para dentro, o que sugere figura de linguagem que os gramáticos chamam de personificação ou prosopopeia. Almas não olham.

Jacobina falou por quase 40 minutos. Concluiu sua hipótese enfatizando que não admitiria réplicas. Os ouvintes não entenderam o que Jacobina explicava. A alma exterior poderia se revestir de várias formas. Poderia ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um par de botas, um livro, o botão de uma camisa. Ao lada da outra alma, a interior, teríamos (e seríamos, do ponto de vista da alma) uma figura circular, dividida em duas partes, assemelhada a uma laranja. Jacobina lembrou que Shylock, o mercador venal da peça de Shakespeare, tinha uma alma exterior, que era em forma de dinheiro. Essa alma exterior, continuava, variava, se alterava, era substituída. Não era constante.

Para comprovar a hipótese, narrou uma história que teria vivido. Contou que fora um moço muito pobre. Um dia foi nomeado Alferes da Guarda Nacional. Uma parte da vila onde vivia comemorou e ficou em júbilo. Cotizaram-se e compraram a farda. A outra parte, enciumada, não admitiu tamanha vitória. É sempre assim, nossas vitórias entusiasmam, mas também provocam a inveja.

A mais entusiasmada com a vitória de Jacobina, continuava, era uma tia, Dona Marcelina. Pediu que Jacobina a visitasse. A tia o tempo todo elogiava a beleza do sobrinho nomeado alferes, e o fazia tão ardentemente, que Jacobina deixou de se ver e sentir como um ser humano. Transformou-se no alferes, e aferrou-se na farda. Estava transformado. A tia o mimava, dando-lhe tudo de que necessitava. Ele era menos ele, e muito mais a farda. Somos sempre muito menos nós mesmos e muito mais quem ou pelo que nos apaixonamos. Até quando a paixão acaba. E há tempo para tudo...

Por causa da filha que caiu muito adoentada Dona Marcelina deixou Jacobina sozinho na fazenda. Foi cuidar da filha. Os escravos, que tanto adulavam Jacobina, fugiram da fazenda, deixando-o sozinho, com as plantas que morriam. Não havia mais ninguém. Jacobina sentia-se só. Deprimido. Desolado. O terreiro deserto. A roça abandonada. Até os cães teriam partido. O relógio da tia, prossegue Machado, fazia um tic-tac que lembrava o verso de um poema inglês: never, forever, forever, never! Jacobina enlouqueceu.

Dormia muito. Porque no sono, sonhava. Era quando se via vestido de alferes, com os aplausos e carinho de parentes e amigos. Muito antes de Freud lançar a Interpretação dos Sonhos (em 1900) Machado de Assis apresentava uma teoria sobre os estados oníricos que se assemelhava à teoria do psicanalista de Viena. O sonho era visto como a realização de um desejo. Nas palavras de Machado de Assis, no “sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Na tipologia freudiana dos sonhos o mecanismo de libertação de pulsões e desejos contidos é muito semelhante.

Jacobina recorreu a um artifício. Lembrou-se de vestir a farda, fardou-se, e olhou-se no espelho. Nesse momento, voltava a ser quem um dia fora. Renascia em uma alma exterior. Foi assim que conseguiu vencer os seis dias que faltavam. Não se sabe se a tia retornou. Arcanamente, Machado encerrou o conto narrando que ao fim da narrativa os ouvintes teriam descido a escada. Foram embora.

Uma teoria da alma que a contemple como uma circunstância dupla pode ser a chave interpretativa para tantos de nossos dilemas, desejos incontidos, reprimidos e sonhados. Vivemos na superficialidade da alma exterior. A alma interior é alcançada nos mistérios dos sonhos e em nossos pensamentos mais íntimos. A racionalidade da narrativa choca-se com a impossibilidade dos fatos. O leitor do conto resistimos em entender o desate da estória, talvez porque a alma dupla em que nos dividimos teime em aceitar a metade oposta. Uma delas é o antes, a outra, o sempre.

 

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2019, 8h00

https://www.conjur.com.br/2019-dez-01/embargos-culturais-machado-assis-teoria-almas-antes-freud

Nenhum comentário:

Postar um comentário