"O
juiz de primeira instância virou um nada."
EMBARGOS
CULTURAIS
Súmula 282
É inadmissível o
recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão
federal suscitada.
Jurisprudência
selecionada
● Necessidade de
prequestionamento da questão constitucional como pré-requisito do recurso
extraordinário
Com efeito, consoante afirmado na decisão agravada, esta Corte já firmou
entendimento no sentido de que a interposição do recurso extraordinário impõe
que o dispositivo constitucional tido por violado, como meio de se aferir a
admissão da impugnação, tenha sido debatido no acórdão recorrido, sob pena de
padecer o recurso da imposição jurisprudencial do prequestionamento. (...)
Oportuno asseverar que a exigência do prequestionamento não é mero
rigorismo formal que pode ser afastado pelo julgador a qualquer pretexto. Ele
consubstancia a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento
das questões submetidas a este Supremo Tribunal Federal, cuja competência fora
outorgada pela Constituição Federal, em seu artigo 102. Nesse dispositivo não
há previsão de apreciação originária por este Pretório Excelso de questões como
as que ora se apresentam. A competência para a apreciação originária de pleitos
no STF está exaustivamente arrolada no antecitado dispositivo constitucional,
não podendo sofrer ampliação na via do recurso extraordinário.
[ARE 1.073.395 AgR, rel.
min. Luiz Fux, 1ª T, j.
7-12-2018, DJE 271 de
18-12-2018]
O Juízo de origem não analisou a
questão constitucional veiculada, não tendo sido esgotados todos os mecanismos
ordinários de discussão, INEXISTINDO, portanto, o NECESSÁRIO PREQUESTIONAMENTO
EXPLÍCITO, que pressupõe o debate e a decisão prévios sobre o tema jurígeno
constitucional versado no recurso. Incidência das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 5. Tendo o acórdão recorrido
solucionado as questões a si postas com base em preceitos de ordem
infraconstitucional, não há espaço para a admissão do recurso extraordinário,
que supõe matéria constitucional prequestionada explicitamente. 6. A solução da
controvérsia depende da análise da legislação local, o que é incabível em sede
de recurso extraordinário, conforme consubstanciado na Súmula 280 (Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário).
[RE 1.070.340 AgR, rel. min. Alexandre de
Moraes, 1ª T, j. 4-4-2018, DJE 73 de 17-4-2018.]
Assim, como tem consignado este Tribunal por
meio da Súmula 282, é inadmissível o recurso extraordinário se a questão constitucional
suscitada não tiver sido apreciada no acórdão recorrido. Ao contrário do que
sustenta a parte agravante, a oposição dos embargos de declaração com a
finalidade de provocar tal debate, é inservível para se reconhecer a matéria
como causa decidida, viabilizadora da abertura da instância extraordinária.
[ARE 790.511 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 19-3-2015, DJE 70
de 15-4-2015.]
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2496
Decisão - Supremo Tribunal Federal
www.stf.jus.br › portal › processo › verProcessoTexto
OPINIÃO
Embargos de
declaração no novo CPC e o pré-questionamento
20 de março de 2017, 9h03
Por Rogerio Licastro Torres
de Mello
Os
embargos declaratórios foram um dos recursos que literalmente estiveram na
berlinda quando se estabeleceram as primeiras discussões em torno de um projeto
de novo Código de Processo Civil [1].
A
continuidade de sua existência, com efeito, esteve sob risco: nos debates
prévios à elaboração do Anteprojeto de Novo CPC apresentado ao Senado Federal
pela Comissão de Juristas presidida pelo ministro Luiz Fux e que teve como
relatora Teresa Arruda Alvim, professora da PUC-SP, chegou-se a cogitar a
extinção dos embargos declaratórios como recurso cível, que seriam substituídos
pelo que então se chamava de “pedido de esclarecimentos”.
Não
obstante o risco de simplesmente desaparecerem do sistema jurídico processual
civil brasileiro, aos menos com as feições que lhes dava o CPC/73, e serem
substituídos por um tíbio pedido de esclarecimentos, a tradição de nosso
direito processual acabou por fazer-se ouvir na evolução do processo
legislativo que resultou no novo CPC e, enfim, os embargos de declaração
remanesceram como recurso cível.
E mais: a
manutenção dos embargos declaratórios no novo regime processual deu-se com a
absorção expressa, pelo CPC/2015, de uma vocação que já havia sido aderida a
tal recurso pela jurisprudência formada quando vigente o CPC/73, qual seja, a
de servir ao pré-questionamento de matéria federal e constitucional
justificadoras da interposição de recurso especial ou extraordinário.
O que era
objeto de sedimentação jurisprudencial (embargos declaratórios
“pré-questionadores”) passou, agora, com o advento do novo CPC, à condição de
realidade legislativa expressa (artigo 1.025 do CPC/2015).
Há a
consolidação legislativa, portanto, dos chamados embargos de declaração
“pré-questionadores”.
Tal
consolidação, contudo, vem acrescida de um interessante dispositivo: ao dispor
que se considerará satisfeito o requisito do pré-questionamento desde que,
ainda que as matérias federal ou constitucional não constem do acórdão
recorrido, tenham estas sido abordadas nos embargos declaratórios
opostos, o CPC/2015 produz uma potencialização dos declaratórios como
viabilizadores do pré-questionamento.
De fato,
se antes, quando vigorava o CPC/73, só haveria o pré-questionamento da matéria
recursal excepcional se acolhidos os embargos declaratórios e, sanada a
omissão neles apontada, houvesse expresso pronunciamento do órgão recorrido a
respeito, com o advento do artigo 1.025 do CPC/2015 os próprios
embargos de declaração por si só satisfarão o requisito do pré-questionamento,
independentemente de serem providos pelo prolator do acórdão embargado.[2]
Se
outrora (CPC/73) os declaratórios tinham eficácia pré-questionadora somente se
providos (esta era, historicamente, a posição do Superior Tribunal de Justiça a
respeito), doravante (CPC/2015) servirão ao pré-questionamento mesmo que
rejeitados ou improvidos pelo tribunal a quo.
Para
maior clareza do que ora afirmamos, reputamos conveniente a reprodução do
artigo 1.025 em referência: “Consideram-se incluídos no acórdão os
elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que
os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal
superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.”
Em face
desta nova realidade dos embargos declaratórios, e aqui bate o ponto,
poderíamos afirmar que o pré-questionamento, (i) de ato exclusivo do juízo,
passou a, também, ser possivelmente ato exclusivo da parte, ou (ii) persiste
como ato unicamente judicial?
A
pergunta acima sugerida justifica-se porque, nos estertores da vigência do
CPC/73, parece-nos haver sido estabelecida uniformidade jurisprudencial de que
o pré-questionamento era ato do juízo (linha decisória tradicional do STJ, que
se mostrou ultimamente absorvida pelo Supremo Tribunal Federal [3]),
na medida em que sua satisfação, enquanto requisito inerente aos recursos
excepcionais, era dependente de o órgão jurisdicional fazer constar, implícita
ou explicitamente, o debate federal ou constitucional ensejadores do recurso
especial ou extraordinário, não bastando a mera oposição dos embargos de
declaração (o chamado “pré-questionamento ficto”).
Com o
advento do novo CPC, mormente à vista de seu artigo 1.025, questiona-se se o
cenário seria o mesmo ou teria sofrido alguma alteração.
Em nosso
pensar, nem a primeira circunstância (ato exclusivo da parte) consumou-se,
sequer podendo afirmar-se que a segunda (ato exclusivamente do juízo) teria
persistido nos exatos moldes verificados anteriormente à entrada em vigor do
CPC/2015.
O que
houve, em realidade, foi uma espécie de requalificação do pré-questionamento em
sua relação com os embargos declaratórios.
Explica-se.
Na
vigência da codificação processual civil anterior, o ato de pré-questionar
firmou-se induvidosamente como ato exclusivo do órgão jurisdicional, no sentido
de que a este incumbia, em regime de exclusividade, fazer constar, ou não, o
debate federal ou constitucional permissivos da interposição do recurso
excepcional.
É certo
que a parte poderia tentar viabilizar a ocorrência do pré-questionamento, no
sentido de criar condições propícias para o seu acontecimento, principalmente
opondo embargos declaratórios para tal mister (os chamados embargos
declaratórios pré-questionadores).
Ao fim e
ao cabo, contudo, sempre cabia ao órgão jurisdicional prolator da decisão a ser
impugnada por recurso excepcional suprir o requisito do pré-questionamento,
mediante provimento dos embargos declaratórios: se, por exemplo, os embargos
declaratórios opostos pela parte fossem rejeitados ou inadmitidos,
inapelavelmente não se implementaria a prévia constância da matéria excepcional
na decisão e quedaria, dessarte, não atendido o requisito do pré-questionamento.
Com o
surgimento do artigo 1.025 do CPC/2015, nos parece ter havido sutil, porém
relevante, modificação da fisionomia do instituto do pré-questionamento no
tocante à iniciativa para sua satisfação.
Diz
precitado artigo do novo CPC que, mesmo rejeitados ou inadmitidos os embargos
declaratórios, seu conteúdo será considerado integrado ao acórdão para fins de
pré-questionamento caso o tribunal superior (destinatário do recurso
excepcional) entenda que tais embargos deveriam ter sido acolhidos na instância a
quo.
O fato de
permitir-se que o recurso de embargos de declaração seja, por si só, visto como
parte integrante do acórdão para efeitos de pré-questionamento revela,
positivamente, uma sensível ampliação, comparativamente ao que
notávamos quando vigente o CPC/73, da participação do jurisdicionado quanto à
implementação de tão relevante requisito recursal excepcional.
Definir
que a própria manifestação da parte seja tida como parcela integrante da
decisão para fins de pré-questionamento é algo maiúsculo, significativo,
especialmente porque revela projeção do artigo 6º do novo CPC, uma das
normas fundamentais do processo civil respeitante à colaboração entre os
sujeitos do processo, sobre o artigo 1025. Assoma, aqui, uma das mais
frisantes mostras de que o CPC/2015 efetivamente levou a sério o princípio da
colaboração entre os diversos sujeitos processuais como veículo para um
processo civil mais eficiente.
Não
obstante, pese signifique positiva mudança das feições dos embargos
declaratórios pré-questionadores, e respondendo à indagação que nos motivou a
desenvolver este singelo estudo, não nos parece correto afirmar que o
CPC/2015 tornou o pré-questionamento ato também passível de implementação
exclusivamente pela parte.
Deveras,
e aqui reside o ponto relevante de nossa asserção, a parte final do
artigo 1.025 do CPC/2015 é decisiva para a conclusão de que o
pré-questionamento persiste como ato do órgão jurisdicional (apesar de ser,
repitamos, mais ampla a participação do jurisdicionado, como afirmamos supra):
ao dispor que os declaratórios serão tidos como integrados à decisão, para fins
de pré-questionamento, “caso o tribunal superior considere existentes erro,
omissão, contradição ou obscuridade”, estamos diante de algo que
podemos considerar uma espécie de juízo postecipado de acolhimento dos embargos
de declaração, desta feita pelo tribunal ad quem, para que se
implemente o pré-questionamento.
Seria
como houvesse, por parte do tribunal excepcional competente, um juízo, digamos,
velado de acolhimento dos embargos declaratórios, como decidissem o STJ ou o
STF algo assim: “os declaratórios foram inadmitidos ou rejeitados na origem,
mas não deveriam havê-lo sido”.[4]
Nota-se,
portanto, que a última palavra acerca da presença ou não do pré-questionamento
permanece com o órgão jurisdicional, ainda que de modo dúplice (seja na origem,
seja no juízo ad quem, a teor do artigo 1.025 do Novo
CPC) e com muito maior atividade do jurisdicionado em sua estruturação.
Não
podemos, pois, afirmar que, após o CPC/2015, pode o pré-questionamento ser tido
como ato do juízo ou da parte: tal seria possível se, e somente se, os
declaratórios fossem considerados pré-questionadores independentemente de
qualquer juízo de valoração por parte do órgão ad quem, o que
não é o caso.
A
inovação atribuída aos embargos declaratórios pelo artigo 1.025 do Novo
CPC de que acima nos ocupamos exige nova mirada também sobre um importante
enunciado sumular que diz respeito a esta modalidade recursal.
Referimo-nos
ao Enunciado 211 da Súmula do STJ, cujo teor diz o seguinte: “Inadmissível
recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos
declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
Como
vimos, esta orientação, outrora prevalecente, não mais pode servir de baliza
jurisprudencial com a entrada em vigor do CPC/2015.
De fato,
bem sabemos que atualmente, e esta é a decorrência fundamental da parte final
do artigo 1.025 do CPC/2015, o pré-questionamento conta com nova fisionomia:
a despeito de persistir como ato do juízo, pois a este cabe enxergar, ou não,
na decisão o debate autorizador do recurso excepcional, é fato que não estamos
mais diante de cenário em que apenas ao juízo recorrido (a
quo) cabe promover, ou não, a satisfação de tal requisito (provendo ou
rejeitando os declaratórios pré-questionadores, ad exemplum).
Ao
juízo ad quem cabe, também, considerar preenchido tal
relevante requisito recursal excepcional em contraposição ao que decidiu o
juízo recorrido, desde que repute merecedores de provimento os embargos
declaratórios opostos pela parte com desiderato pré-questionador e que foram
inadmitidos ou rejeitados na origem.
Portanto,
o Enunciado 211 da Súmula do STJ, condicionador do pré-questionamento ao
acolhimento, pelo juízo local, dos declaratórios opostos para
tal finalidade, não mais deve ser observado, dado haver sido superado pelo
CPC/2015, porque o pré-questionamento não é mais dependente, em regime de
exclusividade, do pronunciamento do juízo a quo. Também o juízo ad
quem toma parte na satisfação do pré-questionamento, como acima
expusemos.[5]
Há
perceptível mudança de paradigma — em sentido ampliativo e inclusivo
— quanto à iniciativa jurisdicional para considerar pré-questionada a
matéria recursal excepcional, agora duplicada (porque extensiva ao juízo ad
quem dos recursos especial e extraordinário), e tal mudança é
positiva, notadamente se considerarmos que o juízo a quo, justamente
o prolator da decisão recorrida, no mais das vezes apresenta, como percebemos
na práxis forense, forte resistência ao acolhimento dos declaratórios opostos
em face da decisão que proferiu.
Nota-se,
enfim, que o CPC/2015, no tocante aos declaratórios, ainda que não tenha
promovido a possibilidade de o pré-questionamento ser, também, ato proveniente
da parte em caráter exclusivo (o que teria ocorrido se a mera existência de
embargos de declaração pré-questionadores fosse hábil à satisfação de tal
requisito, a despeito de decisão judicial a seu respeito), acabou por tornar
maior, mais larga a via para seu atingimento.
[1]
O presente artigo é reflexo de discussões estabelecidas entre os membros do
Grupo F – Recursos, do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados de Processo,
presentes à reunião semestral realizada em dezembro de 2016: Rogerio Licastro
Torres de Mello, Cristiane Druve, Izabel Cristina Pantaleão, Elton Possa e
Anwar Mohamad Ali.
[2]
Em passado recente, identificava-se a existência de divergência entre a
jurisprudência do STJ e do STF no tocante à capacidade de os embargos de
declaração servirem ao pré-questionamento. No âmbito do STJ, consolidou-se o
entendimento de que os declaratórios apenas serviriam ao pré-questionamento das
matérias federais e constitucionais se efetivamente providos pelo juízo
a quo, existindo, portanto, a efetiva constância do debate jurídico excepcional na
decisão. De conformidade com o entendimento do STF firmado até recentemente,
apenas a oposição dos declaratórios pré-questionadores era bastante para que se
consumasse a satisfação de tal requisito recursal excepcional,
independentemente de seu provimento pelo órgão jurisdicional a quo. Era
o que se chamava de “pré-questionamento ficto”. Houve, ultimamente (nos
estertores da vigência do CPC/73), a adoção, em diversos julgados do STF, da
mesma linha decisória do STJ a respeito do assunto, de modo que os
declaratórios apenas teriam utilidade para fins pré-questionadores se
efetivamente acolhidos. Oferece-nos o panorama ora noticiado MEDINA, José
Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno, Ed. RT, São
Paulo, 2015, p. 2015.
[3]
Neste sentido, confira-se, por exemplo, trecho da ementa do AI 739580 AgR / SP - SÃO PAULO, Rel.
Ministra Rosa Weber:“Esta Corte não tem procedido à exegese a contrario
sensu da Súmula STF 356 e, por consequência, somente considera prequestionada a
questão constitucional quando tenha sido enfrentada, de modo expresso, pelo
Tribunal de origem. A mera oposição de embargos declaratórios não basta para
tanto.”
4 Teresa Arruda Alvim já detectara este
fenômeno: “O órgão ad quem age como se estivesse dando provimento aos
embargos, considerando que o embargante de declaração tem direito àquilo que
pede (...). ARRUDA ALVIM, Teresa. Código de Processo Civil
Anotado, coord. de José Rogerio Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira
Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti, Sando Gilbert
Martins, GZ Editora, Rio de Janeiro, 2016, p. 1405.
5 Neste sentido, MAZZEI, Rodrigo Reis. Breves
Comentários ao Novo CPC, coord. de Teresa Arruda Alvim, Fredie Didier
Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas, Ed. RT, São Paulo, 2015, p. 2283.
Rogerio
Licastro Torres de Mello é
doutor e mestre em direito processual civil pela PUC-SP. Advogado em São Paulo.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Fundação
Armando Álvares Penteado.
Revista Consultor
Jurídico, 20 de março de 2017, 9h03
https://www.conjur.com.br/2017-mar-20/rogerio-licastro-embargos-declaracao-cpc-pre-questionamento
STF
Incidência da Súmula n° 282 desta
Corte. Anote-se que o fato do recorrente ter trazido a
questão constitucional no bojo dos embargos de declaração
não é ...
Decisão:
Vistos.
José Benedito Costa e outros
interpõem agravo de instrumento contra a decisão que não admitiu recurso
extraordinário assentado em contrariedade ao artigo 6º da Constituição Federal.
Insurgem-se, no apelo extremo,
contra acórdão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, assim
ementado:
“DIREITO
CIVIL. CONTRATO. SFH. CORREÇÃO DE SALDO DEVEDOR APLICAÇÃO DA TR. POSSIBILIDADE.
INEXISTÊNCIA DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL A SER DIRIMIDO. QUESTÃO PACIFICADA NO
STJ. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 168/STJ. IN CASU.
I
- Se, no contrato, compromete-se o mutuário a pagar o saldo devedor observando
a sua atualização pela TR, tal deve ser cumprido, inexistente qualquer
ilegalidade a comprometer o pacto. Esta a hodierna jurisprudência deste eg.
Tribunal, tanto das Turmas de direito público quanto as de direito privado.
II
- Aplicação da Súmula n. 168/STJ, na espécie.
III
– Precedentes citados: Resp n. 656.083/DF, Primeira Turma, Rel. Min. JOSÉ
DELGADO , in DJ de 1º/7/05; Resp n.
695.906/CE, Segunda Turma, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, in DJ de 20/6/05; Resp n. 576.638/RS,
Quarta Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, in
DJ de 23/5/05.
IV
– Agravo regimental improvido” (fl. 146).
Opostos embargos de declaração
(fls. 150 a 154), foram rejeitados (fls. 157 a 161).
Decido.
Anote-se, inicialmente, que o
acórdão dos embargos de declaração foi publicado em 8/10/07, conforme expresso
na certidão de folha 163, não sendo exigível a demonstração da existência de
repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso
extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento
nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de
6/9/07.
No que se refere ao artigo 6º da
Constituição Federal, único dispositivo indicado como violado, carece do
necessário prequestionamento, sendo certo que esse ponto não foi objeto dos
acórdãos recorridos. Incidência da Súmula n° 282 desta Corte. Anote-se que o
fato do recorrente ter trazido a questão constitucional no bojo dos embargos de
declaração não é bastante para suprir o requisito do prequestionamento, a teor
da Súmula nº 356/STF. Nesse sentido:
“1.
Recurso extraordinário: descabimento: dispositivo constitucional dado por
violado (CF, art. 5º, II) não analisado pelo acórdão recorrido: incidência das
Súmulas 282 e 356. 2. Embargos de declaração, prequestionamento e Súmula 356.
Os embargos declaratórios só suprem a falta de prequestionamento quando a
decisão embargada tenha sido efetivamente omissa a respeito da questão antes
suscitada. 3. Recurso extraordinário: inadmissibilidade: alegada violação a
dispositivo constitucional que, se ocorresse, seria reflexa ou indireta, que
não enseja exame no recurso extraordinário: incidência, mutatis mutandis, da Súmula 636” (AI nº 596.757/RS-AgR, Primeira
Turma, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 10/11/06).
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
1. Ao contrário do que sustenta o agravante, os embargos de declaração, para
fins de prequestionamento, servem para suprir omissão do acórdão recorrido em
relação à matéria suscitada no recurso cabível ou nas contra-razões e não para
inovar matéria constitucional não debatida nos autos. 2. Ausente o
prequestionamento do art. 129, III, da Constituição, dado como contrariado. Não
prescinde desse requisito, inerente ao cabimento do recurso de natureza
extraordinária, a circunstância de poder a ilegitimidade ativa ad causam ser analisada em qualquer
grau de jurisdição. 3. Agravo regimental improvido” (RE nº 434.420/DF-AgR,
Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen
Gracie, DJ de 14/6/05).
Ademais, a jurisprudência desta
Corte é firma no sentido de que não se
admite recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de
Justiça no qual se suscita questão constitucional resolvida na decisão de
segundo grau. Sobre o tema:
“Agravo regimental no agravo de instrumento.
Ausência de RE interposto concomitantemente ao recurso especial. Preclusão .
1. Não se
admite recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de
Justiça, no qual se suscita questão constitucional resolvida na decisão de 2º
grau.
2. Agravo
regimental desprovido” (AI nº 666.003/DF-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 19/12/07).
CONSTITUCIONAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO CONSTITUCIONAL NÃO DECIDIDA
NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO CABIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. I. - Questão
constitucional invocada não decidida no acórdão recorrido, do STJ, mesmo porque
não comportaria apreciação no recurso especial, limitado ao contencioso de
direito comum. II. - No sistema da Carta, em que os recursos especial e
extraordinário devem ser interpostos concomitantemente - contencioso comum,
REsp, contencioso constitucional, RE - não interposto o RE, a matéria
constitucional preclue. A matéria constitucional que enseja recurso
extraordinário de acórdão do STJ, que decide o REsp, é aquela que surge no
julgamento deste. III. - Agravo não provido” (AI nº 364.277/SP-AgR, Segunda
Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso
, DJ de 28/6/02).
Ressalte-se que a Quinta Turma Cível
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios confirmou a decisão de
1º grau que assentou a possibilidade de aplicação da Taxa Referencial como
índice de correção monetária e o Superior Tribunal de Justiça, por sua vez,
examinando, tão-somente, os aspectos legais, se limitou a negar provimento ao
recurso especial.
Nego provimento ao agravo.
Publique-se.
Brasília, 18 de outubro de 2010
Ministro Dias Toffoli
Relator
Documento assinado digitalmente
Entrevista
Exclusiva com a ministra Eliana Calmon: "O juiz de primeira instância
virou um nada."
Marco Antonio Villa
Nesta
entrevista:
- As quatro
instâncias da justiça brasileira.
- O desprezo
pela primeira instância.
- O trabalho
da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça
- A
judicialização da política.
- Redefinir
o papel do Supremo Tribunal de Justiça.
- Uma
justiça mais célere e justa.
https://www.youtube.com/watch?v=hIMuy9Zv8lk
EMBARGOS CULTURAIS
Machado de Assis
e a teoria das almas, antes de Freud
1 de dezembro de 2019, 8h00
Por Arnaldo Sampaio de
Moraes Godoy
Machado de Assis nunca leu Freud. E
Freud nunca leu Machado de Assis. Freud explorou a literatura de ficção na
construção de sua teoria e de suas tipologias: Édipo, Hamlet e Lady Macbeth são
os exemplos mais significativos. Machado de Assis era recorrentemente
preocupado com a alma, e com a saúde da alma. A epilepsia, e a crença de que
epiléticos tinham pedras na cabeça (de onde a expressão louco de pedra), talvez
possa ter alguma influência nesse interesse.
O tema da alma é constante em Machado
de Assis. O enredo do Alienista e o Dr. Simão Bacamarte
ilustram a premissa. Acrescento ao argumento o intrigante conto O
Espelho da Alma, publicado primeiramente na Gazeta de Notícias, em 8
de setembro de 1882. Freud tinha 26 anos, ainda não se ocupava com a teoria
psicanalítica. De algum modo, Machado de Assis tratou desse assunto. Reitera-se
a tese de Roberto Schwartz e das ideias fora do lugar. Espelho da Alma é
um dos textos mais perturbadoras de Papéis Avulsos, nome do
livro no qual o conto também foi publicado.
Já se disse que Machado de Assis não
pode ser lido antes dos 30 anos de idade. Perturba. Desestabiliza. Como na
fascinante passagem do Eclesiastes (3:1-8), “tudo tem o seu tempo
determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu; há tempo de
nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se
plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de
edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de
dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar,
e tempo de afastar-se de abraçar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de
guardar, e tempo de lançar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de
estar calado, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de
guerra, e tempo de paz”. E há também o tempo certo para lermos nosso maior
escritor.
Nesse conto, O Espelho da
Alma, cinco homens, que orçavam entre 40 e 50 anos, discutem questões
da mais alta transcendência. São metafísicos, preocupados com a realidade que
escapa à realidade perceptível sem maiores esforços. Quatro deles falavam
muito. O quinto, Jacobina, permanecia a maior parte do tempo calado. Jamais
discutia. Ao longo da discussão, no entanto, e inesperadamente, levantou a voz
e proclamou que não há apenas uma alma. Para Jacobina nós contamos com duas
almas. A primeira delas olha para fora, a segunda delas, para dentro, o que
sugere figura de linguagem que os gramáticos chamam de personificação ou
prosopopeia. Almas não olham.
Jacobina falou por quase 40 minutos.
Concluiu sua hipótese enfatizando que não admitiria réplicas. Os ouvintes não
entenderam o que Jacobina explicava. A alma exterior poderia se revestir de
várias formas. Poderia ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um
par de botas, um livro, o botão de uma camisa. Ao lada da outra alma, a
interior, teríamos (e seríamos, do ponto de vista da alma) uma figura circular,
dividida em duas partes, assemelhada a uma laranja. Jacobina lembrou que
Shylock, o mercador venal da peça de Shakespeare, tinha uma alma exterior, que
era em forma de dinheiro. Essa alma exterior, continuava, variava, se alterava,
era substituída. Não era constante.
Para comprovar a hipótese, narrou uma
história que teria vivido. Contou que fora um moço muito pobre. Um dia foi
nomeado Alferes da Guarda Nacional. Uma parte da vila onde vivia comemorou e
ficou em júbilo. Cotizaram-se e compraram a farda. A outra parte, enciumada,
não admitiu tamanha vitória. É sempre assim, nossas vitórias entusiasmam, mas
também provocam a inveja.
A mais entusiasmada com a vitória de
Jacobina, continuava, era uma tia, Dona Marcelina. Pediu que Jacobina a
visitasse. A tia o tempo todo elogiava a beleza do sobrinho nomeado alferes, e
o fazia tão ardentemente, que Jacobina deixou de se ver e sentir como um ser
humano. Transformou-se no alferes, e aferrou-se na farda. Estava transformado.
A tia o mimava, dando-lhe tudo de que necessitava. Ele era menos ele, e muito
mais a farda. Somos sempre muito menos nós mesmos e muito mais quem ou pelo que
nos apaixonamos. Até quando a paixão acaba. E há tempo para tudo...
Por causa da filha que caiu muito
adoentada Dona Marcelina deixou Jacobina sozinho na fazenda. Foi cuidar da
filha. Os escravos, que tanto adulavam Jacobina, fugiram da fazenda, deixando-o
sozinho, com as plantas que morriam. Não havia mais ninguém. Jacobina sentia-se
só. Deprimido. Desolado. O terreiro deserto. A roça abandonada. Até os cães
teriam partido. O relógio da tia, prossegue Machado, fazia um tic-tac que
lembrava o verso de um poema inglês: never, forever, forever, never!
Jacobina enlouqueceu.
Dormia muito. Porque no sono,
sonhava. Era quando se via vestido de alferes, com os aplausos e carinho de
parentes e amigos. Muito antes de Freud lançar a Interpretação dos
Sonhos (em 1900) Machado de Assis apresentava uma teoria sobre os
estados oníricos que se assemelhava à teoria do psicanalista de Viena. O sonho
era visto como a realização de um desejo. Nas palavras de Machado de Assis, no
“sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma
interior”. Na tipologia freudiana dos sonhos o mecanismo de libertação
de pulsões e desejos contidos é muito semelhante.
Jacobina recorreu a um artifício.
Lembrou-se de vestir a farda, fardou-se, e olhou-se no espelho. Nesse momento,
voltava a ser quem um dia fora. Renascia em uma alma exterior. Foi assim que
conseguiu vencer os seis dias que faltavam. Não se sabe se a tia retornou.
Arcanamente, Machado encerrou o conto narrando que ao fim da narrativa os
ouvintes teriam descido a escada. Foram embora.
Uma teoria da alma que a contemple como
uma circunstância dupla pode ser a chave interpretativa para tantos de nossos
dilemas, desejos incontidos, reprimidos e sonhados. Vivemos na superficialidade
da alma exterior. A alma interior é alcançada nos mistérios dos sonhos e em
nossos pensamentos mais íntimos. A racionalidade da narrativa choca-se com a
impossibilidade dos fatos. O leitor do conto resistimos em entender o desate da
estória, talvez porque a alma dupla em que nos dividimos teime em aceitar a
metade oposta. Uma delas é o antes, a outra, o sempre.
Arnaldo Sampaio
de Moraes Godoy é
livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e
doutor pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico,
1 de dezembro de 2019, 8h00
https://www.conjur.com.br/2019-dez-01/embargos-culturais-machado-assis-teoria-almas-antes-freud
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