"É uma
ousadia confrontar o movimento negro"
Oswaldo de
Camargo sobre falas do filho
Presidente da
Fundação Palmares exclui Marina Silva da lista de personalidades negras da
instituição
Sérgio Camargo insultou Marina Silva,
o ex-deputado Jean Willys e os deputados Talíria Petrone e David Miranda, do
PSOL, e a cantora Preta Gil, afirmando que eles se declaram negros por
conveniência.
Por Jornal
Nacional
13/10/2020 21h57 Atualizado há
20 horas
00:00/04:31
Presidente da Fundação Palmares exclui
Marina Silva da lista de personalidades
O
presidente da Fundação Palmares anunciou em uma rede social que excluiu o nome
da ex-ministra e ex-candidata à presidência Marina Silva da lista de
personalidades negras da instituição.
Sérgio
Camargo fez o anúncio com uma série de insultos: “Marina Silva foi excluída da
lista de personalidades negras da Fundação Cultural Palmares. Marina não tem
contribuição relevante para a população negra do Brasil. Disputar eleições não
é mérito. O ambientalismo dela vem sendo questionado e não é o foco das ações
da instituição.”
E
acrescentou: “Segundo críticos, enquanto o povo da Amazônia definhava, Marina
Silva recebia prêmios de sustentabilidade na Europa. A permanência dela na
galeria de personalidades negras da Fundação Palmares era insustentável e
injustificável”.
Marina Silva
foi empregada doméstica. Só conseguiu se alfabetizar aos 16 anos. Se formou em
história, foi vereadora em Rio Branco, deputada estadual e duas vezes senadora,
ministra do Meio Ambiente por cinco anos e disputou a eleição para presidente
do país três vezes.
O
presidente da Fundação Palmares, instituição dedicada à promoção da cultura
afro-brasileira e ao enfrentamento do racismo também atacou outras
personalidades.
“Marina
Silva autodeclara-se negra por conveniência política. Não é um caso isolado.
Jean Willys, Talíria Petrone, David Miranda (branco) e Preta Gil também são
pretos por conveniência. Posar de ‘vítima’ e de ‘oprimido’ rende dividendos
eleitorais e, em alguns casos, financeiros”, escreveu ele.
Em 2020,
Sérgio Camargo já havia retirado da lista de personalidades negras da Fundação
Palmares, a ex-governadora do Rio de Janeiro, ex-senadora e atual deputada
federal do PT Benedita da Silva e José Francisco dos Santos, mais conhecido
como Madame Satã, que ficou famoso como um dos primeiros travestis artísticos
do teatro brasileiro.
A nomeação
de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares, em novembro de 2019,
causou uma onda de manifestações. Ele deu declarações que minimizaram os
efeitos da escravidão e do racismo no Brasil. Uma liminar da Justiça Federal
chegou a obrigar o governo a voltar atrás. Mas Sérgio Camargo retornou ao cargo
assim que o governo conseguiu derrubar a decisão.
A deputada
Benedita da Silva disse que Sérgio Camargo "age como capitão-do-mato,
repito, capitão-do-mato, tentando tirar da história do Brasil pessoas que
representam o povo negro".
O deputado
David Miranda, do PSOL, disse que “a permanência de Sérgio Camargo na Fundação
Palmares envergonha todo brasileiro e brasileira”, e que ele “é um inimigo da
luta antirracista, um sujeito completamente despreparado e indigno do cargo que
ocupa”.
A deputada
federal Talíria Petrone, do PSOL, disse que “a postura de Sérgio Camargo
definitivamente não condiz com o cargo que ocupa. Não é este homem, com esta
postura que reproduz o racismo e envergonha nossa história de resistência, que
irá questionar minha realidade enquanto mulher negra”.
O
ex-deputado Jean Wyllys disse que “as decisões administrativas de um
desqualificado não mudam a maneira como me identifico tampouco a etnia de meus
antepassados por parte da família de meu pai, fator sobre o qual ele não tem
nenhuma autoridade para se manifestar”.
Marina
Silva afirmou que Sérgio Camargo tenta distorcer a história.
“Todas as
pessoas que foram excluídas com certeza não foram excluídas por serem
irrelevantes, mas exatamente pela importância das causas que defendiam, porque
geralmente aqueles que são contrários a tudo que é defesa dos direitos humanos,
do meio ambiente, do combate às formas preconceituosas de lidar com o diferente
acabam tentando não ir para o debate, mas tentar eliminar, ocultar. E eu acho
que a gente tem que encarar isso com altivez de quem sabe de que a história não
é feita por aqueles que têm uma visão autoritária e que eventualmente estão no
poder. A história é feita por aqueles que persistem na democracia e nos valores
da civilização.”
A cantora
Preta Gil não quis se manifestar.
No link:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/10/14/maioria-dos-ministros-vota-no-stf-pela-manutencao-da-prisao-do-traficante-andre-do-rap.ghtml
Abolições e (re)
elaborações literárias: Dostoiévski, Machado de Assis e o fim da servidão e da
escravidão.1
Ana Carolina
Huguenin Pereira
“Feliz o escritor
que, passando ao largo das personagens enfadonhas, repugnantes, que nos repelem
com seu triste realismo, aproximam-se das personagens que mostram a elevada
dignidade humana [...]. [...] Diversa é a sorte [...] do escritor que se
atreveu a descortinar tudo aquilo que está diante dos olhos [...] – todo o
terrível, espantoso limbo da mesquinharia que enlameia a nossa vida, toda a
profunda, assustadora frieza dos caracteres fragmentados e vulgares que pululam
no nosso tantas vezes amargo e tedioso caminho terrestre; o escritor que, com o
vigor do seu cinzel impiedoso, ousou expô-los em alto e nítido relevo aos olhos
do mundo!” (N. Gógol. Almas mortas.)
1 Uma versão preliminar deste artigo
foi publicada em 2016, na Revista Passagens. Ver: PEREIRA, Ana Carolina
Huguenin. “Dostoiévski e Machado de Assis: “Que fazer” do fim da servidão e da
escravidão”. Em: Passagens. Revista Internacional de História Política e
Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: vol. 8, n.2, maio-agosto 2016, p.
331-354. O texto passou por revisões e modificações, incorporando novas
temáticas e referências bibliográficas.
[...]
Cerca de um mês após a Abolição,
Machado de Assis utilizou a obra gogoliana como motivo, em crônica de 26 de
junho de 1888, publicada na Gazeta de Notícias. Se o autor russo, com
seu “cinzel impiedoso” não hesitara em “descortinar tudo aquilo que estava
diante dos olhos”2 , nos quadros de uma aberração legal vinculada ao
sistema (aberrativo ele mesmo) servil; Machado, sempre munido da “pena da
galhofa e [d]a tinta da melancolia”3 , se remeteu às “almas mortas”
de Gógol para expor, em Bons Dias, o escravagismo brasileiro. Na crônica
machadiana, um vigarista – um entre muitos dos “caracteres fragmentados e
vulgares”4 que compõem a galeria de personagens machadianos (e
gogolianos) –, espécie de versão nacional de Tchítchikov, apresenta seu projeto
de enriquecimento por meio de um plano “que é tão fino como esse [de
Tchítchikov], e muito mais honesto. Sabem que a honestidade é como a chita, há
de todo o preço, desde meia pataca”5 . A tramoia, fiel à inspiração
russa, só é possível, sem dúvida, dentro do contexto histórico que Machado
“descortina” com ironia e sem condescendência. “Tchítchikov” brasileiro
desejaria arranjar emprestado “uns vinte contos de réis” com os quais compraria
quinhentos libertos. A proposta era pagar, pelos antigos escravos que haviam
partido e aqueles que, por falta de perspectivas, permaneceram nas terras dos
senhores, dez mil réis por cabeça. Na escritura de compra, porém, constaria
data imediatamente anterior à Lei Áurea - 29 de abril de 1888.
2 GÓGOL, Nikolai. Almas mortas.
São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 172.
3 ASSIS, J. Machado de. Memórias
póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ed. FTD, 1992.
4 GÓGOL, Nikolai. Ibid.
5 ASSIS. J.M. Machado de. Obra
completa, volume 3. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1973, p. 494.
No link:
http://www.casaruibarbosa.gov.br/arquivos/file/eBooks/instituicoes_Nefandas.pdf
26 de junho
Bons dias!
Eu, se tivesse crédito na praça, pedia
emprestados a casamento uns vinte contos de réis, e ia comprar libertos.
Comprar libertos não é expressão clara; por isso continuo.
Conhece o leitor um livro do célebre
Gógol, romancista russo, intitulado Almas Mortas? Suponhamos que não
conhece, que é para eu poder expor a semente da minha idéia. Lá vai em duas
palavras.
Chamam-se almas os campônios
que lavram as terras de um proprietário, e pelos quais, conforme o número, paga
este uma taxa ao Estado. No intervalo do lançamento do imposto, morrem alguns
campônios e nascem outros. Quando há déficit, como o proprietário tem de
pagar o número registrado, primeiro que se faça outro recenseamento, chamam-se almas
mortas os campônios que faltam.
Tchitchikof, um espertalhão da minha
marca, ou talvez maior, lembra-se de comprar as almas mortas de vários
proprietários. Bom negócio para os proprietários, que vendiam defuntos ou
simples nomes, por dez-réis de mel coado. Tchitchikof, logo que arranjou umas
mil almas mortas, registrou-as como vivas; pegou dos títulos do
registro, e foi ter a um Monte de Socorro, que, à vista dos papéis legais,
adiantou ao suposto proprietário uns 200.000 rublos; Tchitchikof meteu-os na
mala e fugiu para onde a polícia russa o não pudesse alcançar.
Creio que entenderam; vejam agora o
meu plano, que é tão fino como esse, e muito mais honesto. Sabem que a
honestidade é como a chita; há de todo o preço, desde meia pataca.
Suponha o leitor que possuía duzentos
escravos no dia 12 de maio, e que os perdeu com a Lei de 13 de Maio. Chegava eu
ao seu estabelecimento, e perguntava-lhe:
— Os seus libertos ficaram todos?
— Metade só; ficaram cem. Os outros
cem dispersaram-se; consta-me que andam por Santo Antônio de Pádua.
— Quer o senhor vender-mos?
Espanto do leitor; eu, explicando:
— Vender-mos todos, tanto os que
ficaram, como os que fugiram.
O leitor assombrado:
— Mas, senhor, que interesse pode ter
o senhor...
— Não lhe importe isso. Vende-mos?
— Libertos não se vendem.
— É verdade, mas a escritura de venda
terá a data de 29 de abril; nesse caso, não foi o senhor que perdeu os
escravos, fui eu. Os preço marcados na escritura serão os da tabela da lei de
1885; mas eu realmente não dou mais de dez mil-réis por cada um.
Calcula o leitor:
— Duzentas cabeças a dez mil-réis são
dois contos. Dois contos por sujeitos que não valem nada, porque já estão livres,
é um bom negócio.
Depois refletindo:
— Mas, perdão, o senhor leva-os
consigo?
— Não, senhor: ficam trabalhando para
o senhor; eu só levo escritura.
— Que salário pede por eles?
— Nenhum, pela minha parte, ficam
trabalhando de graça. O senhor pagar-lhes-á o que já paga.
Naturalmente, o leitor, à força de não
entender, aceitava o negócio. Eu ia a outro, depois a outro, depois a outro,
até arranjar quinhentos libertos, que é até onde podiam ir os cinco contos
emprestados; recolhia-me à casa, e ficava esperando.
Esperando o quê? Esperando a
indenização, com todos os diabos! Quinhentos libertos, a trezentos mil-réis,
termo médio, eram cento e cinqüenta contos; lucro certo: cento e quarenta e
cinco.
Porquanto, isto de indenização, dizem
uns que pode ser que sim, outros que pode ser que não: é por isso que eu pedia
o dinheiro casamento. Dado que sim, paga e casava (com a leitora, por exemplo);
dado que não, ficava solteiro e não perdia nada, porque o dinheiro era de
outro. Confessem que era um bom negócio.
Eu até desconfio que há já quem faça
isto mesmo, com a diferença de ficar com os libertos. Sabem que no tempo da
escravidão, os escravos eram anunciados com muitos qualificativos honrosos,
perfeito cozinheiros, ótimos copeiros, etc. Era, com outra fazenda, o mesmo que
fazem os vendedores, em geral: superiores morins, lindas chitas, soberbos
cretones. Se os cretones, as chitas e os escravos se anunciassem, não poderiam
fazer essa justiça a si mesmos.
Ora, li ontem um anúncio em que se
oferece a aluguel, não me lembra em que rua, — creio que na do Senhor dos
Passos, — uma insigne engomadeira. Se é falta de modéstia, eis aí um dos
tristes frutos da liberdade; mas se é algum sujeito que já se me antecipou...
Larga Tchitchikof de meia tigela! Ou
então vamos fazer o negócio a meias.
Boas noites.
Texto-fonte:
Obra Completa de Machado de Assis.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol.
III, 1994.
Publicado originalmente na Gazeta de
Notícias, Rio de Janeiro, de 05/04/1888 a 29/08/1889.
file:///C:/Users/User/Downloads/bonsDias%20(4).pdf
No link:
"É uma
ousadia confrontar o movimento negro", diz Oswaldo de Camargo sobre falas
do filho
Jornalismo TV
Cultura
O poeta, escritor e militante do
movimento negro, Oswaldo de Camargo é pai do atual presidente da Fundação
Cultural Palmares, Sérgio Camargo. Nomeado para o cargo pelo presidente Jair
Bolsonaro, Sérgio causou polêmica por suas críticas à atuação do movimento
negro no Brasil. A apresentadora do Jornal da Tarde, Joyce Ribeiro, conversou
com ele sobre a postura do filho. Assista a segunda parte da entrevista. Para
comentar essas e outras notícias, Ana Paula Couto recebe o economista Gesner
Oliveira e o médico cardiologista Dante Senra.
https://www.youtube.com/watch?v=NANcq_5Z4gs
Nenhum comentário:
Postar um comentário