O Problema não é
a lei
Um Nuremberg para
Bolsonaro
Um Nuremberg sob
medida
A tailored
Nuremberg
Ein
maßgeschneidertes Nürnberg
O Tribunal de Nuremberg foi
uma corte internacional criada em 1945 para julgar os crimes cometidos pelos
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Os julgamentos começaram em 20 de
novembro de 1945 e terminaram em 1º de outubro de 1946.
Tribunal Penal
Internacional e a CF/1988
No link:
CF88 - Art. 5º,
§4º (Tribunal Penal Internacional)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal
Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado
adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Prof. Emerson
Bruno - Ed. Atualizar
https://www.youtube.com/watch?v=ejuWFo1KIaw
No link:
Prova Final:
Conflito entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal Brasileira
Prova Final:
Direito Internacional - Conflito entre o Estatuto de Roma e a Constituição
Federal Brasileira - http://www.prova-final.blogspot.com.br/
https://www.youtube.com/watch?v=3DsQscaF6lE
Estatuto
de Roma do Tribunal Penal Internacional
Artigo 1o
O
Tribunal
É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal").
O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas
responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de
acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais
nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo
presente Estatuto.
Feito
em Roma, aos dezessete dias do mês de julho de mil novecentos e noventa e oito.
DECRETO Nº 4.388, DE 25 DE SETEMBRO DE
2002.
Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe
confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição,
Considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto do Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional, por meio do Decreto Legislativo no 112,
de 6 de junho de 2002;
Considerando que o mencionado Ato Internacional entrou em vigor internacional
em 1o de julho de 2002, e passou a vigorar, para o
Brasil, em 1o de setembro de 2002, nos termos de seu
art. 126;
DECRETA:
Art. 1o O Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional, apenso por cópia ao presente Decreto, será
executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.
Art. 2o São sujeitos à
aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão
do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos
do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Art. 3o Este Decreto entra em
vigor na data de sua publicação.
Brasília, 25 de setembro de 2002; 181o da
Independência e 114o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Luiz Augusto Soint-Brisson de Araujo Castro
Este texto não substitui o publicado no DOU de
26.9.2002
Além da lei disse:
13 de julho de 2020
https://revistacult.uol.com.br/home/wp-content/uploads/2020/07/nurembergcapq088292qewq_widelg.jpg
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Tribunal de
Nuremberg, 1945 (Foto: Reprodução)
Em 16 de outubro de 1998 o senador
Augusto Pinochet encontrava-se tranquilamente em Londres para tratamento
médico. Foi preso pela Scotland Yard em cumprimento a um pedido de extradição
emitido pelo juiz espanhol Baltazar Garzon por crimes contra a humanidade.
A ditadura de Pinochet deixou 40 mil
vítimas, entre as quais 3.225 mortos e desaparecidos. Entregou o poder em 1989,
mas manteve o controle das Forças Armadas e em 1998 tornou-se senador
vitalício.
Nenhum dos crimes foi cometido na
Espanha ou na Inglaterra. Embora houvesse menção a cidadãos espanhóis vítimas
da ditadura chilena no pedido acatado por Garzon, isso não era relevante. O
pedido de extradição e sua observância pelo Estado inglês naquele momento
tinham como fundamento a regra da jurisdição universal dos crimes contra a
humanidade. Não importa a nacionalidade das vítimas, o lugar em que os crimes
foram cometidos; não importam as regras típicas do Direito comum e interno
sobre competência. Por força de uma norma vinculante (diz-se “cogente”) de
Direito Internacional, todo Estado tem jurisdição nos crimes contra
a humanidade.
Nada de novo. Desde o início da Idade
Moderna, por volta do século 16, a pirataria está sujeita à jurisdição
universal. O primeiro escritor do Direito Internacional, Grocio, em 1624,
escreveu que “reis têm o direito de punir não apenas por ofensas contra si ou
seus súditos, mas também nas graves violações das leis da natureza (…) porque
devem cuidar da sociedade humana em geral” (De Jure Belli ac Pacis).
No episódio, o Estado inglês deu
decisões contraditórias, em alguns momentos reconhecendo a jurisdição
universal. A resistência liderada por Margaret Thatcher, que gostava de
Pinochet porque combateu o comunismo, fez com que o ditador não fosse
extraditado para a Espanha e pudesse retornar para o Chile por razões de saúde.
Faria bem a Bolsonaro refletir
sobre Pinochet. Ou sobre Eichmann,
condenado por um Estado que sequer existia quando seus crimes foram cometidos.
Um dia, quem sabe, ao pisar em algum aeroporto em algum lugar do mundo, o
presidente poderá ser surpreendido por um mandado de prisão.
O colunista da Folha de S.Paulo Bruno
Boghossian fez a revelação mais chocante sobre a conduta
de Bolsonaro na crise da pandemia.
Deveria ter sido manchete em todos os jornais, mas passou algo despercebido em
meio à coleção de loucuras perpetradas por ele desde o início da crise.
Boghossian afirma que o ex-secretário do Ministério da Saúde, Wanderson
Oliveira, contou à repórter Natalia Cancian que o Palácio do Planalto foi
avisado em março que a estimativa de mortos pela pandemia seria
de 100 mil pessoas em seis meses. No momento em que escrevo, quatro meses
depois, ultrapassamos 70 mil mortos. A projeção está sendo certeira. Sabendo
dela, Bolsonaro disse no final de março que “alguns vão morrer, é a vida” e que
os mortos “não passariam de 800”.
Desde então aglomerou-se sem máscaras.
Afirmou tratar-se de uma gripezinha. Defendeu o uso de remédios sem comprovação
científica. Fez carga contra os governadores e prefeitos que tomaram as
necessárias e sãs medidas sanitárias restritivas. Usou a si mesmo como exemplo
de saúde por ser “atleta”, escancarado a eugenia da sua conduta (os idosos,
frágeis e portadores de comorbidades não importavam). Quis liberar academias e
salões de beleza das restrições. Quis impedir o uso de máscaras em presídios,
templos religiosos e em lojas. Demitiu dois ministros da saúde porque não
seguiram a sua política criminosa. O Ministério da Saúde é ocupado por um
militar interino. Nunca houve plano, estratégias ou esforço coordenado de
combate à doença por parte do governo federal. Dos 40 milhões de reais
previstos para enfrentar o novo coronavírus, o governou gastou apenas 12
milhões.
Para cúmulo e remate, vetou pontos de
projeto aprovado pelo Congresso que garantiam a comunidades e aldeias indígenas
acesso universal a água potável, distribuição gratuita de materiais de higiene,
de limpeza e desinfecção de superfícies, oferta emergencial de leitos
hospitalares e de unidade de terapia intensiva, ventiladores, máquinas de
oxigenação sanguínea e recursos para resguardar a saúde indígena. Cerca de nove
mil estão contaminados e 190 morreram. Sentenças de morte para indígenas. A
recusa em proteger presidiários e indígenas são, mais uma vez, criminosas
políticas eugenistas.
O Estatuto de Roma, que rege o
Tribunal Penal Internacional, estabelece como crime contra a humanidade, entre
outros, homicídios e atos desumanos que causem intencionalmente grande
sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou
mental, cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra
qualquer população civil.
O dispositivo é, na verdade, uma
consolidação de normas imperativas, obrigatórias, de Direito Internacional,
fixadas desde Nuremberg, cujas fontes são o costume, o reconhecimento ao longo
do tempo, os princípios gerais de direito. No caso dos crimes contra a
humanidade, o conceito e as regras de aplicação foram solidificadas pela
Comissão de Direito Internacional da ONU, em 1950, e contemplavam a mesma
norma: assassinato, extermínio, escravização, deportação e outros atos
desumanos cometidos contra qualquer população civil.
Convém estabelecer a distinção entre
normas costumeiras, imperativas de Direito Internacional e normas convencionais
estabelecidas por tratados, acordos firmados entre Estados. É que as primeiras
têm vigência e eficácia acima das segundas. Isto é expresso na Convenção de
Viena sobre tratados: “É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão,
conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins
da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é
uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como
um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser
modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma
natureza”.
O Brasil assinou o Estatuto de Roma.
Não tivesse assinado continuaria, como todos os países que não o firmaram (como
os Estados Unidos), ainda sujeito às normas costumeiras imperativas de Direito
Internacional Penal, à categoria crime contra a humanidade. A prisão de
Pinochet não se deu sob a égide do Estatuto de Roma, que somente se aplica aos
signatários e por atos posteriores à sua vigência. Deveu-se a tais normas
imperativas de Direito Internacional, assim como a condenação de Eichmann, o
processo de Klaus Barbie e de tantos outros criminosos nazistas desde o fim da
II Guerra.
Teria Bolsonaro, seja pelo Estatuto de
Roma, seja pelas normas imperativas de Direito Internacional, cometido crime
contra a humanidade na crise da pandemia, devendo ser responsabilizado por
milhares de mortes? A resposta é inapelavelmente sim.
Não é qualquer violação de direitos
humanos que pode ser caracterizada como crime contra a humanidade. Exige-se o
“elemento internacional”, que está presente quando dois requisitos são
satisfeitos: uma política de Estado e a gravidade das violações. Sem tais
requisitos a conduta está sujeita apenas aos ordenamentos internos. Por isso a
Máfia ou o PCC não podem ser responsabilizados por crimes contra a humanidade.
Somente pelos que estão à frente ou são executores de ações de Estado (embora
se admita que organizações políticas não estatais, mas poderosas, possam ser
sujeitos das violações, como Al-Qaeda, por exemplo).
Que a conduta de Bolsonaro seja uma
política de Estado não pode haver dúvida razoável. Ela é explícita, confessa.
Toda a sua trajetória no trato da pandemia grita isso. Ao criticar a absurda
interinidade de um militar sem formação médica no Ministério da Saúde, há
meses, enquanto morrem todos os dias mais de mil pessoas, o ministro Gilmar
Mendes afirmou que o “o exército está se associando ao genocídio”. O ex-ministro
da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse ter havido “um desmanche do Ministério da
Saúde no meio da maior pandemia do século”. Todo o corpo técnico do Ministério
foi trocado. Uma política selvagem e fascista.
Os dois países com maior número de
mortes têm presidentes negacionistas. Estados Unidos, com 140 mil, Brasil, com
70 mil, em curvas ascendentes. A China, com equivalentes dimensões continentais
e 1,3 bilhão de habitantes, controlou a pandemia com 4.600 mortes. Trata-se,
portanto, de violação grave, maciça, do direito à vida, à saúde, à integridade
física, em decorrência de uma política de Estado.
O conceito de crime contra a
humanidade contém a expressão “ataque generalizado ou sistemático”. A palavra
“ataque” pode à primeira vista significar apenas uma conduta ativa, ou como se
diz no jargão jurídico, “comissiva”, vindo à mente a ideia de ataque armado, de
um pogrom, de um ato ostensivo de violência. No entanto, homicídios ou
atos desumanos podem ser ataques cometidos por omissão, como no exemplo clássico
da mãe que, tendo o dever jurídico de zelar pela vida do filho, deixa de
alimentá-lo ou se omite dos cuidados necessários. Ou do salva-vidas que se
omite diante de pessoas se afogando. Basta que o agente tenha o dever jurídico
específico de evitar a morte para que se caracterize o homicídio por omissão.
Se assim é em casos singulares, assim é quando as vítimas são milhares e os
omissos têm, como agentes de Estado, dever jurídico de salvaguardar a vida dos
cidadãos. No Holocausto, parte das milhões de vítimas morreram por maus tratos,
condições desumanas de trabalho ou ausência de cuidados médicos, e não só pelo
assassinato dito comissivo, “positivo”. Igualmente no genocídio armênio, em que
parte da população foi morta por condições desumanas impostas no curso de um
deslocamento territorial cujo objetivo era efetivamente o extermínio.
A morte de milhares de cidadãos
brasileiros teria sido evitada se a política de Estado do governo Bolsonaro não
tivesse sido a omissão, motivada por interesses políticos mesquinhos, pela
eugenia e a indiferença à vida, como é próprio do fascismo. Isso diante de
dados que vinham de todo o mundo desde o começo do ano, e da informação de que
100 mil pessoas morreriam no Brasil em seis meses.
Considerar isso tudo um fato da
política ou mera gestão passível de crítica política é afastar-se de qualquer
patamar civilizatório. É permitir, ignorando toda a construção jurídica
moderna, que chefes ou agentes de Estado possam ser criminosos em massa, desde
que com meios implícitos ou por omissão.
A vigência de uma norma jurídica e o
reconhecimento de sua obrigatoriedade, dita “cogência”, não significam, claro,
a sua eficácia. Os Estados Unidos foram responsáveis por inúmeros crimes contra
a humanidade no século 20, e ainda no século corrente, apoiando ditaduras
terroristas ou praticando atos terroristas de mão própria que causaram
milhares de mortos. Não se pode razoavelmente esperar que a
política perca do Direito na maior parte das vezes. Ela ganha,
praticamente sempre. Supor que algum presidente norte-americano encontre
seu Nuremberg não é realista.
No entanto, que Bolsonaro, tal como
Pinochet, encontre em algum aeroporto do mundo um mandado de prisão é um sonho
civilizatório possível. Poderia Mussolini imaginar, no auge de seu poderio, que
terminaria seus dias enforcado em praça pública e pendurado de ponta cabeça em
um posto de gasolina?
Melhor do que elucubrações éticas
duvidosas e cerebrinas, como desejar a sua morte, são o impeachment e a
responsabilização jurídica. Desejar a morte não tem, até onde se sabe, qualquer
eficácia, além de ser um dilema moral inútil no discurso público, a menos que
seja um incitamento ao assassinato. Já Bolsonaro encontrar um Nuremberg seria
um avanço civilizatório. Que se sente no banco dos réus em Haia, no Tribunal
Penal Internacional, ou em qualquer lugar do mundo em que houver um juiz que
tenha a coragem e o compromisso que um dia tiveram os acusadores
espanhóis e o juiz Garzon.
MARCIO SOTELO
FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre
em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP
https://revistacult.uol.com.br/home/um-nuremberg-para-bolsonaro/
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