quinta-feira, 30 de outubro de 2025

VOLTA REDONDA

Volta Redonda? Entre o aço da ordem e o batuque da vida: uma leitura político-cultural da segurança pública, da imprensa e do humor brasileiro Por [Blecaute Redondo] I. Samba, política e a busca pelo sossego “Quem quer sossego / não procura onda / eu vou pra Volta Redonda!” Quando Blecaute lançou essa marchinha em 1959, o Brasil trocava o samba das avenidas pelo concreto de Brasília. A capital mudava, mas a alma do país continuava a mesma: dividida entre o desejo de progresso e o medo da bagunça. Mais de meio século depois, esse refrão ganha novo sentido. Em outubro de 2025, duas colunas jornalísticas — “A equidistância de Lula da tragédia de segurança pública no Rio”, de José Casado (Veja), e “Cláudio Castro assume sua necropolítica com o conceito de narcoterrorismo”, de Luiz Carlos Azedo (Correio Braziliense) — voltam a colocar o Rio no centro do debate nacional. De um lado, o silêncio; de outro, o tiro. Entre o mutismo presidencial e a retórica bélica estadual, o Brasil parece reviver a marchinha de Blecaute: procurando sossego em meio às ondas da história. II. A Veja e o silêncio do poder Na leitura de José Casado, Lula é o personagem de uma tragédia moral. O jornalista narra, com a precisão de quem conhece os bastidores, a demora de quase 24 horas para que o presidente se manifestasse sobre a operação policial que deixou dezenas de mortos no Rio. Para Casado, o atraso não é apenas comunicacional — é simbólico. O silêncio seria sinal de equidistância política e emocional, um descolamento entre o líder e o sofrimento popular. A Veja assume aqui seu lugar tradicional: o da crítica à omissão e à falta de comando. A segurança pública surge como prova de autoridade — o teste que separa estadistas de espectadores. O problema não é a violência do Estado, mas a ausência dele. O texto, enxuto e irônico, funciona como cobrança pública: exige voz, gesto, presença. É o jornalismo que cobra o grito antes do lamento. III. O Correio Braziliense e o grito da necropolítica Luiz Carlos Azedo, por sua vez, escreve em tom grave, quase elegíaco. Seu artigo denuncia o discurso de Cláudio Castro, que celebrou a letal operação policial como ato heroico. Para Azedo, o governador rompe com os paradigmas constitucionais de 1988 ao introduzir o conceito de “narcoterrorismo” — termo importado da doutrina norte-americana para legitimar a guerra interna e o uso irrestrito da força. Azedo cita Achille Mbembe e o conceito de necropolítica: o poder soberano que decide quem deve viver e quem pode morrer. No Rio de Janeiro, diz o autor, essa doutrina ganha forma e apoio popular. Os mortos das favelas são reclassificados como inimigos; o Estado assume a prerrogativa de eliminar e não de proteger. O artigo é uma crônica da barbárie com vocabulário de tese — e, ao mesmo tempo, um manifesto em defesa dos direitos humanos. Enquanto Casado cobra ação, Azedo cobra limite. Um fala ao cidadão do medo; o outro, ao cidadão do luto. Entre os dois, o leitor compreende a encruzilhada brasileira: quando o Estado fala, mata; quando se cala, consente. IV. Dois sambas opostos, um mesmo compasso Colocados lado a lado, os textos formam um curioso dueto. Casado representa o jornalismo de cobrança — aquele que pede mais Estado. Azedo pratica o jornalismo de denúncia — aquele que teme o Estado demais. Ambos, porém, tocam o mesmo ritmo: a melodia desafinada da segurança pública brasileira, em que a vida é nota dissonante e a justiça, contracanto. No primeiro samba, falta liderança; no segundo, sobra chumbo. No meio do salão, o povo dança — entre a marcha e a marchinha, entre a lei e o improviso. É o velho desfile da política nacional: os mesmos carros alegóricos de sempre, com novas fantasias de poder. V. Volta Redonda como metáfora No refrão de 1959, “Volta Redonda” era o destino de quem buscava paz fora da confusão da Guanabara. Mas o símbolo resiste: a “Cidade do Aço” representa a utopia do equilíbrio — nem a moleza do mar, nem o rigor da tropa. Hoje, essa metáfora ganha novo brilho: talvez o Brasil precise, de novo, voltar a Volta Redonda, procurar o meio-termo entre o ferro e o samba. Afinal, o país parece sempre oscilando entre o silêncio cúmplice e o barulho mortal. A marchinha, com seu humor terno e zombeteiro, recorda que o riso também pode ser resistência — e que criticar o poder pode, sim, rimar com alegria. VI. Epílogo: marchas e marchinhas “Quem quer sossego / não procura onda...” O verso de Blecaute soa hoje como conselho e ironia. Entre marchas fúnebres de operações e marchinhas críticas de cronistas, o Brasil continua a dançar. A Veja exige o compasso da autoridade; Azedo, o da consciência. Ambos, sem saber, marcam o ritmo de um mesmo desfile: o da democracia tentando sambar entre a espada e o pandeiro. E enquanto o país busca seu passo certo, resta o refrão — redondo, resiliente, inquebrável: “Eu vou pra Volta Redonda!” Referência musical: 🎵 Blecaute – Volta Redonda (1959) Marcha de Estanislau Silva, Rosa de Oliveira e Oldemar Magalhães – Copacabana, 78 rpm. "Quem quer sossego Não procura onda Eu vou pra Volta Redonda!" Blecaute - VOLTA REDONDA - marchinha - Carnaval 1959 Blecaute - VOLTA REDONDA - 78 rpm Copacabana "Quem quer sossego Não procura onda Eu vou pra Volta Redonda! II O Rio já encheu Pra mim não dá mais pé Eu vou pra Volta Redonda Que aqui no Rio Só se encontra jacaré..." "Volta Redonda", marcha de Estanislau Silva, Rosa de Oliveira e Oldemar Magalhães, com Blecaute, Copacabana: 5.963/B - C a r n a v a l de 1 9 5 9. Oldemar Magalhães, (1913 - 1990), Oldemar Teixeira Magalhães. Compositor. Radialista. Assina músicas como Oldemar Magalhães, Castelo, Tex, Teixeira.-
A equidistância de Lula da tragédia de segurança pública no Rio Por José Casado ( @casado_oficial ) 9:21 AM · 30 de out de 2025
Cláudio Castro assume sua necropolítica com o conceito de “narcoterrorismo” Publicado em 30/10/2025 - 07:05 Luiz Carlos Azedo Brasília, Colômbia, Comunicação, Congresso, Economia, Eleições, Ética, EUA, Geografia, Governo, Guerra, Justiça, Juventude, Literatura, Memória, México, Nicarágua, Partidos, Política, Política, Rio de Janeiro, Segurança, Terrorismo, Violência OK O termo “narcoterrorista” desloca o crime do âmbito penal para campo da segurança nacional. É importado da doutrina norte-americana da “narcoguerra”. usada na Colômbia e no México para o emprego das Forças Armadas O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, rompeu de forma explícita com os paradigmas de segurança pública estabelecidos pela Constituição de 1988. Ao comentar a Operação Contenção, deflagrada no Complexo do Alemão e da Penha — a mais letal da história do estado, com 121 mortos —, Castro sintetizou os resultados do conceito de narcoterrorismo: “Temos muita tranquilidade de defendermos tudo que fizemos ontem. Queria me solidarizar com as famílias dos quatro guerreiros que deram a vida para salvar a população. De vítima, ontem, lá, só tivemos esses policiais.” A frase é mais que uma defesa corporativa. Ao tratar os mortos como “narcoterroristas”, Castro inaugura no Brasil uma retórica que substitui a segurança pública pela lógica da guerra interna. Em nome da “defesa da população”, o Estado reivindica o poder de decidir quais vidas são protegidas e quais podem ser eliminadas. A operação de “cerco e aniquilamento”, do ponto de vista militar, foi bem-sucedida. Mas não desarticula o tráfico de drogas nem recupera o território, porque a violência volta à “normalidade” e, geralmente, as milícias ocupam o espaço dos traficantes no controle da economia informal. O uso do termo “narcoterrorista” desloca o problema do crime do âmbito penal para campo da segurança nacional. É uma palavra importada da doutrina norte-americana da “narcoguerra”, usada na Colômbia e no México para justificar o emprego das Forças Armadas e a suspensão de garantias legais. Quando Castro adota esse enquadramento, ele rompe a fronteira entre direito e exceção. A favela deixa de ser território civil e passa a ser tratada como teatro de operações militares. A consequência imediata é a militarização ampliada da política de segurança, legitimando mortes em massa e esvaziando o controle judicial. Leia também: Governadores de oposição articular aprovação de PL que equipara facções a terroristas O conceito de “narcoterrorismo” não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Seu uso político é uma manobra simbólica, que transforma o criminoso em inimigo absoluto e o Estado em autoridade soberana sobre a vida e a morte. Obviamente, é uma ruptura de acordo com o ideário da extrema-direita brasileira, que Cláudio Castro (PL) representa. Trata-se, como aponta o sociólogo Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Cunha, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de uma forma de necropolítica: “O governo da morte como instrumento de poder”. Segundo Bocayuva, conceitualmente, a necropolítica é o regime em que “o medo e a crueldade se tornam dispositivos de governo”. No caso do Rio, o “narcoterrorismo” fornece a gramática perfeita para que o governo adote a violência extrema nos confrontos com os traficantes, num contexto de guerra aberta na qual não há “suspeitos” nem “cidadãos em conflito com a lei”: são inimigos mesmo, que precisam ser fisicamente eliminados, em confrontos diretos e, muitas vezes, execuções sumárias. Com amplo apoio popular, é uma forma de combate que elimina qualquer possibilidade de direito. Cartografia da morte O balanço da Defensoria Pública do Rio de Janeiro não deixa dúvida do êxito da operação, do ponto de vista da letalidade: 117 civis mortos para quatro agentes do Estado. Para o governador, só há quatro vítimas — os policiais. As outras mortes são tratadas como estatísticas colaterais, sem direitos a serem preservados. É a tradução literal da necropolítica: o Estado não apenas mata, mas escolhe quem merece ser chorado. Leia mais: Rio conta corpos da mais letal ação policial do país Bocayuva chama isso de “cartografia da morte” — uma geografia social em que o território periférico e o corpo negro são administrados como zonas de exceção. A militarização urbana, a naturalização da crueldade e a ausência de políticas de memória e reparação formam o tripé desse poder necropolítico. Enquanto Castro exibia orgulho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com perplexidade e indignação. Em viagem oficial ao Sudeste Asiático, foi informado da operação apenas ao retornar ao Brasil. Reuniu-se de emergência com seus ministros, “estarrecido” com o número de mortos e com o fato de o governo federal não ter sido avisado. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, foi enviado ao Rio para acompanhar a crise e cobrar explicações. O contraste entre o discurso de Castro e a reação de Lula simboliza duas concepções opostas de Estado: uma que se ancora na lógica da exceção, outra na Constituição de 1988. Quando o governador diz “ou soma no combate à criminalidade ou suma”, ele não apenas desafia o governo federal — nega a própria ideia de política como espaço de mediação, substituindo o diálogo pela força. Por óbvio, não faz isso por acaso. Há uma disputa no imaginário da sociedade pela bandeira de ordem, que o governo federal tenta recuperar com a PEC do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que endurece as penas para os chefões do tráfico, encalhada na Câmara por pressão dos governadores de oposição, entre os quais Castro. Na teoria de Achille Mbembe, autor do conceito, a necropolítica define o poder soberano como aquele que decide “quem deve morrer e quem pode viver”. No Rio, Cláudio Castro assumiu essa prerrogativa de modo explícito, revestido de legitimidade moral e linguagem popular. O “narcoterrorista” é um ser fora da lei, cuja eliminação é um ato heroico e patriótico, onde as favelas e comunidades periféricas se confundem com o campo de batalha. É o mesmo mecanismo simbólico que sustentou a guerra suja na Colômbia e a guerra perdida no México. Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo Compartilhe: Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)Compartilhe no Google+(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Pinterest(abre em nova janela) #Castro, #Direito, #drogas, #Narcoguerra, #segurança, Lula

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