Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
O espelho e o barracão
Assassinato de Vladimir Herzog na tortura marcou declínio da ditadura militar
Publicado em 24/10/2025 - 06:45 Luiz Carlos Azedo
Brasília, Comunicação, Congresso, Ética, Justiça, Memória, Militares, Política, Política, Rio de Janeiro, São Paulo, Violência
A lembrança do jornalista assassinado é um alerta. Denuncia o preço do silêncio e o perigo da indiferença. Segundo Dom Paulo Evaristo Arns, “a morte de um homem justo pode mudar o destino de um país”
Há cinquenta anos, em 24 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi preso por agentes do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo. Na manhã seguinte, apareceu morto em sua cela, vítima de tortura. A versão oficial de “suicídio” — sustentada por laudos forjados e uma foto grotescamente encenada — foi rejeitada pela sociedade. O crime, cometido em plena vigência do AI-5, rompeu o pacto de silêncio que sustentava o regime e marcou o início do seu declínio.
A brutalidade contra Herzog revelou o que muitos já sabiam, mas poucos ousavam denunciar: o terror de Estado operava de forma sistemática, exterminando opositores políticos. Dias antes, o jovem dirigente comunista José Montenegro de Lima, da Seção Juvenil do PCB, havia sido sequestrado e morto. Em 8 de outubro, o jornalista Orlando Bonfim Júnior, editor do jornal clandestino Voz Operária, membro do Comitê Central do PCB, sofreu o mesmo destino. Ambos foram assassinados com uma injeção letal, como outros 10 dirigentes do antigo PCB que “desapareceram”. Em janeiro de 1976, seria a vez do operário Manoel Fiel Filho, também morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi.
Mas foi a morte de Herzog — um jornalista conhecido, com atuação na TV Cultura e na USP, e com vida profissional legal — que rompeu a muralha de medo. A reação foi imediata e ampla. No dia 31 de outubro de 1975, milhares de pessoas lotaram a Catedral da Sé para um culto ecumênico celebrado por Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor Jaime Wright, com o apoio decisivo do jornalista Audálio Dantas, então presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. A imagem de uma praça cercada por agentes do Dops e de fiéis orando em silêncio ficou gravada como símbolo de resistência civil à ditadura.
A comoção nacional obrigou o regime a recuar. Pouco depois, a execução de Manoel Fiel Filho levou o presidente Ernesto Geisel a demitir o comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Mello, e o chefe do Centro de Informações do Exército, Confúcio Danton de Paula Avelino. Pela primeira vez, o governo militar reconhecia, ainda que de forma indireta, que as execuções haviam ultrapassado todos os limites. O assassinato de Herzog se tornou, assim, um divisor de águas: o declínio do regime, com o início do processo de distensão lenta e gradual que culminaria na anistia e na redemocratização, com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985. Foram 10 anos de lutas intensas pela democracia, com sucessivas vitórias da oposição nas eleições consentidas.
O caso Herzog também transformou a luta por memória e justiça. Sua viúva, Clarice Herzog, enfrentou décadas de batalhas judiciais. Em 1978, conseguiu uma sentença inédita condenando a União pela prisão, tortura e morte do marido — decisão confirmada anos depois pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que responsabilizou o Estado brasileiro por não investigar e punir os autores. Em 2013, o atestado de óbito foi corrigido, substituindo “asfixia mecânica por enforcamento” por “lesões e maus-tratos”.
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Resgate político
Cinco décadas depois, as homenagens multiplicam-se. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da qual tenho a honra de integrar o Conselho Deliberativo, instituiu 2025 como o Ano Vladimir Herzog, reforçando o dever de lembrar. O Instituto Vladimir Herzog organiza atos, publicações e exposições, inclusive a recriação do culto inter-religioso na Catedral da Sé. É um movimento para que as novas gerações saibam o que aconteceu. A memória é o antídoto contra o esquecimento e o autoritarismo. Hoje, a idade média na Cãmara dos Deputados é de 49 anos, ou seja, a maioria nasceu depois do caso Herzog.
As homenagens incluem o lançamento do documentário A Vida de Vlado — 50 anos do Caso Herzog, dirigido por Simão Schols e narrado por Chico Pinheiro, que estreia na 49ª Mostra Internacional de Cinema, na Cinemateca Brasileira. O filme reconstrói sua trajetória pessoal e profissional — da infância na antiga Iugoslávia, fugindo do nazismo, até o jornalismo engajado e a defesa da liberdade de imprensa. Depoimentos de colegas e ex-presos políticos, como Paulo Markun, Dilea Frate, Sérgio Gomes e o médico Ubiratan de Paula Santos, revelam o impacto de sua morte e a luta de Clarice Herzog para expor a verdade.
O assassinato de Vlado também inspirou o movimento pela transformação dos antigos centros de tortura em memoriais públicos. O prédio do DOI-Codi paulista, no bairro do Paraíso, foi tombado e reconhecido como Ponto de Memória pelo Ibram. A chamada Casa da Morte, em Petrópolis, passa por processo semelhante. Trata-se de uma política de memória, não é apenas homenagem, mas um compromisso com a democracia e com o futuro.
Nas próximas terça-feira, será vez da Associação Scholem Aleichem (ASA), no Rio de Janeiro, iniciar um seminário sobre a resistência democrática em homenagem a Herzog. Essas iniciativas se tornam ainda mais relevantes num momento em que setores políticos buscam relativizar o golpe de 1964 e reabilitar o discurso autoritário. É indecente comparar a anistia recíproca de 1979, que blindou torturadores e assassinos do regime, com as tentativas atuais de conceder perdão aos responsáveis pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Aqueles que hoje pedem anistia são, muitas vezes, os mesmos que exaltam os algozes de Herzog, Montenegro, Bomfim e Fiel.
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A lembrança de Vladimir Herzog é um alerta. Ela denuncia o preço do silêncio e o perigo da indiferença. Como escreveu Dom Paulo Evaristo Arns, “a morte de um homem justo pode mudar o destino de um país”. Herzog foi esse homem. Cinquenta anos depois, o corpo de Vlado numa cela de uma unidade militar continua a nos interpelar, como símbolo do jornalismo livre e da dignidade humana. A democracia só se sustenta quando a verdade seja dita e a memória preservada.
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#Desaparecidos, #Ditadura, #Herzog, #militares, #Redemocratização
O Congresso é o amor bandido que o Brasil finge odiar, mas volta para abraçar — entre a traição e a dependência.
Por [Aracy Valente Nana Jobim Almeida Caymmi Francis Albert Thompson Gordon]
24.out.2025 | Opinião
Como na velha canção de Aracy de Almeida, o Brasil descobre, indignado, que seu moreno — o Congresso — andou fazendo bobagem no barracão. Promete nunca mais, jura reforma, ameaça separação. Mas, no fundo, sabe que vai voltar. Porque é nos braços do centrão — aquele parceiro incômodo e indispensável — que o país encontra a estabilidade e o desastre que chama de amor.
[vídeo 1 – “Fez Bobagem”, Aracy de Almeida (Assis Valente)]
Fez Bobagem
Aracy de Almeida
Meu moreno fez bobagem
Maltratou meu pobre coração
Aproveitou a minha ausência
E botou mulher sambando no meu barracão
Quando eu penso que outra mulher
Requebrou pra meu moreno ver
Nem dá jeito de cantar
Dá vontade de chorar
E de morrer
Deixou que ela passeasse na favela com meu peignoir
Minha sandália de veludo deu à ela para sapatear
E eu bem longe me acabando
Trabalhando pra viver
Por causa dele dancei rumba e fox-trote
Para inglês ver
Composição: Assis Valente.
O Congresso não é o câncer da política — é o espelho do país.
O centrão não distorce a democracia — ele a traduz, com sotaque e propina.
Filtra os delírios da extrema-direita e sabota os sonhos da esquerda: equilíbrio, à brasileira.
O país se diz ofendido, mas volta sempre.
Reclama do fisiologismo com a mesma devoção com que reza por uma emenda.
Maltrata a democracia, mas não vive sem ela.
Os que chamam os parlamentares de “picaretas” esquecem que foi o eleitor quem os elegeu — o mesmo eleitor que troca voto por favor, selfie por prestígio, cargo por esperança.
O Congresso, afinal, é o retrato do Brasil real: infiel, pragmático e sentimental.
[vídeo 2 – “Só em Teus Braços”, Tom Jobim]
Só Em Teus Braços
Tom Jobim
Sim, promessas fiz
Fiz projetos, pensei tanta coisa
E agora, o coração me diz
Que só em teus braços, meu bem
Eu ia ser feliz
Eu tenho este amor para dar
O que é que eu vou fazer
Eu tentei esquecer
E prometi apagar da minha vida este sonho
E vem o coração e diz
Que só em teus braços amor eu ia ser feliz
Composição: Tom Jobim.
Depois de cada escândalo, o Brasil promete se libertar.
Mas o coração — esse eleitor incurável — sussurra sempre o mesmo refrão:
“Só em teus braços, amor, eu ia ser feliz.”
Q
That's Life
Frank Sinatra
That's life (that's life), that's what all the people say
You're ridin' high in April, shot down in May
But I know I'm gonna change that tune
When I'm back on top, back on top in June
I said that's life (that's life), and as funny as it may seem
Some people get their kicks stompin' on a dream
But I don't let it, let it get me down
'Cause this fine old world, it keeps spinnin' around
I've been a puppet, a pauper, a pirate, a poet, a pawn and a king
I've been up and down and over and out, and I know one thing
Each time I find myself flat on my face
I pick myself up and get back in the race
That's life (that's life), I tell you I can't deny it
I thought of quitting, baby, but my heart just ain't gonna buy it
And if I didn't think it was worth one single try
I'd jump right on a big bird, and then I'd fly
I've been a puppet, a pauper, a pirate, a poet, a pawn and a king
I've been up and down and over and out, and I know one thing
Each time I find myself layin' flat on my face
I just pick myself up and get back in the race
That's life (that's life), that's life and I can't deny it
Many times I thought of cuttin' out, but my heart won't buy it
But if there's nothin' shakin' come this here July
I'm gonna roll myself up in a big ball and die
My, my!
Composição: Dean Kay Thompson / Kelly Gordon.
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