sexta-feira, 3 de outubro de 2025

MALÁSIA: Entre o MÁ, o LÁ e a inevitável AZIA

O Brasil tem ido em frente retornando para trás. Só que, desta vez, o afã de democracia bloqueou o caminho.
José de Souza Martins: O Brasil tem ido em frente retornando para trás Música | Travessia - Milton Nascimento Obra: Madama Butterfly Compositor: Giacomo Puccini Peça: Coro a bocca chiusa (Humming Chorus) O Coro a bocca chiusa, também conhecido como Humming Chorus, é um dos trechos mais célebres da ópera Madama Butterfly, composta por Giacomo Puccini e estreada em 1904. Surge no segundo ato, em um momento de profunda espera e melancolia, quando Cio-Cio-San (Butterfly) aguarda, em vão, o retorno do tenente Pinkerton. Trata-se de uma peça coral sem palavras, em que os cantores executam apenas sons murmurados, criando uma atmosfera etérea, quase suspensa. A simplicidade do recurso intensifica a carga emocional: a esperança silenciosa, a passagem do tempo e a inevitabilidade da tragédia se condensam na sonoridade pura do coro. No ano do 150º aniversário de Puccini, várias homenagens destacaram esse momento, como o vídeo publicado no canal yogatea, em que o trecho é apresentado de forma audiovisual como tributo ao mestre de Lucca. 🎵 Assista: Coro a bocca chiusa – Madama Butterfly Com fotografia impactante e atuações magnéticas, Uma Batalha Após a Outra é um dos lançamentos que promete movimentar a cena cultural de Juiz de Fora neste fim de semana. de Paul Thomas Anderson, “Uma batalha após a outra”, Cotado ao Oscar 2026, Uma Batalha Após a Outra estreia em Juiz de Fora Filme com Leonardo DiCaprio, apontado como um já favorito ao Oscar 2026, estreia nesta quinta, 25. MÁ LÁ AZIA
"A diplomacia é como cemitério: a gente cava cova devagarinho, mas sempre cabe mais um defunto e mais uma negociação." – Odorico Paraguaçu (segundo Dias Gomes). Um enigma diplomático-gastronômico decifrado nos trinques da prosopopeia odoricana. Resumo: Este escrito se propõe a reconstituir e decodificar, com humor, lirismo e certo rebuscamento galhofeiro, o enigma linguístico que desemboca inevitavelmente no nome Malásia. O texto é travestido de discurso odoricano, para conjugar estômago, música e gramática com diplomacia, trazendo à baila o choque de palavras como se fossem embaixadores em banquete. Os Odorico Paraguaçu da política brasileira, 45 anos depois de 'O Bem-Amado' Jornal O Globo 22 de jan. de 2018 Odorico Paraguaçu nunca esteve tão moderno. A essência do coronel que alinhava terno branco e chapéu panamá resistiu ao tempo — 45 anos depois da estreia de "O Bem-Amado" na TV Globo, o prefeito de Sucupira parece representar um arquétipo da classe política brasileira. Historiadores e moradores de Sepetiba, onde "O Bem-Amado" foi gravado, analisam as relações entre o personagem e os políticos de hoje. (Odorico em ação): Trecho clássico de Odorico Paraguaçu na novela O Bem-Amado, disponível no acervo da GloboPlay e em compilações no YouTube. Exemplo: Odorico Paraguaçu – O Bem-Amado
Um enigma diplomático-gastronômico decifrado nos trinques da prosopopeia odoricana. Introdução / Apresentação: Senhoras, senhores e senhoritas, aqui vos apresento, com a devida urbanidade e altissonância, a chave para um enigma que principia no , se intermeia no e termina no estourar gástrico da inevitável AZIA. É a Malásia que surge, como um morto-vivo ressuscitado no palco da geopolítica, para receber a visita diplomática dos nossos vultos de proa. Meus concidadões e minhas concidadonas, permitam-me, com a devida vênia e o cabedal de sapiência acumulado na minha cabeça política e literária, proclamar que a coisa já começa indo de MAL a pior! Sim, porque as três primeiras letras do dito cujo local do encontro diplomático já se apresentam, de forma cabal e inexorável, como MAL. E, se confirmado for, existe o risco pantagruélico e estrondoso dos estômagos dos senhores e senhoras participantes virem a borbulhar que nem feijão no fogo, tudo isso graças ao rumor fonético e gástrico das quatro últimas letras, quando despidas do seu acento agudo de praxe, se transformam em azia! E mais: é de se esperar que o espírito se manifeste, como quem entoa uma nota preta de piano, ligando na sinfonia internacional os dois países que, como seres divinos e maravilhosos, se encontram nesta tragicomédia diplomática. E ainda, não satisfeitos com essa prosopopeia fonética, as três derradeiras letras da palavra se travestem de SIA, que não é outra senão a própria CIA, mas disfarçada, sorrateira e maquiavélica, querendo se unir com o , sob a mediação de um logo na entrada da palavra. É um casamento fonético, mas com alcovitagem diplomática. Porém, meus prezados, se retirarmos o acento agudo, ficamos com uma ligação péssima, um enlace indigesto, feito no mais baixo tom do trato internacional, quase um muxoxo gramatical de embaixada. Todavia, como dizia o meu professor e assessor ilustre do diplomata de Paraguassu, é nos finalmentes que as preliminares se resolvem. Porque a política, como o feijão, só fica boa mesmo é depois de cozinhar. E que não se esqueça o povaréu: a grafia correta se faz com a abundância e a profundidade de dois esses bem fornidos, e não com um cê-cedilha exótico, rasteiro e superficial! Porque só assim se chega, de corpo inteiro e espírito elevado, ao glorioso nome desta charada internacional: MALÁSIA! Paulo Gracindo como Odorico, na televisão Conclusão: E assim, na risonha e franca Sucupira do mundo, compreendemos que as letras são como tratados: se unem, brigam, fazem caretas e, no fim, produzem um nome sonoro e imponente: Malásia. Que este enigma nos sirva de lição: no banquete da diplomacia, não basta estômago forte, é preciso também saber soletrar. Referências / Fontes: Dias Gomes, O Bem-Amado (1973). Registros e falas de Odorico Paraguaçu, personagem eternizado por Paulo Gracindo. Análises do Itamaraty sobre encontros internacionais (notícias e coberturas jornalísticas). Verbete “Malásia” em dicionários e enciclopédias. Epitáfio ao modo de Sucupira: "Aqui jaz o enigma da Malásia, que nasceu de um MÁ, viveu de um LÁ, morreu de uma AZIA, mas ressuscitará em cada discurso odoricano, com dois esses e sem cedilha." – Assinado, o Prefeito Odorico e seu fiel escudeiro Dirceu Borboleta.
Título: Esvaziamento da política Autor: Pablo Ortellado Publicado em: O Globo, sexta-feira, 3 de outubro de 2025 Resumo O artigo discute o lançamento do novo filme de Paul Thomas Anderson, Uma batalha após a outra, inspirado no livro Vineland, de Thomas Pynchon. O longa, estrelado por Leonardo DiCaprio, Teyana Taylor, Sean Penn e Benicio del Toro, mistura sátira política, humor anárquico e críticas ao extremismo, mas termina por reforçar um viés positivo em relação à militância armada de esquerda. Segundo Ortellado, essa reviravolta desarma a crítica inicial, que parecia denunciar tanto o radicalismo ideológico quanto a violência política. No desfecho, porém, a militância passa a ser celebrada como virtude, tornando a obra mais reflexo de nossa época do que comentário crítico sobre ela. Análise Esvaziamento político: O autor argumenta que o filme expressa um fenômeno mais amplo: o debate público atual, marcado por adesões identitárias e pertenças de grupo, e não por reflexão substantiva sobre temas políticos. Caricatura desarmada: A sátira construída no início — zombando da seriedade militante e da violência política — se dissolve em celebração moralista, incapaz de desafiar ortodoxias contemporâneas. Reflexo do tempo presente: Em vez de provocar estranhamento ou desconforto, o filme confirma a lógica de um tempo em que a política se reduz a símbolos e filiações, não a debates de conteúdo. Conclusão Ortellado vê em Uma batalha após a outra não uma obra política no sentido crítico, mas um produto cultural que participa do mesmo esvaziamento da política que deveria problematizar. Ao transformar caricatura em celebração, o filme abandona a chance de desconstruir ideologias e acaba reafirmando a superficialidade do presente.
sexta-feira, 3 de outubro de 2025 Esvaziamento da política. Por Pablo Ortellado O Globo Reflete o espírito do nosso tempo, em que é mais importante a filiação de grupo que o posicionamento refletido sobre temas políticos O novo filme de Paul Thomas Anderson, “Uma batalha após a outra”, liderou as bilheterias na última semana nos Estados Unidos e ficou em segundo lugar no Brasil. Além do sucesso de público, vem sendo aclamado pela crítica como obra-prima política. Seu sucesso como filme político é sintoma da degradação do debate público, que perdeu de vista as questões substantivas da vida social e vive mergulhado num jogo estéril e superficial de signos e identidades. O filme de Anderson é livremente baseado no livro “Vineland”, de Thomas Pynchon. Mantém a estrutura narrativa principal, adaptando a ambientação política ao século XXI. Narra a jornada de Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio) e Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor) como integrantes do grupo armado de esquerda French 75 em meados dos anos 2000. O casal de militantes desenvolve uma relação romântica alimentada pela excitação sexual produzida pela aventura revolucionária, parte delírio de superioridade moral, parte arrogância armada. Numa das ações do grupo, Perfidia humilha e seduz o oficial responsável por um campo de detenção de imigrantes, o capitão Lockjaw (Sean Penn), que desenvolve uma obsessão por ela. Tempos depois, Lockjaw consegue constranger Perfidia a um encontro clandestino, cheio de jogos sexuais de poder. Perfidia engravida e se recusa a estabelecer uma vida familiar com Bob, preferindo seguir na jornada revolucionária. Termina presa e se torna delatora. Dezesseis anos depois, vemos Bob como pai solo de Willa (Chase Infiniti) no norte da Califórnia. Ele leva uma vida decadente, abusando de drogas e tendo na militância uma lembrança distante. Essa vida é perturbada pelo retorno de Lockjaw. Ele quer se livrar da filha Willa para eliminar qualquer vestígio da relação inter-racial que manteve com Perfidia e, assim, poder se filiar a uma sociedade secreta supremacista branca. A trama amalucada, um pouco psicodélica, segue o espírito anárquico do livro. As ações armadas — tanto dos revolucionários quanto das forças de segurança — são debochadamente apresentadas como perversão sexual. E os nomes dos personagens e dos grupos políticos são inteiramente satíricos e caçoam da seriedade e da firmeza de propósito da militância, tanto de esquerda quanto de direita. O grupo revolucionário French 75 leva o nome do drinque de Humphrey Bogart em Casablanca, e o grupo secreto supremacista branco se chama “O Clube de Aventureiros do Natal”. O filme parece caminhar para uma denúncia satírica do extremismo e da violência política, mas isso não é mais possível no tempo presente. Anderson introduz na trama um simpático e imperturbável líder comunitário pró-imigrantes, Sergio St. Carlos (Benicio del Toro), que auxilia Bob a encontrar a filha sequestrada por Lockjaw. Na última cena do filme, vemos Willa partindo para uma manifestação em Oakland, com a bênção do pai, resgatando o título do filme, “Uma batalha após a outra”, como celebração da passagem geracional de bastão da militância. A visão positiva da militância armada de esquerda no terço final do filme desmonta a sátira construída até então. O que era denúncia da futilidade ideológica e da arrogância da ação armada passa a ser celebrado como engajamento político virtuoso. Nessa reversão, a pobreza ideológica dos personagens passa a ser positiva. Isso, porém, não gera qualquer estranhamento ou incômodo porque reflete exatamente o espírito do nosso tempo, em que é mais importante a filiação de grupo que o posicionamento refletido sobre temas políticos. Em “Uma batalha após a outra”, a sátira que poderia revelar a inconsistência da militância armada se converte em celebração inofensiva de sua caricatura. O gesto crítico, que, noutros tempos, poderia expor a fragilidade das ideologias, é desarmado pela submissão ao moralismo dominante, incapaz de desafiar as ortodoxias vigentes. O resultado é que “Uma batalha após a outra” se torna menos um comentário político que um reflexo fiel do presente. Em vez de provocar estranhamento, confirma a lógica de um tempo em que a vida pública deixou de se orientar por questões políticas substantivas para se reduzir a um desfile de pertencimentos. Nesse sentido, a obra não apenas retrata o esvaziamento do debate político contemporâneo — ela participa dele.
Diálogo entre Trump e Lula é tão imprevisível quanto foi o abraço dos dois Publicado em 03/10/2025 - 06:30 Luiz Carlos AzedoBrasília, Economia, EUA, Governo, Guerra, Imposto, Israel, Itamaraty, Meio ambiente, Memória, Militares, Política, Política, Ucrânia “O encontro na Malásia, se confirmado, pode se tornar o primeiro passo para superar a pior crise bilateral em décadas. O risco está no choque de personalidades e agendas ideológicas O possível encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a cúpula da Asean, em Kuala Lumpur, a partir de 26 de outubro, vem sendo preparado em meio a gestos diplomáticos calculados, mas carrega imprevisibilidade semelhante ao improvisado abraço entre ambos na Assembleia-Geral da ONU. O Brasil participará como convidado, e a expectativa é de que Trump confirme presença. A reunião pode abrir caminhos para uma acomodação no momento mais tenso das relações bilaterais desde o início do governo Lula, mas dificilmente resultará num acordo, porque os interesses contrariados são profundos e complexos. Na semana passada, o vice-presidente Geraldo Alckmin conversou por telefone com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, enfatizando que a preferência do Brasil é pelo diálogo, apesar do “tarifaço” de 50% imposto unilateralmente por Washington. Também a Camex adiou em 30 dias a decisão sobre retaliações, sinalizando disposição de negociar. O chanceler Mauro Vieira, ao declarar que o Brasil “vai aplaudir” o plano de paz de Trump para Gaza, ofereceu gesto simbólico de deferência. Essa questão de Gaza é um fio desencapado nas relações do Brasil com Israel, em razão da firme posição brasileira de que estaria havendo um genocídio de palestinos, inclusive perante tribunais e organismos internacionais. Mas o apoio à proposta de paz dos EUA representa uma mudança de abordagem e, indiscutivelmente, agrada Trump. Leia também: Israel diz que brasileiros de flotilha estão ‘seguros’ e serão deportados Entretanto, o contencioso comercial fala mais alto. Na conversa com Alckmin, Lutnick deixou claro que Brasil, Índia e Suíça continuam no radar das correções impostas por Trump. Em entrevista, disse que esses países precisam “jogar segundo as regras do presidente dos EUA”, ou seja, abrir mercados e abandonar práticas vistas como nocivas ao comércio norte-americano. Apesar do tom duro, afirmou acreditar numa “resolução”, ou seja, admitiu que há um diálogo em curso e esse é o primeiro passo para qualquer acordo. Antes da Assembleia da ONU não existia essa possibilidade. O problema principal, porém, continua sendo a imprevisibilidade de Trump, que oscila entre gestos afáveis e imposições ríspidas. O segundo é a própria postura de Lula, que pretende negociar de cabeça em pé e não é de levar desaforo para casa. O presidente brasileiro às vezes exagera na busca de mais protagonismo internacional — como quando sugeriu mediação na guerra da Ucrânia — e seu assessor especial, Celso Amorim, tem claras posições antiamericanas, o que tensiona as relações e atrapalha as negociações do Itamaraty. Interesses estratégicos Temas delicados, como regulação digital e julgamento de Jair Bolsonaro, precisarão ser enfrentados com concessões de ambas as partes. Nem Trump deixará de representar os interesses das big techs americanas, nem Lula vai aceitar interferência no Judiciário brasileiro. Apesar das divergências nos quesitos democracia, clima e regulação digital, é possível avanços estratégicos na área empresarial. Há campos férteis para isso. O Brasil ainda tem uma economia muito fechada, o peso relativo do comércio com os EUA é pequeno em relação ao PIB e, por isso, uma maior abertura comercial pode beneficiar os consumidores brasileiros. Na tecnologia e na mineração, projetos conjuntos de exploração e refino de terras-raras, com transferência de tecnologia, fortaleceriam a indústria nacional. No setor militar, a compra de armamentos norte-americanos e eventuais parcerias industriais reforçariam a capacidade das Forças Armadas. No campo empresarial, Embraer e JBS poderiam expandir fábricas nos EUA, projetando capital brasileiro no maior mercado mundial. As empresas norte-americanas aqui instaladas e as “campeãs nacionais” que operam nos EUA têm cadeias de produção muito integradas e estão ajudando a melhorar o clima para as negociações. Foram fundamentais para “cair a ficha” de que condicionar as relações entre os dois países à anistia para Bolsonaro era uma posição insustentável do ponto de vista da diplomacia mundial e da política interna. Leia também: Sem anistia, não haverá eleição em 2026, diz Eduardo Bolsonaro Os norte-americanos não rasgam dólares. O Brasil é o nono maior destino das exportações dos EUA e o quinto em termos de superavit comercial para eles. Para os brasileiros, Washington é o segundo parceiro exportador e responde por um terço dos investimentos estrangeiros. O peso é visível em diversos setores, do agronegócio ao financeiro, dos automóveis aos smartphones. Ignorar essa interdependência seria custoso para ambos os lados. Um tema que aumenta a distância entre Lula e Trump, porém, é a questão climática. Em discurso no Pará, o presidente brasileiro cobrou compromissos concretos, dos Estados Unidos e da China, para o financiamento da preservação das florestas. Trump resiste a mecanismos multilaterais de combate às mudanças climáticas, enquanto o Brasil busca recursos externos para sustentar sua política ambiental. A cobrança pode gerar atrito, mas não a ponto de impedir um acordo. O encontro na Malásia, se confirmado, pode se tornar o primeiro passo para superar a pior crise bilateral em décadas. O risco está no choque de personalidades e agendas ideológicas. Lula e Trump, porém, também têm a oportunidade de transformar a tensão comercial em cooperação concreta em setores estratégicos, que é o que mais importa. Compartilhe: Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)Compartilhe no Google+(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Pinterest(abre em nova janela) #Anistia, #Gaza, #Malásia, #Tarifaço, #Trump, Lula
sexta-feira, 3 de outubro de 2025 O Brasil tem ido em frente retornando para trás. Por José de Souza Martins Valor Econômico A política brasileira não é a da polarização ideológica senão pelo fato de que os grupos políticos retrógrados resolveram dar-se um nome e se reconheceram como de “direita” Desde o golpe de Estado de 1964, quando a repressão e a censura encolheram nas páginas dos jornais o noticiário sobre a política brasileira, procuro nos informativos de entrelinhas o subjacente das notícias. Cheguei a assinar, durante anos, o Diário do Congresso Nacional, cujos maçudos exemplares entulharam cômodos de minha casa. As transcrições taquigráficas do inteiro teor dos discursos e debates de deputados e senadores revelavam um parlamento que, apesar do golpe, continuava o mesmo. Entre um e outro notório corrupto, a ditadura cassara alguns dos melhores membros das duas casas, os que de fato representavam as parcelas mais lúcidas do povo brasileiro, os que tinham consciência crítica da realidade e dos bloqueios que a travavam para as inovações sociais e políticas necessárias. Os militares definiram dois elencos de políticos adversos que deveriam ter seus mandatos e seus direitos políticos cassados: os corruptos e os subversivos. Para eles, alienados da realidade brasileira, como mostraram, eram equivalentes. Mas deram prioridade, nas cassações, aos que definiam como subversivos, preservando os corruptos, como Adhemar de Barros, governador de São Paulo, cujos seguidores assim cinicamente o definiam: “Ele rouba, mas faz”. O país devia-lhe o favor de roubar em troca da competência para disseminar obras públicas. Os corruptos eram vulneráveis e, por isso, dóceis. No Congresso “funcionando”, dariam a aparência à ditadura de ser, apesar do regime, um país democrático. O golpe teria sido para “democratizar” o Brasil. Os discursos publicados no Diário Oficial revelavam um Congresso fisiológico não só em relação ao Poder Executivo, como o fora desde antes do golpe, mas também entre as diferentes facções regionais, independentemente de orientação ideológica. As designações de “esquerda” e “direita” apenas se esboçavam. Deputado de esquerda votava em favor de projeto da direita em troca do voto da direita a favor de seu projeto. Era a velha política da troca de favores. Por trás, mesmo, existia o partido municipal oculto. Como desde o Império, era o latifúndio e o poder local que definiam, como até hoje, o verdadeiro poder político do Brasil. A “briga” mesmo, da ditadura militar, não era só contra as esquerdas. Era também contra as oligarquias rurais. O regime transformou o latifúndio em empresa e criou o capitalismo rentista, lucrativo sem custos de desenvolvimento social. Atualizou os grupos de interesse que são hoje o Centrão, o dos políticos de coisa nenhuma e de si mesmos. Na rebarba da mixórdia, a cabeça da esquerda foi entregue à Salomé do mundo para saciar a geopolítica do Império. E esquerda era sobretudo o nacional-desenvolvimento que abrangia a própria burguesia modernizadora e industrialista, que não sabia que era de esquerda nem sabia que era nacionalista. Nem mesmo que era burguesia. Eram empresários. Tive clareza sobre isso, tempos depois do golpe, numa pesquisa nacional sobre a formação dos grupos econômicos multibilionários, da Universidade do Brasil. Fui com um colega entrevistar Luís Dumont Villares. Ele nos contou que, em conversas com lideranças do seu operariado, que o queriam nacionalista, mostrou-lhes que a tese de um desenvolvimento capitalista nacional e autônomo era economicamente irracional. Por “apenas” 1% do faturamento de sua empresa poderia ter equipamentos e assistência técnica permanente da Siemens. Muito menos do que os investimentos necessários para a produção própria do saber e das técnicas de que carecia. A maioria dos marxistas daqui não tinha lido o que quer que fosse da obra de Karl Marx. Quando muito lera precários manuais de vulgarização do suposto pensamento de Marx e Engels, um capitalista da indústria têxtil de Manchester, na Inglaterra, financiador da sobrevivência material da família de Karl Marx. Além do que, na época do golpe, as chamadas esquerdas já estavam fragmentadas em vários grupos ideológicos, que na ditadura chegariam a mais de duas dezenas. Obviamente, muita coisa mudou desde então. A política brasileira não é a da polarização ideológica senão pelo fato de que os grupos políticos retrógrados resolveram dar-se um nome e se reconheceram como de “direita”. Em boa parte continuaram sendo os capiaus do radicalismo de extremo centro, cuja mais tradicional expressão é o Centrão. Fisiológicos, gostam mesmo é de poder, que os faz sócios políticos e econômicos do Estado. O resto, sob a alcunha de bolsonaristas, é apenas o resto, escorado em outros restos como os da bancada da Bíblia e os da bala. O Brasil tem ido em frente retornando para trás. Só que, desta vez, o afã de democracia bloqueou o caminho. José de Souza Martins - 07/05/2001 Roda Viva 11 de ago. de 2015 Estudioso das relações de poder no Brasil, dos movimentos sociais, dos conflitos e das contradições da sociedade brasileira, José de Souza Martins é autor de uma obra sociológica importante, seu pensamento tem dado nova perspectiva ao debate sobre a nossa realidade social. Transcrição

Nenhum comentário:

Postar um comentário