Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Quando o Sistema Falha: Os Limites da Segurança N-1 e N-2 no Apagão de 14 de Outubro de 2025
“A energia que move o mundo é também a que o pode apagar.”
— anônimo técnico do ONS, 2025
Um apagão de energia registrado na madrugada desta terça-feira (14) afetou 21 municípios do Rio Grande do Norte, segundo informações confirmadas pela Neoenergia Cosern. O desligamento no sistema elétrico interrompeu o fornecimento
Na madrugada desta terça-feira (14), um apagão nacional atingiu 17 estados brasileiros, incluindo o Ceará, além do Distrito Federal. De acordo com a Enel, municípios como Crateús, Independência e Tianguá passaram por falhas elétricas.
“A rede elétrica é como um organismo vivo: sensível, interdependente e mortal quando perde sua coordenação.”
— Luiz Carlos Ciocchi, ex-diretor-geral do ONS
Quando o Sistema Falha: Os Limites da Segurança N-1 e N-2 no Apagão de 14 de Outubro de 2025
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Revista Técnica & Cultura – Edição Especial, outubro de 2025
1. Introdução: A pergunta que ecoou no setor elétrico
“Por que o sistema de contingências (N-2 e N-1) não funcionou?”
A provocação veio de Luiz Carlos Ciocchi, ex-diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em declaração veiculada pela CNN no programa Bastidores, em 14 de outubro de 2025, apresentado por Gustavo Uribe, Tainá Falcão e Daniel Rittner.
A pergunta sintetiza uma inquietação nacional. O apagão que afetou amplas regiões do país expôs vulnerabilidades em um dos sistemas elétricos mais complexos e interconectados do mundo: o Sistema Interligado Nacional (SIN).
Os critérios de segurança N-1 e N-2, pilares da confiabilidade da operação elétrica, pareciam não ter resistido à contingência que os atingiu.
2. Entendendo o sistema: o que são os critérios N-1 e N-2
Os critérios de contingência N-1 e N-2 são padrões internacionais de confiabilidade elétrica que determinam o quanto um sistema pode suportar falhas sem comprometer o fornecimento de energia.
N representa a condição normal do sistema — todos os equipamentos operando.
N-1 significa que o sistema deve continuar funcionando mesmo com a perda de um único componente (linha de transmissão, transformador ou gerador).
N-2 vai além: exige que o sistema se mantenha estável mesmo com duas falhas simultâneas.
Uma analogia didática
Imagine uma rede de encanamentos paralelos.
Se uma tubulação se rompe (falha N-1), as outras precisam manter o fluxo de água sem causar vazamentos ou pressão excessiva.
Se duas falham ao mesmo tempo (N-2), ainda deve haver rotas alternativas para garantir o abastecimento.
O mesmo raciocínio vale para o fluxo elétrico: redundância e tempo de resposta são cruciais.
3. O papel da automação e da proteção
Para garantir a aplicação dos critérios de segurança, o ONS opera com um arsenal tecnológico sofisticado:
Relés de proteção: sensores que detectam curtos, sobrecargas e anomalias e isolam o problema em milissegundos.
Sistemas Especiais de Proteção (SEP): conjuntos coordenados de dispositivos automáticos que atuam de forma integrada em situações críticas.
Estudos de contingência: simulações constantes que testam o comportamento do sistema diante de falhas hipotéticas.
Sistemas SCADA: plataformas de supervisão e aquisição de dados que monitoram o SIN em tempo real.
Essas camadas formam o que se espera ser um escudo inteligente e resiliente — capaz de reagir antes que uma falha local se transforme em um colapso sistêmico.
4. Quando a teoria falha: o apagão de outubro de 2025
O blecaute de 14 de outubro revelou que, mesmo sistemas desenhados para lidar com contingências, podem ser superados por eventos complexos e encadeados.
Fontes preliminares indicam que um incêndio em um reator na subestação de Bateias (PR) desencadeou falhas múltiplas, provocando a perda quase simultânea de dois elementos críticos.
O resultado: colapso regional e desligamentos em cascata.
Entre as possíveis causas da falha dos critérios N-1 e N-2, especialistas apontam:
Natureza composta da falha: a perda de dois ou mais componentes quase simultâneos configurou um evento além do previsto em análises-padrão.
Atrasos no sistema SCADA: lentidão na resposta automática pode ter permitido o agravamento do desequilíbrio elétrico.
Modelagem limitada: as simulações de contingência podem não ter contemplado esse cenário específico, um típico HILF (High Impact, Low Frequency Event).
Efeito dominó: uma falha inicial provocou sobrecarga em outros equipamentos, criando um ciclo de falhas interdependentes.
5. Implicações políticas e estruturais
A declaração de Ciocchi toca em um ponto sensível: a governança do sistema elétrico brasileiro.
A substituição de dirigentes no ONS, as mudanças de diretrizes técnicas e a crescente complexidade da malha interligada exigem uma nova cultura de prevenção.
Mais do que modernizar equipamentos, é preciso rever protocolos de decisão, critérios de risco e autonomia técnica do operador nacional frente a pressões políticas ou econômicas.
A confiabilidade do SIN é tanto um tema técnico quanto uma questão de soberania e segurança nacional.
Quando o sistema falha, não é apenas a energia que se apaga — é a confiança pública no planejamento energético do país.
6. Conclusão: além do N-2
Os critérios N-1 e N-2 continuam sendo referenciais indispensáveis para a engenharia elétrica moderna.
No entanto, o apagão de 2025 revela que a resiliência do sistema elétrico precisa evoluir para contemplar cenários de falhas múltiplas, cibernéticas ou climáticas — cada vez mais frequentes em um ambiente digital e interconectado.
A pergunta de Ciocchi permanece como um eco necessário:
“Por que o sistema não funcionou?”
A resposta talvez esteja menos na tecnologia e mais na integração entre planejamento, operação e governança — onde a engenharia encontra a política e o futuro energético do Brasil se decide.
Por que o apagão desta semana é diferente dos que o país enfrentou
Anexo – O apagão de agosto de 2023 e o de outubro de 2025: semelhanças e diferenças
O apagão de 15 de agosto de 2023 foi, até então, o maior incidente elétrico no Brasil desde 2009. Naquele dia, cerca de 27 estados registraram interrupções no fornecimento de energia, afetando mais de 16 milhões de consumidores e interrompendo atividades industriais, metroviárias e hospitalares.
Segundo o relatório técnico do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a causa inicial foi a abertura não programada da linha de transmissão 500 kV Quixadá–Fortaleza II, no Ceará. A falha provocou uma separação elétrica entre o Norte/Nordeste e o restante do SIN, resultando em colapso de frequência e desligamentos automáticos em cascata.
Apesar do impacto, o ONS destacou que os critérios de segurança N-1 foram respeitados, mas o evento mostrou limites na coordenação entre as proteções e os esquemas de controle de emergência. Em outras palavras, o sistema reagiu como previsto para uma falha simples — mas não resistiu à sequência dinâmica de eventos subsequentes.
Na madrugada desta terça-feira, 14 de outubro de 2025, um
"O incidente, provocado por um incêndio em uma subestação no Paraná, revela a incompetência do Ministério de Minas e Energia, que falha repetidamente em prevenir desastres semelhantes, como o de 2023 que afetou 29 milhões de pessoas. Enquanto o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) corre para restaurar a luz, afetando 450 mil clientes no Rio e gerando prejuízos incalculáveis para a economia, os brasileiros pagam a conta com tarifas elevadas e promessas vazias de modernização, confirmando que o terceiro mandato de Lula prioriza ideologia sobre a estabilidade essencial que o país merece."
Comparação com o apagão de 14 de outubro de 2025
Aspecto Apagão de 2023 Apagão de 2025
Causa inicial Abertura de linha de transmissão (CE) e separação Norte/Nordeste Incêndio em equipamento na SE Bateias (PR)
Tipo de evento Instabilidade de frequência e ilhamento de regiões Falhas múltiplas simultâneas e colapso regional
Critério envolvido N-1 parcialmente atendido, mas sem absorver falhas em sequência N-1 e N-2 superados por evento composto
Abrangência Nacional (impacto em 27 estados) Regional com propagação em cascata (Sul, Sudeste e Centro-Oeste)
Tempo de recomposição 6 a 8 horas em média 10 a 12 horas em regiões críticas
Diagnóstico técnico Coordenação insuficiente entre proteções e controles Lentidão no SCADA e falha de modelagem em cenário HILF
Síntese
O apagão de 2023 expôs vulnerabilidades operacionais — especialmente na comunicação e coordenação entre áreas do SIN —, mas o evento de 2025 evidenciou um estágio mais profundo de fragilidade: o limite estrutural dos próprios critérios de confiabilidade N-1 e N-2 diante de falhas complexas e encadeadas.
Ambos os episódios reforçam uma lição comum: a resiliência do sistema elétrico brasileiro depende menos da redundância física e mais da integração inteligente entre tecnologia, planejamento e decisão operacional.
Entenda possíveis causas do apagão e a reação do sistema elétrico
Entenda possíveis causas do apagão e a reação do sistema elétrico
Governo diz que combinação de 2 ocorrências provocou queda; a 1ª delas, uma sobrecarga em linhas de transmissão do Ceará
Anexo – O apagão de agosto de 2023 e o de outubro de 2025: semelhanças e diferenças
O apagão de 15 de agosto de 2023 foi, até então, o maior incidente elétrico no Brasil desde 2009. Naquele dia, cerca de 27 estados registraram interrupções no fornecimento de energia, afetando mais de 16 milhões de consumidores. Segundo o ONS, a causa inicial foi a abertura não programada da linha de transmissão 500 kV Quixadá–Fortaleza II, no Ceará, o que gerou uma separação entre o Norte/Nordeste e o restante do SIN. Apesar de o critério N-1 ter sido respeitado, o evento mostrou limites na coordenação entre proteções e controles de emergência. Comparação resumida:
– 2023: falha simples com reações em sequência (ilhamento e instabilidade de frequência);
– 2025: falhas múltiplas simultâneas e sobrecarga em cascata.
Ambos os episódios reforçam que a resiliência do sistema elétrico brasileiro depende da integração entre tecnologia, planejamento e decisão operacional.
Referências
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – Relatórios Técnicos e Procedimentos de Rede.
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Entrevista de Luiz Carlos Ciocchi à CNN, 14/10/2025.
Ministério de Minas e Energia – Notas de Imprensa (2020–2025).
“Aqui repousa o mito da infalibilidade técnica.
Que da escuridão se faça luz — e aprendizado.”
— Reflexão final, Revista Técnico-Cultura, 2025
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