segunda-feira, 18 de agosto de 2025

“Democracia: A Linha que Não se Pode Romper”

RETRATO EM BRANCO E PRETO Retrato Em Branco E Preto Marchas, Tabuleiros e Democracia A história política latino-americana foi marcada, durante o século 20, por marchas militares, colunas insurgentes e golpes sucessivos. A Bolívia, símbolo dessa instabilidade, realizou 15 golpes em poucas décadas. Hoje, no entanto, vive sua 10ª eleição presidencial consecutiva desde 1982 — exemplo de que a região aprendeu a jogar dentro das regras democráticas. O contraste com os Estados Unidos é inquietante. Se antes eram referência de estabilidade institucional, agora dão sinais de erosão. O episódio recente da demissão da chefe do órgão de estatísticas trabalhistas por Donald Trump, apenas por divulgar dados que o desagradaram, revela um risco maior: quando a política passa a manipular os fatos, a confiança pública se desfaz. O que antes se criticava nas “repúblicas de bananas” hoje ameaça a principal potência mundial. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tornou-se peça central desse tabuleiro. Alvo de ataques de diferentes matizes ao longo dos últimos 15 anos — primeiro por denúncias de corrupção, depois por decisões políticas —, o STF se vê hoje pressionado não apenas por forças internas, mas até por governos estrangeiros. É a coluna que resiste, mas que também se desgasta sob o peso de disputas sucessivas. A política, nesse sentido, lembra um jogo de damas: há movimentos calculados, saltos ousados e inevitáveis capturas. Mas, ao contrário do tabuleiro, na democracia não existe xeque-mate definitivo. A cada eleição, a cada decisão judicial, a cada gesto de resistência, a partida recomeça. Em tempos de populismos autoritários e instituições contestadas, a lição latino-americana merece ser lembrada: é possível cair e se reerguer, desde que as regras do jogo permaneçam válidas para todos. Marchar adiante é difícil, mas como ensina a tradição popular — de Prestes a Milton Nascimento — o caminho mais difícil é, quase sempre, o único correto. Cuitelinho Marchas, Colunas e Tabuleiros: Democracia sob Prova Há palavras que se repetem como ecos da história: marchas e colunas. Elas podem designar deslocamentos militares, engrenagens de carros, ou metáforas de resistência. A Coluna Prestes, entre 1925 e 1927, percorreu o interior do Brasil em denúncia à República Velha, num gesto que unia disciplina militar e utopia social. Marchar, no Brasil e na América Latina, sempre foi mais do que andar: é um modo de existir politicamente. Hoje, o tabuleiro é outro. Não mais colunas insurgentes contra oligarquias rurais, mas colunas institucionais ameaçadas, reconfiguradas, testadas. E como num jogo de damas, cada movimento carrega riscos, saltos e inevitáveis capturas. A América Latina em Movimento De “campeã de golpes” no século XX a campeã de democracia no século XXI, a América Latina surpreendeu até os mais céticos. A Bolívia, outrora sinônimo de instabilidade, realizou sua décima eleição presidencial consecutiva desde 1982. Se antes os tanques decidiam destinos, agora o fazem as urnas. Esse feito não é acaso: o chamado presidencialismo multipartidário provou-se resiliente. Presidentes fortes coexistem com freios e contrapesos robustos. É essa combinação que garante que líderes sejam removidos não por quarteladas, mas por mecanismos constitucionais. A lição é clara: a democracia latino-americana aprendeu a jogar dentro das regras. O Espelho Invertido Enquanto isso, nos Estados Unidos, a imagem se distorce. Thomas L. Friedman advertiu: o país que conhecíamos está desaparecendo diante de nossos olhos. A demissão da chefe de estatísticas trabalhistas, Erika McEntarfer, por contrariar Donald Trump, revelou o abalo na confiança institucional. Quando fatos são moldados à conveniência, todo o tabuleiro se vicia. O contraste é gritante: enquanto Bolívia e vizinhos aprendem a lidar com alternâncias sem romper o jogo, Washington arrisca-se a jogar com cartas marcadas. A metáfora que antes servia para criticar a América Latina — “repúblicas de bananas” — hoje é devolvida como espelho para o Norte. A Coluna do Supremo No Brasil, o STF tornou-se ator central dessa batalha. Desde o mensalão, passando pelo julgamento da corrupção, até a defesa da democracia frente às ameaças bolsonaristas, o Supremo transformou-se em alvo constante. Curiosamente, os ataques mudaram de cor e de origem: já vieram do PT, depois do círculo presidencial, e agora até de governos estrangeiros. Esse movimento revela o paradoxo: a corte que era acusada de usurpar funções passou a ser vista como bastião de direitos. No entanto, como em todo tabuleiro, há fissuras e capturas: decisões monocráticas, anulações controversas, reputações abaladas. A democracia depende de que o Supremo siga sendo coluna de sustentação, e não apenas peça em disputa. Cultura e Resistência Na travessia da política, a cultura oferece o respiro. “Cuitelinho”, de Paulo Vanzolini, na voz de Milton Nascimento, canta a saudade e as batalhas: “Eu entrei no Mato Grosso / Dei em terras paraguaia / Lá tinha revolução / Enfrentei fortes bataia.” É o coração aflito que se reconhece nas ondas que se espraiam, nas batalhas travadas e nas despedidas doloridas. Como a democracia, que resiste entre golpes, retrocessos e esperanças. Xeque-Mate? No tabuleiro global, vivemos uma guerra de posição e de movimento. A América Latina, antes exemplo de fragilidade, hoje ensina estabilidade. Os Estados Unidos, outrora fiadores do jogo, flertam com manipulações perigosas. O Brasil, entre marchas e colunas, luta para preservar sua corte e sua urna. O que está em jogo não é apenas uma eleição ou uma instituição: é a própria ideia de que as regras são para todos, e não apenas para quem vence. A defesa da democracia é o caminho mais difícil, mas também o mais correto. Como ensinou Jen Easterly, como cantou Milton, como marcharam Prestes e seus companheiros: seguir adiante, mesmo em meio às ondas e às batalhas. Epílogo Em tempos de populismos autoritários, estatísticas manipuladas e tribunais ameaçados, resta-nos reafirmar: não há paz sem democracia, nem democracia sem Estado de Direito. Que as marchas e colunas de nossa história não sejam lembradas apenas como revoltas ou deslocamentos, mas como símbolos de uma travessia coletiva rumo a um mundo em que — nas Américas e no planeta — prevaleçam a paz e a boa vontade entre os homens. ♟️ Xeque-mate: o tabuleiro se fecha. Mas a partida democrática não termina — ela apenas recomeça a cada eleição, a cada batalha institucional, a cada canção que nos lembra de onde viemos e para onde não podemos deixar de ir.

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