Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
CRÔNICA POLÍTICA CAMONIANA
Navegando por mares nunca dantes navegados
Título: Portuguese Carracks Off a Rocky Coast (século XVI, artista anônimo)
Descrição: Caravelas portuguesas estilizadas sobre águas verdes e rochosas, evocando o espírito de epopeias marítimas e travessias sinuosas. Unem-se à narrativa política, conferindo-na um caráter de grandeza, desafio e simbolismo naval, como se a crônica fosse perpassada por velas e tempestades históricas.
Dedicatória
Àqueles que, no turbilhão dos tempos,
ousam erguer a pena contra as tormentas,
e não temem escrever, ainda que o vento
dos poderosos lhes queira rasgar o papel.
A vós, leitores do presente e do porvir,
vai este canto que mistura política e poesia,
memória e naufrágio, esperança e desengano,
para que se saiba que o Tempo,
sendo carrasco, é também escriba.
Canto I – Do Brado e da Bruma
I
No ano em que a nau do tempo avança,
Em vinte e cinco, agosto vinte e dois,
Levanta-se a voz da esperança,
Mas logo se desfaz em gritos vãos depois.
“Missão cumprida” soa, e já se lança
A anistia, que salva uns poucos, pois
Na arena, a caça às bruxas se anuncia,
E o povo vê na tela a rebeldia.
II
PF revela o trato do destino,
Entre pai, pastor e filho em fúria,
O palco é vasto, o jogo é cristalino,
A história segue a mesma velha injúria.
De Obama a Trump, caminho peregrino,
De Dilma a Lula, a mesma penúria:
O leme gira e insiste em rodopiar,
O mar é o mesmo, só muda o navegar.
Canto II – Da Escrita e da Justiça Fratricida
III
Ortellado adverte: ao escritor convém
Ser livre, não vassalo de partido,
Que a pena seja espada contra o além,
Não jugo que se arrasta combalido.
Que escreva sem temor do que não vem,
Nem tema do herético o rugido;
Pois quando a voz se cala em jugo vil,
O livro vira estandarte senil.
Canto III – Dos Ídolos em Ruína
IV
Bolsonaro, outrora duro e destemido,
Revela-se acuado em desatino,
Por filho agredido, em grito destemido,
Por pastor dominado em seu destino.
A anistia implora, ao mundo é dirigido,
Esquecendo o que chama de divino;
Não mais o mártir, mas sombra desfeita,
Idolatria que o tempo já rejeita.
V
Malafaia, qual arauto em sua lira,
Repreende, ordena, guia e manda,
Enquanto Eduardo, em raiva que não mira,
Explode em voz que a história já comanda.
No seio dessa nau que o vento gira,
A herança de poder se desbanda;
E Tarcísio, equilibrista em corda fina,
Procura rumo em rota cristalina.
Canto IV – Do Sentimento do Tempo
VI
Mas não só reis e chefes são lembrados,
Também o Tempo canta em outra voz,
Sapatos gastos, sonhos já cansados,
Borboletas que pousam sobre nós.
Em versos de Mendes Campos, declamados,
Ecoa o coração em fado atroz:
Disfarce é o Tempo, máscara e ferida,
Carrasco eterno, asa e guarida.
VII
Ó Tempo, que cavaste a face humana,
Sulcando nela o trilho da formiga,
Que transformaste em pedra fria e insana
A chama ardente que jamais se estiga,
Tu zombas da memória soberana,
Mas dás também ao fraco a mão amiga;
És sombra vil, mas és também caminho,
És mar sem fim, mas cais em desalinhos.
Canto V – Do Desembarque Final
VIII
Assim termina a crônica cantada,
Nem hino de partido, nem louvor,
Mas epopeia do povo em jornada,
Que busca no naufrágio algum valor.
De mares nunca dantes navegada,
Ergue-se a nau do verso sem temor:
Se o tempo rasga, também costura a lida,
Pois dá tormenta, mas também dá vida.
Música | H. Villa-Lobos: Choros nº 10 “Rasga Coração” | Coro e Orq. Sinf. da UFRJ - Reg.: Roberto Duarte
— Qual partido, mesmo?
— E para qual cargo? Estadual, federal…
— Já pensando em 2026? Ou só se preparando para 2028…
Sentimento do tempo - Paulo Mendes Campos
"Os sapatos envelheceram depois de usados
mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar; me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
E um coração ardente em coisa fria.
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce."
Paulo Mendes Campos (Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 1922 - Rio de Janeiro, 1 de julho de 1991) - Além de poeta, foi cronista, jornalista e tradutor. Publicou em poesia: 'A Palavra Escrita', 'Testamento do Brasil' e 'O Domingo Azul do Mar'. Destacou-se nas crônicas, que, ao lado de Rubem Braga, Fernando Sabino e outros, mudaram a maneira de fazer crônicas no Brasil. Diversos livros com reuniões de suas crônicas como 'O Cego de Ipanema', 'Os bares morrem numa quarta feira', foram republicados.
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Algo à parte, por Pablo Ortellado
O Globo
É preciso separar a militância política da independência e do discernimento exigidos pela escrita
Nestes tempos difíceis, é preciso separar a militância política da independência e do discernimento exigidos pela escrita. É necessário separar essas duas dimensões da vida — a reflexão crítica e a política —, fazendo do trabalho do escritor algo à parte. Essa é a lição que George Orwell nos ensina em “Os escritores e o Leviatã”, um ensaio que precisa ser recuperado à luz dos desafios do tempo presente. Hoje, o exercício do pensamento exige enfrentar três desafios essenciais: uma Justiça fratricida, temas tabus e identidades hipertrofiadas.
Justiça fratricida: Precisamos abandonar a crença anacrônica, consolidada antes das reviravoltas dos anos 2010, de que o ativismo progressista produz necessariamente progresso social. Entre os anos 1980 e 2000, a ausência de uma direita mobilizada nos levou a conceber a dinâmica do mundo social e político como um conflito entre apatia e militância política. Segundo esse entendimento, a tarefa política consistia em retirar a cidadania do conformismo dos interesses particulares. Quando a sociedade se movia, a justiça social avançava. A militância (progressista) era vista como um desprendimento altruísta que só trazia benefícios sociais.
A emergência de uma direita mobilizada pôs isso em xeque. Ficou claro que os parâmetros de progresso social eram contestados por parte da população, e essa divergência abriu espaço para discutir os efeitos colaterais da política progressista que nem sempre produzia a justiça social esperada. O que era antes concebido como oposição às iniquidades do Estado e do mercado se metamorfoseou num conflito contra os “fascistas”, num antagonismo interno à sociedade civil, numa conflagração fratricida.
Temas tabus: Precisamos enfrentar, com paciência, os temas tabus. À medida que a esquerda tomou as instituições — as universidades, as escolas, as instituições culturais e o jornalismo —, incutiu nelas valores normativos progressistas. Essas instituições começaram a operar segundo certos parâmetros de direitos humanos, fora dos quais o debate era considerado ilegítimo. Quando a direita mobilizada emergiu, tudo o que contestava estava fora do que se consideravam valores civilizados: discutir cotas era racismo; discutir mulheres trans nos esportes, transfobia. A transformação desses debates em tabus empurrou a direita para os braços de lideranças conservadoras radicais e anti-institucionais, gestadas nas mídias sociais. O domínio progressista das instituições passou, por isso, a ser visto como opressão elitista e os temas tabus como cerceamento da liberdade de expressão e limitação da soberania popular.
Identidades hipertrofiadas: Precisamos nos afastar de identidades políticas hipertrofiadas. As identidades políticas parecem ser resumos de posicionamentos políticos, mas são mais que isso. Ser de esquerda parece apenas querer dizer que alguém é a favor da igualdade social e contra formas de opressão. Mas é sobretudo identidade, pertencimento à comunidade progressista. Esse pertencimento impõe fidelidade a certos pressupostos, aceitação dos limites impostos pelos temas tabus e adesão aos antagonismos de grupo. Divergir de qualquer um deles instaura tensão com o grupo e dá margem à expulsão do dissidente, que perde imediatamente as proteções políticas e afetivas da comunidade.
Orwell dizia que, diante deste tipo de impasse, o escritor íntegro não deveria abandonar nem a política, nem o pensamento.
— Quando um escritor se envolve em política, deve fazê-lo como cidadão, como ser humano, nunca como escritor. Não creio que tenha o direito, apenas por causa de sua sensibilidade, de se esquivar do trabalho sujo ordinário da política. Assim como qualquer outra pessoa, deve estar preparado para dar palestras em salas com correntes de ar, escrever com giz nas calçadas, angariar votos, distribuir panfletos e até lutar em guerras civis, se necessário. Mas, independentemente do que faça a serviço do partido, nunca deve escrever para ele. Deve deixar claro que a sua escrita é algo à parte. E deve ser capaz de agir de maneira cooperativa, mesmo quando rejeita completamente a ideologia oficial. Nunca deve se afastar de uma linha de pensamento porque ela conduz à heresia e não deve importar-se muito se a sua heterodoxia for farejada, como provavelmente acontecerá.
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Mensagens desmoralizam Bolsonaro, mostram poder de Malafaia e reforçam dilema de Tarcísio, por Fábio Zanini
Folha de S. Paulo
Ex-presidente tem projeto de se martirizar colocado em xeque; porto seguro da reeleição se torna tentador para governador de SP
Os diálogos de Jair Bolsonaro com o filho Eduardo e o pastor Silas Malafaia revelados pela Polícia Federal dificilmente terão grande impacto no julgamento do ex-presidente pela trama golpista no Supremo Tribunal Federal, uma vez que ali há muito tempo a sensação é de jogo jogado, com uma pesada condenação.
Nesse sentido, uma eventual prisão preventiva do ex-presidente em regime fechado apenas anteciparia uma consequência previsível.
O verdadeiro efeito da exposição das conversas é outro, e não menos importante para Bolsonaro: a sua desmoralização política e pessoal.
A leitura das mensagens é uma experiência que pode ser feita à luz freudiana de uma relação turbulenta entre pai e filho ou pela do controle psicológico exercido por um líder religioso sobre uma figura acuada. Em nenhuma das situações, Bolsonaro se sai bem.
O personagem durão e contestador do sistema sofre profundos arranhões em sua imagem. A frase "VTNC seu ingrato do caralho" de um explosivo Eduardo tem tudo para se tornar mais uma a grudar no ex-presidente como um dia foram "dei uma fraquejada" ou "e daí?, eu não sou coveiro".
Malafaia, por sua vez, surge como um ator muito mais relevante do que se imaginava na estratégia do ataque ao Supremo, no que é uma das grandes revelações das mensagens. Fica claro que o pastor é muito mais do que um mero organizador de atos na avenida Paulista.
"As conversas indicam que Silas Malafaia atua diretamente na definição das ações planejadas pelo grupo investigado que tem por finalidade coagir autoridades judiciais da Suprema Corte (STF)", resume o relatório.
Não por acaso, ele tem choques com Eduardo, como se os dois disputassem o espólio do líder em seu ocaso político.
É o pastor que insiste na tese de vincular de maneira mais direta o tarifaço de Donald Trump à anistia para Bolsonaro. "‘Tem que juntar a taxa com a questão da anistia. Ou juntar liberdade, justiça e anistia e a queda da taxa", diz em uma das mensagens ao ex-presidente.
A preocupação é também com a forma. Fazendo as vezes de dublê de marqueteiro, pede a Bolsonaro que se manifeste não por texto, mas sempre por vídeo, pois é "só o que viraliza". Dá ainda frequentes esporros no ex-presidente, em seu habitual estilo ácido, e não é contestado (ao menos nas mensagens reveladas).
A desmoralização de Bolsonaro se completa com a ênfase muito maior que é dada à anistia para si próprio, em detrimento do perdão para os presos do 8 de janeiro, tratados quase como uma nota de rodapé. E prossegue com o extraordinário documento em que ele pede asilo ao presidente da Argentina, Javier Milei, contrariando inúmeras declarações que deu de que jamais fugiria do país.
Tudo somado, Bolsonaro emerge como uma figura diminuída, com o projeto de se martirizar perante a opinião pública severamente abalado. Há impactos evidentes para o futuro daquilo que ainda se convenciona chamar de bolsonarismo.
Bolsonaro parece alguém que perde grande parte da condição política de influenciar a eleição de 2026, como já demonstram os governadores de centro-direita que colocam a cabeça para fora à revelia dele.
Os holofotes se voltam mais uma vez para Tarcísio de Freitas, alvo da fúria de Eduardo Bolsonaro e, ocasionalmente, de Malafaia também.
As agressivas mensagens do deputado federal direcionadas contra ele não permitem mais disfarçar o profundo racha ideológico da direita.
O governador de São Paulo, a partir de agora, terá de mais uma vez exercitar seus dotes de equilibrista para fazer acenos ao centro sem perder a chancela do ex-presidente, caso queira realmente se arriscar numa candidatura presidencial.
A tarefa, no entanto, ficou mais complicada, pois é difícil imaginar um Jair preso e enfraquecido dando a bênção à candidatura de Tarcísio contra a vontade do filho exilado.
Importam menos, nesse caso, os encontros do governador com a Faria Lima, os evangélicos ou os cantores bregas. Diante de tamanha confusão, o porto seguro da candidatura à reeleição se torna bastante tentador para o ocupante do Palácio dos Bandeirantes.
A emergência de uma direita mobilizada pôs isso em xeque. Ficou claro que os parâmetros de progresso social eram contestados por parte da população, e essa divergência abriu espaço para discutir os efeitos colaterais da política progressista que nem sempre produzia a justiça social esperada. O que era antes concebido como oposição às iniquidades do Estado e do mercado se metamorfoseou num conflito contra os “fascistas”, num antagonismo interno à sociedade civil, numa conflagração fratricida.
Temas tabus: Precisamos enfrentar, com paciência, os temas tabus. À medida que a esquerda tomou as instituições — as universidades, as escolas, as instituições culturais e o jornalismo —, incutiu nelas valores normativos progressistas. Essas instituições começaram a operar segundo certos parâmetros de direitos humanos, fora dos quais o debate era considerado ilegítimo. Quando a direita mobilizada emergiu, tudo o que contestava estava fora do que se consideravam valores civilizados: discutir cotas era racismo; discutir mulheres trans nos esportes, transfobia. A transformação desses debates em tabus empurrou a direita para os braços de lideranças conservadoras radicais e anti-institucionais, gestadas nas mídias sociais. O domínio progressista das instituições passou, por isso, a ser visto como opressão elitista e os temas tabus como cerceamento da liberdade de expressão e limitação da soberania popular.
Identidades hipertrofiadas: Precisamos nos afastar de identidades políticas hipertrofiadas. As identidades políticas parecem ser resumos de posicionamentos políticos, mas são mais que isso. Ser de esquerda parece apenas querer dizer que alguém é a favor da igualdade social e contra formas de opressão. Mas é sobretudo identidade, pertencimento à comunidade progressista. Esse pertencimento impõe fidelidade a certos pressupostos, aceitação dos limites impostos pelos temas tabus e adesão aos antagonismos de grupo. Divergir de qualquer um deles instaura tensão com o grupo e dá margem à expulsão do dissidente, que perde imediatamente as proteções políticas e afetivas da comunidade.
Orwell dizia que, diante deste tipo de impasse, o escritor íntegro não deveria abandonar nem a política, nem o pensamento.
— Quando um escritor se envolve em política, deve fazê-lo como cidadão, como ser humano, nunca como escritor. Não creio que tenha o direito, apenas por causa de sua sensibilidade, de se esquivar do trabalho sujo ordinário da política. Assim como qualquer outra pessoa, deve estar preparado para dar palestras em salas com correntes de ar, escrever com giz nas calçadas, angariar votos, distribuir panfletos e até lutar em guerras civis, se necessário. Mas, independentemente do que faça a serviço do partido, nunca deve escrever para ele. Deve deixar claro que a sua escrita é algo à parte. E deve ser capaz de agir de maneira cooperativa, mesmo quando rejeita completamente a ideologia oficial. Nunca deve se afastar de uma linha de pensamento porque ela conduz à heresia e não deve importar-se muito se a sua heterodoxia for farejada, como provavelmente acontecerá.
Segundo a última pesquisa Quaest, a bolha bolsonarista citada por Malafaia caiu para 13% de fidelidade ao discurso do mito.
Outros 17% seguem devotos ao “pai cuidador dos desvalidos”.
Juntos, somam 30%, o que garantiria ambos em qualquer segundo turno.
Talvez a polarização possa ser reinterpretada como “espelhamentação”, agradando aos extremistas anti-terceiravianistas.
“The Raft of the Medusa” (Théodore Géricault)
Retrata naufrágio e desespero coletivo, funcionando como poderoso símbolo de tragédia política, sobrevivência e crítica à corrupção e abandono — uma metáfora visual da queda de ídolos e do povo à deriva.
Crônica Política Camoniana – Do Tempo e da Política
Canto da nau que singra mares revoltos,
em 22 de agosto do ano de 2025,
quando se ergueu o brado:
“Missão cumprida, anistia aprovada,
papai, dançou.”
Eis a bruma que cobre o Brasil,
onde a Polícia Federal revela segredos
de conversas entre pai, filho e pastor.
Onde a caça às bruxas se anuncia,
e a notícia, transmitida ao vivo,
põe em choque contrapontos e complementos.
“Zelar”, dizia a pena que anotava;
e no caso Honduras, recorda-se Hillary,
recorda-se Obama, o hipócrita;
recorda-se Trump, escancarado,
eleito na dureza que fascina as massas.
De Obama a Trump,
de Dilma a Lula,
a história gira como leme teimoso.
Eis que a voz de Ortellado adverte:
ao escritor cabe não ser servo.
A política é lama, e nela se entra,
mas a pena deve manter-se livre,
mesmo sob correntes de vento e guerra.
Pois há justiça fratricida,
há tabus que se erguem como muralhas,
há identidades que pesam como grilhões,
e o escritor que não resiste a isso
não é mais que arauto de partido.
Enquanto isso, no convés da política,
o capitão outrora audaz se desfaz.
Bolsonaro, desmoralizado,
não mais o contestador, mas o acuado.
O filho explode em impropérios,
o pastor fustiga e ordena,
e a imagem se despedaça
como ídolo de barro no temporal.
A anistia que pede é para si,
os seus ficam no rodapé da memória.
E no horizonte, Tarcísio se equilibra,
tentando dançar entre centro e bolsonarismo,
sem saber se terá bênção de chefe aprisionado
ou maldição de filho em fúria.
Mas não só de reis e generais canta esta nau.
Pois o tempo, eterno navegador,
sopra em outra clave,
com a música de Villa-Lobos
e os versos de Paulo Mendes Campos.
Sapatos gastos no descampado,
borboletas pousadas nos pés,
lágrimas que correm sem destino,
retratos que zombam do sorriso perdido.
Ó Tempo, tu que cavas na face
o sulco onde passa a formiga,
tu que vistes o coração em pedra fria,
és disfarce, máscara e carrasco,
mas também asas, porta e travessia.
Assim termina esta crônica camoniana,
que não pretende ser hino de partido,
nem ode a heróis de barro,
mas canto de um povo em tormenta,
que entre anistias e tabus,
entre mártires caídos e poetas erguidos,
navega, sempre, por mares
nunca dantes navegados.
Poesia | Sentimento do tempo, de Paulo Mendes Campos
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