terça-feira, 13 de maio de 2025

Las simples cosas

Ficam sua história, suas palavras e seu exemplo. E a árvore sob a qual descansará, em paz, junto de Manuela. Alfonsina y El Mar Mercedes Sosa Alfonsina e o Mar Alfonsina y El Mar Pela branda areia que lambe o mar Por la blanda arena que lame el mar Sua pequena pegada não volta mais Su pequeña huella no vuelve más Um caminho solitário de dor e silêncio chegou Un sendero solo de pena y silencio llegó Até a água profunda Hasta el agua profunda Um caminho solitário de dores mudas chegou Un sendero solo de penas mudas llegó Até a espuma Hasta la espuma Só Deus sabe a angústia que te acompanhou Sabe Dios qué angustia te acompañó Que dores velhas calaram tua voz Qué dolores viejos calló tu voz Para que você se recostasse embalada Para recostarte arrullada No canto das conchas marinhas En el canto de las caracolas marinas A música que canta no fundo escuro do mar La canción que canta en el fondo oscuro del mar A concha La caracola Você se vai, Alfonsina, com sua solidão Te vas, Alfonsina, con tu soledad Quais poemas novos você foi buscar? ¿Qué poemas nuevos fuiste a buscar? Uma voz antiga de vento e sal Una voz antigua de viento y de sal Destrói sua alma e a carrega consigo Te requiebra el alma y la está llevando E você vai para lá, como nos sonhos Y te vas hacia allá, como en sueños Adormecida, Alfonsina, vestida de mar Dormida, Alfonsina, vestida de mar Cinco sereias te levarão Cinco sirenitas te llevarán Por caminhos de algas e coral Por caminos de algas y de coral E fosforescentes cavalos-marinhos irão Y fosforescentes caballos marinos harán Te rodear Una ronda a tu lado E os habitantes da água brincarão Y los habitantes del agua van a jugar Logo ao seu lado Pronto a tu lado Apaga a luz um pouco mais Bájame la lámpara un poco más Ama, me deixa dormir em paz Déjame que duerma, nodriza, en paz E se ele ligar, não lhe diga que eu estou Y si llama él, no le digas que estoy Diz para ele que Alfonsina não volta mais Dile que Alfonsina no vuelve E se ele ligar, não lhe diga nunca que eu estou Y si llama él, no le digas nunca que estoy Diz que fui embora Di que me he ido Você se vai, Alfonsina, com sua solidão Te vas, Alfonsina, con tu soledad Quais poemas novos você foi buscar? ¿Qué poemas nuevos fuiste a buscar? Uma voz antiga de vento e sal Una voz antigua de viento y de sal Destrói sua alma e a carrega consigo Te requiebra el alma y la está llevando E você vai para lá, como nos sonhos Y te vas hacia allá como en sueños Adormecida, Alfonsina, vestida de mar Dormida, Alfonsina, vestida de mar Composição: Ariel Ramírez / Félix Luna.
Obituário: José “Pepe” Mujica (1935–2025) O último guerrilheiro romântico da América Latina se despede Morreu nesta terça-feira, 13 de maio de 2025, aos 89 anos, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, agricultor, ex-guerrilheiro e símbolo da esquerda latino-americana. A morte foi confirmada pelo atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, às 16h14, em uma nota emocionada: “Presidente, ativista, líder e líder. Sentiremos muita falta de você, querido velho. Obrigado por tudo o que você nos deu e pelo seu profundo amor pelo seu povo.” Mujica enfrentava um câncer no esôfago, diagnosticado em abril de 2024, que rapidamente se espalhou para o fígado. Em cuidados paliativos, ele recusou tratamentos agressivos e decidiu passar seus últimos dias em casa, no mesmo sítio onde viveu durante sua presidência e onde, segundo seu desejo, será enterrado, sob a sombra da árvore sequoia que guarda os restos de sua cadela Manuela, morta em 2018. José Alberto Mujica Cordano nasceu em Montevidéu, em maio de 1935. Filho de uma família modesta, formou-se agricultor e, ainda jovem, ingressou na luta armada contra a ditadura uruguaia como integrante do Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros. Por sua atuação, passou cerca de 15 anos preso, sendo 11 deles em duras condições, isolado como refém da ditadura militar entre 1973 e 1985. Após a redemocratização, foi anistiado e ingressou na política institucional. Fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), dentro da coalizão de esquerda Frente Ampla. Foi deputado, senador, ministro da Agricultura e, finalmente, eleito presidente da República em 2009, para o mandato de 2010 a 2015. Durante seu governo, Mujica priorizou o combate à pobreza e à desigualdade, além de aprovar leis progressistas que tornaram o Uruguai uma referência mundial em direitos civis. Recusou morar no palácio presidencial, optando por seguir em seu sítio na zona rural da capital, dirigindo um Fusca azul e doando grande parte do salário presidencial para projetos sociais. Internacionalmente, tornou-se ícone de simplicidade, integridade e coerência. Em discursos, emocionava ao falar sobre felicidade, consumismo, solidariedade e a vida no campo. Apesar do passado de guerrilheiro, reconheceu em seus últimos dias que a violência da juventude foi um erro e reiterou seu compromisso com a democracia. Em sua derradeira entrevista, em janeiro de 2025, Pepe Mujica anunciou com serenidade sua despedida: “Estou morrendo. E o guerreiro tem direito a seu descanso.” Disse-se calmo, grato pela vida e arrependido apenas de não ter conseguido erradicar a fome em seu país. Pediu aos médicos que o deixassem ir em paz, e aos jornalistas que o deixassem em silêncio. Pepe Mujica partiu como viveu: com dignidade, honestidade e afeto pelo povo. Um símbolo de resistência e coerência, que atravessou décadas de lutas sem jamais perder a humanidade. Ficam sua história, suas palavras e seu exemplo. E a árvore sob a qual descansará, em paz, junto de Manuela.
Balaclava, The Return 25 October 1854. The Charge of the Six Hundred, after Lady Butler, 1876 'Balaclava, The Return 25 October 1854. The Charge of the Six Hundred', 1911 Photogravure after Lady Butler (Elizabeth Southerden Butler, née Thompson) (1846-1933), published by 'Illustrated Sporting and Dramatic News', December 1911. The image depicts the survivors from the Charge of the Light Brigade at the Battle of Balaklava during the Crimean War (1854-1856). Lancers, hussars and dragoons, some wounded, some in shock, gather on the edge of the battlefield. Of all British military engagements during the nineteenth century, the Charge of the Light Brigade remains the most notorious. One of the most spectacular of military disasters, surrounded by controversy as to its cause, the tragic charge of the 'gallant 600', under murderous fire from the Russian guns, was genuinely heroic. Due to a misinterpretation of orders, the British Light Cavalry Brigade commanded by the Earl of Cardigan charged Russian artillery stationed at the end of a long valley, while exposed to Russian fire on both sides. On reaching the Russian guns, they rode through them to charge Russian cavalry beyond. After some fighting, the remnants of the force returned along the 'Valley of Death' (as described in Tennyson's poem), under continued fire. Resumo Descritivo da Ilustração Título: Balaclava, O Retorno – 25 de Outubro de 1854: A Carga dos Seiscentos Autoria: Fotogravura de 1911, baseada em obra original de Lady Elizabeth Butler (1846–1933) A imagem retrata os sobreviventes da famosa Carga da Brigada Ligeira durante a Batalha de Balaclava, ocorrida na Guerra da Crimeia (1854–1856). Cavaleiros britânicos — incluindo lanceiros, hussardos e dragões — aparecem reunidos à beira do campo de batalha, muitos feridos ou em estado de choque. A cena evoca o momento posterior à desastrosa ofensiva contra a artilharia russa, quando os soldados retornam, exaustos e derrotados, após atravessar o que ficou conhecido como o "Vale da Morte", imortalizado no poema de Alfred Tennyson. A carga foi fruto de uma falha de comunicação nas ordens militares, que levou a brigada a enfrentar um fogo cruzado devastador, tornando-se um dos episódios mais controversos e trágicos da história militar britânica. Apesar do desastre, a bravura dos cavaleiros ficou marcada como símbolo de heroísmo diante do absurdo da guerra. A obra de Lady Butler capta esse contraste entre a glória e o fracasso, a coragem e a futilidade — temas que ressoam tanto no campo de batalha quanto nas batalhas metafóricas da existência humana. Entre Profecias e Guerras: A Polêmica em Dom Casmurro e a Invasão da Crimeia pela Rússia Epígrafe "A história é um pesadelo do qual estou tentando acordar."James Joyce, em Ulysses Introdução A literatura, ao refletir os dilemas humanos e sociais, frequentemente antecipa questões políticas e históricas que se revelam muito além de seu tempo. É o que ocorre no capítulo XC, intitulado “A Polêmica”, do romance Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis. Nele, um debate juvenil sobre a Guerra da Crimeia (1853–1856) entre o narrador Bentinho e o doente Manduca revela mais do que um simples embate de opiniões: trata-se de um confronto simbólico entre visões de mundo. O episódio literário ecoa ironicamente no cenário geopolítico do século XXI, com a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014, reabrindo o debate sobre expansionismo, soberania e justiça internacional. Desenvolvimento O capítulo apresenta a recordação de uma troca de textos entre dois adolescentes a respeito da Guerra da Crimeia, conflito que envolveu o Império Russo contra uma coalizão formada por França, Inglaterra, Reino da Sardenha e o Império Otomano. Bentinho, narrador da obra, simpatiza com os russos, enquanto Manduca defende os aliados, afirmando repetidamente uma profecia: “Os russos não hão de entrar em Constantinopla!” Para Manduca, a polêmica representava muito mais do que uma simples troca de ideias. Em sua condição de doente terminal, debilitado física e socialmente, o debate com Bentinho era uma forma de sobrevivência simbólica, um modo de se manter ativo, envolvido, e de reencontrar algum sentido para seus dias. A guerra distante tornava-se, para ele, um campo de resistência pessoal, e a fidelidade à sua profecia era, paradoxalmente, um ato de esperança. Entretanto, a crítica sutil de Machado de Assis se revela na forma como o debate se encerra: Bentinho perde o interesse, enquanto Manduca insiste até o silêncio definitivo do interlocutor. A guerra, enquanto metáfora da vida e da morte, se apaga lentamente, assim como o corpo do jovem enfermo, cuja existência se desfaz sem a vitória que tanto anunciava. O narrador questiona, ao final: “Não chegarão a entrar algum dia?” — indicando que a história, tal como a natureza, é imprevisível e cruel em sua lentidão. Esse questionamento revela-se assustadoramente pertinente diante dos fatos do século XXI. Em 2014, a Rússia anexou a Crimeia, território internacionalmente reconhecido como parte da Ucrânia. A justificativa russa foi baseada em alegações de defesa da população russófona, mas o ato foi amplamente condenado pela comunidade internacional como uma violação do direito internacional e da soberania ucraniana. Assim, a profecia de Manduca se desfez mais de um século depois: os russos entraram, sim, num território que representa, simbolicamente, o que Constantinopla representava no século XIX — um ponto estratégico de disputa entre o Ocidente e a ambição imperial da Rússia. A realidade atual comprova que a “eternidade” da predição de Manduca era, na verdade, uma ilusão de permanência e justiça histórica. Pictorialidade Histórica: A Guerra Vista em Imagem 🎨 Obra sugerida: “A Batalha de Balaclava” (1855), de Lady Elizabeth Butler A pintura representa um episódio emblemático da Guerra da Crimeia: a Carga da Brigada Ligeira, marcada por heroísmo e erro estratégico. Os soldados voltam exaustos, derrotados, diante de um cenário vazio, sombrio, silencioso. Essa imagem se entrelaça com o episódio machadiano em vários níveis. O corpo ferido do soldado na pintura ecoa o corpo de Manduca, esgotado, consumido pela doença e pela espera. Ambos travam uma guerra perdida — um no campo de batalha literal, o outro no campo simbólico da palavra e da crença. A pintura exprime o que Machado narra com ironia e lirismo: a solidão do combatente que luta por uma causa cuja vitória é improvável — ou ilusória. No século XXI, a cena pode ainda ser reinterpretada à luz da invasão da Crimeia: as vítimas se multiplicaram, mas os discursos de “justiça” e “direito histórico” continuam a ser usados como armas políticas, encobrindo interesses expansionistas sob mantos ideológicos. Conclusão Machado de Assis, em sua arguta observação da alma humana e das estruturas sociais, constrói no capítulo XC de Dom Casmurro uma alegoria da fragilidade da razão diante do tempo e da política. O embate entre Manduca e Bentinho sobre a Guerra da Crimeia transcende o momento histórico e lança uma reflexão profunda sobre as forças que movem os impérios e os homens. O desfecho histórico da questão — com a Rússia de Putin invadindo a Crimeia em 2014 — revela que nem a literatura, por mais profética que seja, consegue impedir que a história se repita em sua face mais brutal. A pergunta final do narrador permanece válida: o que é, afinal, eterno — a justiça, a guerra ou a ilusão? Epílogo – Epitáfio da Profecia Aqui jaz a profecia de Manduca: sobreviveu ao século XIX, mas tombou em 2014, quando os russos finalmente atravessaram as ruínas da razão.

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