quarta-feira, 8 de setembro de 2021

MP, Conatitucionalidade e Legalidade

OAB recomenda a Pacheco devolver MP de Bolsonaro: ‘Inconstitucional’ SEPTEMBER 08, 2021 ***
*** O presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho / *** O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, e o chefe da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, encaminharam nesta quarta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um parecer de 30 páginas em que analisam os aspectos “inconstitucionais” da Medida Provisória 1,068, editada por Jair Bolsonaro para modificar o Marco Civil da Internet. O texto assinado por Bolsonaro limita a atuação espontânea e extrajudicial – isto é, sem ordem judicial – dos provedores de redes sociais para a remoção ou indisponibilização de conteúdo e suspensão de contas de usuários, seja em decorrência de violação à lei — caso das fake news –, seja em razão da violação ao contrato que rege a relação privada com os seus usuários. Para Coêlho e Santa Cruz, a medida tem fins nada edificantes, como dificultar o combate das redes sociais ao discurso de ódio e ao compartilhamento de notícias falsas por apoiadores de Bolsonaro, que constantemente atacam adversários e favorecem narrativas fantasiosas do Planalto. “É possível concluir do cotejamento da Medida Provisória e das motivações expressas pelo Poder Executivo que o objetivo da medida é coibir que os provedores de redes sociais possam agir espontaneamente para combater verdadeiras manifestações abusivas e ilegais contra a ordem democrática, o processo eleitoral ou a saúde pública que sejam, contudo, simpáticas às preferências do governo atual. Também visa coibir a moderação do discurso de ódio, que atualmente é instrumentalizado para a radicalização política e partidária , corroendo o debate político público democrático. Com devido respeito, tal proceder revela severo vício de desvio de finalidade contrário aos princípios da administração pública definidos pela Constituição Federal. A simples leitura da Medida Provisória deixa transparecer a sua evidente inconstitucionalidade formal e material”, diz a OAB. Os juristas apontam cinco questões que tornam objetivamente a MP de Bolsonaro inconstitucional e recomendam ao presidente do Senado que devolva a matéria ao Planalto. “Não foram preenchidos os pressupostos constitucionais de urgência e relevância, a justificar a sua edição, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal; ii. Há flagrante violação aos artigos 1º, inciso IV, 170, caput e inciso IV, da Constituição Federal, os quais asseguram a livre concorrência e a livre iniciativa; iii. Há violação dos artigos 1º, inciso IV, que traz como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, e artigo 3º. inciso IV, que traz como objetivo fundamental promover o bem de todos sem quaisquer tipos de preconceito ou moderação, ao limitar a moderação do discurso de ódio restringindo apenas à possibilidade de moderação a violência ou ameaça ou quando configurar crime sujeito a ação penal incondicionada; iv. Há violação dos artigos 5º, incisos XIV (acesso à informação), XXIII (função social da propriedade) quando impede que os provedores de redes sociais possam agir espontaneamente para combater campanhas de desinformações que comprometem a saúde pública e a ordem democrática; v. E, por fim, violação ao artigo 5º, incisos IV, IX, XIV, ao art. 206, II, e ao art. 220 e §§ 1º e 2º, todos da Constituição Federal, quando, à pretexto de defender a liberdade de expressão nas redes sociais, a Medida Provisória cria sanções a serem aplicadas pela administração pública federal, que supervisionará a atividade de moderação sem transparência ,sem debate público ou previsão de qualquer forma de controle social podendo as sanções previstas serem aplicadas dando toda a margem para arbitrariedade uma vez que o texto prevê a aplicação de sanções “pela autoridade administrativa, no âmbito de suas competências, isolada ou cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.” Nota-se que as sanções são gravíssimas, chegando à proibição do exercício das atividades. O efeito de tal medida é o controle da moderação do conteúdo pela administração pública federal, uma vez que as sanções do diploma legal foram construídas de modo a limitar os provedores a adotarem a visão do órgão sancionador, para sua segurança jurídica, caracterizando controle prévio e apriorístico do debate público nas redes sociais.” Fonte: VEJA *** Bolsonaro assina MP para limitar remoção de conteúdos das redes sociais na véspera de atos de raiz golpista SEPTEMBER 06, 2021 Na véspera de manifestação de raiz golpista e pró-governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou MP (medida provisória) para limitar a remoção de contas e perfis das redes sociais. A medida foi anunciada nesta segunda-feira (6) na página da SecomVC no Twitter, perfil administrado pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) da Presidência da República. "O Presidente Jair Bolsonaro acaba de assinar medida provisória que altera o Marco Civil da Internet, reforçando direitos e garantias dos usuários da rede e combatendo "a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores", afirmou a publicação do governo. Bolsonaro tem criticado ações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra páginas bolsonaristas investigadas por disseminar fake news. O presidente Jair Bolsonaro em 2021 ***
*** O presidente Jair Bolsonaro em 2021 Fonte: Folha de S.Paulo *** Bolsonaro assina MP para limitar remoção de conteúdos das redes sociais na véspera de atos de raiz golpista MATEUS VARGAS seg., 6 de setembro de 2021 7:44 PM·4 minuto de leitura ***
*** ***ARQUIVO***BRASÍLIA, DF, 02.09.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante a cerimônia de lançamento das autorizações ferroviárias, em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress) ***ARQUIVO*** *** BRASÍLIA, DF, 02.09.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante a cerimônia de lançamento das autorizações ferroviárias, em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress) BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Na véspera de manifestação de raiz golpista e pró-governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou MP (medida provisória) para limitar a remoção de contas e perfis das redes sociais. A medida foi anunciada nesta segunda-feira (6) na página da SecomVC no Twitter, perfil administrado pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) da Presidência da República. "O Presidente Jair Bolsonaro acaba de assinar medida provisória que altera o Marco Civil da Internet, reforçando direitos e garantias dos usuários da rede e combatendo a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores", afirmou a publicação do governo. - ANÚNCIO - O texto altera o Marco Civil da Internet para prever, entre outros pontos, a exigência de "justa causa e de motivação" para excluir conteúdos, além de cancelar ou suspender as funcionalidades das contas ou perfis mantidos nas redes sociais, segundo nota da Secretaria-Geral da Presidência. "A medida busca estabelecer balizas para que só provedores de redes sociais de amplo alcance, com mais de 10 milhões de usuários no Brasil, possam realizar a moderação do conteúdo de suas redes sociais de modo que não implique em indevido cerceamento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros", afirma o mesmo comunicado do governo. A íntegra do texto da MP foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União na tarde desta segunda-feira. Os provedores de redes sociais terão prazo de 30 dias para adequar as suas políticas e termos de uso ao que manda a MP. A medida vale por 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, e perde os efeitos se não for aprovada no Congresso. O texto impede que as redes decidam sobre a exclusão de contas ou perfis apenas com base nas próprias políticas de uso. A MP elenca alguns casos que podem ser considerados justa causa para limitar ou até excluir uma conta, como para cumprir decisão da Justiça, se o usuário está inadimplente ou se a conta assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público. Também há uma lista de casos para justificar a exclusão de conteúdos, como divulgação de nudez, pratica ou incitação de crimes e apoio ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por discriminação ou preconceito. Ainda é uma das razões para limitar conteúdos a "prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado". Pelo menos desde abril o governo discute formas de engessar a atuação de empresas como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram. A Secretaria de Cultura, comandada pelo ator Mario Frias, membro da chamada ala ideológica do governo, encabeçou a elaboração do texto. Publicações de Bolsonaro e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, ao lockdown. Bolsonaro ainda tem criticado ações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra páginas bolsonaristas investigadas por disseminar fake news. Em maio, uma minuta de decreto, tido como ilegal e inconstitucional por advogados consultados pela Folha, chegou a ser debatido pelo Ministério das Comunicações. A leitura do governo era que o texto deveria ser feito por instrumento legal mais rígido, como a MP. O Marco Civil da Internet foi aprovado em 2014, após mais de dois anos de embates, negociações e intensos lobbys. O texto é uma espécie de Constituição, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres na rede. Bolsonaro ainda faz acenos a sua base eleitoral e mira a reeleição em 2022 ao dar aval para a mudança na legislação. Aliados dizem que levaram reclamações ao Planalto sobre restrições de conteúdos em redes sociais. A MP determina que o usuário seja notificado quando a rede social restringir a conta ou conteúdos. O texto prevê desde advertência, multa, suspensão e proibição das atividades da empresa que não seguir as exigências para restringir conteúdos. Bolsonaro disse no último dia 24 que o TSE "arrebentou a corda" ao determinar às empresas que administram redes sociais que suspendam os repasses de dinheiro a páginas investigadas por disseminar fake news. As mídias digitais são o principal meio de comunicação de Bolsonaro e foram decisivas para sua vitória em 2018. No Planalto, há um departamento de comunicação digital, apelidado de "gabinete do ódio". É atribuído a esse grupo a elaboração de ataques virtuais a adversários. Após anunciar a MP, o governo divergiu do youtuber Felipe Neto. Ele havia dito que o texto proíbe a remoção de conteúdos. A página do governo, então, disse que a mudança na legislação é para exigir que se apresente "justa causa para esse tipo de ação". *** *** https://esportes.yahoo.com/noticias/bolsonaro-assina-mp-para-limitar-224400733.html *** *** ***
*** MP sobre redes sociais é questionada no STF Ações partiram do PSB e do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) Por Bárbara Pombo e Isadora Peron — De São Paulo e Brasília Fonte: Valor Econômico 08/09/2021 05h01 Atualizado há 6 horas SEPTEMBER 08, 2021 O PSB e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro que limita o poder de provedores, como Facebook e Twitter, de remover perfis e contas em redes sociais. *** *** RISCOS DEMOCRÁTICOS PSB aciona Supremo contra MP que limita remoção de conteúdo nas redes sociais 7 de setembro de 2021, 10h47 ImprimirEnviar Por Danilo Vital A Medida Provisória 1.068/2021, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro na véspera dos atos de 7 de setembro, ao limitar a remoção de conteúdo nas redes sociais, é inconstitucional e gera ameaças de dano à saúde e à segurança da população brasileira e de enfraquecimento das instituições democráticas. ***
*** MP impede que redes sociais excluam conteúdos sem a devida "justa causa" *** Com essa premissa, o Partido Socialista Brasileiro ajuizou, na noite de segunda-feira (6/9), ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, com pedido liminar para suspender imediatamente os efeitos da MP. A peça é assinada pelos advogados Rafael Carneiro, Danilo Doneda, Ana Luísa Gonçalves Rocha e Felipe Santos Correa, do escritório Carneiro e Dipp Advogados. Segundo o partido, ao limitar a remoção de conteúdo pelas redes sociais às hipóteses de “justa causa”, a MP desconsidera o quadro de desinformação que tem se instituído na internet mediante a divulgação de informações falsas e com potencial nocivo. Assim, não seria possível remover conteúdos potencialmente danosos à saúde pública, no caso de informações errôneas ou imprecisas num momento de epidemia, por exemplo. Ou mesmo a propagação de mentiras sobre a segurança do sistema de votação eletrônica brasileira, embora propostas de alteração desse sistema tenham sido recentemente derrubadas pelo Congresso. O partido ainda aponta que a MP subverte o Marco Civil da Internet, aprovado após longo e amplo processo legislativo, com participação da sociedade civil e de grande legitimidade social. Assim, afronta o princípio da legalidade. Também ofende o princípio da livre iniciativa, pois compromete o modelo de negócio das empresas de tecnologia que têm nas suas polícias internas um padrão que influi em sua lógica mercadológica e na maneira como são percebidas pelo público. Há também ofensa ao princípio da função social da empresa. “Ao afastarem desinformação e discursos de ódio, as provedoras dão conta de seu dever de promover um ambiente virtual hígido e seguro no qual a livre troca de informações possa ocorrer”, diz o partido. “Por fim, há ofensa ao princípio da proporcionalidade (artigo 37, caput, da Constituição). Ao condicionar a moderação de conteúdo ao alcance do rol taxativo de hipóteses de justa causa, a MP modifica substancial e repentinamente o regime jurídico das provedoras, ainda prevendo diversas sanções a serem aplicadas por “autoridade administrativa” não identificada, em um quadro de total insegurança jurídica”, conclui o PSB. A MP foi assinada por Bolsonaro na véspera do feriado de 7 de setembro, que é marcado por manifestações contra e a favor do governo. A ideia de agir para restringir a retirada de conteúdo das redes sociais é antiga. Em maio o presidente já tinha minuta de decreto com vistas a alterar o Marco Civil da Internet nesses mesmos moldes. À época, especialistas consultados pela ConJur apontaram que a minuta era ilegal e feria o Marco Civil da Internet. Enquanto isso, as plataformas têm excluído consistentemente conteúdos politizados que ferem as próprias diretrizes. Interesse coletivo Rafael Carneiro, advogado do PSB na ação, disse que o Estado não pode permitir o discurso de ódio na internet. “Não cabe ao Estado dizer o que é justa causa para remoção de conteúdo. E muito menos usar esse conceito como justificativa para permitir a desinformação, o discurso de ódio e a incitação ao crime. A moderação de conteúdo na internet é uma atividade de interesse geral da coletividade. Ao realizá-la, as provedoras cumprem sua função social de promover um ambiente virtual seguro para a livre troca de informações”. Clique aqui para ler a petição Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília. Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2021, 10h47 *** *** https://www.conjur.com.br/2021-set-07/psb-aciona-stf-mp-remocao-conteudo-redes-sociais *** *** EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIROPSB NACIONAL, partido político devidamente registrado perante o Tribunal Superior Eleitoral e com representação no Congresso Nacional (Doc. 01), inscrito no CNPJ sob o n. 01.421.697/0001-37, com sede nacional na SCLN 304, Bloco A, Sobreloja 01, Entrada 63, Asa Norte, Brasília/DF, CEP n. 70.736-510, vem, por intermédio de seus advogados devidamente constituídos (Doc. 02), respeitosamente à douta presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 102, inciso I, alínea a, da Constituição Federal, e na Lei n. 9.868/1999, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE com pedido de medida cautelar em face da MP n. 1.068/2021 (Doc. 03), que impõe restrições à moderação de conteúdo e de perfis de usuários pelas provedoras de redes sociais, e o faz pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas. I. SÍNTESE DA DEMANDA Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade voltada a impugnar a MP n. 1.068/2021, que, alterando a Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), e a Lei n. 9.610/1998 (Lei dos Direitos Autorais), restringe a exclusão de conteúdo e de perfis pelas provedoras de redes sociais. Em maio deste ano, o Presidente da República chegou a anunciar que editaria um Decreto com conteúdo semelhante, que regulamentaria o Marco Civil da Internet. O projeto, no entanto, não foi adiante, tendo sofrido duras críticas por parte de especialistas. Agora, por meio do ato impugnado, às vésperas do feriado de 7 de setembro, a Presidência concretiza seu intento de proibir as empresas provedoras de aplicações de internet de excluir ou suspender contas e conteúdos, exceto por “justa causa”. É de se destacar que o rol restrito de hipóteses de “justa causa” desconsidera o quadro de desinformação que tem se instituído na internet mediante a divulgação de informações falsas e com potencial nocivo, permitindo o agravamento dessa situação. A “justa causa” não compreende, por exemplo, a remoção de conteúdos potencialmente danosos à saúde pública – tarefa que vem sendo exercida de forma eficaz pelas provedoras de redes sociais durante a pandemia da Covid-19, em prol da saúde da população. Também desconsidera ameaças ao próprio regime democrático, como é o caso da propagação de mentiras a respeito do sistema de votação eletrônica. Ao fim e ao cabo, ao proibir a moderação de conteúdo, a Medida Provisória mina os grandes esforços institucionais dos Poderes Legislativo e Judiciário que têm sido empreendidos no combate à desinformação. Nessa linha, a medida também se coloca na contramão dos instrumentos internacionais que vêm sendo adotados no sentido do fortalecimento de medidas de combate à desinformação, a exemplo do “Código de Boas Práticas” instituído com o apoio da Comissão Europeia1. A medida subverte, violenta e repentinamente, a lógica do Marco Civil da Internet, diploma que foi construído a partir de longo processo legislativo, com ampla participação da sociedade civil, e que é dotado, portanto, de relevante legitimidade social. Nele, buscouse a compatibilização de princípios constitucionais e a sua funcionalização conforme as características e particularidades do ambiente virtual. 1 Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_21_2585 Nesse aspecto, ressalta-se a previsão do art. 19 do Marco Civil, que prevê a responsabilização das provedoras por danos decorrentes do conteúdo gerado por usuários apenas em tendo havido ordem judicial específica determinando a remoção. Ou seja, não há um dever de as plataformas removerem conteúdo a não que ser que exista decisão judicial nesse sentido, mas nada impede que elas o façam de acordo com suas políticas internas. O ato impugnado, ao modificar o Marco Civil para vedar que as plataformas digitais realizem moderação de conteúdo, a não ser em hipóteses limitadas de “justa causa”, subverte a orientação do próprio diploma que altera – legislação que norteia toda a regulamentação do ambiente digital –, revelando violação ao princípio da legalidade (art. 37, caput, CF). A proibição também afronta o princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV, e 170, caput, CF), eis que compromete indevidamente o modelo de negócio das empresas provedoras de aplicações de internet. Inseridas na lógica mercadológica, as plataformas não prescindem da moderação de conteúdo, essencial para a manutenção da qualidade dos serviços e, portanto, para a atração de usuários e anunciantes. De outro lado, também se identifica a contrariedade do ato impugnado ao princípio da função social da empresa (art. 5º, XXIII, e art. 170, III, CF), porquanto a moderação de conteúdo representa atividade de interesse da coletividade. Ao afastarem desinformação e discursos de ódio, as provedoras dão conta de seu dever de promover um ambiente virtual hígido e seguro no qual a livre troca de informações possa ocorrer. Por fim, há ofensa ao princípio da proporcionalidade (art. 37, caput, CF). Ao condicionar a moderação de conteúdo ao alcance do rol taxativo de hipóteses de justa causa, a MP modifica substancial e repentinamente o regime jurídico das provedoras, ainda prevendo diversas sanções a serem aplicadas por “autoridade administrativa” não identificada, em um quadro de total insegurança jurídica. Nesse contexto, imperiosa a propositura da presente ação direta, a fim de ver reconhecida a inconstitucionalidade do ato impugnado, pelos motivos que passa a demonstrar. II. DA LEGITIMIDADE ATIVA Conforme dispõem o art. 103, VIII, da Constituição Federal, e o art. 2º, VIII, da Lei no 9.868/99, os partidos políticos que possuem representação no Congresso Nacional podem propor ação direta de inconstitucionalidade, como é o caso do Partido Socialista Brasileira – PSB (Doc. 01). Segundo a jurisprudência deste Excelso STF, a legitimidade ativa de agremiação partidária com representação no Congresso Nacional “não sofre as restrições decorrentes da exigência jurisprudencial relativa ao vínculo de pertinência temática nas ações diretas” (ADI no 1.407-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ 24.11.2000). Quer-se dizer, portanto, que os partidos políticos possuem a denominada legitimidade ativa universal para provocação do controle abstrato de constitucionalidade, de modo que resta clara a legitimidade do Partido Socialista Brasileiro para o ajuizamento da presente ação. III. DO CABIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Na presente hipótese, busca-se o controle concentrado de constitucionalidade da Lei n. 14.182/2021, ato normativo federal primário e abstrato, plenamente apto ao crivo deste e. Supremo Tribunal Federal. Ademais, as violações constitucionais provocadas pelo diploma impugnado são diretas e não dependem de anterior juízo de legalidade, pois não há outra norma intermediando, em termos de fundamento e validade, a relação entre a lei questionada e a Constituição Federal. Dessa forma, amplamente demonstrado o cabimento da presente ação, passa-se às razões que levam à procedência do pedido. IV. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO ATO IMPUGNADO. 4.1. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 37, CAPUT): SUBVERSÃO DA LÓGICA DO MARCO CIVIL DA INTERNET a) Breves considerações sobre o Marco Civil da Internet e as recentes medidas promovidas pelo Governo Federal Em 2014, o acesso à internet no Brasil atingiu a marca de 54,4% da população em 2014, de acordo com dados do IBGE (PNAD, 2015)2. O crescimento dessa nova esfera pública de interação da sociedade, aliada à esparsa e, muitas vezes, insuficiente legislação civil e criminal para dirimir conflitos relacionados à internet, impulsionaram o início das discussões, no Congresso Nacional, sobre a regulação do espaço virtual no Brasil3. Os debates sobre a aprovação de diploma que unificasse a regulação do uso da internet, não apenas sob o prisma dos crimes virtuais, mas também, e principalmente, da proteção de liberdades civis no espaço cibernético, iniciaram-se em 20114 e contaram com significativa participação de diversos setores da sociedade civil. Os anseios da população usuária da internet e das empresas de aplicações virtuais transitavam entre a proteção das liberdades e a conformação adequada do ambiente concorrencial. Todo esse complexo e gradual processo, de amplo debate público, culminou na aprovação da Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet. Vale destacar que o Brasil foi um dos países pioneiros na regulação da matéria de forma tão aprofundada5. O Marco Civil representou importante passo a caminho da efetivação de uma internet livre, aberta e transparente, tendo sido inclusive alvo de elogios por Tim Berners-Lee, um dos criadores da internet6. 2 Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-04/celular-eprincipal-meio-de-acesso-internet-na-maioria-dos-lares. 3 SOLAGNA, Fabrício; SOUZA, Rebeca Hennemann V; LEAL, Ondina Fachel. Quando o Ciberespaço faz as suas leis: o processo do Marco Civil da Internet no contexto de regulação e vigilância global. Revista Vivência, Ed. N. 45, 2015, p. 133. 4 Em 24.08.2011, foi apresentado o Projeto de Lei n. 2126/2011, pelo Poder Executivo, que: "Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil". 5 Nesse mesmo espírito de busca pela neutralidade de rede e pelas garantias dos usuários, também é possível citar o exemplo do Chile, que aprovou a Lei n. 20.453/2010, a fim de unificar as questões envolvendo o uso de internet no País, ainda que o Código Processual Penal Chileno já estabelecesse regras para o armazenamento de informações pessoais dos usuários de internet. 6 Disponível em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/criadores-da-internetelogiam-o-marco-civil-da-internet. O que se percebe é que, diferentemente do que ocorreu em outros países, tais como EUA, Espanha e França, que possuem forte concepção intervencionista de segurança nacional (tendo aprovado leis que aumentaram o controle e a vigilância sob dados pessoais de usuários que trafegam pela rede7), a tônica preconizada pelo Marco Civil foi a proteção das liberdades e direitos dos usuários e a preservação da internet como instrumento de participação democrática. Com efeito, o art. 2º logo deixa claro que a disciplina da internet tem como fundamentos, entre outros, os direitos humanos e o exercício da cidadania em meios digitais; a pluralidade e a diversidade; a abertura e a colaboração; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e a finalidade social da rede. O art. 3º, por sua vez, elenca os princípios que regem o uso da internet, senão vejamos: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede; VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Assim, podem ser identificados no Marco Civil três grandes pilares: a neutralidade de rede, a liberdade de expressão e a proteção dos dados pessoais8. 7 SEGURADO, Rosemary. Regulamentação da internet: perspectiva comparada entre Brasil, Chile, Espanha, EUA e França. Rio de Janeiro, vol. 22, supl., pp. 1551-1571, 2015. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 59702015001001551&lng=en&nrm=iso. 8 CARDOZO, José Eduardo Martins. Prefácio. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014. A neutralidade de rede implica a igualdade e a ausência de discriminação na gestão técnica do tráfego da internet, o que significa que não se pode atribuir privilégios a determinados serviços, conteúdos, localidades, aplicações ou dispositivos em detrimento de outros. Corolário da isonomia, a neutralidade privilegia o poder de escolha dos usuários, promove o livre fluxo de informações e estimula a inovação. Questão central em qualquer discussão atinente à internet, a liberdade de expressão é reforçada pelo Marco Civil enquanto fundamento do diploma e princípio orientador da disciplina. Por esse motivo, o texto é firme ao tratar da sua compatibilização com os direitos de personalidade e ao instituir critérios de responsabilização de intermediários, de modo a proteger a internet como espaço de debate público. Em seu terceiro pilar, o Marco Civil inova ao instituir regras de proteção dos dados pessoais, atribuindo expressamente aos cidadãos o direito sobre seus dados e destacando a transparência e o consentimento expresso como pressupostos da coleta e do tratamento de dados. Percebe-se que o espírito democrático do Marco Civil se fez presente desde a sua concepção, com a ampla participação da sociedade civil em um processo aberto e colaborativo de elaboração da norma, passando pelo reforço de direitos e garantias fundamentais previstas no art. 5º da Constituição Federal, até a afirmação da internet como meio de aperfeiçoamento e aprofundamento da participação dos cidadãos na democracia. Nas palavras de Ronaldo Lemos, “[o Marco Civil] não apenas demonstra um anseio por inovação técnica, mas também por inovação política. Por uma expansão dos canais da democracia. Um desejo de que a participação pública de cada cidadão possa ampliar-se no meio digital e que a democracia possa se renovar para enfrentar os desafios cada vez mais complexos que teremos pela frente”. Assim, o Marco Civil é concebido como experiência de democracia ampliada9. Embora se tenha como legislação guarda-chuva em matéria de internet um diploma de caráter nitidamente democrático e que orienta 9 LEMOS, Ronaldo. O Marco Civil como símbolo do desejo por inovação no Brasil. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014. a regulação do ambiente virtual em função da proteção aos direitos humanos10, as recentes medidas tomadas pelo Governo Federal caminham em sentido diametralmente oposto. Ainda em 2019, por meio do Decreto n. 10.046, a Presidência da República instituiu o chamado “Cadastro Base do Cidadão”, que, centralizando diversos dados pessoais de brasileiros, permite o seu compartilhamento por órgãos da Administração Pública. A base poderá congregar desde informações de identificação (como nome, número de CPF, sexo e filiação), passando por informações relativas a emprego, saúde e educação, até dados biométricos. Embora instituída sob o argumento da desburocratização do acesso a serviços públicos, a criação do Cadastro foi imensamente criticada por especialistas, haja vista preocupações quanto à proteção da privacidade e a perspectiva da sua utilização como instrumento de vigilância estatal11. Isso porque o Decreto n. 10.046/2019 não define de forma clara mecanismos de proteção aos dados e de controle pelos próprios cidadãos, nem critérios para o seu compartilhamento, inclusive com entidades privadas. Também cria e confere poderes normativos e fiscalizatórios a um comitê central integrado somente por membros do próprio governo, sem a participação de representantes da sociedade civil. Não à toa, a constitucionalidade do referido Decreto é alvo de questionamento perante este e. Tribunal por meio da ADPF n. 695 e da ADI n. 6.649, ambas de relatoria do Min. Gilmar Mendes, sob o ângulo do direito fundamental à proteção dos dados pessoais. No ano seguinte à publicação do Decreto n. 10.046, o Governo Federal editou a Medida Provisória n. 954/2020, que dispôs sobre o compartilhamento de dados por empresas de telefonia fixa e móvel com o IBGE durante a pandemia. A MP determinava que as telefônicas repassassem relações de nomes, números de telefone e 10 SOUZA, Carlos Affonso; LEMOS, Ronaldo. NoC Online Intermediaries Case Studies Series: Brazilian Courts and the Internet – Rulings Before and After the Marco Civil on Intermediary Liability. In: GASSER, Urs; SCHULZ, Wolfgang. Governance of online Intermediaries: observations from a series of national casa studies. The Berkman Center for Internet & Society Research Publication Series, n. 2015-5. 11 Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/10/12/O-que- %C3%A9-o-Cadastro-Base-do-Cidad%C3%A3o.-E-quais-os-seus-riscos endereços de seus consumidores para permitir a continuidade das pesquisas realizadas pelo IBGE de forma remota. A constitucionalidade da medida foi questionada por meio do ajuizamento das ADIs n. 6387, 6388, 6389, 6390 e 6393, tendo o Plenário deste e. STF referendado a liminar concedida pela Minª Rosa Weber, relatora das ações, para suspender a eficácia do ato normativo a fim de prevenir danos à intimidade e ao sigilo da vida privada dos usuários dos serviços de telefonia. Na oportunidade do julgamento, observou-se que “ao não apresentar mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger, de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida, seja na transmissão, seja no tratamento, o sigilo, a higidez e, quando o caso, o anonimato dos dados pessoais compartilhados, a MP n. 954/2020 descumpre as exigências que exsurgem do texto constitucional no tocante à efetiva proteção dos direitos fundamentais dos brasileiros”. Mais recentemente, em maio deste ano, a Presidência anunciou a elaboração de um decreto que regulamentaria o Marco Civil para impedir a retirada de postagens e a exclusão de perfis pelas plataformas sem ordem judicial. Isso depois que publicações do Presidente e de seus apoiadores haviam sido apagadas e limitadas nas redes sociais por disseminarem informações falsas acerca da Covid-19. O possível decreto também foi durante criticado e não veio a ser emitido. No entanto, pretensão idêntica se concretiza agora por meio do ato impugnado, que proíbe as plataformas de moderarem conteúdo, exceto por determinação judicial. Vê-se que a atuação do Executivo Federal no que se refere à normatização do compartilhamento de dados e de moderação de conteúdo no ambiente virtual tem ido de encontro ao sentido democrático e de proteção de liberdades preconizado pelo Marco Civil. Esse conjunto de medidas governamentais na tentativa de controlar a atuação das plataformas e os dados pessoais dos cidadãos revela uma espécie de “tecnoautoritarismo” 12 – conforme observam as 12 “Interferência do Governo na moderação de conteúdos das plataformas”. Episódio do Podcast Direito Digital, apresentado pelas Profas Ana Frazão e Caitlin Mulholland. Disponível em: https://podcasts.google.com/feed/aHR0cHM6Ly9hbmNob3IuZm0vcy81ODQ3YTExNC professoras Ana Frazão e Caitlin Mulholland –, quadro no qual se insere o ato ora impugnado, como se verá a seguir. b) A subversão da lógica do art. 19 do Marco Civil pelo ato impugnado: violação da legalidade. O ato impugnado pretende impedir a exclusão e a suspensão de contas e conteúdos pelos provedores de aplicações de internet, restringindo a moderação a um rol taxativo de hipóteses de “justa causa”. No entanto, é certo que, o Marco Civil da Internet, norma de ampla legitimidade social, já realiza a devida ponderação entre princípios constitucionais e os adequa às condições e características particulares da internet. Ao estabelecer como um de seus grandes princípios a “liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet”, o Marco Civil confere às plataformas liberdade para a moderação dos conteúdos nela compartilhados, conforme critérios previstos nas suas diretrizes e termos de uso. A compatibilização dessa liberdade de condução da atividade empresarial com a liberdade de expressão e com o direito ao ressarcimento do ofendido por danos sofridos encontra guarida no art. 19 do Diploma, cujo teor é a seguir transcrito: Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. Em outras palavras, o Marco Civil prevê que as plataformas sejam responsabilizadas pelos conteúdos partilhados pelos usuários apenas nos casos de descumprimento de decisões judiciais que determinem a sua retirada. 9wb2RjYXN0L3Jzcw?sa=X&ved=0CAMQ4aUDahcKEwjI0qLypefwAhUAAAAAHQAAAAA QBQ O dispositivo concede proteção às provedoras de modo a prevenir que o poder de moderação se converta em “censura colateral” 13, situação em que as plataformas se veem incentivadas à remoção compulsória e excessiva de publicações, ante a perspectiva de responsabilização por todo e qualquer conteúdo postado pelos usuários. Conforme explica Clara Keller “regimes que responsabilizam intermediários amplamente, por exemplo, os estimulariam a remover publicações ou bloquear perfis diante de qualquer suspeita ou denúncia, o que aumentaria o risco de se restringir atividades legais. É por isso que esses regimes acabam influenciando também políticas internas e o comportamento de uma série de agentes econômicos e usuários das plataformas” 14. Na mesma linha, o comentário do Laboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPIN sobre o art. 19 do Marco Civil: “Esse dispositivo foi essencial para que acabasse no Brasil uma prática recorrente pela qual provedores, a partir de praticamente qualquer denúncia contra algum conteúdo, tirassem-no do ar pela falta de regulação adequada que lhes desse segurança jurídica sobre qual informação estaria ou não de acordo com a ordem legal. O Marco Civil representou, portanto, uma nova divisa para a liberdade de expressão no Brasil [...]15” Com efeito, o sistema de responsabilidade de intermediários eleito pelo legislador brasileiro, consubstanciado no art. 19 do Marco Civil, é considerado pela literatura e pela sociedade civil como uma escolha que privilegia a segurança jurídica e a liberdade de expressão dos usuários16. Veja-se que o Marco Civil condiciona a responsabilização da provedora à existência de ordem judicial: a empresa não é obrigada a 13BALKIN, M. Jack. Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New School Speech Regulation. University of California, Davis, p.1149- 1210, 2018, p. 1181. 14 Disponível em: https://www.jota.info/stf/supra/efeitos-regulatorios-do-marco-civilo-julgamento-no-stf-alem-do-direito-civil-27112019 15 LAPIN. Nota técnica: PL 1.429/2020. Abril de 2020. Disponível em: https://lapin.org.br/2020/05/14/nota-tecnica-projeto-de-lei-n-1-429-20-sobredesinformacao/ 16 Disponível em: https://www.jota.info/stf/supra/efeitos-regulatorios-do-marco-civilo-julgamento-no-stf-alem-do-direito-civil-27112019 remover conteúdo, a menos que exista determinação judicial nesse sentido. Por outro lado, não há impedimento para que a provedora realize a moderação que entenda necessária a luz de seus termos de uso. O ato impugnado, no entanto, subverte a lógica instituída pelo próprio diploma que altera, restringindo a exclusão de perfis e a moderação de conteúdos a um rol taxativo de hipóteses consideradas de “justa causa”. A situação é incompatível com o Marco Civil, que não apenas não impede a moderação, mas também é um Diploma que privilegia a liberdade – seja a liberdade de expressão ou a liberdade empresarial. Como já ressaltado, o art. 19, fruto dos amplos debates públicos de construção do Marco Civil da Internet, compõe o equilíbrio entre os direitos dos usuários, a responsabilização dos intermediários e a liberdade de desenvolvimento dos modelos de negócios. A previsão legislativa foi pensada justamente para assegurar a liberdade de expressão e evitar abusos e remoção desnecessária de conteúdos. O ato impugnado, no entanto, destitui as provedoras de qualquer liberdade de moderação, o que não condiz com essa orientação. Observa-se que, ao burlar a lógica instituída pelo Marco Civil da Internet – que deve ser o norte de toda e qualquer regulamentação que se pretenda instituir sobre o ambiente virtual –, especialmente do modelo previsto no art. 19, o ato impugnado revela normas de caráter contrassistêmico. Em outras palavras, o ato impugnado está em franco descompasso com o arcabouço jurídico no qual pretende se inserir, violando frontalmente o princípio da legalidade – instrumento específico e essencial ao Estado Direito e postulado basilar do regime jurídicoadministrativo, já que “fruto da submissão do Estado à Lei” 17. Cabe ainda mencionar ser a legalidade, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio que “contrapõe-se [...] a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes”, revelando o 17 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 97. propósito político de “submeter os exercentes do poder concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos” 18. Tendo isso em vista, não se pode ignorar o contexto fático no qual o ato impugnado foi editado. No decorrer do último ano, o Presidente Jair Bolsonaro e apoiadores tiveram diversas publicações deletadas de suas redes sociais em razão de violações às regras das plataformas. Mais recentemente, em julho passado, o Youtube retirou do ar quinze vídeos, a maioria referentes a “lives de quinta-feira” realizadas entre 2020 e 2021, nos quais o Presidente propagava informações falsas acerca da Covid-19. Em comunicado, o Youtube informou19: “Após análise cuidadosa, removemos vídeos do canal Jair Bolsonaro por violar nossas políticas de informações médicas incorretas sobre a Covid-19. Nossas regras não permitem conteúdo que afirma que hidroxicloroquina e/ou ivermectina são eficazes para tratar ou prevenir Covid-19; garante que há uma cura para a doença; ou assegura que as máscaras não funcionam para evitar a propagação do vírus”. No mês seguinte, o Presidente anunciou que enviaria ao Congresso um projeto de lei a fim de proibir que as empresas de tecnologia e redes sociais de retirarem publicações do ar sem decisão judicial, afirmando o seguinte20: “Decisão minha é nesta semana enviarmos projeto curtinho para parlamento, mais ou menos seguindo com seguintes termos, baseado no art. 5º [da Constituição] das garantias e direitos individuais, um deles liberdade de expressão. Fazer com que qualquer matéria sua, de quem está nos ouvindo, só possam ser retiradas dessas páginas por decisão judicial. E ponto final”. “Caso contrário, vai acontecer exatamente o que vimos nos Estados Unidos. Onde quem apoiava o [Donald] Trump era censurado, e quem não apoiava era exaltado. O mesmo já acontece aqui no Brasil. Não temos outra alternativa a não ser nos socorrermos do Parlamento”. 18 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 97. 19 Disponível em: https://www.poder360.com.br/midia/youtube-remove-videos-debolsonaro-por-informacoes-incorretas-sobre-covid/ 20 Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-quer-limitarretiradas-de-conteudos-de-paginas-da-internet/ Agora, às vésperas do feriado do dia 7 de setembro, o Presidente edita Medida Provisória com o claro intuito de dificultar sobremaneira a moderação de conteúdo pelas redes sociais, o que é tido como uma grande vitória contra a “censura” pelos integrantes e aliados do Governo: Vê-se que a Presidência da República se vale da liberdade de expressão como subterfúgio para promover medida unicamente favorável aos seus próprios interesses e que é incompatível com a lógica democrática e protetiva às liberdades do Marco Civil. E mais: para descaracterizar pilares básicos e essenciais do Marco Civil, criando novo regime jurídico a ser seguido pelas provedoras de redes sociais, o Presidente utiliza-se do instrumento legislativo excepcional da medida provisória, a demandar o atendimento estrito dos requisitos da relevância e da urgência, o que evidentemente não é o caso. Cabe destacar que tramita atualmente o Projeto de Lei n. 2.630/2020 (“Lei das Fake News”), por meio do qual se pretende regular a responsabilidade dos provedores no combate à desinformação e instituir regras de transparência nas redes sociais, matéria semelhante à do ato impugnado. O referido projeto de lei já compreendeu a realização de mais de uma dezena de audiências públicas, beirando o absurdo a pretensão de normatizar matéria de tamanha complexidade por meio de medida provisória, às margens do debate público e do devido processo legislativo. Portanto, é flagrante a violação do princípio da legalidade, motivo pelo qual este e. Supremo Tribunal dever declarar a inconstitucionalidade do ato impugnado. 4.2. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA (ART. 1º, IV, E 170, CAPUT, CF) De outra parte, a norma impugnada também se opõe ao princípio da livre iniciativa, já que as restrições à exclusão de perfis e à moderação de conteúdo impostas pela Medida Provisória comprometem excessivamente o modelo de negócios das plataformas digitais. A adoção da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput, CF) e da própria República Federativa (art. 1º, IV) revela a opção do constituinte pelo modelo capitalista de produção, lastreado na apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa privada. Assim, ao lado da valorização do trabalho, o preceito da liberdade de iniciativa conforma e orienta a atividade econômica. Nas palavras de José Afonso da Silva: “A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado de natureza capitalista, pois a inciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista” 21. Conforme as lições doutrinárias do Min. Eros Grau, a livre iniciativa é um princípio político constitucionalmente conformador e consubstancia um dos desdobramentos da liberdade, compreendida enquanto “sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de 21 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 15 ed. Malheiros: São Paulo, p. 754. resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento — aí a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado — aí a acessibilidade” 22. Ainda de acordo com o autor, quando considerada em sua faceta econômica, pertinente à empresa (apesar de não ter sua aplicação restrita a esse âmbito), a livre iniciativa apresenta dupla face, podendo se manifestar como liberdade de comércio e indústria ou como liberdade de concorrência. Estas, por sua vez, subdividem-se nas seguintes classificações: “a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico): a.l) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado — liberdade pública; a.l) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei — liberdade pública; b) liberdade de concorrência: b.l) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal — liberdade privada; b.2) proibição de formas de atuação que deferiam a concorrência — liberdade privada; b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes — liberdade pública” 23. Cabe reconhecer, é claro, que o princípio da livre iniciativa não afasta a atuação do Estado sobre o domínio econômico. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a livre iniciativa “não exclui a atividade fiscalizadora, estimuladora, arbitral e até suplementarmente empresarial do próprio Estado”, mas implica “a ausência de impedimentos para a expansão da própria criatividade” 24. O autor sustenta: “Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade econômica, aceitando a sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao fracasso a uma 'estabilidade' supostamente certa e eficiente. Afirma22 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. Malheiros: São Paulo, 2010, p. 203. 23 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. Malheiros: São Paulo, 2010, p. 206. 24 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A economia e o controle do Estado. Parecer publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, edição de 4.6.1989. resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento — aí a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado — aí a acessibilidade” 22. Ainda de acordo com o autor, quando considerada em sua faceta econômica, pertinente à empresa (apesar de não ter sua aplicação restrita a esse âmbito), a livre iniciativa apresenta dupla face, podendo se manifestar como liberdade de comércio e indústria ou como liberdade de concorrência. Estas, por sua vez, subdividem-se nas seguintes classificações: “a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico): a.l) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado — liberdade pública; a.l) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei — liberdade pública; b) liberdade de concorrência: b.l) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal — liberdade privada; b.2) proibição de formas de atuação que deferiam a concorrência — liberdade privada; b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes — liberdade pública” 23. Cabe reconhecer, é claro, que o princípio da livre iniciativa não afasta a atuação do Estado sobre o domínio econômico. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a livre iniciativa “não exclui a atividade fiscalizadora, estimuladora, arbitral e até suplementarmente empresarial do próprio Estado”, mas implica “a ausência de impedimentos para a expansão da própria criatividade” 24. O autor sustenta: “Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade econômica, aceitando a sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao fracasso a uma 'estabilidade' supostamente certa e eficiente. Afirma22 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. Malheiros: São Paulo, 2010, p. 203. 23 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. Malheiros: São Paulo, 2010, p. 206. 24 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A economia e o controle do Estado. Parecer publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, edição de 4.6.1989. Dessa forma, vê-se que ato impugnado, ao comprometer o modelo de negócios das plataformas, acaba por violar o princípio fundamental da livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170 da CF), segundo o qual a atividade estatal de regulação não pode ser exercida a ponto de inviabilizar o bom desempenho da atividade econômica. O modelo de negócios das plataformas, que são agentes econômicos assim como as mídias tradicionais, ainda se baseia na venda de espaço publicitário. No entanto, diferentemente do que ocorre com a TV e o rádio, por exemplo, nas plataformas a publicidade é direcionada de forma personalizada, a partir da compreensão, aferida por meio de dados, do que é relevante para o usuário28. A necessidade de que as plataformas mantivessem espaços atrativos para os anunciantes levou a uma profissionalização da atividade de moderação, voltada para o tratamento padronizado e o controle de conteúdo danoso. Conforme explica relatório do Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS29: No empreendimento baseado em direcionamento de anúncios, os clientes da plataforma são os anunciantes e parte substancial do ferramental do serviço ofertado são os dados e a atenção dos usuários. Por isso, as plataformas assumem um papel mais proativo em relação ao conteúdo que elas suportam. O interesse comercial as leva a não relegar apenas à moderação voluntária de usuários o controle sobre conteúdo ofensivo. Como modelo de negócio, parte de sua garantia de qualidade passa pelo controle do conteúdo associado a seu ambiente, em que também circula publicidade contratada por anunciantes. A conservação do ambiente também é, por óbvio, importante para a atração e a manutenção da conexão dos próprios usuários da rede, cujo engajamento favorece a visualização dos anúncios e atrai mais publicidade, como pontua relatório do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio30: 28 RODRIGUES, Gustavo; KURTZ, Lahis. Transparência sobre moderação de conteúdo em políticas de comunidade. Belo Horizonte: Instituto de Referência em Internet e Sociedade, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3nUbXYh. 29 RODRIGUES, Gustavo; KURTZ, Lahis. Transparência sobre moderação de conteúdo em políticas de comunidade. Belo Horizonte: Instituto de Referência em Internet e Sociedade, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3nUbXYh. 30 ITS. Redes sociais e moderação de conteúdo: criando regras para o debate público a partir da esfera privada. Disponível em: https://itsrio.org/pt/publicacoes/redessociais-e-moderacao-de-conteudo/. “as plataformas precisam criar um ambiente acolhedor para atrair e manter usuários online além de promover engajamento. Caso contrário, elas podem acabar afastando usuários que não se sentem seguros online. Assim, conteúdos obscenos e ofensivos (ou, em geral, sensíveis) devem sofrer moderação para evitar a alienação de parcelas do público”. Assim, cabe às empresas de plataforma exercer um papel ativo sobre o que pode ou não ser publicado ou compartilhado e coibir a circulação de conteúdo danoso, o que faz parte do modelo de negócios que dá sustentação à prestação dos serviços. Nesse sentido, as empresas têm estabelecido um conjunto de “mecanismos e práticas de ordem técnica, política, jurídica e comercial” que regula o funcionamento das plataformas e dá legitimidade à moderação de conteúdo. Dentre essas práticas de governança, sobressaem dois documentos que são geralmente adotados pelas empresas, os “termos de serviço” e as “diretrizes da comunidade” 31. Conforme indica Tarleton Gillespie, os termos de serviço compõem um documento jurídico formal, um contrato que expõe as regras às quais os usuários devem se obrigar como condição de sua participação na plataforma e os meios de resolução de eventuais conflitos. Por sua vez, as diretrizes da comunidade, em linguagem mais coloquial, estabelecem as expectativas da plataforma sobre o que é adequado e o que não é, enunciando princípios e proibições e geralmente referenciando os termos de serviço32. À luz dessas disposições – ao menos em tese –, as plataformas arranjam, por meio de algoritmos e do trabalho de moderadores, a filtragem, a limitação da visibilidade, a rotulação e a retirada de conteúdos. Vê-se, portanto, que a moderação de conteúdo é contratualizada entre usuários e empresas privadas, as quais têm liberdade para limitar, suspender ou excluir conteúdos e contas de 31 ANDRÉA, Carlos d’. Pesquisando plataformas online: conceitos e métodos. Salvador: EDUFBA, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/32043; 32 GILLESPIE, Tarleton. Custodians of the Internet: platforms, content moderation, and the hidden decisions that shape social media. New Haven: Yale University Press, 2018 acordo com seus termos de serviço e políticas de comunidade, ainda que as violações identificadas não configurem propriamente ilícitos. É evidente que as plataformas compõem relevante espaço de debate público e têm moldado a forma como a comunicação é feita, o que obsta que essa moderação seja feita de forma discricionária ou excessiva, de modo a suprimir a liberdade de expressão e o acesso à informação. Daí a importância de que a sociedade e as instituições sigam discutindo soluções regulatórias, por meio da implementação de canais de transparência, mecanismos de accountability e procedimentos de prestação de contas sobre a moderação de conteúdo. O que não se pode é admitir que agentes econômicos cuja condução da atividade empresarial depende da moderação sejam totalmente tolhidos de sua liberdade de iniciativa ao serem impedidos de controlar conteúdos nocivos ao ambiente virtual. O ato impugnado, ao limitar excessivamente o poder das plataformas de moderar conteúdos compromete de forma excessivamente onerosa a livre iniciativa, razão pela qual deve ser declarado inconstitucional. III. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA (ART. 5º, XXIII, E ART. 170, III, CF) Conforme abordado no tópico anterior, a Constituição Federal, ao fundar a ordem econômica brasileira sobre a livre iniciativa, adota o modelo capitalista de produção, cujo cerne consubstancia-se no instituto da propriedade privada. Ao mesmo tempo em que faz a opção por uma economia capitalista, a matriz constitucional de 1988 condiciona os princípios da livre iniciativa e da propriedade privada à realização da dignidade da pessoa humana, que é tida como o centro e o fim último do ordenamento. Esse condicionamento é instituído por meio da submissão da propriedade à sua função social, conforme ensina José Afonso da Silva: “[...] a iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no sistema da constituição econômica brasileira. Se ela se implementa na atuação empresarial, e esta se subordina ao princípio da função social, para realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional, assegurada a existência digna de todos, conforme ditames da justiça social, bem se vê que a liberdade de iniciativa só se legitima quando voltada à efetiva consecução desses fundamentos, fins e valores da ordem economia”33. Veja-se que a propriedade privada e a livre iniciativa não se colocam de forma antagônica ou conflitante em relação à função social da propriedade. Tratam-se de princípios que compõem, de forma complementar e interdependente, a estrutura do Estado Democrático de Direito. Cabe observar que, quando se fala em função social da propriedade, fala-se também em função social da empresa. É o que ensina Eros Grau: “O princípio da função social da propriedade, para logo se vê, ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual em maior intensidade refletem os efeitos do princípio é justamente a propriedade, dinâmica, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa” 34. Acerca da previsão constitucional da função social da propriedade, observa Ana Frazão: “[...] o princípio da função social da propriedade, cuja decorrência necessária é a função da empresa, pode ser considerado como uma forma que a Constituição encontrou de condicionar o exercício da atividade empresarial à justiça social sem ter que recorrer a nenhum compromisso previamente determinado, resgatando, de modo amplo, a solidariedade e a intersubjetividade da liberdade de inciativa e mostrando sua relação com a dignidade da pessoa humana”35. 33 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 15 ed. Malheiros: São Paulo, p. 780. 34 GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 128. 35 FRAZÃO, Ana. A função social da empresa na Constituição de 1988. In: Direito Civil Contemporâneo. Brasília: Gran Cursos, 2009. Ainda de acordo com a autora, “o fim da empresa passa a ser o de proporcionar benefício para todos os envolvidos com tal atividade [...] e também para a coletividade, como é o caso dos consumidores e dos demais cidadãos” 36. Assim, de uma perspectiva institucionalista, os interesses da empresa, para além dos interesses dos sócios, passam a dizer respeito também aos interesses da própria coletividade, assumindo a empresa um lugar de relevo como instrumento de crescimento e de geração de benefícios para a comunidade37. Frisa-se que a função social não impõe somente limitações ao exercício da propriedade, mas também exige do proprietário uma atuação positiva em função do interesse social. A respeito da função social, observa Fábio Konder Comparato que “o desenvolvimento da atividade é, portanto, um dever, mais exatamente, um poder-dever; e isto, não no sentido negativo, de respeito a certos limites estabelecidos em lei para o exercício da atividade, mas na acepção positiva, de algo que deve ser feito ou cumprido” 38. É necessário ressaltar que a moderação de conteúdo não atende somente aos interesses privados das empresas de plataforma, mas também ao interesse público, já que, além de ser imprescindível para o modelo de negócios das empresas, constitui instrumento de controle da desinformação e de discursos de ódio. Com efeito, a desinformação – conteúdos falsos criados e compartilhados com a intenção de causar dano ou de gerar vantagens com a sua disseminação39 –, e o discurso de ódio – manifestações de intolerância direcionadas a grupos minoritários ou vulneráveis – têm sido questões centrais no debate da moderação de conteúdo. Isso porque tais tipos de manifestação têm se feito cada vez mais presentes na internet e moldado a formação da opinião pública, 36 FRAZÃO, Ana. A função social da empresa na Constituição de 1988. In: Direito Civil Contemporâneo. Brasília: Gran Cursos, 2009. 37 FRAZÃO, Ana. A função social da empresa na Constituição de 1988. In: Direito Civil Contemporâneo. Brasília: Gran Cursos, 2009. 38 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, empresa e função social. São Paulo: Revista dos Tribunais. V. 85, n. 732, 1996, p. 41. 39Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647. com reflexos sobre o regime democrático, em um contexto no qual as plataformas digitais são meios de comunicação em massa dos mais relevantes. Conforme observa o IRIS: Alguns tipos de conteúdo levam a revisões periódicas e reabertura dos debates sobre a necessidade de transparência e de compreender o papel das plataformas na internet. Em especial, discursos extremistas, discursos de ódio e desinformação (pautas que costumam caminhar juntas) vem representando uma preocupação cada vez mais concreta. Esse tipo de conteúdo pode servir para manipulação de opinião pública sobre eventos importantes, com reflexos que podem alterar decisões sobre votos, atitudes de prevenção coletiva, percepção pública sobre determinado grupo ou autoridade, etc. No caso da pandemia, podemos exemplificar com atitudes como recusa em usar máscara ou compra de medicamentos sem efeito comprovado40. Cabe frisar que, assim como o poder de moderação das plataformas não é absoluto, devendo atender amplamente a critérios de transparência, a garantia fundamental da liberdade de expressão articula-se com outros direitos e garantias com ela relacionadas, bem como depende diretamente de um contexto hígido no qual possa ser exercida com plenitude e segurança. Não se trata, como aliás nenhuma outra garantia fundamental o é, de direito unidimensional, que possa ser implementado independentemente de considerações acerca de sua eficácia ou da análise de potenciais violações a outras garantias e direitos. O contexto específico no qual a liberdade de expressão é exercida apresenta importância fundamental, mormente ao se considerar a internet como meio no qual hoje têm lugar parcela majoritária das comunicações. Nesse aspecto, ressalte-se que a mudança de espaços de debate e discussão, fóruns e demais espaços físicos para ambientes virtuais – efeito da inserção das tecnologias de informação e comunicação, que foi acentuado no período pandêmico – não se dá sem que alguns pressupostos de participação e do seu exercício tenham sido modificados tanto quantitativamente como qualitativamente. Em particular, um elemento que se apresenta como condição essencial para que o espaço de expressão individual seja tão aberto e 40 Disponível em: https://irisbh.com.br/padroes-para-moderacao-de-conteudo/ acessível quanto possível, fazendo com que a garantia da liberdade de expressão possa ser efetivamente exercida, é a manutenção de uma esfera pública capaz de proporcionar a devida ressonância para as opiniões que sejam expressas, evitadas as distorções e amplificações que, instrumentalmente, desvirtuem o debate público. São justamente essas manifestações que, artificialmente engendradas, caracterizam o fenômeno da desinformação, hoje identificado como elemento desagregador da esfera pública e que, para ser desincentivado e combatido, demanda esforços de diversos atores no chamado ecossistema da comunicação, inclusive – e essencialmente – dos provedores de aplicação na internet e redes sociais. Estes, com as ferramentas à sua disposição e pela aplicação de regras de conduta presentes nas suas políticas internas e termos de uso, desempenham papel fundamental para identificar e desmantelar estruturas de distribuição de conteúdo desinformativo – com instrumentos que, pela extrema complexidade e dinâmica do problema da desinformação, caso restem circunscritos às hipóteses de moderação por “justa causa” presentes na MP 1.068/2021, privados estariam de qualquer eficácia significativa. Assim, pode-se afirmar que, como em um mecanismo típico de retroalimentação, pelo qual o exercício de um direito resta fortalecido com a constante indicação de vetores para sua funcionalização, a liberdade de expressão ganha eficácia e amplitude com o recurso a medidas que procuram contrastar a utilização abusivas de recursos de comunicação – que comprometem a confiabilidade e a segurança de espaços de comunicação e restringem o valor da esfera pública, levando, em última análise, a uma leitura meramente formal da garantia da liberdade de expressão. Com efeito, a liberdade de expressão não pode ser usada como subterfúgio para a propagação de mentiras e de ataques contra a própria democracia, como bem pontuou o Min. Celso de Mello no julgamento da ADPF n. 572: [...] a liberdade constitucional de expressão do pensamento não legitima o discurso de ódio, não protege ofensas ao patrimônio moral de quem quer que seja e não tutela manifestações que objetivam transgredir as salvaguardas estabelecidas pela Lei Fundamental em sua própria defesa, pois tais atos de natureza criminosa – e de caráter evidentemente subversivo – não são dignos nem merecedores do amparo constitucional, sob pena de consagrar-se verdadeiro paradoxo, na medida em que a Carta Política, ao assegurar as franquias democráticas à generalidade dos cidadãos, culmina por viabilizar aos infratores da ordem jurídica a destruição do próprio sistema constitucional. Compressão atualizada da liberdade de expressão e condizente com a evolução e as transformações da sociedade não abrange a disseminação de desinformação e discursos de ódio, que são precisamente os tipos de manifestação que as empresas provedoras de aplicações de internet têm responsabilidade social de coibir. Conforme explica Luna van Brussel Barroso, “a teoria tradicional da liberdade de expressão foi pensada para um mundo de escassez de informação”, no qual as informações provinham de poucas fontes e a maior ameaça à liberdade de expressão era a censura governamental. Hoje, diferentemente, “é preciso conceber uma teoria da liberdade de expressão desenhada não para um mundo de escassez de informação, mas de escassez de atenção: um mundo em que não é possível conhecer toda a informação disponível e o livre mercado de ideias não leva mais à depuração da verdade” 41. No Brasil, os últimos anos têm sido marcados pelo escancaramento da problemática das “fake news”. Ainda em 2018, reportagem jornalística noticiou a contratação de disparos massivos de mensagens com informações falsas e difamatórias pelo Whatsapp a fim de beneficiar o então candidato à presidência Jair Bolsonaro42. Ainda tramitam no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral duas ações voltadas à investigação desses fatos. Em 2019, instaurou-se Comissão Parlamentar Mista de Inquérito a fim de investigar “a criação de perfis falsos e ataques cibernéticos nas diversas redes sociais, com possível influência no processo eleitoral e debate público”, bem como “a prática de cyberbullying contra autoridades e cidadãos vulneráveis” e “o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio". No mesmo ano, foi instaurado, no âmbito deste e. Tribunal, o Inquérito n. 4.781 (“inquérito das fake news), com o intuito de 41 Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/fumus-boni-iuris/post/luna-vanbrussel-barroso-democracia-e-liberdade-de-expressao.html 42 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresariosbancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml investigar a existência de notícias fraudulentas, ofensas e ameaças contra a Corte, seus Ministros e familiares. Recentemente, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral, o Min. Alexandre de Moraes, relator do inquérito, determinou a inclusão do Presidente da República como investigado, em razão das sistemáticas acusações infundadas contra o sistema eleitoral brasileiro43. Diga-se que no julgamento da ADPF n. 572 (Rel. Min. Edson Fachin, DJe 07.05.2021), oportunidade em que analisada a constitucionalidade da instauração do referido inquérito, este Supremo destacou o caráter corrosivo para as instituições democráticas da disseminação de notícias fraudulentas. Considerado o quadro, e atentando-se para a função social da empresa, é possível concluir que as plataformas têm não só um poder, mas também o dever e a responsabilidade de controlar distorções e agentes nocivos, de modo a promover um ambiente virtual seguro e saudável, no qual a livre troca de informações possa ocorrer. Nesse sentido, há, inclusive, expectativa e pressão social por uma postura mais ativa em reação à circulação de conteúdos danosos. Um exemplo é o Sleeping Giants, movimento internacional de ativismo digital com representação no Brasil que estimula empresas a retirarem seus anúncios publicitários de sites que veiculem informações falsas e discurso de ódio44. O interesse público e a função social da moderação de conteúdo realizada pelas empresas ficaram ainda mais evidentes na realidade brasileira durante a pandemia, momento no qual a propagação – inclusive por autoridades públicas, como já visto – de desinformação acerca de tratamentos e medidas de prevenção contra a Covid-19 chega a dificultar o enfrentamento da emergência de saúde pública e a colocar em risco a saúde e a segurança da população. Conforme indicou o relatório “Ciência Contaminada: analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via Youtube”, produzido ainda em maio de 2020 pelo projeto Democracia Infectada: 43 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/08/04/tse-pede-quesupremo-compartilhe-dados-de-investigacao-sobre-fake-news 44 Disponível em: https://www.b9.com.br/126467/sleeping-giants-brasil-anunciosfake-news/ “O dano maior da desinformação no campo da saúde advém do fato que as únicas medidas atualmente eficazes no enfrentamento da pandemia de Covid-19 são as intervenções de saúde pública não farmacológicas, cuja eficácia depende da observância de certos padrões de comportamento pela população. O discurso da desinformação, ao minimizar a gravidade da doença ou cogitar medidas contrárias a esses padrões, mas ineficazes para prevenir a doença ou minimizar seus danos, prejudica justamente a capacidade de se obter esse comportamento social eficaz” 45. Nesse contexto, as plataformas têm atuado de forma a limitar o alcance de publicações e remover conteúdos que neguem a existência e a gravidade da pandemia, que contrariem diretrizes internacionais de prevenção ao vírus e que desincentivem a população a tomar medidas de precaução contra a contaminação. Além disso, têm priorizado nos mecanismos de busca e recomendação algorítmica os conteúdos provenientes de fontes oficiais e notificado contas de usuários que promovem a disseminação de informações falsas. O Twitter, por exemplo, esclarece que estão sujeitos à remoção conteúdos relacionados à Covid-19 que “são alegações de fato, comprovadamente falsas ou enganosas e com probabilidade de causar danos”, e que “contas que violam essa regra repetidamente podem ser suspensas permanentemente”. Também informa poder “incluir avisos ou mensagens de alerta para dar explicações adicionais em situações em que os riscos de dano associados ao Tweet são menos graves, mas o conteúdo pode ainda assim confundir ou enganar” 46. Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido em direção a soluções regulatórias e medidas mais transparentes de moderação de conteúdo, é certo que a pandemia tem mostrado que a sociedade não pode prescindir de ações no sentido do controle de conteúdo. Conclui-se que restringir excessivamente o poder de as plataformas realizarem moderação de conteúdo e excluírem perfis é impedir que estas cumpram com o seu dever em face da coletividade, o que se opõe ao princípio da função social da empresa e, consequentemente, ao interesse público. Também por essa razão, o ato impugnado deve ser declarado inconstitucional. 45 Disponível em: https://laut.org.br/ciencia-contaminada.pdf 46 Disponível em: https://blog.twitter.com/pt_br/topics/company/2019/umaatualizacao-sobre-nossa-estrategia-continua-durante-o-covid-19. 4.4. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE (ART. 37, CAPUT, CF). Como visto, o ato impugnado impede as provedoras de aplicações de internet de excluírem e suspenderem contas e conteúdos, salvo em hipóteses de “justa causa”. Para além de ferir o princípio de legalidade e os preceitos constitucionais da livre iniciativa e da função social da empresa, a medida viola frontalmente o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade traduz a ideia, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, de que “as competências administrativas só podem ser exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas”47. Nesse sentido, o preceito constitui fundamental ferramenta de aferição do excesso de poder legislativo. Com efeito, a discricionariedade do legislador não é ilimitada, devendo ser exercida dentro dos parâmetros instituídos pela Carta Magna, de modo a equacionar os valores constitucionais de forma adequada, necessária e proporcional. Nesse sentido, veja-se a lição do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, em sede doutrinária: É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip), isto é, de se proceder à censura sobre a adequação (Geeignetheit) e a necessidade (Erforderlichkeit) do ato legislativo. O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura afirmação da censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera de liberdade de conformação do legislador (gesetzgeberische Gestaltungsfreiheit) [...] O conceito de discricionariedade no âmbito da legislação traduz, a um só tempo, ideia de liberdade e de limitação. Reconhece-se ao legislador o poder de conformação dentro de 47 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 107. limites estabelecidos pela Constituição. E, dentro desses limites, diferentes condutas podem ser consideradas legítimas48. Em se tratando de normas que impõem limitação às liberdades constitucionais, como é o caso da livre iniciativa, o princípio da proporcionalidade adquire importância ainda maior. Conforme observado por este e. Tribunal no julgamento da ADPF n. 449: O exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da coerção arbitrária por parte do Estado, competindo ao Judiciário, à luz do sistema de freios e contrapesos estabelecidos na Constituição brasileira, invalidar atos normativos que estabeleçam restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional [...] O sistema constitucional de proteção de liberdades goza de prevalência prima facie, devendo eventuais restrições ser informadas por um parâmetro constitucionalmente legítimo e adequar-se ao teste da proporcionalidade, exigindo-se ônus de justificação regulatória baseado em elementos empíricos que demonstrem o atendimento dos requisitos para a intervenção. No caso, vê-se que a proibição de que as plataformas realizem moderação de conteúdo, salvo nas hipóteses expressas no texto legal não é uma é uma medida adequada, proporcional e muito menos necessária. A Medida Provisória representa desarrazoada limitação à liberdade das companhias provedoras, que são entidades privadas conduzindo seus negócios conforme a lógica de mercado e devem ter liberdade para aplicar regras de uso. Impõe-se, do dia para noite, uma série de comandos que efetivamente alteram o regime jurídico a que se submetem essas empresas, concedendo-lhes, para fins de adaptação, o exíguo prazo de 30 dias. Não fosse isso o bastante, a MP ainda prevê um amplo rol de sanções a serem aplicadas às empresas que realizem moderação de conteúdo fora dos parâmetros de “justa causa”. As punições vão desde advertências à suspensão e à proibição do exercício de atividades, 48 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 38-39. passando por multas pecuniárias, e poderão vir a ser aplicadas por “autoridade administrativa” que a MP nem sequer indica qual é. O quadro é de flagrante insegurança jurídica, podendo dar azo é a uma profusão de processos judiciais envolvendo a moderação de contas e de conteúdos, com a perspectiva de abarrotamento do Poder Judiciário. Assim, ante a manifesta desproporcionalidade da medida impugnada, que repentinamente altera o regime jurídico das empresas provedoras de redes sociais, submetendo-as à aplicação de graves sanções por autoridade não identificada, há de ser declarada a sua inconstitucionalidade. V. DA MEDIDA CAUTELAR No presente caso, impõe-se o deferimento de medida cautelar para que sejam imediatamente suspensos os efeitos da MP n. 1.068/2021, uma vez que presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, já amplamente demonstrados no decorrer da peça. O fumus boni iuris está suficientemente evidenciado nas razões aduzidas acima, que demonstram a flagrante inconstitucionalidade do ato impugnado. De pronto, extrai-se do ato impugnado violação à legalidade, já que a restrição da moderação de conteúdo pelas plataformas é incompatível com a orientação do Marco Civil da Internet. O referido diploma privilegia a liberdade das empresas de conduzirem seus negócios, ao mesmo tempo em que protege a liberdade de expressão e o direito de indenização por danos ao instituir o sistema de responsabilização consubstanciado no art. 19. A medida também ofende a livre iniciativa e a função social da empresa, pois a moderação de conteúdo, que se traduz no controle de distorções e agentes nocivos, é essencial para a manutenção do modelo de negócios das plataformas e a promoção de um ambiente virtual hígido no qual a livre comunicação possa ocorrer. Por fim, é flagrante a desproporcionalidade do ato impugnado, por retirar arbitrariamente das empresas provedoras de redes sociais qualquer liberdade de conduzirem seus negócios de acordo com seus termos de uso, alterando repentinamente o seu regime jurídico e submetendo-lhes à imediata aplicação de graves sanções. O periculum in mora, por sua vez, está demonstrado ante o caráter imediato e continuado das violações constitucionais produzidas pelo ato impugnado. Como já ressaltado, a moderação de conteúdo por parte das plataformas representa uma tarefa de evidente interesse público, ao mitigar a desinformação e os discursos de ódio, de efeitos nocivos para um Estado de Direito que se pretenda democrático. Isso se tornou ainda mais evidente no momento atual de pandemia, em que as plataformas, ao moderarem conteúdo, têm contribuído para afastar informações falsas ou fraudulentas que dificultam o combate e a prevenção ao vírus ou mesmo representam risco à saúde dos brasileiros. Assim, a manutenção dos efeitos da norma impugnada, cuja inconstitucionalidade é patente, implica ameaça de dano à saúde e à segurança da população brasileira e de enfraquecimento das instituições democráticas, o que não se pode admitir. Ademais, o ato impugnado está sendo publicado às vésperas do feriado do dia 7 de setembro – em que se espera a realização de manifestações antidemocráticas, havendo um crescente temor de ameaças golpistas – agravando-se o quadro de insegurança e instabilidade democráticas já existente. Portanto, cumpre a esta Suprema Corte sustar os efeitos do ato impugnado até a decisão final de mérito na presente ação direta. Caso não se entenda devida a concessão da medida cautelar, requer-se a adoção do rito abreviado para análise da ação previsto no art. 12 da Lei n. 9.868/1999, a fim de que o processo seja diretamente submetido a julgamento definitivo por esta Corte. VI. DOS PEDIDOS Diante do exposto, requer-se seja conhecida a presente ação direta de inconstitucionalidade, tendo em vista o preenchimento de seus pressupostos de admissibilidade, para que: a) Seja concedida medida liminar para determinar a suspensão imediata dos efeitos da MP n. 1.068/2021, visto que integralmente preenchidos os requisitos legais para a concessão da medida cautelar; b) No mérito, seja julgada procedente a presente ação direta para, ratificando-se a liminar eventualmente concedida, declarar-se a inconstitucionalidade da MP n. 1.068/2021. Por fim, requer-se que as publicações sejam realizadas em nome do advogado Rafael de Alencar Araripe Carneiro, inscrito na OAB/DF sob o n. 25.120, sob pena de nulidade. Informa, para os efeitos do disposto pelo artigo 39, I, do Código de Processo Civil, que o signatário tem escritório em Brasília, no endereço SGAN Quadra 601 Bloco H L2 Norte - Edifício ION - Sala 1035, Brasília/DF - CEP 70.830-018. É atribuído à causa, para meros efeitos contábeis, o valor de R$ 100,00 (cem reais). Nesses termos, pede deferimento. Brasília, 6 de setembro de 2021. Rafael de Alencar Araripe Carneiro OAB/DF 25.120 Danilo Doneda OAB/RJ 156.590 Ana Luísa Gonçalves Rocha OAB/DF 64.379 Felipe Santos Correa OAB/DF 53.078 *** *** https://www.conjur.com.br/dl/psb-aciona-stf-mp-limita-remocao.pdf *** *** ***
*** YouTube Provoca - YouTube *** *** Eugênio Bucci | #Provoca | 07/09/2021 1.771 visualizaçõesTransmissão ao vivo realizada há 14 horas TV Cultura 1,7 mi de inscritos No #Provoca desta terça (7/9), Marcelo Tas entrevista o jornalista Eugênio Bucci. Entre os assuntos abordados na entrevista estão democracia, jornalismo e política. Questionado por Tas sobre riscos à democracia, Bucci afirma: “O Brasil é um país que a liberdade de imprensa declina. Os indicadores de qualidade democrática declinam. Chega a ser irresponsável a gente sair por aí falando que a democracia funciona normalmente porque o presidente da República, Jair Bolsonaro, nunca censurou ninguém, ele não pode censurar. Se pudesse, já teria censurado milhões”. 2 comentários Adicionar um comentário público... Eurico Xavier Eurico Xavier há 4 horas Muito bom gostei não conhecia esse cara Luciana Aparecida Luciana Aparecida há 7 horas 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏. *** *** https://www.youtube.com/watch?v=Qn0rYQVtBNQ *** *** ***
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*** Atividade Legislativa Busca Plenário Projetos e Matérias Comissões Consolidações e Estatísticas Legislação Conselhos e Órgãos Diários e AnaisPortal MultimídiaRSSDados Abertos Atividade Legislativa Legislação Constituição Federal Constituição Federal (Texto compilado até a Emenda Constitucional nº 97 de 04/10/2017) Art. 62 Art. 62 art_63_art_61_ Título IV Da Organização dos Poderes Capítulo I Do Poder Legislativo Seção VIII Do Processo Legislativo Subseção III Das Leis Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar; IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. Histórico de Alterações do Artigo EMC-032 de 11/09/2001 Dispositivo Texto Anterior Alteração Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Par. 1 Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. §Parágrafo 1ºúnico. ÉAs vedada a edição de medidas provisórias sobreperderão matéria:eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. Par. 1 Inc. I I - relativa a: Par. 1 Inc. I Ali. a a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; Par. 1 Inc. I Ali. b b) direito penal, processual penal e processual civil; Par. 1 Inc. I Ali. c c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; Par. 1 Inc. I Ali. d d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; Par. 1 Inc. II II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; Par. 1 Inc. III III - reservada a lei complementar; Par. 1 Inc. IV IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. Par. 2 § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. Par. 3 § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. Par. 4 § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. Par. 5 § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. Par. 6 § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. Par. 7 § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. Par. 8 § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. Par. 9 § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. Par. 10 § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. Par. 11 § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. Par. 12 § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. *** *** https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_04.10.2017/art_62_.asp *** ***

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