Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
domingo, 7 de setembro de 2025
Bem que avisou
Rosa - Pixinguinha (instrumental com letra)
Coral Bevilacqua
Arthur Nestrovski | Rosa (Pixinguinha / Otávio de Souza) | Instrumental Sesc Brasil
Instrumental Sesc Brasil
Vinicius de Moraes: ROSA DE HIROSHIMA, por Oswaldo Montenegro. De Gérson Conrad, Secos & Molhados
Brasil - Arte, pensamento e história
Chico Buarque - Carolina - (Com Letra Na Descrição) - Legendas - (CC)
CAROLINA
"Carolina
Nos seus olhos fundos
Guarda tanta dor
A dor de todo esse mundo.
Eu já lhe expliquei que não vai dar
Seu pranto não vai nada ajudar.
Eu já convidei para dançar,
É hora, já sei, de aproveitar.
Lá fora, amor
Uma rosa nasceu,
Todo mundo sambou,
Uma estrela caiu.
Eu bem que mostrei sorrindo,
Pela janela, ói que lindo,
Mas Carolina não viu.
Carolina
Nos seus olhos tristes
Guarda tanto amor
O amor que já não existe.
Eu bem que avisei, vai acabar
De tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar
Agora não sei como explicar.
Lá fora, amor
Uma rosa morreu,
Uma festa acabou,
Nosso barco partiu.
Eu bem que mostrei a ela,
O tempo passou na janela
E só Carolina não viu.
Eu bem que mostrei a ela,
O tempo passou na janela
E só Carolina não viu."
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Carolina
Chico Buarque
Chico Buarque de Hollanda Vol. 3
Música
Transcrição
Uma imagem acompanhada de um artigo de opinião escrito por Miguel Reale Júnior no jornal O Estado de S. Paulo, de sábado, 6 de setembro de 2025, intitulado “Anistia para um novo golpe”.
No texto, o autor critica a proposta de anistia a Jair Bolsonaro — defendida por aliados como Tarcísio de Freitas — e argumenta que tal medida não busca pacificação, mas sim impunidade. Ele explica o conceito de anistia, suas hipóteses legítimas de aplicação (condutas deixarem de ser lesivas, transição de regime autoritário para democracia ou medida de apaziguamento político) e conclui que nenhuma delas se aplica ao caso de Bolsonaro.
Segundo Reale Júnior, a tentativa de golpe contra o Estado de Direito ainda é uma ferida aberta na sociedade e os defensores da anistia apenas desrespeitam o processo democrático. Ele também alerta que conceder tal medida significaria incentivar novos ataques à democracia.
sábado, 6 de setembro de 2025
Anistia para um novo golpe. Por Miguel Reale Júnior
“A desmoralização contínua do processo eleitoral foi o pano de fundo indutor da violência dos acólitos no seu avanço sobre a sede dos Três Poderes.” Decanos e Sub decanos bem que avisaram
O Estado de S. Paulo
Quando passa-se a aviltar nossa soberania para tentar obter a anistia, não se pretende pacificação
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou que, se eleito, seu primeiro ato será conceder a graça (indulto pessoal) a Jair Bolsonaro, que, por óbvio, reconhece que será condenado. Dessa maneira, seu principal compromisso é desfazer a decisão em defesa da democracia editada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Que começo!
Assim, é evidente que a anistia ganhará impulso por causa de bajuladores de Bolsonaro, que pretendem ser ungidos como candidatos in pectore do expresidente. A anistia será tema da direita a partir de agora. Por isso, dedico-me a analisar o significado do instituto e seu possível cabimento.
O legislador, ao criar uma norma incriminadora, avalia a conduta escolhida como lesiva a um valor importante à convivência social, tanto que ameaça a imposição de pena, caso seja praticada a conduta violadora.
Colhe, portanto, o legislador na realidade social quais os valores vivenciados pela sociedade que devam ser reputados essenciais, sendo contraponto eventual a revogação da norma incriminadora ou a anistia. Determinado comportamento delituoso pode ser considerado não mais lesivo graças à anistia, deixando de incidir a resposta penal. O fato criminoso, sucedido em dadas condições, quando objeto de anistia, torna-se indiferente perante a lei penal.
A qualificação como delito desfaz-se e, de conseguinte, suprime-se o processo ou as consequências penais, em caso de já aplicadas. Como medida excepcional, que suspende a aplicação da norma penal, cabe perquirir quando se justifica a anistia.
São valores protegidos pelos artigos 359-L e 359-M do Código Penal o livre exercício dos Poderes e a incolumidade do governo legítimo, fruto do pluralismo político e da escolha do governante por via do voto direto, secreto e universal, sendo vedada a cassação de direitos políticos, a serem perdidos apenas em razão de condenação criminal.
Resta, então, ver em que situações a tutela destes valores protegidos pelo Direito Penal poderia ser excepcionalmente suspensa. São três hipóteses:
1) Considerar que, na forma praticada, os comportamentos delituosos deixaram de ser tidos como lesivos ao bem jurídico “Estado de Direito” e devem ficar isentos de repressão penal;
2) Ser medida de transição, na passagem de um regime autoritário para o Estado de Direito; e
3) Ser providência que o titular do Poder legítimo toma diante dos antagonismos existentes, para promover uma pacificação.
Nenhuma das três hipóteses, todavia, se apresenta a justificar o levantamento da resposta penal ao ataque ao Estado de Direito promovido por Bolsonaro e sua trupe.
As tentativas de golpe de Estado e de impedir o exercício dos Poderes permanecem como ferida na consciência da sociedade, não havendo esgarçamento da importância da democracia a ser reafirmada por meio da resposta penal. A desmoralização contínua do processo eleitoral foi o pano de fundo indutor da violência dos acólitos no seu avanço sobre a sede dos Três Poderes. Esta forte imagem de destruição ainda perdura na mente dos brasileiros.
A segunda hipótese corresponde à anistia de agosto de 1979, proposta pelo presidente Figueiredo, que, mesmo em projeto deficiente, afirmava: “A anistia reabre o campo da ação política, enseja o reencontro, reúne e congrega a construção do futuro”.
Estávamos em meio ao processo de distensão, o gradualismo, como se pode constatar da Lei de Segurança Nacional de 1983, em cujo artigo 16 constava como crime: “Integrar ou manter associação, partido (...) que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito”. Reconhecia-se, portanto, que do regime vigente passava-se ao Estado de Direito. Era um momento de transição para o Estado de Direito.
Em fins de 2022 não se estava em transição política, apenas dando-se continuidade à democracia, malgrado as diatribes de Bolsonaro contra o sistema eleitoral.
A terceira hipótese diz respeito a ser a anistia uma ferramenta para apaziguamento. Os atuais defensores da anistia não procuram pacificação, mas impunidade. Realizam campanha agressiva, a demonstrar a total falta de obediência ao jogo democrático, de que é exemplo o motim promovido pelos parlamentares bolsonaristas que ocuparam pela força a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Os deputados não exerceram o legítimo expediente da obstrução, próprio do jogo parlamentar, mas impediram com violência que a Câmara dos Deputados viesse a exercer suas funções, em conduta similar à que é objeto do pedido de anistia.
A campanha em curso pela anistia, cujo único beneficiário que interessa é Bolsonaro, incluiu em sua estratégia o ataque ao nosso país pela potência norte-americana. Quando passa-se a aviltar nossa soberania para tentar obter a anistia, não se pretende pacificação.
Os crimes contra o Estado de Direito são imprescritíveis, a indicar que não basta o passar do tempo para se extinguir a punibilidade. Como medida excepcional, é preciso mais, ou seja, a ocorrência das hipóteses acima mencionadas, o que não sucede. Com essa anistia, apenas corre-se o risco de animar a preparação de novo golpe.
Pau que dá em Chico também dá em Francisco: a coerência como pilar do Estado de Direito
A reflexão de Miguel Reale Júnior sobre a impossibilidade de se conceder anistia aos atos de ruptura institucional praticados pelo ex-presidente e seus seguidores encontra eco no velho ditado popular: “Pau que dá em Chico também dá em Francisco”. Ambos remetem à exigência de isonomia e à recusa de privilégios seletivos em matéria de justiça.
Se, por um lado, Reale demonstra que a anistia só se justifica em hipóteses muito específicas — transição de regime, perda de relevância social do delito ou necessidade de pacificação real —, o provérbio popular traduz esse raciocínio em linguagem simples: não há espaço para exceções arbitrárias quando se trata da aplicação do direito.
A coerência é, portanto, a essência do Estado de Direito. O que foi considerado crime contra a democracia deve sê-lo independentemente da identidade do autor ou da pressão política exercida para esvaziar sua gravidade. Como lembra Reale, a tentativa de golpe de Estado e o ataque às instituições “permanecem como ferida na consciência da sociedade”, e não podem ser relativizados sob pretexto de conveniência.
O adágio popular e a advertência jurídica se encontram no mesmo ponto: se a lei serve para proteger a todos, ela também deve valer contra todos. Do contrário, cai-se na armadilha de transformar a anistia em impunidade seletiva, desfigurando o próprio sentido de justiça.
Por isso, a lição que se extrai do texto em tela é clara: a democracia não se preserva com gestos de complacência diante de quem a golpeia. O que decanos e subdecanos da vida pública já alertavam — a necessidade de vigilância e firmeza institucional — reaparece agora como imperativo. Tolerar uma anistia nessas condições é, na prática, abrir caminho para a repetição do golpe.
Que é a filosofia? Por Antonio Gramsci*
Uma atividade puramente receptiva ou quando muito ordenadora, ou uma atividade absolutamente criadora? Deve-se definir o que se entende por “receptivo”, “ordenador”, “criador”. “Receptivo” implica a certeza de um mundo exterior absolutamente imutável, que existe “em geral”, objetivamente, no sentido vulgar do termo. “Ordenador” aproxima-se de “receptivo”: se bem que implique uma atividade do pensamento, esta atividade é limitada e estreita. Mas o que significa “criador”? Significara que o mundo exterior é criado pelo pensamento? Mas por qual pensamento e de quem? Pode-se cair no solipsismo e, na realidade, toda forma de idealismo cai necessariamente no solipsismo. Para escapar ao solipsismo, e, ao mesmo tempo, as concepções mecanicistas que estão implícitas na concepção do pensamento como atividade receptiva e ordenadora, deve-se colocar o problema de modo “historicista” e, simultaneamente, colocar na base da filosofia a “vontade” (em última instancia, a atividade pratica ou política), mas uma vontade racional, não arbitrária, que se realiza na medida em que corresponde as necessidades objetivas históricas, isto é, em que é a própria história universal no momento da sua realização progressiva. Se esta vontade é inicialmente representada por um indivíduo singular, a sua racionalidade é atestada pelo fato de ser ela acolhida por um grande número, e acolhida permanentemente, isto é, de se tornar uma cultura, um “bom senso”, uma concepção do mundo, com uma ética conforme a sua estrutura. Até a filosofia clássica alemã, a filosofia foi concebida como atividade receptiva ou, no máximo, ordenadora; isto é, foi concebida como conhecimento de um mecanismo que funcionaria objetivamente fora do homem. A filosofia clássica alemã introduziu o conceito de “criatividade” do pensamento, mas num sentido idealista e especulativo.
Ao que parece, somente a filosofia da práxis realizou um passo à frente no pensamento, com base na filosofia clássicas alemã, evitando qualquer tendência para o solipsismo, historicizando o pensamento na medida em que o assume como concepção do mundo, como “bom senso” difuso no grande número (e esta difusão não seria concebível sem a racionalidade ou historicidade) e difuso de tal maneira que se converte em norma ativa de conduta. Deve-se entender criador, portanto, no sentido “relativo”: no sentido de pensamento que modifica a maneira de sentir do maior numero e, em consequência, da própria realidade, que não pode ser pensada sem a presença deste “maior numero”. Criador, também, no sentido em que ensina como não existe uma “realidade” em si mesma, em si e para si, mas em relação histórica com os homens que a modificam, etc.
*Antonio Gramsci (1891-1937) Cadernos do Cárcere, p.202, v.1 – Editora Civilização Brasileira, 2006."
Foi trazido um trecho dos Cadernos do Cárcere (vol. 1, p. 202), de Antonio Gramsci, no qual ele enfrenta a pergunta fundamental: “Que é a filosofia?”.
Esse texto é denso, mas pode ser resumido e interpretado dentro de um fio que conecta sua crítica às concepções tradicionais da filosofia com sua própria formulação da filosofia da práxis. Eis os pontos principais:
1. Três concepções da filosofia
Receptiva → pensamento como simples espelho de uma realidade externa, imutável.
Ordenadora → pensamento organiza ou sistematiza, mas ainda dependente de uma realidade fixa e independente.
Criadora → aqui surge o risco do idealismo solipsista, em que o pensamento “cria” o mundo.
2. O risco do solipsismo e a saída historicista
Se o mundo fosse apenas “criado” pelo pensamento individual, cair-se-ia no solipsismo.
Para escapar tanto do mecanicismo (passividade do pensamento) quanto do idealismo (pensamento absoluto), Gramsci propõe o historicismo: a filosofia como prática social, histórica e política.
3. Filosofia da práxis
Baseada na filosofia clássica alemã (Hegel, Marx), mas superando seu caráter especulativo.
O pensamento é criador de modo relativo, porque não inventa a realidade a partir do nada, mas transforma a realidade ao modificar a consciência e a conduta coletiva.
Criar, nesse sentido, é fazer do pensamento uma cultura compartilhada, um “bom senso” coletivo, uma ética socialmente eficaz.
4. Realidade e historicidade
Não existe “realidade em si mesma”, mas realidade em relação histórica com os homens que a transformam.
A filosofia deixa de ser contemplação e se torna força ativa, capaz de orientar a prática política e cultural.
📌 Em termos metafóricos (e dialogando com o que vínhamos discutindo sobre Reale Júnior e Chico Buarque):
Gramsci nos ajuda a compreender por que não basta “ver” (como Carolina deixou de ver) nem simplesmente “ordenar” a realidade (como fazem análises jurídicas abstratas).
O pensamento se torna relevante quando é capaz de criar práticas coletivas, transformar o “bom senso” difuso em cultura política e agir sobre a realidade.
Ou seja, filosofar é intervir: é dar forma à história em movimento, não apenas descrevê-la.
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