Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 6 de junho de 2023
Aprendizagem da dissimulação
"Ponto de vista (Quem desdenha)",
que é o último do livro Histórias da meia-noite (1873), de Machado de Assis.
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O filósofo e economista Eduardo Giannetti da Fonseca discutiu a desigualdade na sociedade brasileira durante uma mesa-redonda promovida pela Revista Brasileira na Academia Brasileira de Letras. Ele enfatizou a importância da equidade, meio ambiente e qualidade de vida como objetivos prioritários para o país. Giannetti destacou a necessidade de garantir condições iniciais de vida mais igualitárias em termos de educação, saúde e oportunidades. Ele argumentou que a equidade permitiria o desenvolvimento pleno do potencial humano e mencionou a falta de igualdade perante a lei no Brasil. A educação foi apontada como uma questão primordial, com muitas crianças brasileiras saindo do ensino médio sem estar plenamente alfabetizadas. Giannetti também abordou a falta de saneamento básico universal no país e destacou a necessidade de proteger o meio ambiente, principalmente combatendo o desmatamento. Ele acredita que a floresta Amazônica tem um valor econômico maior quando preservada. Giannetti concluiu que alcançar equidade e dignidade humana mínimas para todos os brasileiros seria uma surpresa agradável e reduziria a desigualdade. A Revista Brasileira agora promove debates mensais sobre temas relevantes para o desenvolvimento do país.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
Merval Pereira - Questões brasileiras
O Globo
Não podemos mais tolerar no Brasil que as condições iniciais de vida sejam tão desiguais — em relação à educação, à saúde, a todas as oportunidades que se oferecem
A desigualdade da sociedade brasileira foi um dos assuntos debatidos em recente mesa-redonda promovida pela Revista Brasileira na Academia Brasileira de Letras (ABL), tendo o filósofo, economista e acadêmico Eduardo Giannetti da Fonseca desenvolvido o tema dentro do tripé que identifica como objetivos que deveriam ser prioritários para o país, “equidade, o meio ambiente e a forma de vida, ou seja, a felicidade”.
A ABL foi criada na redação da Revista Brasileira, que já existia havia 42 anos, e é seu órgão oficial desde 1941. Mais antiga, portanto, que a própria ABL, e a segunda mais antiga do país, só superada pela revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Revista Brasileira teve como um de seus colaboradores o próprio Machado de Assis, que nela publicou romances importantes na forma de folhetim, como Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).
Em sua nova fase, editada pela acadêmica e jornalista Rosiska Darcy de Oliveira, a Revista Brasileira se propõe a levar ao debate temas fundamentais para o desenvolvimento do país em seu sentido mais amplo. Temas como Amazônia, democracia e o povo brasileiro foram tratados em números anteriores. A partir da semana passada, a Revista Brasileira fará uma vez por mês um debate público sobre temas dos próximos números. O da próxima edição será a inteligência artificial, sobre o que já escrevi na coluna de domingo.
Para Eduardo Giannetti, a desigualdade brasileira aparece em todos os indicadores econômicos e sociais, perpassa muitas dimensões da vida. O importante é garantir a paridade nas condições iniciais de vida, diz ele. “Não podemos mais tolerar no Brasil que as condições iniciais de vida sejam tão desiguais — em relação à educação, à saúde, a todas as oportunidades que se oferecem.”O mérito dessa ideia da equidade, ressalta Giannetti, é que vai permitir que aflorem todos os talentos, competências e capacidades: “Me pergunto quantos Machados de Assis analfabetos, quantos Gilbertos Gil subnutridos estão por aí fazendo o que podem para viver um dia de cada vez, porque não tiveram minimamente as condições de desenvolver seu potencial humano”.
Outro fator é a falta de equidade perante a lei, destaca Giannetti. Ele entende que vivemos ainda numa sociedade de foro privilegiado. “O Brasil não tem mais político preso, todos foram soltos — agora parece que vai voltar um”, ironizou. Um regime em que “os poderosos ricos e famosos estão acima da lei, e aqueles que não têm a menor condição de se afirmar estão abaixo da lei, na lei da selva, e sobre eles, quando a lei chega, é absolutamente implacável”.
A questão da educação é primordial para Giannetti. As crianças brasileiras hoje terminam o ensino médio sem estar — muitas delas — plenamente alfabetizadas. Metade dos domicílios brasileiros não tem coleta de esgoto. “Como chegamos ao século XXI sem saneamento básico universal? Tivemos autoritarismo, governos mais à direita, mais à esquerda, mas o fato incontornável é que chegamos ao século XXI sem universalizar o saneamento”, indigna-se.
O tema conjuga-se com o meio ambiente. No Brasil, o problema ambiental tem uma característica singular, analisa. “Nosso grande problema ambiental é o desmatamento. É a destruição dos biomas por ação humana e por fenômenos naturais que também precisam ser contidos.” Precisamos convencer os predadores, diz Giannetti, de que a floresta Amazônica vale mais economicamente em pé. O modelo econômico atual no mundo está claramente em crise, analisa, “pelo mal-estar da civilização e em crise ambiental, porque nos levou a um precipício que se anuncia de mudança climática”.
Para o filósofo Giannetti, “teremos uma grata surpresa no momento em que conquistarmos um mínimo, básico, de equidade e dignidade humana para todos os brasileiros, reduzindo a desigualdade”.
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O artigo discute a eficiência do lobby dos ruralistas em comparação com os ambientalistas. O autor menciona o conceito de "benefício invisível" de Mancur Olson, no qual os benefícios coletivos se transformam em benefícios individuais que não podem ser negados a ninguém, mesmo àqueles que não participaram da luta para conquistá-los. Isso reflete a racionalidade individual, na qual as pessoas optam por obter recompensas pessoais mesmo que os outros cooperem ou não.
No contexto ambiental, o autor destaca que a contenção do aquecimento global e o combate ao desmatamento são questões urgentes e necessárias. No entanto, grupos pequenos e concentrados de interesse, como os ruralistas, têm sido mais eficientes em influenciar a política do que grupos maiores e mais difusos, como os ambientalistas. Mesmo com um novo governo promovendo mudanças na política ambiental, o Congresso atual tem bloqueado leis que possam ameaçar o agronegócio.
O texto menciona o exemplo do lobby dos agentes penitenciários da Califórnia, que conseguiu obter apoio político e financeiro para expandir o sistema carcerário por meio de alianças estratégicas com legisladores conservadores e construtores de prisões. Essa capacidade de influência política, apesar de não ser baseada em uma grande expressão eleitoral, demonstra como grupos organizados podem desequilibrar as disputas eleitorais e afetar a tomada de decisões.
No final, o autor destaca a necessidade de os ambientalistas aprenderem com os ruralistas e adotarem estratégias mais eficientes para promover suas pautas, especialmente em relação à proteção ambiental e às mudanças climáticas.
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Nas entrelinhas: O que os ambientalistas devem aprender com os ruralistas
Publicado em 06/06/2023 - 07:40 Luiz Carlos Azedo
Brasília, Comunicação, Congresso, Economia, Eleições, Governo, Meio ambiente, Política, Política
O lobby dos ruralistas, o atraso do agronegócio, em relação às pautas ambientais é muito mais eficiente. Mesmo havendo um novo governo que promove radical mudança na política ambiental
No livro Lógica da Ação Coletiva (Edusp), o economista Mancur Olson explica o comportamento de indivíduos racionais que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo na democracia. Sua pretensão foi apresentar uma alternativa à teoria sociológica tradicional dos grupos sociais, que já não dava resposta à deterioração política das relações entre os governos e os cidadãos na sociedade norte-americana. Estamos falando na década de 1960. Sua conclusão principal foi de que “quando maior for o grupo, menos intensa será a defesa de seus interesses comuns”, o que parece ser um contrassenso.
Macul considerou os benefícios coletivos como uma espécie de “benefício invisível”, que se transforma em benefício individual e, depois de obtido, não pode ser negado a ninguém, mesmo que não tenha participado da luta para conquistá-lo. Ou seja, um bem público. Do ponto de vista da racionalidade coletiva, todos ganhariam caso houvesse uma cooperação integral. Porém, a racionalidade individual proporciona a recompensa mais vantajosa para quem se omite, independentemente de os outros membros do grupo cooperarem ou deixarem de cooperar, porque receberá os mesmos benefícios.
É mais ou menos o que acontece com a questão ambiental. Todo mundo sabe que o aquecimento global é uma ameaça à sobrevivência da humanidade e que conter o desmatamento é o meio mais barato e rápido de refreá-lo. É isso que faz da Amazônia a vedete mundial da questão ambiental. O impacto de uma política de desmatamento zero na contenção do aquecimento global a curto prazo é muito maior e mais barato do que a conversão da economia do carbono em economia verde.
No momento, isso é tudo que os governos das economias mais desenvolvidas desejam para fazer essa conversão. No Brasil, a transição seria até mais fácil, porque a nossa matriz energética é predominantemente renovável e ainda temos a possibilidade de produção de biocombustível em grande escala. Ocorre que a “mão invisível” do mercado, que resulta do auto-interesse social, em determinadas situações, produz resultados desastrosos para o coletivo. Reciclar, utilizar produtos reaproveitáveis, não desperdiçar, ou seja, adotar hábitos ecologicamente sustentáveis no dia a dia é muito bonito e tem apoio de todo mundo, principalmente quando praticado pelos outros.
Mas esse não é um dilema só nosso, é um problema das democracias ocidentais. Grupos pequenos, com interesses concentrados, podem obter resultados mais robustos do que grupos maiores cujos interesses sejam difusos. A ultrapassagem da sociedade industrial, de certa forma, confirmou essa teoria, porque a representação de classes sociais se enfraqueceu, como acontece, por exemplo, com sindicatos outrora muito poderosos, a exemplo de bancários e metalúrgicos, enquanto os grupos de pressão por interesses afins, organizados em redes sociais, se fortaleceram e são mais eficazes.
O lobby dos ruralistas, o setor mais atrasado do agronegócio, em relação às pautas ambientais é muito mais eficiente do que o dos ambientalistas. Mesmo havendo um novo governo que promove radical mudança na política ambiental, como ficou demonstrado, nesta segunda-feira, Dia do Meio Ambiente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado das ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. O atual Congresso barra qualquer lei que possa fazer o agronegócio se sentir ameaçado.
Eficiência concentrada
Sua frente parlamentar que é desproporcional em relação ao seu peso eleitoral e muito mais competente na atuação política do que os ambientalistas. A atuação dos agentes penitenciários da Califórnia serve de paradigma para entender o poder de pressão dos ruralistas no Congresso. Nos anos 1970, o presidente da Associação dos Guardas Penitenciários da Califórnia, Don Novey, classificava como a missão mais difícil do Estado cuidar de 36 mil prisioneiros. O lobby funcionava porque Novey construiu uma narrativa de combate à violência e organizou grupos de defesa de suas vítimas, recebendo maciço apoio dos republicanos.
Em 2002, a população carcerária era de 130 mil detentos e o número de agentes penitenciários havia saltado de 2,6 mil para 31 mil. Havia 21 novos presídios, os salários dos guardas ultrapassavam US$ 100 mil por ano, com direito a aposentadoria aos 50 anos, com 90% dos rendimentos. O segredo foi uma aliança com legisladores conservadores e construtores de presídios, que resultou na aprovação da “Three strikes” (Três Delitos – Três Golpes), em 1994. A lei segundo a qual quem tivesse sido condenado por dois delitos e cometido um terceiro, violento ou não, poderia ser condenado de 25 anos à prisão perpétua.
Os guardas penitenciários californianos não formavam uma base eleitoral de grande expressão, mas eram capazes de desequilibrar as disputas eleitorais por meio do financiamento eleitoral e do ataque aos parlamentares que defendiam os direitos humanos. Quem não apoiasse suas teses, veria o dinheiro fluir para o adversário na campanha eleitoral. Entretanto, diante da explosão da população carcerária, há 10 anos o governo da Califórnia reagiu, e essa lei acabou sendo abrandada.
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De acordo com Carlos Andreazza, a notícia é que Lula decidiu se mexer e irá trabalhar pela articulação política de seu governo. O Parlamento está em constante movimento, o que está esgotando o combustível do governo. Lula está delegando a tarefa de articulação a Alexandre Padilha e Rui Costa, que podem estar agindo com seu aval. Lula precisa reabastecer seu governo e o Congresso, liderado por Arthur Lira, quer substituir os ministros. Nos últimos quatro anos, o Congresso se tornou um gestor autônomo de fundos orçamentários, e o governo Lula concordou com isso. No entanto, o governo decidiu testar esse acordo e dificultar a liberação das emendas, tentando influenciar seu destino. Agora, Lula entra em cena para lidar com a crise e a pressão por reformas no Planalto. O Congresso quer alguém como Ciro Nogueira no governo, cuidando das emendas de dentro do Palácio, sem filtros ou escalas. A margem de manobra de Lula é estreita, e não está claro o que ele fará. O combustível está acabando.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
Carlos Andreazza - O combustível está acabando
O Globo
A notícia é que Lula teria resolvido se mexer. Informa-se que irá a campo trabalhar pela articulação política de seu governo. Estamos em junho. Estava parado? Ou se mexia mal?
Mexendo-se sempre está o Parlamento, energia que faz o volume do tanque baixar. Arthur Lira explica:
— Hoje o governo tem contado com a boa vontade desses partidos que estão votando republicanamente. Esse combustível está acabando.
Comunica-se que a rapaziada tem votado no amor, voto de confiança, mas que a gasolina não está barata; e que não serão esses republicanos a reabastecer. E então Lula entrará em cena, decorridos cinco meses de boa vontade. Estava parado? Ou se mexia mal?
Delegar também é movimento; não sendo possível crer que Alexandre Padilha e Rui Costa tenham agido até aqui sem o aval do presidente. Lula vai a campo e os coloca na panela. Não é possível saber a altura do fogo; nem quão incompetentes seriam. Sabe-se que o Congresso Lira quer as cadeiras dos ministros.
Lula vai a campo — e não são muitas as opções para que articule. Sabe-se também que entregar cabeças compõe o instrumental da negociação política.
O presidente é o dono dos assentos, domina a prática e conhece a demanda. Que nem sempre foi essa. A cousa era mais simples — a pedida: para que o governo honrasse a palavra e desse fluência automática à distribuição dos dinheiros das emendas conforme indicações dos deputados. Não faltaram alertas explícitos — de Elmar Nascimento e do próprio Lira, várias vezes. Que puseram sobre os ombros de Padilha e Costa a carga de responsáveis pelo trânsito interrompido. Os ministros travaram o ritmo das liberações — atraiçoaram o compromisso — por conta própria?
No curso dos últimos quatro anos, o Congresso se tornou gestor autônomo de fundos orçamentários — e não aceita sócios. Ao Executivo cabendo exclusivamente soltar as granas. Ponto. Firmou-se um acordo a respeito. O Planalto aceitara dançar a música no mesmo tom em que Bolsonaro havia pervertido as relações com o Parlamento. E depois quis tocar em outra nota. Foi quando rachou o vestiário.
A exigência se tornou mais complexa — e cara — porque o governo Lula se comprometera com um jogo cujas regras descumpriria. Não é vítima; certamente não inocente. Topou conjugar verbos numa linguagem em que o pretenso mais esperto fica suscetível a chantagens. Fez pacto com o capeta — com o sistema do orçamento secreto — e armou contra o arranjo. Esse é o fundamento da crise acirrada na relação entre Planalto e Parlamento.
O governo, longe de ser leve, traiu acordo com a barra-pesada. Difícil sendo acreditar que o presidente desconhecesse o combinado e a tentativa de caloteá-lo.
O que fora combinado, até formalizado na Lei Orçamentária Anual? Que se driblaria o Supremo com a transferência dos bilhões outrora sob emendas do relator (RP9) para os cuidados — fachada — dos ministérios (RP2), permanecendo os dinheiros, como se propriedade privada, para que exclusivamente os parlamentares lhes pudessem indicar os destinos. Esse é o centro do contrato — entre governo e Congresso — em função do qual se aprovaria a bilionária PEC da Transição, ainda em dezembro. Um contrato de continuidade relativamente à prática de Bolsonaro.
Empossado, no entanto, o novo governo decidiu testar o pilar do acerto que lhe dera viabilidade econômica e passou a segurar, dificultar mesmo, a liberação das emendas, em seguida pretendendo influir no — participar do — destino das granas. Tentou trapacear cobra criada numa floresta em que lobo não come lobo.
E então vem Lula a campo. No momento em que já não bastará apenas fazer as emendas desaguarem. O governo — de Padilha e Costa — avaliou que poderia brincar de ciranda com o Orçamento. Era dança das cadeiras. O preço subiu; ganhou corpo. Confiança é fundamental. O governo — de Lula — fará o quê? A pressão mudou de grau; agora é por reforma no Planalto.
Não adiantará trocar juscelino por sabino, senão em nome de semanas de refresco. A comunicação é outra e clara. Questão de credibilidade. A turma quer um ciro nogueira no palácio, cuidando do giro das emendas desde dentro. Não será mais somente pagar. Mas pagar, sem filtros ou escalas, sob operador preposto pelos donos do Parlamento. Questão de credibilidade.
E então vem Lula a campo. Para quê? Imagina-se que não para ficar exposto. A margem é estreita. Para quê? Para demitir Rui Costa e Alexandre Padilha? Gerindo o prejuízo, só um deles? E fará o acordo — pelo fluxo automático do orçamento secreto — ser afinal cumprido? Quem seria o ciro nogueira? Lula fará como Bolsonaro? É o que deseja o Congresso Lira. Um novo frentista, dedo frouxo na bomba. O combustível está acabando.
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A declaração do presidente da República sobre a escolha de ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF) carece de esclarecimento. A escolha de um advogado pessoal para integrar a corte sugere que o presidente considera a independência dos magistrados uma falha no exercício de suas funções constitucionais. Isso dá margem à interpretação de que o governo pretende fazer do STF um atalho para superar dificuldades com o Poder Legislativo, colocando os ministros na posição de apoiadores do Planalto. No entanto, essa aliança explícita seria malvista e violaria o princípio da autonomia dos Poderes. Internamente, há rejeição a esse suposto plano no tribunal, sendo descrito por um ministro como "o fim do mundo". Outro ministro se reserva o direito de silenciar, o que já é uma resposta em si. Sugere-se investir na formação de um Supremo "amigo", algo semelhante a uma bancada da toga. Um magistrado destaca que o ideal seria que o Legislativo e o Executivo se entendessem sem recorrer com tanta frequência ao STF, pois este não é uma banca de advogados. As demandas chegam, e o STF é obrigado a respondê-las, mas isso resulta em insultos, nunca em reconhecimento. A corte espera que esses recados sejam anotados.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
Dora Kramer - Bancada da toga
Folha de S. Paulo
Fazer do STF a banca de advogados do Planalto é arranjo malvisto
Carece de melhor esclarecimento a declaração do presidente da República, dada há dias, de que não pretende repetir erros do passado na indicação de ministros ao Supremo Tribunal Federal. Qual seria exatamente a ideia?...
Lula não explicou onde acha que errou, mas a escolha do advogado pessoal para integrar a corte fornece pista robusta, quase uma prova de que considera a independência dos magistrados uma falha no exercício da guarda constitucional.
Ao expressar arrependimento, ele dá margem a tal interpretação. Pior: confere ares de veracidade à versão corrente segundo a qual o Executivo cogita firmar aliança com o Judiciário, a fim de superar as dificuldades com o Poder Legislativo.
A se confirmar essa intenção, a tradução dela seria a de que o governo planeja fazer do STF um atalho, colocando os ministros na condição de pajens do Planalto na tarefa de compensar dificuldades nas tratativas com deputados e senadores.
Não parece que possa dar certo. Embora hoje os juízes sejam vistos como participantes do embate político e objetos de julgamento em suas decisões, uma aliança explícita seria obviamente malvista, além de agressiva ao princípio da autonomia equipotente dos Poderes.
Numa breve consulta às internas do tribunal, constata-se rejeição ao suposto plano. Seria "o fim do mundo", diz um ministro. Outro reserva-se o direito de silenciar ante a ideia, o que em si já é uma resposta. Um terceiro permite-se sugestão melhor que a de investir na formação de um Supremo "amigo", algo semelhante a uma bancada da toga.
"Melhor seria que [Legislativo e Executivo] se entendessem e não viessem a nós com tanta frequência, pois o Supremo não é banca de advogados. As demandas chegam, somos obrigados a responder e, com isso, viramos alvos de insultos, nunca de reconhecimento", analisa o magistrado.
Recados dados, na corte espera-se que sejam anotados.
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O artigo discute o significado dos protestos que ocorreram em junho de 2013 no Brasil e como esses eventos moldaram a política do país. O autor destaca que as pessoas perderam o medo de protestar, independentemente de sua orientação política, e que o movimento era uma negação das estruturas políticas existentes. O texto também menciona a influência das redes sociais e dos aplicativos de mensagens na disseminação dos discursos e no fortalecimento dos protestos.
O autor argumenta que os protestos de 2013 eventualmente levaram à ascensão de Jair Bolsonaro, mas ressalta que essa trajetória não era inevitável. Ele observa que a revolta contra a política tradicional e o apoio à antipolítica foram impulsionados pela Operação Lava Jato, o que levou muitos brasileiros a acreditar que apenas um líder forte poderia trazer ordem ao país. No entanto, o autor duvida que o espírito de 2013 tenha se encerrado com Bolsonaro ou que o governo atual represente o fim da revolta contra o sistema político estabelecido.
O texto argumenta que vivemos em um período de democratização, onde o debate público não pode ser facilmente controlado. O autor adverte que a democracia liberal e a razão devem ser valorizadas, mas também destaca que os erros podem colocar a democracia em risco. Ele apresenta duas escolhas: acreditar que a estabilidade retornou com a ascensão de Lula e do centrão, ou aceitar que a mudança veio para ficar, resultando em tempos mais turbulentos, onde é necessário dialogar com as pessoas em um nível mais pessoal e horizontal. O texto conclui afirmando que embora as ruas estejam vazias no momento, isso não durará muito tempo.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
Joel Pinheiro da Fonseca – O significado de junho de 2013
Folha de S. Paulo
Brasileiro comum perdeu o medo de protestar, e logo estará de volta
Em junho de 2013 as pessoas que não eram de esquerda perderam o medo de ir às ruas protestar. Eu fui uma delas, participando do pequeno grupo de libertários que queria uma sociedade sem Estado (ou com radicalmente menos). Mas havia de tudo ali. Da esquerda mais radical à direita que, depois de décadas, perdia o medo de se assumir. "Desculpe pelo transtorno, estamos mudando o Brasil", dizia um cartaz cuja foto viralizou. Mudando em que direção? Ninguém sabia, mas todo mundo queria participar.
A única clareza era o que não queríamos: a política de sempre, as velhas estruturas, o governo que aí estava, as mesmas opiniões batidas da imprensa. O "sistema". Era um movimento de negação, como tantos outros ao redor do mundo: Occupy e Tea Party nos EUA, Primavera Árabe etc. E o que mudou para que protestos eclodissem pelo mundo inteiro? A tecnologia da comunicação. Redes sociais e apps de mensagens deram voz a discursos antes limados do debate público, que apenas aguardavam a chance de jorrar para fora.
2013 desaguou em Bolsonaro? Sim, no sentido de que levou a ele, da mesma forma que levara ao impeachment dois anos antes. Nada disso estava determinado desde o início. Em diferentes momentos, Marina ou mesmo Ciro poderia ter surfado a nova maré. Quem soube fazê-lo foi Bolsonaro e seu entorno, e continuam na crista da onda até hoje, como a eleição do Congresso em 2022 mostrou.
A revolta com a velha política, turbinada pela Lava Jato, lançou milhões de brasileiros na esperança da antipolítica. Só a vontade decisiva de um líder forte poderia colocar ordem na bagunça que reinava em Brasília, nas ruas, nas salas de aula etc. Foi a terra arrasada que acompanhamos pelos últimos quatro anos.
Então o espírito de 2013 terminou com Bolsonaro e será enterrado, junto da Lava Jato, pela dupla Lula-centrão? Duvido muito. A revolta contra um sistema distante e imperfeito continua forte. A possibilidade de se questionarem as autoridades institucionais de maneira socialmente relevante está dada. E, se esse questionamento é possível, ele será usado. O debate público não é mais tão facilmente controlável.
Vivemos um período de democratização, e o povo pode errar sim, inclusive errar feio. Erros que podem colocar a própria democracia —isto é, as regras do jogo que permitem disputas justas e alternância de poder— em risco.
Sendo assim, a escolha é simples para quem valoriza a democracia liberal e a razão. Ou agarrar-se à esperança de que, com Lula e centrão no poder, a estabilidade voltou e os últimos dez anos não terão passado de um pesadelo febril. Este é o ápice de que a democracia é capaz, e quem não está satisfeito é ingrato ou mesmo perigoso. O que sai disso é discurso criminoso a ser neutralizado por uma futura regulação das big techs.
A alternativa é aceitar que a mudança veio para ficar, que temos pela frente tempos mais turbulentos e revoltos, mas que só terá chance neles quem descer do palanque, se despir de suas credenciais e conversar com as pessoas no nível em que elas estão. Acabou o reinado inconteste de "especialistas", seja na ciência, na política, nas finanças ou no jornalismo. Todos têm que aprender a persuadir e entrar no jogo da comunicação horizontal e pessoal.
As ruas estão vazias agora, mas se engana quem acha que elas permanecerão assim por muito tempo.
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Na entrevista, Persio Arida expressa preocupação com os primeiros meses do governo em termos econômicos. Ele menciona várias iniciativas e ideias que vão contra o que o Brasil precisa, como a revisão do marco do saneamento, os ataques ao Banco Central, os questionamentos sobre a lei das estatais e retrocessos na agenda ambiental. Arida destaca a importância de desconstitucionalizar aspectos orçamentários e defende a estabilidade dos gastos em termos reais como a melhor solução, colocando a responsabilidade do governo em diminuir despesas obrigatórias e reavaliar as políticas de gasto.
Em relação à reforma administrativa, Arida acredita que, se apresentada de forma adequada, poderia ser aceita pelo governo do PT, e destaca a importância de uma marca estatal mais eficiente. Ele argumenta que, no Brasil, o papel anticíclico deve ser desempenhado pela política monetária, enquanto os gastos devem se manter constantes.
Quanto à meta de inflação, Arida discute a importância da credibilidade do regime de metas e sugere um horizonte mais dilatado para atingir a meta, além de uma redefinição do objetivo para uma espécie de "core inflation". Ele enfatiza que é melhor não fazer mudanças na meta ou no calendário no atual contexto do Brasil.
Arida critica os ataques políticos ao Banco Central, argumentando que eles criam turbulência nos mercados. Ele reconhece o direito do presidente Lula e seus ministros de expressarem opiniões, mas destaca a importância de não ameaçar a institucionalidade do Banco Central.
Em relação à política fiscal e monetária, Arida comenta sobre a necessidade de uma política fiscal mais dura e uma política monetária mais acomodativa, em contraposição à situação atual no Brasil. Ele ressalta que o crescimento econômico é um problema estrutural que requer medidas além de ajustes cíclicos na política monetária.
Arida também aborda a importância do setor agropecuário no sucesso econômico do Brasil, destacando a baixa taxação e a orientação para o mercado externo. Ele defende a redução do protecionismo na indústria e o investimento em setores como saúde, educação, ciência e tecnologia, além de uma agenda ambiental forte.
Em relação à política externa, Arida destaca a importância da segurança jurídica e de uma agenda ambiental para atrair investimentos. Ele expressa preocupação com a polarização e as aproximações com Rússia e China, bem como com declarações que minimizam problemas relacionados à democracia e direitos humanos na Venezuela.
Arida critica a volta dos subsídios implícitos nos empréstimos do BNDES, argumentando que inovação deve ser apoiada por meio de participação no capital, não de financiamento subsidiado. Ele defende a abertura da economia, a redução de tarifas e a entrada de mão de obra qualificada por meio da imigração.
Por fim, Arida menciona os Correios e a Caixa como empresas que poderiam ser privatizadas devido ao seu caráter de monopólio, e critica a criação de várias companhias estatais.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
Entrevista | Pérsio Arida: Começo do governo Lula é ‘preocupante’
Por Alex Ribeiro / Valor Econômico
Economista aponta ‘retrocessos’ na agenda ambiental e política externa e critica ataques ao BC e revisão das regras do saneamento
Um dos país do Plano Real, o economista Pérsio Arida considera “preocupante” a evolução do governo Lula nos cinco primeiros meses. “Esse começo de governo é uma sequência de iniciativas e ideias que vão na contramão do que o Brasil precisa.”
A lista de restrições que Arida faz ao direcionamento econômico do novo governo é grande, da revisão do marco do saneamento aos ataques do presidente da República ao Banco Central, da volta dos subsídios ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao posicionamento na política externa.
Ele está preocupado também com o que deixou de ser feito - como adotar uma agenda na área de energias limpas para o país liderar no tema das mudanças climáticas e uma reforma do Estado para cortar desperdícios e torna-lo menos ineficiente.
Arida foi um primeiros economistas influentes a declarar apoio a Lula no segundo turno das eleições, o que ajudou o então candidato a se aproximar do eleitorado de centro. Também fez parte da equipe de transição, embora não tenha se integrado ao novo governo. “Não muda em nada a minha avaliação sobre o apoio que dei ao presidente Lula, porque foi um apoio pensando na democracia, nos direitos humanos, na agenda ambiental, muito mais do que na economia”, afirma ele, em entrevista ao Valor.
Ele diz que, neste momento, não seria uma boa ideia mudar aspectos do regime de metas de inflação, para não perder a credibilidade da política monetária. “No Brasil de hoje, é melhor não fazer nada, não mexer na meta nem no ano calendário.” Para ele, a alta indexação da economia deveria levar o país a adotar uma meta menor que 3%, não maior.
Apesar de todas as críticas, Arida ainda tem alguma esperança na mudança de rumos do governo. “Só se passaram cinco meses. Inícios de governo são sempre confusos, eu vivi isso de perto no governo Fernando Henrique”, afirma. “A ver como vai se desenvolver para frente.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como o senhor avalia esses primeiros meses do governo?
Persio Arida: Do ponto de vista econômico, a evolução dos primeiros meses é muito preocupante. Não muda em nada a minha avaliação sobre o apoio que dei ao presidente Lula, porque foi um apoio pensando na democracia, nos direitos humanos, na agenda ambiental, muito mais do que na economia. Mas esse começo de governo é uma sequência de iniciativas e ideias que vão na contramão do que o Brasil precisa: a revisão do marco do saneamento, a revisão dos critérios de voto da Eletrobras, os ataques ao Banco Central, os questionamentos sobre a lei das estatais, a volta de subsídios no BNDES, ideias como criar uma indústria de semiprocessadores no Brasil ou restaurar a indústria naval, o subsídio ao carro popular, retrocessos na agenda ambiental.
Valor: O que o senhor achou do novo arcabouço fiscal?
Arida: É bom ser uma lei complementar. O Brasil precisa desconstitucionalizar aspectos orçamentários porque as necessidades da economia mudam o tempo todo. Também é positiva a sinalização de uma preocupação do PT com a estabilidade da dívida pública a médio prazo, embora seja improvável que seja atingida ao final do governo Lula. O que mais me preocupa é o incentivo para aumentar a receita para gastar mais. O Brasil já tem uma carga fiscal muito elevada. Eu preferiria uma regra mais simples e abrangente: a soma de todos os gastos primários, incluindo transferências constitucionais, teria que permanecer constantes em termos reais por alguns anos. Foi proposta uma regra complexa. A complexidade, em si, não é problema. A regra orçamentária chilena, que foi criada em 2001, é até mais complexa do que a nossa e produziu ótimos resultados. O problema é que, no nosso caso, a tentação é sempre burlar a regra para aumentar o gasto.
Valor: Por que a estabilidade dos gastos em termos reais seria a melhor solução?
Arida: Coloca sobre o governo a preocupação de diminuir despesas obrigatórias e reavaliar as políticas de gasto. Temos uma série de gastos que, quando anunciados, no campo das intenções, sempre são meritórios, mas que terminam com uma governança e um funcionamento muito ruim. Em parte, por que o Estado brasileiro não é eficiente, em parte por captura de grupos de interesse e, muitas vezes, por inércia.
Valor: Governos de esquerda tipicamente aumentam o papel do Estado, os liberais encolhem. Dá para esperar algo diferente?
Arida: O patamar de gastos foi elevado pela PEC da Covid, PEC dos precatórios, PEC Kamikaze e, neste ano, pela PEC da Transição. Muito do efeito da PEC da Covid diminuiu, mas as outras produziram aumentos efetivos de gastos. Se estivéssemos partindo de um patamar baixo de gastos públicos, eu até entenderia a preocupação de um governo de esquerda de aumentar os gastos. Do ponto de vista dos impostos, a preocupação correta, liberal e de esquerda, é ter uma carga tributária socialmente justa. Se o governo quiser ampliar os gastos numa direção, que trate de diminuir em outra. Tem muitos desperdícios no setor público.
Valor: Haveria gordura para cortar mesmo em gastos sociais, como educação e saúde?
Arida: Garanto que tem gordura, sim. Mas não é uma coisa para macroeconomista conversar. É para uma avaliação independente dos gastos, verificar o percurso do dinheiro, se está atingindo os objetivos, como poderia ser maximizado. O setor privado faz isso o tempo todo. Você faz um programa hoje, o programa perde funcionalidade. Mas já tem uma agência, alguém que cuida, já tem a previsão orçamentária, vai por inércia.
Valor: Nem o governo Bolsonaro, que se declarava liberal, enfrentou a reforma administrativa. O que esperar do PT, com suas ligação histórica com os sindicatos?
Arida: O governo Bolsonaro foi um liberalismo de caricatura, longe de ser exemplo para qualquer coisa. Compreendo a parte ideológica, mas ideologia não deve ser confundida com imobilismo. Se tiver um debate sério sobre reforma administrativa feito pelo governo, o próprio governo vai chegar à conclusão de que é melhor para ele ter uma marca estatal mais eficiente. Tem que saber como apresenta as propostas. Se apresentar como quebra da estabilidade dos funcionários públicos, vai gerar um protesto grande. Se você apresentar como, de fato, uma forma para dar flexibilidade de carreiras e melhor remuneração para os funcionários que melhor desempenharem, a resistência é muito menor.
Valor: Na conjuntura atual, em que o Banco Central mantém juros altos para baixar a inflação, seria adequado um ajuste fiscal?
Arida: No Brasil - não estou julgando outros países - o papel anticíclico deve ser só da política monetária. O volume de gastos tem que ficar constante. A política monetária é muito mais flexível, já o comportamento dos gastos é assimétrico. Se aumentar os gastos porque, supostamente, a economia esta fraca, quero ver diminuir depois. É fácil aumentar é muito difícil reduzir.
Valor: O Brasil deveria adotar uma meta de inflação maior do que os 3% atuais?
Arida: Tem uma questão de credibilidade do regime de metas no Brasil. Se estivéssemos em uma conversa acadêmica, abstrata, eu defenderia um horizonte mais dilatado para o atendimento da meta, diferente do ano calendário, e uma redefinição do objetivo para uma espécie de “core inflation”, excluindo mudanças nos preços de combustíveis e agrícolas, ao invés da meta cheia como temos hoje. Acontece que não estamos num debate acadêmico: no Brasil de hoje, é melhor não fazer nada, não mexer na meta nem no ano calendário.
Valor: Suponha que estivéssemos num debate acadêmico. A meta ideal é mais que 3%?
Arida: Qual meta reduz o custo de um ajuste? Ou seja, se a inflação está 1% acima da meta, digamos, o desemprego para levá-la até a meta é maior com uma meta de 4,5% ou com uma meta de 3%? Num país com memória inflacionária, quanto maior a meta, maior a indexação e, portanto, maior o custo social de voltar à meta. No caso, é menor com uma meta de 3% do que com uma meta de 4,5%. Nossa meta deveria ser menor do que a dos Estados Unidos. O país que tem risco de deflação, sem memória inflacionária, tem que ter uma meta mais alta do que um país onde a memória inflacionária é muito alta e a história mostra que o desvio da inflação em relação à meta costuma ser para mais, não para menos.
Valor: O que o senhor acha das críticas que o Banco Central está sofrendo do governo?
Arida: Os ataques políticos ao Banco Central só criam mais turbulência nos mercados e não ajudam em nada a derrubar a inflação. Tecnicamente, pode se fazer a discussão se deve subir ou baixar, se o Banco Central errou. É discussão técnica, não política.
Valor: O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que o presidente Lula tem todo o direito de falar sobre juros. Não faz parte do processo democrático?
Arida: Claro que o presidente Lula pode falar. Ele foi eleito. Os ministros foram indicados por ele e também podem falar o que quiserem. O que não pode é colocar uma pressão política, ameaçar a institucionalidade do Banco Central. É pernicioso ao país. Acho que o Roberto Campos tem feito um esforço de diálogo, inclusive com a grande imprensa. Notável, muito raro ver presidentes de banco central que se dispõem a um diálogo aberto, que vai para a televisão, vai ao programa Roda Viva, se dispõe a uma conversa aberta com ministros. É uma postura de abertura, democrática, rara de se ver.
Valor: O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem pregado harmonia entre as a política fiscal e a política monetária. Está faltando essa harmonia?
Arida: Esse mantra, vamos dizer assim, está na teoria econômica há muito tempo. Todo mundo acha que tem que ter harmonia. A combinação virtuosa é a política fiscal dura e a política monetária muito acomodativa. Quando verificamos no Brasil, é o oposto, certo? Tem que sair da política fiscal solta, acomodaticia, e política monetária dura, para outra situação.
Valor: O ministro Haddad se queixa que, com o juro alto, a economia cresce pouco e fica difícil cumprir as metas fiscais. A política monetária não deveria ajudar?
Arida: Se tiver uma queda muito abrupta da taxa de juros, o que vai acontecer? Gera um aumento nos preços dos ativos de Bolsa, aumento do crédito, aquecimento de economia, e a inflação sobe. Você tem que, primeiro, consolidar expectativas de inflação. O crescimento é um problema estrutural enorme. Se você perguntar como resolve, não é por medidas cíclicas, como ajuste na política monetária.
Valor: E como resolve?
Arida: O maior sucesso econômico do Brasil hoje é o agro. Por que? A taxação é baixa, até excessivamente baixa, porque a indústria é sobretaxada. Você tem vantagens comparativas de produção. E é orientado ao mercado externo. Não tem intervenção, regulamentação, estatal. Se houvesse o Instituto da Laranja ou o Instituto da Soja, como houve o Instituto do Açúcar e do Álcool e o Instituto do Café, pode ter certeza que não teria prosperado. Esse me parece ser o caminho para a indústria também. Melhor deixar de lado o protecionismo, tipo regras de conteúdo nacional, subsídios do BNDES para máquinas e equipamentos. Por outro lado, tem que investir, em saúde, educação, principalmente primeira infância, e ciência e tecnologia. Tem que ter uma agenda ambiental forte. Esse é o caminho para crescer.
Valor: Após o isolamento do Brasil no governo Bolsonaro, o presidente Lula está usando bem o seu capital político no exterior?
Arida: Tem um capital político que tem que ser preservado, é muito importante. Agora, você atrai capitais quando tem segurança jurídica, quando tem uma boa agenda, em particular de meio ambiente. Eu vi esses retrocessos no meio ambiente com enorme preocupação. O Brasil está desperdiçando a oportunidade de ser uma economia verde, de dar um exemplo para o mundo. Tem um lado preocupante também, no mundo crescentemente polarizado, de aproximações e de distanciamentos em relação ao eixo Europa-Estados Unidos, e aproximação em relação a Rússia e China. Declarações reduzindo o problema da Venezuela a uma narrativa são inaceitáveis para qualquer um comprometido com a democracia e direitos humanos.
Valor: O senhor mencionou a volta dos subsídios implícitos nos empréstimos do BNDES. Mas o banco diz que é uma linha com recursos limitados, voltada para inovação. Qual é o problema?
Arida: No mundo inteiro, inovação é “equity” [participação no capital], não é financiamento. Se você perguntar qual é o segredo do Vale do Silício, da China, Grã-Bretanha, é todo capital de risco. É errada a noção de expandir financiamento com subsídios. Tenho sempre um receio - de novo, é uma coisa brasileira - de você começar fazendo um pouco de subsídios numa área e expande para outras. Nada contra apoio à inovação. O Brasil tem que apoiar mais a inovação. A abertura da economia é crítica. Tem que baixar a tarifa para poder importar máquinas e equipamentos mais produtivos. Tem que permitir imigração, entrada de mão de obra qualificada.
Valor: Quais empresas deveriam ser privatizadas?
Arida: Os Correios são um candidato natural. Os grandes candidatos a privatização são os serviços públicos que têm monopólio. Todo monopólio é ruim para a economia, é cronicamente deficitário. A Caixa também é excelente candidata. Também deveria fechar as companhias estatais criadas. A Dilma criou uma série de companheiros estatais. O Bolsonaro não as fechou. Foi um liberalismo meio de araque, né? A empresa brasileira de rádio e televisão, a empresa dos trem-bala, não fazem sentido nenhum. Nesses casos, seria ótimo se desse para privatizar, mas infelizmente ninguém quer comprar, então tem que fechar mesmo.
Valor: O senhor falou, em entrevista anterior ao Valor, que o “xis” do problema no Brasil está nos “ismos”: patrimonialismo, populismo, corporativismo. O problema está sendo atacado?
Arida: Talvez mais importante até que a agenda econômica seja a agenda institucional. Temos tido uma enorme dificuldade de construir instituições que não sejam capturáveis por grupos de interesse. Você tem desequilíbrios na relação entre o executivo e o legislativo importantes. Temos um sistema partidário sem claras distinções programáticas, tetos de representação na Câmara e falta de “accountability” dos parlamentares com os seus eleitores, exceto pelo clientelismo.
Valor: Governo e mercado financeiro estão fazendo uma grande aposta na reforma tributária. Como o sr. avalia as ideias colocadas até agora?
Arida: É claro que seria um enorme progresso no Brasil, com o IVA único, não com o IVA dual. O IVA dual seria um “second best” [uma segunda alternativa inferior à primeira], digamos assim. O grande problema da reforma tributária é, primeiro, uma questão de encaminhamento, porque quem perde berra e quem ganha não está se manifestando. Teoricamente é uma reforma neutra do ponto de vista tributário. Mas tem um problema de fundo: você vai terminar com uma alíquota de um IVA da ordem de 25%. A alíquota de 25% só explicita que a carga tributária brasileira é muito grande. Só tem uma solução. Você tem que você tem que fazer a reforma ao longo do tempo para diminuir a carga tributária.
Valor: Como construir um consenso para aprovar a reforma?
Arida: Reformas tributárias são sempre muito difíceis em qualquer lugar do mundo. É mais difícil se você apenas disser para a indústria automobilística que vai terminar com os seus incentivos no prazo de seis anos, ou que vão acabar para a Zona Franca de Manaus, para citar dois exemplos. Diga o seguinte: vou diminuir os seus incentivos e vou diminuir a alíquota de tributação dos mais pobres, vou diminuir a alíquota do Imposto de Renda. Quando você nomeia quem vai ganhar, você cria a massa crítica a favor da reforma.
Valor: O senhor está desiludido com o governo Lula? Qual é sua expectativa daqui por diante?
Arida: Só se passaram cinco meses. Inícios de governo são sempre confusos, eu vivi isso de perto no governo Fernando Henrique. A ver como vai se desenvolver para frente. Não é que eu esteja radicalmente pessimista, ainda tem tempo para pra corrigir a rota e colocar o Brasil numa situação de crescimento elevado.
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terça-feira, 6 de junho de 2023
Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Memória
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Memória
Carlos Drummond de Andrade
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Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Composição: Carlos Drummond de Andrade.
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Ponto de Vista – conto de Machado de Assis
CAPÍTULO PRIMEIRO
A D. LUÍSA P…, EM JUIZ DE FORA
Corte, 5 de outubro
Não me dirá a quem entregou você as encomendas que lhe pedi? Na sua carta vem mal escrito o nome do portador, e até hoje nem sombra dele, quem quer que seja. Será o Luís?
Ouvi dizer que você vinha para cá passar algum tempo; estimaria muito que assim fosse. Havia de gostar disto agora, apesar do calor, que tem sido forte. Hoje entretanto temos um dia excelente.
Ou então, no caso de não vir, estimaria muito ir eu para lá; mas papai, como você sabe, ninguém há que o tire dos seus cômodos; e mamãe anda meia adoentada. Vontade teria ele de me ser agradável, mas eu é que não sou tão egoísta. E olhe que perco muito; porque, além de ir ver a minha melhor amiga, iria ao mesmo tempo verificar se é verdade que ainda não tem esperanças de um nenê. Alguém me disse que sim. Por que nega você isso?
Esta carta irá amanhã. Escreva-me logo; e dê muitas lembranças a seu marido, minhas e de todos nós. Adeus.
RAQUEL
CAPÍTULO II
À MESMA
Corte, 15 de outubro
Gastou muitos dias, mas veio uma carta longa, e, apesar disso, curta. Obrigada pelo trabalho; peço-lhe que o repita; aborreço os seus bilhetinhos, escritos às carreiras, com o pensamento… em quem? Nesse marido cruel que só cuida de eleições, segundo li outro dia. Eu escrevo cartinhas quando não tenho tempo para mais. Mas quando me sobra tempo escrevo cartões. Creio que disse uma tolice; desculpe-me.
Vieram as encomendas logo no dia seguinte ao da minha última carta. E que quer você que eu lhe mande? Tenho aqui uns figurinos recebidos ontem, mas não há portador. Se puder arranjar algum por estes dias irá também um romance que me trouxeram esta semana. Chama-se Ruth. Conhece?
A Mariquinhas Rocha vai casar. Que pena! tão bonitinha, tão boa, tão criança, vai casar… com um sujeito velho! E não é só isto: casa-se por amor. Eu duvidei de semelhante coisa; mas todos dizem que tanto o pai como os mais parentes procuraram dissuadi-la de semelhante projeto; ela porém insistiu de maneira que ninguém mais se lhe opôs.
A falar verdade, ele não está a cair de maduro; é velho, mas elegante, gamenho, robusto, alegre, diz muitas pilhérias e parece que tem bom coração. Não era eu que caía apesar de tudo isto. Que consórcio pode haver entre uma rosa e uma carapuça?
Antes, mil vezes antes, casasse ela com o filho do noivo; esse sim, é um rapaz digno de merecer uma moça como ela. Dizem que é um bandoleiro dos quatro costados; mas você sabe que eu não creio em bandoleiros. Quando uma pessoa quer, vence o coração mais versátil deste mundo.
O casamento parece que será daqui a dois meses. Irei naturalmente às exéquias, quero dizer às bodas. Pobre Mariquinhas! Lembra-se das nossas tardes no colégio? Ela era a mais quieta de todas, e a mais cheia de melancolia. Parece que adivinhava este destino.
Papai aprovou muito a escolha dela; faz-lhe muitos elogios como pessoa de juízo, e chegou a dizer que eu devia fazer o mesmo. Que lhe parece? Eu, se tivesse de seguir algum exemplo, seguia o da minha Luísa; essa sim, é que teve dedo para escolher… Não mostre esta carta a seu marido; é capaz de arrebentar de vaidade.
E vocês não vêm para cá? É pena; dizem que vamos ter companhia lírica, e mamãe está melhor. Quer dizer que vou passar algum tempo de vida excelente. O futuro enteado da Mariquinhas, o tal que ela devia escolher em lugar do pai, afirma que a companhia é magnífica. Seja ou não, é mais um divertimento. E você lá na roça!…
Vou jantar; adeus. Escreva-me quando puder, mas nada de cartas microscópicas. Ou muito ou nada.
RAQUEL
(...)
https://contobrasileiro.com.br/ponto-de-vista-conto-de-machado-de-assis/
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