terça-feira, 14 de dezembro de 2021

SUFRÁGIO UNIVERSAL

TCU E SUS SÃO SEUS FRUTOS ***
*** Amazonas Atual TCU apura se as Forças Armadas recusaram a ceder leitos para civis *** O sufrágio é o poder dos cidadãos em participar da soberania de um país, o voto é o instrumento de legitimação do ato de conferir esse poder aos representantes escolhidos. ***
*** Conhecimento Científico Sufrágio universal - O que significa, como surgiu e qual sua importância ***
*** Sufragista inglesa Emily Davison em sua formatura (1908). É considerada mártir do movimento sufragita. *** “…Da sufragista inglesa Emily às brasileiras Luiza do Magalu e Senadora Simone Tebet…” Uma legítima chapa puro-sangue feminina para à presidência da República 😎em 2022 **************************************************************************************** Plenário vota nesta terça a MP do Milho e decide indicação para o TCU Da Agência Senado | 13/12/2021, 15h41 ***
*** A medida provisória reformula o Programa de Venda em Balcão da Conab para permitir o acesso do pequeno criador de animais ao estoque público de milho Waldemir Barreto/Agência Senado *** Saiba mais Veja a pauta completa Proposições legislativas PDL 1118/2021 PDL 1119/2021 PDL 1120/2021 *** No primeiro dia do esforço concentrado, o Senado vota, na terça-feira (14), às 16h, a medida provisória que reformula o Programa de Venda em Balcão (ProVB), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para promover o acesso do pequeno criador de animais ao estoque público de milho. O Plenário também vai decidir quem será o próximo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) na vaga aberta com a saída de Raimundo Carreiro, que foi escolhido para a Embaixada do Brasil em Lisboa. Outros projetos e indicações ainda podem ser incluídos pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na pauta do Plenário.  Já aprovada pela Câmara dos Deputados na forma de um projeto de lei de conversão, a MP 1.064/2021 promove mudanças no ProVB, programa criado inicialmente para permitir o acesso de criadores de animais, pequenos consumidores, varejistas e instituições públicas e privadas (prefeituras, universidades, escolas técnicas e centros de pesquisa) aos estoques públicos de grãos. O programa, até então, podia realizar operações em todo o território nacional com produtos como arroz, trigo, castanha de caju, feijão e farinha de mandioca. Mas, com a redução dos volumes de estoques públicos e a falta de demanda de parte dos atuais beneficiários, o governo propôs, por meio dessa MP, a redução da lista do ProVB, com a manutenção de fornecimento de milho aos pequenos criadores em diversos estados. Outra diretriz da medida é corrigir a fragilidade legal do programa, regulamentado por portarias interministeriais, passíveis de questionamentos por parte de órgãos de controle. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) é o relator da proposta, cujo prazo se encerra na quarta-feira (15). TCU Antes da votação em Plenário, os indicados que disputam a vaga de ministro do TCU passam por sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A reunião está marcada para as 9h desta terça-feira.  O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 1.118/2021 trata da indicação do senador Antonio Anastasia (PSD-MG). O texto é de Nelsinho Trad (PSD-MS), líder do partido na Casa, e será relatado por Cid Gomes (PDT-CE). Anastasia foi secretário-executivo nos ministérios da Justiça e do Trabalho, vice-governador de Minas Gerais (2007-2010) e depois governador (2010-2014). Chegou ao Senado em 2015. Entre 2019 e 2020, foi o 1º vice-presidente da Casa. A indicação de Kátia Abreu (PP-TO) é defendida no PDL 1.119/2021, apresentado pela líder do PP no Senado, Daniella Ribeiro (PB), e que terá relatoria de Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Em 2021, Kátia tornou-se a primeira mulher eleita presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE). Produtora rural, foi presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e ministra da Agricultura (2015-2016). Está no segundo mandato no Senado. Líder do governo no Senado desde 2019, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) é o outro indicado ao TCU. O projeto que apresenta o seu nome é o PDL 1.120/2021, do líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM). A relatoria caberá a Eduardo Gomes (MDB-TO). Bezerra  foi ministro da Integração Nacional (2011-2013), deputado estadual e federal, três vezes prefeito de Petrolina (PE) e secretário estadual em diversas pastas. Elegeu-se senador em 2014. O presidente da CAE, senador Otto Alencar (PSD-BA), disse que a expectativa é sabatinar os três indicados na mesma reunião. Segundo Otto, a escolha entre um dos três nomes é um exemplo de democracia. De acordo com o Regimento Interno do Senado, a reunião será pública, sendo a votação procedida por escrutínio secreto. — É natural que dentro do regime democrático possa se escolher pelo voto secreto. É nossa democracia em marcha — afirmou Otto. Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado) Saiba mais Veja a pauta completa Proposições legislativas PDL 1118/2021 PDL 1119/2021 PDL 1120/2021 MAIS NOTÍCIAS SOBRE: Conab Indicação Senadora Kátia Abreu Senador Antonio Anastasia Senador Fernando Bezerra Coelho Senador Luis Carlos Heinze Senador Otto Alencar Senador Rodrigo Pacheco Tribunal de Contas da União Fonte: Agência Senado ******************************************************** Sufrágio universal SOCIOLOGIA O sufrágio universal é o direito de todos os cidadãos adultos de votarem e seres votados. A rigor, todos os Estados estabelecem exigências constitucionais para o exercício da cidadania política, como idade mínima e alistamento militar. A diferença substancial do sufrágio universal para o sufrágio restrito é que aquele não coloca requisitos de caráter social, como escolaridade mínima ou renda mínima, para garantir às pessoas o direito à participação no processo eleitoral. Para alguns isso pode parecer pouco, mas não é. O direito de votar e de ser votado não cerceado por limitações socioeconômicas permite que as diferentes demandas e necessidades dos variados grupos que compõem uma sociedade sejam levadas em consideração pelos formuladores de leis e de serviços públicos. Leia também: Direitos Humanos – categoria de direitos básicos de todos os cidadãos O que é sufrágio universal? O sufrágio universal é a extensão plena dos direitos políticos a todos os cidadãos adultos de um país, sem qualquer forma de restrição por fatores como renda, escolaridade, gênero ou etnia. Abrange o direito de escolher os representantes e de candidatar-se a cargos eletivos. A instituição do sufrágio universal significa que, em determinado país, não haverá requisitos econômicos, intelectuais, profissionais, sexistas ou étnicos para o exercício do direito ao voto. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) enfatiza que o sufrágio universal é um direito humano básico. A ampliação da cidadania política é um vetor de aperfeiçoamento das democracias, crucial para que os Estados modernos equalizem os conflitos que se desenvolvem no bojo do interesse público e aprimorem as políticas públicas e os serviços públicos que oferecem à sociedade. Por exemplo, no Brasil antes de 1988, o direito à saúde pública era restrito aos trabalhadores formais que contribuíam com a previdência, os demais dependiam da caridade das Santas Casas de Misericórdia ou eram relegados à própria sorte. Com ampla discussão com muitos setores da sociedade civil, a Constituição de 88 estabeleceu o direito ao voto para todos e consagrou a saúde como direito universal. A partir de então, foi estruturado o Sistema Único de Saúde, um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, alvo de melhoramentos ao longo do tempo. Trata-se de uma política de Estado cujo aperfeiçoamento ao longo dos governos está relacionado à universalidade do direito ao voto, já que os principais usuários do sistema votam e, por isso, suas demandas são levadas em consideração na consolidação das políticas de saúde. ***
*** O sufrágio universal possibilita todos os cidadãos a participarem das eleições, podendo votar ou serem votados. *** O sufrágio universal possibilita todos os cidadãos a participarem das eleições, podendo votar ou serem votados. Tipos de sufrágio Os tipos de sufrágio podem ser categorizados de acordo com a modalidade da participação político-eleitoral (direta ou indireta) e com a amplitude do direito à participação política, que pode ser conferido a todos ou pode ser limitado por requisitos e restrições, tais como etnia, escolaridade, renda. Sufrágio direto: o sistema de votação é individual, cada eleitor escolhe os seus representantes e todos os votos têm igual valor. Esse é o sistema de votação vigente no Brasil após a redemocratização. Sufrágio indireto: o sistema de votação é colegiado, cada colégio eleitoral escolhe os representantes. Esse era o sistema de votação vigente aqui durante a Ditadura Militar. Sufrágio racial ou aristocrático: restrição dos direitos políticos por motivação étnica. O critério de limitação está ancorado na origem da pessoa bem como em características biológicas. No Brasil Império e mesmo no Brasil República antes de 1988, indígenas não podiam votar. Alguns autores incluem nessa categoria a proibição do voto feminino. Sufrágio capacitário: restrição dos direitos políticos por motivação intelectual, determinada conforme o grau de instrução. No Brasil, por exemplo, analfabetos só puderam votar a partir de 1985. Sufrágio censitário ou pecuniário: restrição dos direitos políticos por motivação econômica, vinculada ao pagamento de impostos e/ou à posse de terras. Sufrágio feminino O sufrágio feminino, isto é, o direito das mulheres ao voto e a concorrer a cargos eletivos, foi conquistado a duras penas. O movimento sufragista, conhecido também como a primeira onda do feminismo, surgiu na Inglaterra, no século XIX, e alcançou o mundo no século XX, modificando o processo eleitoral e a paisagem política de muitos países. As mulheres começaram a reivindicar o direito ao voto porque o fato de não terem direitos políticos impedia que elas conquistassem direitos jurídicos e sociais. Elas não tinham direito ao divórcio, a ter propriedades em seu nome, à educação formal. Essas reivindicações, que surgiam entre mulheres de classe média e alta, somaram-se às demandas de mulheres pobres e operárias, que tinham dupla jornada de trabalho, salários menores que os homens, condições precárias de vida. Todas tinham em comum o fato de não poderem votar, e a supressão desse direito influenciava as demais, já que os políticos norteiam suas atividades em função daqueles que os elegeram. Na Inglaterra o movimento começou pacífico, com passeatas, panfletos, cartas a parlamentares. A ativista Emmeline Pankhurst, líder das suffragettes, consolidou outra forma de militância, com atos mais incisivos e por vezes violentos. A morte da professora Emily Davison, em 1913, deu notoriedade internacional ao movimento, que, por meio dos Estados Unidos, ganhou um novo horizonte de alcance. ***
*** Sufragista inglesa Emily Davison em sua formatura (1908). É considerada mártir do movimento sufragita. Sufragista inglesa Emily Davison em sua formatura (1908). É considerada mártir do movimento sufragita. *** O primeiro país a instituir o voto feminino foi a Nova Zelândia, em 1893; o segundo, a Finlândia, em 1906; a Inglaterra fê-lo em 1918; os EUA, em 1920; o Brasil, em 1932. Ao longo do século XX, especialmente nos pós-guerras, vários países institucionalizaram o voto feminino. O último a fazê-lo foi a Arábia Saudita, em 2015. Veja também: Movimentos sociais – ações coletivas em prol de uma causa social Sufrágio no Brasil No Brasil a primeira eleição ocorreu no período colonial, em 1532, para a Câmara Municipal de São Vicente. Até 1821 as eleições aconteciam somente no âmbito dos municípios e não havia partidos. A partir de 1824, já no império, foi instituída a eleição de deputados e senadores. O voto era censitário, isto é, limitado aos homens de posses, como também o era o direito de concorrer a eleições. Votavam os nobres, burocratas, ricos comerciantes, senhores de engenhos, homens com mais de 25 anos e renda mínima de 100 mil réis ao ano, o que, convertido ao real, daria mais de um milhão. Para concorrer a eleições, o teto era ainda mais severo, candidatos a deputados deveriam ter renda anual de 400 mil réis, e candidatos a senadores, 800 mil réis. Mulheres, índios, negros, soldados não podiam votar, muito menos candidatar-se. Mesmo após a proclamação da república, o voto continuou sendo censitário, ou seja, ter posses era requisito para votar. No novo sistema de governo, foram excluídos da cidadania política as mulheres, os analfabetos, os soldados de baixa patente, os padres, os indígenas e os pobres. Em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, foram criados o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais. Editou-se o Código Eleitoral Brasileiro, que instituiu o voto secreto e também o voto feminino, após ampla pressão de feministas brasileiras que participavam do movimento sufragista. Entretanto, nesse primeiro momento, o sufrágio feminino não alcançou mulheres analfabetas ou pobres. Desde a proclamação da república, em 1889, o Brasil passou por dois momentos ditatoriais. O primeiro ocorreu durante o governo de Getúlio Vargas, a partir de 1937 até 1945. Esse período foi denominado Estado Novo, nele foi outorgada nova Constituição, o Congresso foi fechado, os partidos foram extintos, nomeou-se interventores para governar os estados, e as eleições foram suspensas. O segundo momento foi a Ditadura Militar, de 1964 a 1985. Nesse período, foi outorgada nova Constituição, o Congresso foi dissolvido em três ocasiões, liberdades civis foram suprimidas, adotou-se o bipartidarismo, mas continuou a haver eleições para alguns cargos, o que não incluía os cargos majoritários (governador, presidente da república). As eleições majoritárias só voltaram a ser diretas a partir de 1985, após pressão popular do movimento Diretas Já, liderado, entre outros, pelo deputado Ulysses Guimarães, também um dos grandes líderes da Assembleia Nacional Constituinte que culminou na Constituição Cidadã. ***
*** Manifestação pedindo eleição direta para presidente da república no plenário da Câmara dos Deputados (1984). [1] Manifestação pedindo eleição direta para presidente da república no plenário da Câmara dos Deputados (1984). [1] *** O sufrágio universal está previso no artigo 14 da Constituição de 1988, também denominada Constituição Cidadã, que, além do sufrágio universal, reafirma o direito ao voto secreto, isto é, imune a constrangimentos e coação, direto, ou seja, pessoal e intransferível, e com valor equivalente para todos os cidadãos, não havendo votos mais importantes do que outros. O voto é obrigatório para maiores de 18 anos e menores de 70 anos. O voto é facultativo para maiores de 16 e menores de 18 anos, maiores de 70 anos, e analfabetos. Sufrágio e a Revolução Francesa A Revolução Francesa é um dos grandes acontecimentos da história, mudou não somente a configuração política do país em que ocorreu como reverberou nos Estados modernos em todo o mundo. Ela trouxe a participação política para o centro do debate, questionou privilégios da aristocracia e a imiscuída relação entre Igreja e Estado, e popularizou a ideia de sufrágio universal. Os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, a cidadania política a todos sem distinções sociais e econômicas, a valorização da laicidade do Estado são alguns elementos do legado de valores republicanos que esse movimento histórico deixou ao mundo. ***
*** Sufrágio universal masculino, liberdade de imprensa, liberdade de associação e direito ao trabalho são valores da Revolução Francesa. Sufrágio universal masculino, liberdade de imprensa, liberdade de associação e direito ao trabalho são valores da Revolução Francesa. *** Os revolucionários destituíram o monarca absolutista Luís XVI, fundando a Primeira República Francesa por meio de sufrágio universal masculino, algo inédito no mundo. Todavia, embora os ideais desse movimento abolissem restrições econômicas e intelectuais para os homens, as mulheres foram excluídas do processo, eram consideradas “cidadãos passivos”, influenciáveis pela sua proximidade com líderes religiosos, além disso alguns consideravam os deveres domésticos como incompatíveis com o exercício do direito ao voto. A ativista política Olympe de Gouges (1748-1793) editou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791) em resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que alijava as mulheres da cidadania política. Em consequência de sua contestação, ela foi condenada à morte. O direito ao voto feminino na França só foi consagrado em 1945, quando o voto das mulheres já era realidade em vários países. Acesse também: Feminismo – movimento social que teve origem com a ação de Olympe de Gouges Diferença entre voto e sufrágio Sufrágio consiste no direito de votar (sufrágio ativo) e de ser votado (sufrágio passivo). Voto é o instrumento de exercício desse direito, isto é, a escolha dos representantes políticos para cargos eletivos. O sufrágio é o direito de participar do processo eleitoral, o voto é o mecanismo por meio do qual esse direito é exercido. O sufrágio é o poder dos cidadãos em participar da soberania de um país, o voto é o instrumento de legitimação do ato de conferir esse poder aos representantes escolhidos. Crédito da imagem [1] Senado Federal / Commons Por Milka de Oliveira Rezende Professora de Sociologia Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja: REZENDE, Milka de Oliveira. "Sufrágio universal"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/sufragio-universal.htm. Acesso em 14 de dezembro de 2021. Artigos Relacionados ********************************* *** Comissão de Assuntos Econômicos sabatina indicados ao Banco Central e ao TCU – 14/12/2021 2.449 visualizaçõesTransmissão ao vivo realizada há 3 horas *** TV Senado 1,05 mi de inscritos Senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) se reúnem para sabatinar indicados aos cargos de diretores do Banco Central, Renato Dias de Brito Gomes e Diogo Abry Guillen. Já os senadores: Antonio Anastasia (PSD-MG), Kátia Abreu (PP-TO) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) foram indicados para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), na vaga do ministro Raimundo Carreiro, que rá assumir a embaixada do Brasil em Portugal. ******************************************************** ELEMENTOS DA DEMOCRACIA: UMA ABORDAGEM SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRÁTICA Sérgio Borges Néry Fortaleza-CE Junho, 2010 1.3 Quem é o povo? O povo tem um papel central na teoria da democracia. Afinal, a etimologia indica que a democracia é a forma de governo em que o povo detém o poder. As revoluções liberais do século XVIII e XIX, antecedidas pela Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, propuseram e assentaram um novo marco nos modelos de governo até então existentes. Não que a democracia tenha sido fruto teórico ou prático destas – muito antes os gregos antigos já tinham produzido conceitos a esse respeito e os colocado em aplicação – mas, a formulação do regime democrático, muito próxima do que hoje se vive, é fruto do pensamento e da ação política daqueles tempos. No seio das discussões sobre a democracia está a determinação do soberano. Eis que se torna irrenunciável o debate sobre a instituição sobre a qual se derrama a soberania. Sua identificação, embora muito alardeada, não é tão simples, tampouco se verificam as necessárias compatibilidades entre as características do sujeito da soberania e o efetivo exercício e titularidade do poder. Inicialmente, cumpre afirmar que o termo – povo – é nebuloso, sua incerteza estando mais ligada à atuação política, para fins desse estudo, do que, propriamente, a uma definição pura. Sem a turvação influenciada por predicados ou pelas relações que a expressão possa nutrir com outras áreas, o povo será a 32 população, ou o conjunto de indivíduos viventes num espaço territorial determinado. Como dado demográfico, o povo perde seu sentido pela absorção que o vocábulo - população - já guarda. A população, então, é o registro mais simples da reunião de pessoas, desconsiderada a finalidade do agrupamento e as qualidades coletivas e particulares dos seus membros. Meramente quantitativa, a população não seleciona seus integrantes, cuida apenas de consignar a grandeza de membros para apoiar pesquisas de cunho estatístico. Mais adiante, o povo se conforma a um grifo estrutural, que alia informações de unidade baseadas em tradições, idioma, etnia, religião e ambiência histórica comuns49. A junção desses dados culturais a uma reunião de pessoas permite concluir que ali se teria um agrupamento mais coeso do que o que se encontra na população. É, pois, a identidade cultural entre os indivíduos o nexo de ligação que dá existência à unidade, da qual se valerá o grupo para entoar que há semelhança entre seus membros e, via de conseqüência, uma distinção para com os demais grupos que não repartem desses mesmos dados. Soa verdadeiro que a comunhão de registros estruturais eleva a condição sociológica do grupo que as possui, face àqueles que ainda não gozam de semelhante patamar. Por isso, a marca de evolução do povo que reparte da mesma vivência cultural é mais pronunciada que daqueles ainda despossuídos de tais laços. Aqui, mais uma vez, o conceito de povo não será límpido, ao contrário, será coincidente com o de nação. A nação floresce do vínculo cultural - proto-político – cuja adesão se perde no tempo ou se dissipa na habitualidade. Será possível divisar, contudo, que a mescla de dados estruturais, desordenada, não é capaz de identificar uma nação. A Suíça parece unida em nação, mesmo reconhecendo mais de três idiomas oficiais, ao tempo em que a etnografia dos franceses apresenta uma diversidade - celta, ibérica, germânica - que não aborta o sentimento nacional e, tampouco a exuberância de credos praticados nos Estados Unidos da América interditam sua condição de nação; isoladamente. Numa perspectiva temporal, os registros estruturais são sempre dinâmicos, daí porque o território e a história comum sobressaem como fatores mais objetivos de constituição de uma nação50. Nenhum dos dados estruturais pode concorrer solitariamente para a geração de uma nação, do mesmo modo que a sua reunião 49 Numa perspectiva de poder, Bourdieu assinala o simbolismo imanente às “estruturas estruturadas”. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 8-9. 50 RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation?. Marseille: Le Mot e le Reste, 2007, p. 32-33. 33 não assegura relevância ou aplicação política51. É a vontade de unir-se que cria uma alma nacional, através de um princípio espiritual, cuja consciência moral pode ser conhecida por nação52 . A introdução de elementos de poder, para o interior do conceito de povo, dá início a uma nova fase. Brota no seu seio a noção de que comandos serão emanados e, vis-à-vis de sua imperatividade, terão cumprimento presumido. A partir dessa inovação, o povo será contemplado com adjetivo de caráter político, e mais se aproximará da definição de Estado enquanto se afasta da definição de multidão. A esse propósito, a dissertação de Cipião a Filão, Manílio e Múcio parece esclarecedora, quando afirma ser o Estado pertença do povo, a união dos Homens ali reunidos representando o conhecimento e a obediência a uma ordem normativa, e a comunhão da utilidade o liame que acentua a sociabilidade do ser humano53 . Desse modo, o povo, agora atrelado a uma definição política, é exortado a uma participação nos negócios da república, solenemente convocado a exprimir suas escolhas, bem como chamado a decidir os rumos da política. Esta novidade impôs a um corpo amorfo e de duvidosa substância um renovado sentido: o povo passaria a contar com uma qualidade. Se perdera, na marcha da civilização, a condição de profusão de indivíduos desordenadamente dirigidos para assumir um caráter eminentemente qualitativo. Nesse momento, uma associação que tinha propriedades meramente estruturais de convívio coletivo passa a contar com atribuições funcionais, desviando a trilha para um destino incerto. A fim de esclarecer o caminho percorrido pelo povo em sua saga rumo ao epíteto político, é de bom alvitre iniciar com as possíveis designações que se comissionariam a ele. Antes, porém, forçoso discorrer sobre a identidade do povo, eis que, no exercício das prerrogativas de atuação política, não basta a indeterminação que se lhe atribuiu anteriormente, ao revés, quando as assume, passa a exprimir um contingente desejavelmente demarcado. É, pois, nessa ocasião que surgem em abundância as objeções. O primeiro argumento em desfavor da unidade do povo se encontra na posição que o cidadão ateniense ostentava. Para tomar parte nos negócios da polis, 51 Ibid., 2007, p. 29. 52 Ibid., 2007, p. 29, 33, 36. 53 CÍCERO, Marco Túlio. Da República. Livro I, XXV. São Paulo: Escala, [s.d.], p. 30. 34 não era suficiente o laço de nascimento na Cidade-Estado. Portanto, na Antiguidade, os helenos não poderiam considerar-se cidadãos apenas pela regra do status civitatis que seria expressa pela dicotomia de tempos depois, o do jus soli ou jus sanguinis. Até a metade do século Vº, a cidadania era concedida ao grego que preenchesse o requisito da regra do sangue – ser descendente direto de pai cidadão. Mas, em 451, um decreto de Péricles amplia as exigências para a aquisição da cidadania. Passa a ser requerida a filiação de pai e mãe ateniense, a maioridade de dezoito anos completos, a inscrição nos registros do povo, e o serviço militar de, no mínimo, dois anos54. Mulheres, escravos e estrangeiros - que não tivessem prestado relevante serviço para Atenas, assim considerado por meio de decreto - não exibiam a posição de cidadãos e, portanto, não tomavam parte nas discussões e decisões políticas. A esse tempo, estima-se não haver em Atenas mais que quarenta e dois mil cidadãos55. O contingente de indivíduos privados do exercício da política era, proporcionalmente aos ativos, muito alto; sendo a justaposição de cada um daqueles um dado populacional: o plèthos56. A tradição política ateniense assumia, pois, uma divisão marcante, que se expressava por dois grupos diferenciados, a saber, o demos e o plèthos. O critério de exclusão não feria o senso comum da época, como avilta os espíritos de hoje. Qual a implicação política dessa dicotomia? O demos era um agrupamento seletivo, de ordem qualitativa, enquanto o plèthos formava uma hoste aberta, de pessoas meramente quantificadas, abandonadas de predicados que abonassem sua participação política. Protágoras, pode substituir a pergunta que insiste em fazer-se. Pelo diálogo entre o sofista e Sócrates, conta-se um episódio vivido por Hermes. Com receio do desaparecimento dos homens, Zeus designa a Hermes para levar a eles o sentimento de honra e do direito, a fim de adornar as cidades e de fazer as vezes de ligação, pela qual se criam as amizades. Intrigado, Hermes questiona Zeus a respeito do critério de distribuição dessas artes e se deve seguir o modelo em que a distribuição de especialidade será dada a um só; ou distribuída indistintamente a todos. Zeus determina a Hermes que passe a distribuir a todos, assinando a pena de 54 GLOTZ, Gustave. La cité grecque. Paris: Éditions Albin Michel, 1988, p. 165. 55 Ibid., 1988, p. 166. 56 GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 20. 35 morte àqueles que não são capazes de participar do sentimento de honra e do direito57 . A criação do homem passa, igualmente, pelos mitos gregos. Com o intuito de criar e ceder qualidades aos seres que habitariam a Terra, Zeus indica Epimeteu para a tarefa. Prometeu, seu irmão, cuidaria de supervisionar a obra. Feita a distribuição, percebeu que não restara nenhuma qualidade a se atribuir aos homens. Prometeu interveio em auxílio ao irmão e roubou o fogo sagrado dos deuses – a arte política – somente a estes pertencente, para dar aos homens. Pela audácia, Prometeu recebeu a condenação de Zeus, cujo cumprimento da punição ficou a cargo de Hefesto, de permanecer agrilhoado às pedras do Cáucaso e ter seu fígado castigado seguidamente pelo bico de uma águia, regenerando-se em seguida. Epimeteu, de sua vez, foi punido com uma oferenda aparente, revestida por uma caixa, a que se nomeou de Pandora, cujo interior guardava todos os males que poderiam infligir um ser. Aberta a caixa, os males espalharam-se pela humanidade, restando a Epimeteu ter devolvido à arca apenas a esperança58 . A aventura de Prometeu pode ser aplaudida como exemplo de um bem trazido por uma alma dadivosa, distribuído a todos os homens por alguém que não poupa esforço e risco para agraciar a cada um com a arte política. Todavia, não se pode descuidar da sorte de Prometeu, como alegoria da capacidade humana, que sofreu do mais poderoso e sábio dos deuses a pena mais aflitiva e cruel que se poderia impor. Não à toa. O fogo sagrado estava reservado aos deuses, não aos mortais. Junto àquele, vieram as misérias que assolariam a humanidade. Prometeu é estigma de generosidade e de irresponsabilidade. Não há Estado sem povo, tampouco povo sem organização política59. A simbiose entre o povo e a política tem como arena do seu desenvolvimento o Estado. Mas essa concepção deu-se apenas com o advento dos Estados-Nacionais, por volta do século XII. Antes, na respublica romanorum, o papel do povo se opunha ao das famílias gentilícias, representadas pelo Senatus, que dominavam a ordem política. A progressiva inclusão dos que viviam à margem da civitas – grupo dêmico - 57 PLATON. Protagoras. 322b. Paris: Librairie Gallimard, 1959, p. 90. 58 HÉSIODE. La Théogonie. Paris: Librairie Garnier Frères, [s.d.] passim; ESCHYLO. Prometheu acorrentado. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907, p. 49. 59 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 183. 36 originou o Estado na sua versão ainda embrionária60. Surge daí a fórmula do Senatus populusque romanus, criada por Otávio, que unificou as duas correntes sociais para dar formato ao povo, como unidade e soberania61 . A partir do século XIX, o conceito de povo iria sofrer uma alteração da qual não mais se resgataria. O advento, reunido, do industrialismo, da democracia liberal e do avanço científico proporcionaram a um vasto contingente de pessoas a oportunidade de progresso material nunca antes experimentada num prazo tão curto62. A derrubada da fronteira do sangue, pelo prestígio crescente das camadas burguesas sem ascendência nobre que tornou o tecido social poroso; a Revolução Gloriosa, que legou o Bill of Rights e a supremacia do Parlamento sobre a Coroa e; a Revolução Francesa, que reconheceu a força dos sans-culottes; ergueram o povo a um patamar impensável. Müller acredita que o povo pode ser dividido, para fins de estudo, em duas partes distintas: o povo ativo e o povo ícone. O primeiro se refere a um povo legitimante da soberania, um povo constituído por eleitores e pessoas de atuação política oblíqua. O povo ícone é aquele que serve de massa de manobra, abandonado a si mesmo, mitificado e abstrato63 . O povo está intestinamente ligado ao Estado (ou forma), a interdependência de ambos gerando um corpo político sólido. Esta relação de mútua dependência alcança os confins da existência, de modo que a ausência de um acarreta o desaparecimento do outro64. Jorge Miranda, aliás, exagera ao afirmar que o povo é a razão de ser do Estado, aquilo que o modela em concreto65. Na verdade, permite-se dizer que a expressão de Miranda tenha a direção daquilo que se convencionou chamar de elemento constitutivo material do Estado, junto ao território. Ocorre que o elemento que carrega em si a indeterminação não pode ser trazido à concretude; permanece, ao revés, no plano abstrato. “Povo” não deve funcionar como metáfora; o povo deve poder aparecer como sujeito político empírico66 . Padecer de abstração 60 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2007, p. 986. 61 LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de direito romano. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 178. 62 GASSET, José Ortega y. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 87. 63 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 55. 64 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 183. 65 Ibid., 2003, p. 183. 66 MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 60. 37 irretratável não seria obstáculo ao conceito de povo, não fosse a natureza funcional – no campo político – sua razão de existência, cuja prevalência se deva assumir. 1.3.1 O sufrágio Sufrágio é a prerrogativa que o indivíduo tem de tomar parte no processo eleitoral do Estado ao qual vincula sua identidade pela cidadania. Não há qualquer originalidade nisso. Em Roma, os direitos políticos eram divididos: o jus suffragii representava o direito ao voto – a capacidade eleitoral ativa – ao passo que o jus honorum significava a possibilidade de ser conduzido, pelo voto, às magistraturas ou ao Senado – capacidade eleitoral passiva - de aquisição muito restrita67. O jus suffragii permitia o voto nos comitia centuriata, algo impensável no formato de comícios por cúrias, autorizado apenas aos patrícios68. Os gregos, reunidos em assembléia ao tempo das leis de Sólon, possuíam a liberdade de expressar-se quanto aos negócios da pólis. A garantia da palavra era dada a cada cidadão – daqueles que podiam sustentá-la – como forma de participação. A isagoria, ao lado da isonomia e da isotimia, exprimia as garantias que socorriam os direitos políticos dos atenienses. Essa expressão, contudo, valia-se da manifestação oral franqueada, não sendo definitiva a influência da opinião pública. Sob o aspecto da sua influência, pode-se afirmar que a democracia ateniense assemelhava-se a um modelo de democracia de audiência, no qual predomina a manifestação do corpo político sem a verificação da ocorrência de um laço de sujeição do governante às impressões dos citadinos – nos casos em que o estratego não submetia ao povo a decisão - que, diferentemente da eleição, não redundava em decisões políticas. Cuidava-se mais de um controle da atividade política e da alimentação, endereçada aos dirigentes, das ansiedades do povo. De certo modo, a democracia de audiência acaba por redundar na excessiva atenção a temas que estão em voga no momento69, deixando esquecidos os assuntos de igual ou superior relevo. Destarte, seu grau de influxo na condução estatal é baixo. 67 SILVA, Luís Antônio Vieira da. História interna do direito romano privado até Justiniano. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 95. 68 TABOSA, Agerson. Direito Romano. Fortaleza: UFC, 1999, p. 20. 69 MANIN, Bernard. The Principles of Representative Government. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 222. 38 A opinião pública deve sempre ser considerada forte, hábil a iniciar um convencimento nos representantes de uma democracia, senão pela força dos argumentos, pela pressão que exerce naquele de cujo voto depende a sobrevivência nas veredas da política. O sufrágio, no entanto, é muito maior que a opinião pública. O sufrágio teria libertado os homens, na mesma proporção do ato de Justiniano que determinou que todo escravo manumitido fosse civis70. A História dá conta de que nem sempre foi assim. Escravos, servos, mulheres, impúberes, loucos, miseráveis, e toda a sorte de mal-aventurados não tiveram à sua disposição o sufrágio. Com nuances às vezes mais abertas, em outras mais limitadas, um grupo nada desprezível da sociedade permanecia à margem das questões políticas – alijado de ter suas percepções captadas pelo núcleo do poder. A vedação, não mais imposta à maioria dos excluídos de antes, tinha critérios de distinção variados. De modo geral, pode-se afirmar que as interdições observam o status social, posição econômica, ou a capacidade. O requisito da posição social correspondia ao lugar ocupado na sociedade como fato autorizador de sua inclusão no processo político. Numa sociedade em que a direção da família era prerrogativa exclusiva do paterfamilias, os demais membros viam sua participação concentrada na figura que centralizava as decisões válidas da sua vida privada. Aqueles que não possuíam autonomia para praticar atos na esfera mais íntima eram também proibidos de atuar no espaço público, cuja repercussão dar-se-ia coletivamente. Às mulheres era reservado um papel social tido por secundário, no qual predominava a direção da educação dos filhos, a assistência ao cônjuge e os cuidados com o lar. O pudor impedia a atividade política. Aos privados da liberdade, como os escravos, o rebaixamento pela sujeição a um senhor retiravam qualquer possibilidade de atenção às suas vontades, como também o compartilhamento de suas angústias e visão de futuro. Não há sustentação para requisitos de status social, restando o apelo moral do qual a sociedade contemporânea já se libertou. A posição econômica é uma questão delicada. Aqueles que possuem patrimônio mais denso devem gozar de direitos políticos mais amplos que os menos 70 Nada obstante, Justiniano manteve a impossibilidade de aquisição da cidadania romana, para fins políticos, aos barbari, que viam aplicado sobre si o jus gentium, sem previsão de manifestação ativa na política do Império. SILVA, Luís Antônio Vieira da, op. cit., 2008, p. 107. 39 favorecidos? É certo que não. À fruição de direitos deve corresponder o cumprimento de deveres? Parece que sim. Então, o critério exclusivamente patrimonial não pode ser adotado para excluir indivíduos de direitos políticos, pois as causas da riqueza ou da miséria não influenciam a função de escolha ou decisão política. Esta equação estaria adequada não fosse o espírito dos homens débil, mercê das necessidades voltadas à sua sobrevivência ou conforto. Se, na democracia, o sufrágio é aberto àqueles que vivem uma vida dependente da compaixão alheia, não seria absurdo imaginar que o interesse de quem se compadece pode convergir à humanidade da doação. Assim, teríamos um quadro no qual os mais abastados, atraídos por manter ou elevar sua própria condição, distribuiriam donativos para ver suas pretensões políticas atendidas. Por outro lado, a democracia se resguardaria dessa prática de corrupção da vontade por meio da ocultação da manifestação política do eleitor – o voto secreto. Mas a eficácia da medida não atinge o recôndito da questão. A deliberação mais elementar do eleitor assediado indica que a divergência de vontades, entre si e o terceiro interessado, pode reverter na sua própria desassistência, e esta situação não atende ao seu senso de utilidade. Mais ainda. Se a projeção de que o interesse do corruptor seria contemplado pelos demais beneficiários do diagrama - dispensando a ele da exigência do sinalágma pela engenhosidade do voto secreto - fosse cumprido, restaria a coerção moral de cumprir a avença ou ser atormentado por uma indignidade. Tal sentimento transbordaria numa humilhação cuja conseqüência seria a renúncia à altivez nas relações com seus semelhantes, desfavorecendo a democracia. Pode ocorrer, no mesmo passo, que o governante, dando ênfase à assistência social, resolva incrementar o número de beneficiários dos favores estatais a título gratuito, momento em que a degeneração assumirá contornos institucionais, mas protegerá ao magistrado concedente, à sua agremiação política, e desequilibrará a democracia como processo competitivo. Ao benefício assistencial, sempre pode corresponder uma contrapartida, na forma da prestação das tarefas mais simples, para a satisfação de necessidades coletivas que libertem o assistido 40 do vínculo de subserviência moral com o líder político71. A posição econômica é, pois, considerável no exame do sufrágio. Mas toda essa disposição pressupõe um fato estrutural: a desigualdade material. Numa situação na qual o acervo de bens fosse rigidamente distribuído entre as pessoas, seria impossível assistir a tamanha degeneração. Esta última situação ainda será examinada. A origem dos fatos incapacitantes pode ser desmembrada em alguns aspectos. Serão incapazes do exercício político os loucos de toda sorte? Pela inconseqüência e desatino mental na aptidão para emitir juízos, vamos que sim. E os infantes, poderiam eles investir-se de direitos políticos? É certo que a incipiência, a imaturidade e o furor pelos próprios desejos dos não-iniciados concorrem para o seu afastamento da seara política. Os analfabetos podem sugerir seus nomes ao referendo do povo para ocupar cargos políticos? Porque não, se podem sufragar? Os indivíduos de baixa escolaridade seriam considerados inaptos para o exercício do voto? A capacidade é um requisito de ordem funcional, portanto, tem o seu fundamento na adequação do conhecimento específico do agente para atuar num cenário de complexidade incomum, que somente pode ser desvendado por meio de sua habilidade particular72. Os impedimentos ao exercício do sufrágio cuja ordem seja capacitária são, em maior ou menor grau, admitidos nas democracias73. Varia a escala, conforme o Estado ao qual se aplique. A dificuldade concernente à imposição de requisitos seletivos de molde capacitário reside exatamente na eleição do termo inicial objetivo a partir do qual possa ser franqueada ao indivíduo a plenitude dos direitos políticos. A formação biológica do cérebro costuma se completar aos dezoito anos74, e este seria um bom rumo, mas algumas nações 71 Para o “Critério de Sólon”, cf. ACTON, John Emerich Edward Dalberg. Ensayos sobre la libertad, el poder y la religión. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1999, p. 134; Para o prelúdio da assistência econômica com fins políticos posta em prática por Péricles, chamada de Misthos, cf. Idem, p. 135; FABRE, Simone Goyard-. O que é democracia?. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 19; Os efeitos deletérios do pagamento do misthos sobre a índole do povo, cf. PLATON. Gorgias. 515, c-e. Paris: Gallimard, 1959, p. 472-473. 7272 BUCHANAN, Allen E.; BROCK, Dan W. Deciding for others: The etics of surrogate decision making. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 18. 73 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 250. 74 “A região pré-frontal é conhecida como um centro executivo, responsável pelas nossas vontades e desejos e pelo comportamento social. É a região que permite a consciência do eu, a subjetividade, os valores, as motivações, ou seja, é ‘a área mais humana do cérebro’. Talvez por esses atributos, está seja a região que tem a sua maturação mais lenta, sendo que a mielinização completa desta área só aconteça por volta dos 18 anos de 41 permitem o voto dos maiores de dezesseis anos. O critério cronológico não abrange, todavia, os maiores de dezoito anos cuja rusticidade, baixo desenvolvimento intelectual ou nível de escolaridade não favoreça à formação de uma massa crítica capaz de analisar, com desejável precisão, o cenário político. A dissensão na órbita política é a regra, premia o dualismo social que se apega aos extremos, contudo, as escolhas meramente baseadas na percepção geral ou na experiência sensorial não são suficientes para um veredito acertado. É verdade que os doutores divergem entre si, mas a solidez epistemológica de suas convicções fornece o arcabouço que sustenta suas idéias. São, pois, adesões voluntárias, livres e ideológicas. A versão das barreiras capacitárias encontra em nações de baixo desenvolvimento intelectual um óbice relevante: nada obstante a edificação de requisitos de capacidade, aos poucos que podem dela se valer, a mais impactante maioria segue no obscurantismo, criando assim uma cisão tão grande entre esta e uma minoria desprezível condutora da política local, que as expectativas e o senso de alteridade do povo não mais se reconhecem na elite dirigente, gerando com isso um alarido cujas proporções tendem a agravar-se. Igualmente, as luzes dos letrados podem, pela corrupção natural das coisas, pavimentar um caminho mais ágil e uma direção ainda mais hostil aos anseios públicos pela predominância dos interesses particulares. A enfermidade da corrupção dos espíritos e os desvios no sistema não são exclusividades da democracia, tampouco próprios a outros regimes, mas impurezas genéricas. Não é demasiado lembrar que a patrística estabeleceu que a cidade dos homens é opus diaboli. A aquisição das habilidades específicas não pode ser restritiva. A igualdade entre as pessoas se formata num processo de entrada, através da indistinção na distribuição de oportunidades, especialmente para o progresso intelectual. Do desenvolvimento das mentes ignatas brota uma característica muito apreciada na vida política: a responsabilidade. Quando a instância de atribuição se separa da de retribuição, o sistema sofre de perturbação e perde em excelência. Isso ocorre em atenção a que o conjunto de decisões da instância atributiva não reconhece a respectiva retribuição como tendo causa em si mesma. Para a idade.” ANDRADE, Alexandro; LUFT, Caroline di Bernardi; ROLIM, Martina Kieling Sebold Barros. O desenvolvimento motor, a maturação das áreas corticais e a atenção na aprendizagem motora. Efdeportes Revista Digital, Buenos Aires, ano 10, n. 78, nov. 2004. Disponível em:. Acesso em: 06 jun. 2010. 42 democracia, que atribui a um ente amorfo e indeterminável – o povo – o privilégio da soberania e, ato contínuo, da formação da cúpula política, soa temerária a possibilidade de dissipação da responsabilidade. Pela fórmula em vigor, não há como responsabilizar o eleitor por sua escolha, tampouco os representantes que têm sua autoridade oriunda da delegação. Este estado de coisas é promotor da desordem e abre espaço para o autoflagelo do povo por tempo desconhecido, bem como exorta à negligência. Sua forma contrária, o mandato imperativo, não produz resultados mais inspiradores. Embora nesse caso possa-se indicar um responsável, este só pode ser apontado como sendo o povo, de vez que o mandatário não goza de nenhuma autonomia para decidir. O sufrágio é uma função atribuível a um contingente de indivíduos determinado pela extensão dos direitos políticos. Como o reconhecimento de direitos é conferido, normativamente, por uma constituição, a concessão resta aos constituintes. Tendo em conta que o povo será o destinatário dos direitos a serem positivados, e que um conjunto de seus membros forma uma assembléia constituinte, não será difícil perceber que a extensão dos direitos políticos verá a maximização dos sujeitos exercentes. Mas sufrágio não é direito; é função, e assim deve ser entendido. Todo sistema social possui direitos e deveres, alguns destes comissionáveis. Não se pode entender a comissão de alguém que não se sujeita a soberania alguma (o povo). Como função, fica obscurecida a simples existência como fator que permita o ingresso no gozo dos direitos aludidos. Tal ocorre por conta das características que cada sujeito deva possuir para o desempenho desejável desses direitos. Desfrutar de direitos políticos significa influir decisivamente no encaminhamento da sociedade, ultrapassando a órbita particular e coadunando todos os seus membros. A gravidade de uma atuação tão extensa exige predicados que vão além da mera existência75 . São os adjetivos do “ser” que o identificam – identificar é diferenciar pelas características singulares - não resultando a essência em qualquer critério de diferenciação, tendo em vista seu estado de pureza suprema. A igualdade da essência tornaria as pessoas iguais em idéia, não em realidade. A realidade impõe 75 “ [...] as leis que estabelecem o direito de sufrágio são fundamentais neste governo [democracia]. Com efeito, neste caso, é tão importante regulamentar como, por quem, para quem, sobre o que os sufrágios devem ser dados, quanto é numa monarquia saber qual é o monarca e de que maneira deve governar”. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 20. 43 fatos acidentais, que podem ser desconsiderados em representações, mas que padecem de atuação irrefreável posto que fora da esfera da vontade do sujeito. O incremento na vida política se valeu da universalidade, como idéia da generalidade absoluta apoiada sobre a igualdade formal. A universalidade é totalizante, porquanto não admite a exclusão de qualquer parcela do todo.

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