segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

ESTADO DE DIREITO

Esse direito de todos que nenhum ato institucional ou constitucional pode cassar ou legar. ***
*** Brasil 247 AI-5 x Declaração Universal dos Direitos do Homem - Denise Assis - Brasil 247 ***
*** Amazon.com Pot-Pourri: Escrito / Mar Azul / Meu Povo Meu Poema / Homem Comum / Dois e Dois / Agosto 1964 / Maio 1964 / O Açúcar by Ferreira Gullar on Amazon Music - Amazon.com *** segunda-feira, 6 de dezembro de 2021 Poesia | Ferreira Gullar - Maio 1964 Na leiteria a tarde se reparte em iogurtes, coalhadas, copos de leite e no meu espelho meu rosto. São quatro horas da tarde, em maio. Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo a vida que é cheia de crianças, de flores e mulheres, a vida, esse direito de estar no mundo, ter dois pés e mãos, uma cara e a fome de tudo, a esperança. Esse direito de todos que nenhum ato institucional ou constitucional pode cassar ou legar. Mas quantos amigos presos! quantos em cárceres escuros onde a tarde fede a urina e terror. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/12/poesia-ferreira-gullar-maio-1964.html *** *** ***
*** sábado, 4 de dezembro de 2021 Oscar Vilhena Vieira* - Marcha sobre o Supremo Folha de S. Paulo Sobrevivência da democracia está associada à lealdade dos atores políticos às instituições constitucionais Ao longo de três décadas de democracia constitucional, do conturbado governo Collor à controvertida prisão do ex-presidente Lula, fomos nos condicionando à ideia de que decisões judiciais, ainda que contestáveis, são para ser cumpridas, especialmente quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Essa premissa básica do Estado democrático de direito, que designa que ninguém está acima da lei, começou a sofrer um perigoso processo de erosão em 2018, quando o então comandante do Exército sentiu-se à vontade para ameaçar o Supremo, caso concedesse um habeas corpus que permitiria ao ex-presidente Lula participar do pleito eleitoral. A postura sistematicamente afrontosa do presidente Bolsonaro ao STF tem incentivado o desrespeito à jurisdição constitucional, não apenas por parte do "guarda da esquina", que se arvora a intimidar professores e jornalistas ou prender aqueles que se manifestam contra o presidente, mas também por instituições que deveriam ter clareza de suas obrigações em relação às regras do jogo democrático. Lembrando sempre que a sobrevivência da democracia está intimamente associada à lealdade dos atores políticos às instituições constitucionais. Nas últimas semanas dois casos de afronta ao Supremo Tribunal Federal acenderam a luz vermelha. A chacina do Complexo do Salgueiro, como a de Jacarezinho que lhe antecedeu, demonstra que as forças policiais e as autoridades de segurança pública do estado do Rio de Janeiro vêm se negando reiterada e deliberadamente a cumprir decisão do Supremo, que estabeleceu uma série de condicionantes para a realização de operações policiais nas comunidades do estado, enquanto prevalecer a pandemia. É fato que setores significativos das forças de segurança de alguns estados jamais se submeteram pacífica e ordeiramente às obrigações de assegurar os direitos à segurança e à vida da população, especialmente no que se refere aos jovens negros, que lhe foram impostas pela Constituição. A falta de cerimônia com que isso tem sido feito pela polícia do Rio, após a chamada ADPF das Favelas, aponta para uma estratégia mais ampla de afronta à autoridade do Supremo. Esse processo de naturalização do descumprimento de decisões da Corte torna-se ainda mais preocupante quando decorre de uma ação do centro nevrálgico do sistema representativo, que é o Congresso Nacional. Embora conflitos entre parlamentos e tribunais sejam comuns em regimes democráticos, pois é da natureza do sistema de freios e contrapesos que os poderes entrem em choque, temos aqui uma situação mais grave. Ao flertarem com a possibilidade de negar publicidade aos nomes daqueles parlamentares beneficiados pela chamada emenda do relator, os presidentes das duas casas do Congresso Nacional não apenas afrontaram explicitamente a autoridade do Supremo, mas também demonstram disposição para encobrir artifícios ilegítimos para fraudar a formação da vontade parlamentar. Se no presidencialismo de coalizão é natural que os membros da base de apoio ao governo tenham acesso a determinados cargos e recursos governamentais, o processo de cooptação não pode se dar de forma indevassável ao escrutínio público. Embora não se possa eximir o Supremo por parcela da responsabilidade pelo declínio de sua autoridade, os recentes desacatos à jurisdição da Corte decorrem, sobretudo, dos seus acertos, consistindo, portanto, numa constante tentativa de amesquinhar nosso sistema de freios e contrapesos. *Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/12/oscar-vilhena-vieira-marcha-sobre-o.html *** ***
*** O CORRESPONDENTE - SAPO A impressão de que Polícia Federal e Ministério Público são incontroláveis, sem hierarquia - O CORRESPONDENTE "Das duas, uma, ou eu não controlo [a PF] ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso". CONDENAÇÕES MIDIÁTICAS Operadores do ordenamento jurídico falharam com a "lava jato", diz Cardozo 17 de maio de 2020, 7h18 Por Emerson Voltare José Eduardo Martins Cardozo apareceu e saiu dos holofotes da cena política em dois processos de impeachment. Em ambos, suas teses acabaram derrotadas. No primeiro, como presidente da CPI da Máfia dos Fiscais na Câmara de Vereadores de São Paulo, durante a gestão do então prefeito de São Paulo Celso Pitta (1997-2000), o pupilo do ex-prefeito Paulo Maluf acabou se safando em votação no plenário, em junho de 2000. ***
*** Mas o trabalho de Cardozo rendeu a cassação de três vereadores e, na eleição daquele mesmo ano, foi o candidato a vereador mais votado na capital paulista, com quase 230 mil votos. Em 2016, depois de dois mandatos como vereador, outros dois como deputado federal e cinco anos à frente do Ministério da Justiça (2011-2016), deixou a função de advogado-Geral da União em maio quando a então presidente Dilma Rousseff foi afastada pela Câmara dos Deputados. Passou a atuar como advogado particular da petista durante o processo de impeachment no Senado. Nos embates com Janaina Paschoal, uma das coautoras do pedido contra Dilma, a hoje deputada estadual pelo PSL levou a melhor na batalha. E acabou sendo eleita em 2018 com a votação mais expressiva (2.060.786) na história da Assembleia Legislativa de São Paulo. Cardozo se retirou da vida política e voltou a ser advogado e professor. Procurador do Município de São Paulo aposentado, hoje advoga e dá aulas na capital paulista (PUC) e em Brasília (UniCEUB). Em entrevista exclusiva à ConJur, bateu no ativismo judicial, defendeu sua gestão à frente do Ministério da Justiça durante os governos Dilma (2011-2016) e lembrou da pressão que sofreu tanto do seu partido [PT] quanto da oposição por suposta falta de "controle" sobre as ações da Polícia Federal. Lembrou de quando foi convocado para depor no Congresso: "Das duas, uma, ou eu não controlo [a PF] ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso". Cardozo criticou os "engenheiros de obras prontas" nos casos da "Lei Anticorrupção" e do instituto da delação premiada, ambas sancionadas por Dilma e ferramentas essenciais nas condenações proferidas pelo então juiz Sergio Moro. "Quando você faz uma lei, é a partir da análise do momento em que é elaborada. Nunca imaginei que fosse ser utilizada da forma abusiva que foi." Na conversa de mais de 2 horas pelo telefone, o professor falou muito sobre impeachment, do acordo de cooperação investigativa com os Estados Unidos, de Constituição, do governo Bolsonaro e do nosso ordenamento jurídico. "Não foi o ordenamento jurídico que falhou [nos abusos cometidos pela "lava jato"]. Foram os homens que operavam o ordenamento jurídico que falharam. Pelo Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Pelo Estado de Direito, não poderiam ter feito coisas como foram feitas, condenações sem provas, condenações por convicções, condenações midiáticas, operações feitas para chamar atenção da opinião pública." Leia abaixo os principais trechos da entrevista: ConJur — Na entrevista em que anunciou que deixava o governo, o então ministro Sergio Moro [Justiça] citou vocês [governos Lula e Dilma]. Disse que a Polícia Federal não sofreu interferência direta como viria a sofrer neste atual governo. Não deixa de ser um elogio, mas também não foi temerário deixar o consórcio formado a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba operar com tamanha liberdade? José Eduardo Cardozo — É uma crítica que tenho ouvido muitas vezes. Lembro da época que até fui criticado por alguns companheiros. Por adversários também, quando uma investigação chegava aos deles. Diziam que estava instrumentalizando a Polícia Federal contra eles. Fui até chamado no Congresso. Estava em curso uma investigação que falava do cartel do Metrô de São Paulo. Tinha mandado abrir uma investigação e me chamaram para dizer que eu estava intimidando o Congresso, instrumentalizando a Polícia Federal. Falava: das duas, uma, ou eu não controlo ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso. Não se pode interferir numa investigação, a não ser em casos de abusos, abrindo inquéritos. E isso foi feito em todos os casos por mim quanto pelo Leandro Daiello, que era o diretor-geral da Polícia Federal. ConJur — Mas houve muito abuso, não? Fica a impressão de que Polícia Federal e Ministério Público são incontroláveis, sem hierarquia. Cardozo — Estes órgão têm autonomia investigativa, mas não têm autonomia para cometer abusos. Várias inquéritos foram abertos quando se tinha vazamento. Aliás, vou ser bem sincero. Na "lava jato", parte daquilo que a imprensa falava em vazamento, era Moro quem já tinha levantado o sigilo de inquérito. Então não havia ilegalidade. Agora, se alguém da força-tarefa indicava aos jornalistas páginas do processo... Mas era público. Muitas vezes a Polícia Federal é a parte visível das operações porque faz a busca, a prisão. A Polícia Federal apenas cumpre o que um juiz determina. O ministro da Justiça não tem como punir delegado, mesmo que ele ache que a ordem judicial é arbitrária. Você está cumprindo ordem judicial. Quem tem que fiscalizar abusos do Judiciário não é o ministro da Justiça. É o CNJ (conselho da Justiça), o CNMP (conselho do Ministério Público). Essa má compreensão das instituições que funcionam num Estado de Direito tem uma mentalidade autoritária. Cobra agir com os amigos diferente do que se age com os adversários. E isso fazia com que nós sofrêssemos muitas críticas de descontrole. ConJur — Em 2014 o FBI já tinha feito grandes acordos no combate à corrupção no Brasil. Em 2013 Dilma havia sancionado a chamada "Lei Anticorrupção" e também oficializado o instituto da delação premiada. Não foi o conjunto dessas ações que possibilitou quase todas as condenações de Moro? Cardozo — Era um projeto de lei muito antigo. Nós apoiamos. Quando você faz uma lei, é a partir da análise do momento em que é elaborada. Nunca imaginei que fosse ser utilizada da forma abusiva. Na verdade, visava combater organizações criminosas. Era necessária para enfrentá-las. Agora, prender pessoas para delatar. Nunca imaginei que fossem dar uma latitude tão grande a isso. Hoje, pela experiência, acho que essa lei tem que ser aperfeiçoada para evitar o abuso de poder. Naquela época não tínhamos essa avaliação. Você nunca prevê o futuro. Achava que as pessoas iam utilizar essa lei dentro das finalidades que ela estabelece e não utilizando a lei como pretexto para verdadeiros atos de tortura, quando o investigador vem e diz: "ou fala o que eu quero ou continua preso". Então, me admiro também, muitas vezes, alguns engenheiros de obras prontas. No momento em que a lei foi aprovada, não falaram nada. ConJur — Houve cooperação da força-tarefa de Curitiba diretamente com investigadores dos Estados Unidos sem o governo federal ser informado. O que o senhor tem a dizer? Cardozo — A Polícia Federal tem acordos de cooperação com polícias do mundo inteiro, não só com os Estados Unidos. Evidentemente eu não sei te dizer que tipo de contatos foram utilizados pela força-tarefa, Ministério Público e Polícia Federal com o acordo de cooperação. Há muita especulação sobre isso. Sou daqueles que não falo por convicções, só com provas. Então, sinceramente, acho que não tenho como falar de fatos que eu não sei e que pesa haver muita especulação a respeito. ConJur — Anos depois, como o senhor avalia a operação "lava jato". Está enfraquecida? Cardozo — A "lava jato" tem dois lados. Uma intenção muito boa e um propósito excelente que é o combate à corrupção. A corrupção é um dos grandes malefícios do Brasil historicamente. Mas tem um lado perverso. No Estado de Direito, os fins não justificam os meios. E em face dessa situação eu vi na operação situações extremamente abusivas. Aquelas que competiam à Polícia Federal eu mandei abrir sindicância. Todavia, vi uma série de abusos no âmbito do Poder Judiciário e no âmbito do Ministério Público. Prisões indevidas, temporárias, cautelares, apenas com o objetivo de intimidar, de criar fatos midiáticos ou delações premiadas. Situações de perda de imparcialidade. Aliás, todas elas agora escancaradas pelas divulgações do The Intercept Brasil. Então vejo um lado perverso, demoníaco, que prestou um grande desserviço ao país, que é exatamente essa burla da legalidade, responsável pelo desequilíbrio de poder. Acho que seria perfeitamente possível, como todos os países do mundo fazem, combater a corrupção de frente, sem comprometer a saúde das empresas. A "lava jato" acabou provocando, no Brasil, problemas e danos econômicos seríssimos. Nós tentamos dialogar com o Ministério Público justamente para punirem as pessoas físicas que tinham feito isso. Punir o CPF, mas não punir as empresas. ConJur — Nosso ordenamento jurídico falhou? Cardozo — Não foi o ordenamento jurídico que falhou. Foram os homens que operavam o ordenamento jurídico que falharam. Pelo Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Pelo Estado de Direito, não poderiam ter feito coisas como foram feitas, condenações sem provas, condenações por convicções, condenações midiáticas, operações feitas para chamar atenção da opinião pública ao invés de uma finalidade de investigação. ConJur — Uma avaliação da gestão de Moro à frente do Ministério da Justiça. Cardozo — Logo que ele aceitou, para meu espanto, um ministério daquele que indiretamente ajudou a eleger, achava antiético. Dizia também o seguinte: pelo perfil que eu observava, Jair Bolsonaro, que eu conheci, porque fui deputado com ele, e Sergio Moro, que observei como juiz, a situação era incompatível sem que um se submetesse ao outro. E neste pouco mais de um ano que esteve no Ministério da Justiça a atuação ficou muito a desejar. Se limitou ao tal do "pacote anticrime". Se tivesse sido aprovado na versão que ele mandou para o Congresso, seria um desastre. Vi também uma postura muito acanhada como ministro durante a crise do coronavírus. Ele sumiu. ConJur — O senhor publicou recentemente um artigo aqui na ConJur em que defende decisão liminar que impediu a posse do novo diretor-geral da Polícia Federal escolhido pelo presidente. Cardozo — Exato. ConJur — No mesmo texto, porém, discorda de uma também decisão monocrática do STF, em 2016, que impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro da então presidente Dilma. Pode explicar melhor? Cardozo — Tenho sido muito crítico do ativismo judicial. Julgar significa aplicar dentro das possibilidades daquilo que a lei e a Constituição dizem. Não pode ser aquilo que eu quero que a Carta diga. Descalibra o Estado de Direito. Feita a ressalva, digo que a teoria do controle de atos administrativos pelos textos jurídicos é uma norma antiga e pacífica. Vem do Direito francês e tem relação com a aplicação do princípio da legalidade. Se no Estado de Direito é a lei que determina o que é interesse público, o ato administrativo perfeito tem por finalidade alcançá-lo. Se um ato administrativo concretamente praticado se desvia da finalidade que a lei consagra, é um ato ilegal. E se é ilegal, o Judiciário tem o dever de anular. Normalmente, os autores brasileiros e estrangeiros afirmam que o desvio de poder não exige uma prova documental, digamos assim, absoluta, mas que ele se revela por um conjunto de indícios que somados mostram a finalidade desviada do ato. Exigir recibo de desvio de poder é a mesma coisa que exigir recibo de corrupção. Você prova por um conjunto de indícios. No caso do presidente Bolsonaro, parece que fica claro, com o conjunto de indícios que mostram a correção da decisão do ministro Alexandre de Moraes. A renúncia de Moro isolada, por si só, não seria um conjunto de indícios. Bolsonaro já disse que teve que pedir quase de joelhos para a Polícia Federal investigar uma coisa que poderia mostrar a inocência dos seus filhos. O presidente da República nem manda nem pede investigação para preservar quem quer que seja ou para punir quem quer que seja. Quem conduz uma investigação, pela lei, é o delegado de polícia. O ministro da Justiça e presidente da República são apenas superiores administrativos da Polícia Federal. Isso não lhes dá o direito de pedir investigação, até porque num caso desse tipo em que eu queira proteger alguém, isso obviamente tem a ver com a ausência do princípio da impessoalidade, que está previsto no artigo 37 da Constituição. O Executivo tem liberdade para escolher quem queira nomear, mas se junto de evidências que cercam a nomeação ou qualquer ato administrativo mostrar que esta nomeação se destina a desrespeitar a lei, aí é desvio de poder. ConJur — E o caso do ex-presidente Lula? Cardozo — Vamos aos fatos. Primeiro, Moro divulga ilegalmente um áudio descontextualizado. Hoje fica cada vez mais claro que, se tivesse divulgado todos os áudios que envolviam aquela conversa vazada, nós saberíamos que Lula não queria ser nomeado justamente para que não dissessem que ele estava tentando se livrar da prisão. Mas naquele momento não eram conhecidas as descontextualizações do áudio. Esse áudio é a razão de ser da decisão do Supremo, uma prova ilícita que a Corte [decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes] não sabia que era. Mas mesmo que não fosse ilícita, a presidente, claramente, por meio de seus ministros, em uma nota oficial, disse que não confirmou aquele diálogo nesse sentido. Explicou que o sentido era outro. Lula não tinha aceitado naquele momento. Só poderia ir à posse já marcada de dois ministros numa sexta-feira porque acompanharia dona Marisa ao hospital. Então o que eu tenho juridicamente é uma prova ilegal, que pedia uma interpretação, não confirmada pela presidente. O Supremo então tinha que ter esse contexto. A teoria do desvio de poder é a mesma a qualquer ato administrativo, só que no caso de Lula e Dilma não havia a certeza. ConJur — Sobre impeachment. Se Eduardo Cunha não tivesse poder regimental de timing do processo, o desfecho poderia ter sido outro? Cardozo — Não tenho a menor dúvida que sim. A bola propulsora do impeachment foi Eduardo Cunha, que contou com o apoio do grupo comandado por Aécio Neves. Esse grupo não concordava com o resultado das eleições de 2014. E desde o primeiro dia tentou articular razões para o impeachment. Recontagem, que as máquinas de votação não funcionavam. Moveram tudo o que podiam. Aí, quando nada deu certo, foram para o impeachment. Contavam com Cunha porque o o presidente da Câmara queria controlar o governo para parar a "lava jato". Ele não escondia isso. E a gota d'água foi quando Dilma não comandou o PT, e nem deveria, para que o partido votasse contra o pedido de processo de cassação dele. ConJur — O senhor não acha que o presidente da Câmara acumula muito poder? Cardozo — Acho que a legislação do impeachment, como um todo, é muito antiga. Consegue ser mais velha do que eu, de 1950 [Cardozo nasceu em 1959]. Houve até um pedido do PCdoB, que entrou com uma ação no Supremo para criar regras depois do impeachment já aberto. Houve uma decisão do ministro [Luís Roberto] Barroso, e o STF acatou as regras como base do julgamento do presidente Fernando Collor. É necessária uma nova lei que rediscipline o impeachment. Precisa ser ajustada à Constituição de 1988, ao espírito democrático dela, inclusive dessa questão da abertura do processo de impeachment. ConJur — No impeachment de Dilma, muitos defenderam que os crimes de responsabilidade tenham natureza penal. Outros defendem que são de natureza política. Cardozo — O fato dele ser chamado de crime não o transforma num processo penal, até porque um presidente pode ser condenado penalmente ou não condenado penalmente e ter ou não ter um processo de impeachment. São responsabilizações diferentes, o que não afasta a necessidade de ter pressupostos jurídicos. A diferença entre o presidencialismo e o parlamentarismo, uma delas, está justamente no fato que quando um presidente perde a maioria parlamentar, ele cai. No presidencialismo, não. Então isso mostra que não basta perder a maioria parlamentar, é necessário juridicamente ter pressupostos e um ato ilícito grave sobre o qual se abre defesa para que se perca o mandato. Ora, portanto não é um processo só político, em que basta a conveniência. É necessário demonstrar a ocorrência de um fato que justifique o crime de responsabilidade. ConJur — O senhor acha que a presidente Dilma não cometeu crime. E o presidente Bolsonaro? Cardozo — Não tenho a menor dúvida. Tinha muita dúvida antes, nos últimos meses. Porque os primeiros atos dele foram irracionais, destemperados, falava-se muita bobagem. Falar bobagem e mostrar situações de descompasso com a racionalidade não são crimes de responsabilidade. A partir do momento em que passa a participar da convocação de atos antidemocráticos. Em que tenta utilizar o seu poder para interferir nas investigações, isso a meu ver configura crime de responsabilidade. Agora, há um juiz de conveniência e oportunidade que compete ao Congresso. O presidente pode partir para o ilícito e entender que não é caso de impeachment porque seria pior para a sociedade tirá-lo do que ele ficar. Então, por isso que é um processo jurídico-político. ConJur — Alguma sugestão de como deveria ser redesenhado o processo de impeachment no presidencialismo brasileiro? Cardozo — Tenho duas sugestões. Uma micro e outra macro. A micro é uma nova lei, uma perspectiva que seja mais segura, para garantir o contraditório. Numa perspectiva maior, daí eu falo das minhas convicções, que não são nem as do meu partido. Sou parlamentarista, acho o presidencialismo um sistema que traz instabilidade política e insegurança. Então, pessoalmente, se pudesse, proporia para o país o semipresidencialismo, que acho que se ajustaria muito bem à realidade histórica e cultural brasileira, nos moldes que existe em Portugal e na França. E isso casa com o voto distrital misto, que é o sistema alemão. Tudo isso qualificaria o sistema perfeito? Não, porque não existem sistemas perfeitos nem democracia perfeita, embora seja o melhor dos sistemas. ConJur — Acha que o inquérito autorizado pelo Supremo contra Bolsonaro pode canalizar a decisão para o Judiciário em vez de ficar no Congresso? Cardozo — Pode. A Procuradoria-Geral da República teria que denunciá-lo. Aí a autorização para abertura do processo pode implicar no seu afastamento. Claro, até o julgamento do processo. Então, talvez, se isso vier a acontecer, seria a maneira mais rápida, dentro da Constituição, desde que provado que ele praticou o crime. Ele pode ser afastado. ConJur — Sobre Constituição. O senhor acha que ruiu esse modelo de 1988? Cardozo - Não. Sou um defensor da Constituição de 1988, embora ache que existem algumas questões que nós devemos discutir para aperfeiçoá-la. O grande mérito dela é que firmou um Estado Democrático de Direito e assegurou direitos fundamentais e instituições como nunca antes nós tivemos na nossa história. Evidentemente que há aspectos, por exemplo, em que acho que não andou bem. A reforma agrária, por exemplo. A Constituição de 1946 é um pouco mais avançada do que a nossa atual. Mas, de modo geral, é uma Constituição avançadíssima dentro da nossa história. ConJur — Um dos argumentos utilizados para o impeachment de Dilma era a questão orçamentária, equilíbrio fiscal, que está dentro desse desenho da Constituição. Cardozo — Sou favorável ao equilíbrio fiscal. Acho que nenhum governo pode ser irresponsável com as suas contas. O que eu sou contra é o engessamento que foi feito não pela nossa Constituição, mas por aquela emenda ao longo do governo Temer [2016-2018], que engessa teto de gastos. Aí é um pecado introduzido pelo Michel Temer. ConJur — A emenda do teto de gastos e a reforma trabalhista redesenharam a Constituição? Cardozo — Acho que trouxe grandes marcas à Constituição. Ou seja, o mal não está na estrutura da Constituição de 1988, está em certas questões que foram nela introduzidas, a meu ver incompatíveis a seu próprio espírito. O Congresso decidiu. A reforma trabalhista foi muito ruim. O teto de gastos foi péssimo. Não é questão para ser tratada em Constituição. A Carta Magna tem que colocar os grandes princípios. Ali se tentou agradar o mercado e realmente se esqueceu que o Estado Democrático de Direito do Brasil é um Estado social. ConJur — Na campanha de 2018 Fernando Haddad chegou a defender uma nova Constituição. O que o senhor pensa a respeito? Cardozo — Não concordo. Acho que o redesenho constitucional do Brasil hoje vai sair pior a emenda que o soneto. Uma Constituinte hoje, no clima que nós vivemos no Brasil de intolerância, de ódio disseminado, onde o símbolo da arminha prevalece ao símbolo do coração. Diria que seria uma Constituição do ódio, não da pacificação e não da estruturação de um Estado democrático, como faz a de 1988. Emerson Voltare é editor da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 7h18 *** *** https://www.conjur.com.br/2020-mai-17/embargada-entrevista-jose-eduardo-cardozo-advogado-ex-ministro-justica *** *** ENTREVISTA De olho em 2022, Moro adianta ao Correio as principais promessas de governo Nos planos do ex-juiz duas promessas se destacam: uma Agência de Combate à Pobreza e uma corte nacional anticorrupção no Judiciário; Moro também comenta os recentes reveses sofridos pela Operação Lava-Jato DR Denise Rothenburg postado em 05/12/2021 06:00 ***
*** Moro no lançamento do seu livro - (crédito: AFP) Moro no lançamento do seu livro - (crédito: AFP) *** Na prancheta em que arquiteta os planos para apresentar em 2022, o ex-juiz Sergio Moro já tem o rascunho de uma Agência de Combate à Pobreza (o nome ainda não está fechado) e a criação de uma corte nacional anticorrupção no Poder Judiciário. Esse último ponto tem particular relação com os reveses sofridos pela Operação Lava-Jato na semana passada, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antonio Palocci e outros condenados. "Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências", afirmou Moro em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense. Quanto à agência, o ex-ministro da Justiça faz um trocadilho com o slogan do atual governo, "Brasil acima de tudo". Nas palavras de Moro, "as pessoas em primeiro lugar, as pessoas acima de tudo". Hoje, ele está no Recife para lançar seu livro, Sergio Moro contra o Sistema da Corrupção. Em 288 páginas, o ex-magistrado faz uma defesa da Lava-Jato e explica suas decisões ao longo da operação. O ex-ministro da Justiça reconstitui, ainda, a passagem pelo governo Jair Bolsonaro. Segundo o candidato do Podemos, o presidente "não está nem aí para o combate à corrupção". Perguntado se abriria mão da candidatura à Presidência para ser vice em alguma composição partidária, Moro avisa que seu "navio já zarpou", e espera que, se tiver melhor performance mais à frente, os outros tenham essa disposição. No embalo para 2022, o presidenciável lança ainda a candidatura do senador José Antônio Reguffe (Podemos) ao Governo do Distrito Federal. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. *** Na semana em que o senhor lançou o seu livro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antônio Palocci e de outros réus da Lava-Jato. Como avalia essa decisão? O combate à corrupção acabou? A luta contra a corrupção é perene, temos sempre que persistir. Durante a operação Lava-Jato foi revelado o maior escândalo de corrupção da história do país. Era esse verdadeiro sistema da corrupção que estava impregnado, durante o governo do PT, na Petrobras, mas também em outras estatais e em parte do governo federal. Infelizmente, até em governos estaduais. Conseguimos vencer a impunidade da grande corrupção. Quem roubava dinheiro público passou a ser julgado, passou a ser condenado. Muitas pessoas começaram a servir tempo de prisão. Alguns confessaram os crimes, que era algo mais ou menos inédito na história desse país. Devolveram, inclusive, parte desse dinheiro, milhões de dólares. Agora, esses reveses recentes são lamentáveis. Nós temos que respeitar os tribunais, mas, principalmente, temos que olhar para frente. Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências. O que deve ser feito? Precisamos mudar a nossa legislação em parte. Teremos, esta semana, uma votação importante na CCJ sobre a proposta de emenda constitucional da execução em segunda instância. É essencial que isso seja aprovado. Por outro lado, temos que pensar formas para aprimorar o combate à corrupção, inclusive nas cortes de Justiça. Por isso, no nosso projeto, que estamos apresentando, propomos a criação de uma corte nacional anticorrupção. A Justiça tem estrutura para essa corte? Temos que pensar um pouco fora da caixinha. Fui juiz por 22 anos, tenho um grande respeito pelo Judiciário e por seus servidores. Infelizmente, nós também temos que reconhecer que o nosso Judiciário é muito custoso. Ele presta um serviço que não é eficiente. A gente fala muito de corrupção. E, realmente, fora do período da Lava-Jato, e com outras raras exceções, como no caso do mensalão, a Justiça não tem funcionado contra os poderosos. E mesmo em outros casos. Está ocorrendo, lá no Rio Grande do Sul, o julgamento da boate Kiss, 242 vítimas daquele incêndio em 2013. Estamos em 2021, e o julgamento começou. Tem um longo caminho ainda pela frente. Qual sistema de Justiça pode ser considerado eficiente quando houve 242 vítimas, e seus familiares, sem falar nos feridos, esperam por justiça desde 2013 sem que o julgamento tenha terminado? E veja que ele está começando. Nós nos acostumamos com tantas coisas absurdas e temos que mudar isso. Como? Temos que ter um serviço público de qualidade, educação, saúde, segurança, mas igualmente, justiça. As pessoas precisam de justiça. A proposta da Corte Nacional Anticorrupção é baseada em modelos que têm funcionado no estrangeiro, inclusive com apoio do Banco Mundial e de associações de magistrados. A ideia não é criar um tribunal com mais juízes e mais servidores, impactando o orçamento público. A ideia é utilizar as estruturas já existentes e atrair para a corte nacional anticorrupção os melhores servidores e os melhores magistrados do Judiciário, por meio de um processo seletivo que leve em conta, com procedimentos de devida diligência, não só a integridade dessas pessoas, mas também o comprometimento com o combate à corrupção, sem aumentar custos orçamentários. O senhor foi considerado suspeito pelo STF no julgamento do ex-presidente Lula. Como vai responder a isso numa campanha eleitoral? Estou olhando o presente e o futuro, os projetos que interessam às pessoas. Em relação a esse passado, tem tudo detalhado no meu livro. Com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, tem que se respeitar as instituições, mas esse julgamento foi um tremendo erro judiciário. A história vai demonstrar. Todo mundo sabe o que aconteceu lá no passado. A Petrobras foi roubada. Criminosos confessaram. Devolveram milhões de dólares. A Petrobras reconheceu lá o rombo de R$ 6 bilhões. Tudo isso durante o governo do ex-presidente. Antes, teve o caso do mensalão. Então, por mais que a gente respeite o Supremo Tribunal Federal, é forçoso aqui fazer uma crítica que esse foi um grande erro judiciário. Por quê? A gente precisa ter cortes de justiça comprometidas na aplicação da lei. Nos casos em que pessoas praticaram crimes, se isso estiver provado, você tem que extrair as consequências. E as pessoas têm que ser punidas, por uma questão de justiça. Isso é importante também para a gente evitar novos desvios e construir o futuro. Respeito o Supremo, tenho um grande apreço pelo ministro Luiz Fux, uma pessoa que tem se mostrado firme no discurso e nas ações para combater a corrupção. Agora, esse julgamento foi um erro judiciário. Nessa questão do combate à corrupção, está todo mundo dizendo que o senhor vai apanhar muito dos dois lados, tanto do ex-presidente Lula, quanto do presidente Jair Bolsonaro. Como vai enfrentar isso na campanha? Nosso foco será apresentar um projeto consistente. A ideia da nossa proposta é colocar as pessoas em primeiro lugar. As pessoas acima de tudo. Queremos apresentar propostas consistentes para a população brasileira. Estamos ouvindo os melhores especialistas do país. Vamos rodar o Brasil para ouvir as pessoas sobre esse projeto e aprimorá-lo, ver o que funciona e o que elas querem para o futuro do país. Nosso projeto pretende ser propositivo. Tem uma coisa que nos favorece: a verdade está do nosso lado. Por que diz isso? No livro que escrevi recentemente, sobre a minha experiência da Lava-Jato e, depois, do governo, faço um retrato do que aconteceu no passado, embora queira olhar o presente e o futuro. E os fatos estão do meu lado. As pessoas perguntam: 'Essa é a sua versão dos fatos?' Não, esses são os fatos. As pessoas têm direito a ter opiniões, mas os fatos são esses. Existem esses tais fatos alternativos? Não. O que existe é mentira. E a verdade está do nosso lado, porque todo mundo sabe que a Petrobras foi roubada durante o governo do Partido dos Trabalhadores. E o governo atual, que prometeu combater a corrupção, desmantelou os sistemas de controle. O governo atual não está nem aí para o combate à corrupção. Ele se manifestou a respeito da execução em segunda instância? Não tem nenhuma proposta. A Polícia Federal de hoje, as pessoas sabem, respeito muito a Polícia Federal como instituição, os delegados, os peritos, os agentes, os servidores. Mas a Polícia Federal de hoje não é a mesma da época da Lava-Jato. O cenário mudou completamente. Está pior? Pior. Temos uma liderança no país que não se importa com o combate à corrupção. Isso tem que mudar. Mas vamos apresentar propostas, proposições para construir e não para ficar se preocupando com que essas outras figuras têm... A gente sabe que vai ser agressivo. Não tenho nenhum problema em relação a isso. Fui juiz de casos do colarinho branco, Banestado, Lava-Jato, casos de grande corrupção. Mas fui juiz de casos envolvendo o crime organizado, líderes de cartel do Juárez, do México, uma das maiores organizações criminosas do mundo; Fernandinho Beira-Mar. Estou acostumado a ter pressões e ter riscos. Não vou deixar de fazer o que acho certo por conta de cara feia, de adversários do próximo ano. Nas redes sociais, a campanha será muito forte nessa questão, como o senhor disse, das versões dos fatos. Como está se preparando para responder a isso? Sabe aquela série que dizia 'A verdade está lá fora'? (referência ao programa de TV americano (Arquivo X) No que eu acredito? Acredito que a verdade está dentro das pessoas. As pessoas sabem o que aconteceu. A informação pode ser manipulada, as pessoas muitas vezes são influenciadas por mentiras, e há pessoas que entendem que fazer política é mentir. Eu entendo o contrário. Temos que trabalhar a política e ser sincero com as pessoas. Dizer tudo. Não só o que aconteceu, mas o que a gente pretende fazer. E a minha experiência é que as pessoas respondem bem quando você fala a verdade para elas, sobre o que aconteceu e o que pretende fazer. Vamos ter pessoas, junto do nosso projeto, trabalhando com a rede social. Mas sem a utilização de robô, de fake news, de mentira. E sem agredir e sem ofender ninguém. Esse compromisso vale também para a imprensa? Sim. Tenho reiterado isso diversas vezes. Vamos ter uma relação saudável com a imprensa. Valorizar a imprensa e os jornalistas. Não vamos fazer como esses adversários que agridem a imprensa, ofendem jornalistas, tentam intimidar, sejam eles mesmos, seja por meio de pessoas que agem a mando deles, ou propor censura. Ou controle 'social' da imprensa. Liberdade de imprensa e liberdade de expressão são fundamentais em uma democracia. É no campo das convergências, mas também das divergências, que encontramos caminhos comuns. Vamos valorizar acima de tudo o diálogo. A questão econômica promete pesar nessa campanha, e o senhor já se referiu a cuidar das pessoas. A gente sabe que o orçamento é restrito. Onde o senhor vai investir mais? O que esperar de um projeto social de Sergio Moro e do Podemos? Na minha visão sobre o país, eu confio na iniciativa privada e no poder de inovação do setor privado. Acredito que cada pessoa pode se tornar uma versão melhor dela mesma. E o setor privado tem uma grande criatividade, apesar de muitas amarras colocadas pelo governo, às vezes, burocracia desnecessária. Então, temos que fomentar o desenvolvimento econômico por meio do setor privado. Isso é fundamentalmente importante. Não teve um país que prosperou — Estados Unidos, ou mesmo a China —, sem um setor privado que seja vigoroso e próspero. Mas, também, vamos reconhecer que políticas sociais são fundamentais, especialmente, num país como o Brasil, de grandes desigualdades. Estamos assistindo a um crescimento da pobreza que é extremamente preocupante. Como mudar essa realidade? Educação, saúde e segurança são fundamentais. As pessoas querem serviço público de qualidade. Estudei em escola pública. E estudei também em escola privada, em escola religiosa, católica, das irmãs Carmelitas. Na época, a qualidade era muito parecida, não era lá muito diferente. Depois, você teve uma universalização do ensino público importante, principalmente, no governo do presidente Fernando Henrique, com o ministro Paulo Renato (Educação). Mas perdeu-se bastante, ou pelo menos em alguns lugares, a qualidade. E as pessoas que mandam seus filhos para a escola ficam preocupadas, porque elas querem que os filhos tenham um futuro melhor do que elas mesmas. Então, temos que investir pesado nas escolas, valorizar o professor, buscar instituir formas de meritocracia dentro do serviço público, e aqui educação incluída, e pensar educação principalmente na perspectiva do estudante. Professor é importante, meus pais são professores, minha mãe era professora do ensino médio, meu pai era professor de universidade. Tenho esse histórico, eu mesmo dou aula. Acredito no poder do ensino, e temos que pensar a educação do ponto de vista do estudante. E em relação à miséria? Ao lado da questão do ensino, precisamos ter um programa forte de erradicação de pobreza. Esses programas de transferência de renda são importantes, precisam ser mantidos. Tenho conversado com especialistas, alguns são os melhores do Brasil, e eles têm me dito que, para fazer as pessoas escaparem das armadilhas da pobreza, é preciso ter uma atenção individualizada, ou até mesmo direcionada a uma comunidade específica. As pessoas precisam ser vistas com atenção, ser colocadas em primeiro lugar. Às vezes, é um tratamento de saúde específico, um treinamento profissional, oportunidade de emprego. A ideia é criar uma força nacional de erradicação da pobreza no formato de uma agência. Como assim? Criar uma agência como essas reguladoras, mas um pouco diferente, e com uma missão específica, erradicar a pobreza no país. Trazer para essa agência a elite do funcionalismo público brasileiro, para a gente ter políticas transversais, educação, saúde e, eventualmente, o que mais for necessário para remediar essas situações específicas. E atuar no país inteiro. Aí você tem uma missão e você sabe onde cobrar. O lado bom é tirar isso da política partidária. Se você cria uma agência, isso passa a ser política de Estado e não uma política de governo. A gente fala da Polícia Federal, que tem que ser de Estado e não de governo. A mesma coisa deve ser a erradicação da pobreza, política de Estado, permanente, vigorosa, focalizada para atender os mais vulneráveis. Para fazer tudo isso, o senhor precisará de apoio no Congresso Nacional. Como será o trato com parlamentares? Boa política depende de projeto consistente, princípios e valores e intenso diálogo. Estamos trabalhando em três frentes: construindo um projeto consistente, fundado em princípios e valores. E, por outro lado, conversando com todo mundo, partidos, agentes políticos. Muita gente tem nos procurado, e nós também temos procurado várias pessoas. Não existe nenhum problema em tomar iniciativas e conversar com os outros. Agora, precisa ter um pacto político, e isso precisa ser durante o período eleitoral, durante o ano de 2022, em torno de um projeto que tenha um programa consolidado. Como seria esse pacto? É o mesmo pacto político que a gente tem que ter para construir a estabilidade econômica, que é a raiz da prosperidade. Dar condições para o país voltar a crescer e gerar empregos, renda e diminuir as desigualdades sociais. Agora, existe uma pauta de princípios e valores que nós não podemos transgredir. Não podemos construir governabilidade em cima de violações da lei. Até porque a gente vê a nossa experiência histórica e vê que isso não deu certo. O governo do PT, no qual ocorreram os dois principais escândalos de corrupção da história, o mensalão e o petrolão, acabou na recessão de 2014- 2016. O PT tenta esconder tantos os escândalos de corrupção quanto a recessão. O senhor propõe um novo modelo de governabilidade, aparentemente. O modelo de governabilidade fundado na corrupção não funciona. O governo atual começou com uma promessa de consolidação do combate à corrupção. A promessa era falsa. No governo, eu lutava sozinho por isso, praticamente. E o que o governo atual está nos entregando? Recessão. Isso significa menos emprego, menos renda. Então, vamos fazer algo diferente, vamos fazer um projeto consistente, técnico, conversando com especialistas, com as pessoas e um pacto político em cima desse projeto. Mas não vamos abdicar dos nossos valores, porque a gente sabe como isso termina e não termina bem. PASSAGEM NO GOVERNO "Como eu vou negar à população brasileira a oportunidade de ir para Brasília e construir um país melhor? Eu aceitei. E continuei no governo. E foram feitas coisas boas". O ex-ministro da Justiça Sergio Moro não se arrepende de ter dito sim ao presidente Jair Bolsonaro em 2018, mas critica os repetidos ataques que tem recebido do chefe do Executivo. Segundo Moro, "o presidente quer desviar a atenção das pessoas" porque não tem projeto de país. "Seu único projeto é a reeleição", afirma, em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense. Segundo ele, que hoje no Recife para lançar seu livro de 288 páginas, Sergio Moro contra o Sistema da Corrupção, seu plano principal na Justiça era a consolidação dos avanços contra a corrupção feitos por ele durante a operação Lava-Jato como juiz. Ele lamenta, contudo, não ter tido apoio de Bolsonaro durante o tempo à frente da pasta. "Se o ministro não tem apoio do presidente da República, como é que ele consegue convencer o Congresso, o Supremo Tribunal Federal?" Segundo o candidato do Podemos, Bolsonaro "não está nem aí para o combate à corrupção". Perguntado se abriria mão da candidatura à Presidência para ser vice em alguma composição partidária, Moro avisa que seu "navio já zarpou", e espera que, se tiver melhor performance mais à frente, os outros tenham essa disposição. No embalo para 2022, o presidenciável lança ainda a candidatura do senador José Antônio Reguffe (Podemos) ao Governo do Distrito Federal. Arrepende-se de ter participado do governo do presidente Jair Bolsonaro? De forma alguma. Eu era juiz da operação Lava-Jato. Junto com vários outros magistrados, procuradores, advogados, de várias instâncias, com grande apoio popular, milhões de brasileiros saíram às ruas. Nós quebramos a impunidade da grande corrupção. Esse é um trabalho que me traz muito orgulho. Agora, em 2018, eu recebi um convite do presidente eleito. E vamos voltar os nossos relógios a 2018: a visão que se tinha era diferente da presente. Eu recebo um convite do presidente eleito para consolidar os avanços contra a corrupção. Eu pensei, assim, olha, o presidente é um personagem controvertido, mas, como milhões de brasileiros, todos acreditaram que tinha uma chance de dar certo. Mesmo aqueles que não acreditavam, esperavam que estivessem errados. Como eu vou negar à população brasileira a oportunidade de ir para Brasília e construir um país melhor? Eu aceitei. E continuei no governo. E foram feitas coisas boas. O quê, por exemplo? Nenhum Ministério da Justiça como o nosso, durante a minha gestão, combateu mais rigorosamente o crime organizado. Mesmo quem não gosta de mim reconhece isso. Enfrentamos lideranças das maiores organizações criminosas do país. Tivemos uma queda no número de crimes durante o primeiro ano da minha gestão. Caíram 19% os assassinatos no país. Tivemos programas muito exitosos, como a execução da rede nacional de perfis genéticos, abandonada em governos anteriores e outros. É claro que, quando a gente olha a segurança pública, ainda ficamos insatisfeitos. Não se consegue resolver tudo em um ano e quatro meses. Conseguimos fazer muita coisa. E em relação ao combate à corrupção? No meu plano principal, que era a consolidação dos avanços contra a corrupção, sinceramente, eu não tive apoio do presidente da República. E se o ministro não tem apoio do presidente da República, como é que ele consegue convencer o Congresso, o Supremo Tribunal Federal? Resistência no Congresso e no Supremo é normal, é da separação dos Poderes. Então, você tem que construir. Mas, se eu tinha o presidente sabotando, dia após dia, o combate à corrupção, não tinha condições de avançar. Uma das bandeiras que o senhor defendeu foi a prisão em segunda instância. Temos a PEC da segunda instância, pauta importante para o país, independentemente da questão eleitoral. Vamos ver se o presidente se manifesta sobre isso. No passado, ele não falou nada, quando o Supremo reviu a execução em segunda instância. Na verdade, com todos aqueles criminosos sendo colocados em liberdade, seja por corrupção, seja por outros crimes, o presidente não se importou. Na época, trabalhei para manter a execução em segunda instância. Fui ao Supremo, falei com ministros. Enquanto o Planalto não fez nada. Quando o Supremo reviu a decisão, eu lamentei, mas respeito o Supremo, fui construir uma resposta. Procurei o Congresso, o Senado e a Câmara, e defendi a volta da execução em segunda instância. E o Planalto impôs obstáculos? Um ministro do presidente me procurou e disse: 'Moro, não mexa nisso, o presidente não quer que mexa nisso'. E eu falei para o ministro: 'Ministro, essa é uma pauta para o país. Não importa o que o presidente quer para isso. Meu compromisso principal é com a população'. Isso está registrado, está provado, filmado, as declarações públicas, minhas reuniões com os congressistas para restabelecer a execução em segunda instância. Agora estou falando de novo. Quero ver o que o presidente da República vai falar sobre essa pauta, se é que vai falar. Não acredito nisso. Na última live, Bolsonaro xingou o senhor. Na filiação ao PL, o senador Flávio Bolsonaro disse, 'Moro nos traiu e humilhou uma mulher (deputada Carla Zambelli)', numa alusão ao eleitorado feminino... Eu e o presidente somos pessoas muito diferentes. A minha proposta é construir um projeto de país e apresentar aos brasileiros e brasileiras. Inclusive, resguardar o direito das mulheres, promover esses direitos é parte fundamental desse projeto. Temos que perseguir melhor igualdade entre os homens e as mulheres no Brasil em diversos setores. Tenho uma filha e quero que ela possa, na vida, competir em condições de igualdade com os homens. Não vou entrar nesse baixo jogo, de ficar ofendendo, de ficar mentindo em relação ao que aconteceu. As pessoas sabem a verdade. O que acontece aqui é que o presidente quer desviar a atenção das pessoas. O presidente não tem projeto de país. O único projeto é a reeleição. O presidente não é uma liderança que inspira as pessoas. Se você não tem um líder, não tem um projeto, o país não vai a lugar nenhum. Como o senhor pretende se contrapor ao presidente? Vamos demonstrar que somos sérios, não somos agressivos, mas que o nosso projeto é vigoroso. Consistente do ponto de vista técnico e fundado em princípios e valores e no diálogo. E diálogo com todo mundo. Não vamos entrar nessa baixa política, que o presidente quer nos arrastar porque não tem o que apresentar. O que o presidente tem a apresentar para os brasileiros? Gasolina a quase R$ 7, preços no mercado subindo. Juros? Banco Central aumentou porque tem que controlar a inflação já que o país perdeu a credibilidade fiscal. Isso vai aumentar a dívida pública e vai aumentar a dívida das pessoas. Olhe lá o seu cartão de crédito, a sua conta no banco. Olhe as pessoas passando fome, as mais de 600 mil vítimas da pandemia. Isso é o que o presidente quer esconder. E ele faz essas brincadeirinhas dele, que talvez ele ache engraçado, as pessoas ali em volta dele achem engraçado. Acho que o país merece honestidade e seriedade. E o nosso projeto não vai entrar nesse tipo de brincadeira. O senhor vai conversar com todos que postulam a condição de nome da terceira via? Primeiro, vamos esquecer essa expressão terceira via. Terceira via parte do pressuposto que temos dois candidatos inevitáveis e que seriam favoritos, que é o atual presidente e um presidente anterior. Eu, sinceramente, não acredito nisso. Não acho que o Brasil vai ser forçado a ter escolhas tão trágicas assim. É um governo que não funciona e um governo que não funcionou no passado. Ninguém quer isso de volta. Vamos ver o que vai acontecer nas eleições do próximo ano. Eu apresentei o meu nome. Quero construir um projeto e estou colocando de maneira muito clara. Meu objetivo é liderar esse projeto. Mas estamos conversando com todo mundo. E não só agora. Conversamos também no passado, porque o diálogo é importante, é relevante para a gente construir um país melhor e não tratar todo mundo nessa lógica, que são dos dois extremos, de amigo-inimigo. Todas as portas estão abertas para todas as pessoas. O senhor está interessado em convergir propostas, então. Qualquer pessoa que queria apresentar um projeto para o país tem que pensar que estamos todos no mesmo barco. Se temos desafios, são de crescimento econômico, erradicação da pobreza, inserção do Brasil no mundo. Hoje, temos uma imagem terrível perante a comunidade de nações, muito por conta do atual governo. O país não vai crescer se ele não se inserir na economia mundial de uma maneira mais vigorosa. Isso depende de a gente resolver nossos problemas internos, mas também de a gente abrir os mercados externos. E fundamentalmente aí nós não podemos brigar desnecessariamente com nossos vizinhos. Hoje, todos nesse mundo globalizado são nossos vizinhos. Precisamos buscar acordos comerciais internacionais. O Brasil está isolado? A gente nunca sabe o que vai acontecer na economia, mas algumas previsões eu posso te oferecer: sabe quantos acordos internacionais comerciais o governo atual vai fazer até o final do mandato dele? Zero. Se for reeleito, você pode fazer a adição de mais um zero. Ninguém quer fazer acordo com o Brasil. O acordo que foi feito no começo do governo, e não graças ao presidente, com União Europeia e Mercosul, está parado. E não vai andar na Europa enquanto o presidente for Jair Bolsonaro. O Brasil destruiu essas pontes. O presidente destruiu essas pontes. Temos que reinserir o Brasil no mundo, e isso depende de mudança. Aceitaria o papel de coadjuvante, ou seja, de ser vice nesse processo de construção para 2022? Nós colocamos nosso projeto em andamento. Dá para usar aquela expressão, este navio já zarpou. Acredito que o nosso projeto, trazendo os partidos, a sociedade, convencendo a população de que nosso projeto é consistente, e a credibilidade das pessoas que estão nele envolvidas, é o que tem a melhor chance de êxito. Nunca tive a ambição pessoal de ser presidente. Para evitar os extremos, se outro projeto tiver melhores chances, não teria problemas em abrir mão. Agora, acredito na liderança do nosso projeto. Assim como acredito que poderia abrir mão, espero que outros tenham o mesmo entendimento, porque nós precisamos somar. Acho que a eleição do próximo ano será decisiva na história da nossa República desde a redemocratização. Por quê? Estamos brincando na beira do abismo, tanto econômico quanto democrático. Pensando em algo essencial numa democracia, é preciso prevenir tanto o autoritarismo quanto a corrupção, a integridade das nossas instituições. Acreditamos no nosso projeto. Acreditamos que vamos avançar, com humildade, mas com crescente confiança. Temos o projeto com melhores chances de vencer esses dois extremos. Que outros partidos podem se aliar ao Podemos? Haverá chance de aliança com todo partido que tiver comunhão com nossos princípios e nossos valores; uma visão liberal de economia, sem prejuízo de políticas sociais consistentes. Uma visão de que o governo tem que ser eficiente para que possa ter condições, não só de evitar os desperdícios, mas prestar serviços públicos de qualidade; um governo que tem que ser íntegro, honesto, que tem que ter um compromisso com o combate à corrupção. Todos os que comungarem com esses princípios e valores. Tem muita gente boa na política em todos os partidos, e todos que pensam dessa forma são bem-vindos. O União Brasil é quem está mais perto de pegar a vice? Temos conversado com União Brasil, Novo, Cidadania, PSDB, eu sou um homem do diálogo. E sou também um homem de princípios e valores, e as duas coisas não são incompatíveis. A política é a arte do diálogo fundada em princípios, valores e projetos, evidentemente. Agora, temos que estabelecer limites e basear essas conversas em um projeto. Não adianta a gente conversar apenas pensando em preferências pessoais e proximidade. A gente tem que ter um projeto de país, e isso não existe há muito tempo. E o Distrito Federal? O senador Reguffe é um grande quadro político brasileiro. Tem um histórico de vida pública. Tem demonstrado tanto integridade como também compromisso com boas causas perante o Congresso. É conhecido da população do Distrito Federal pela sua simplicidade, pela forma como aborda as pessoas, utiliza os meios digitais para divulgar o que faz, mas tem essa característica da pessoa na rua conversando e convencendo. É pré-candidato, sim, ao governo do Distrito Federal. Tenho convicção de que ele tem grandes chances, pelo trabalho que construiu durante a carreira pública, de ser o próximo governador do Distrito Federal. Se ele escolher ser candidato, terá meu apoio. *** *** https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/12/4968340-de-olho-em-2022-moro-adianta-ao-correio-as-principais-promessas-de-governo.html *** *** ***
*** segunda-feira, 6 de dezembro de 2021 Marcus André Melo - Corrupção e eleições presidenciais Folha de S. Paulo A corrupção como bandeira política não é um tema como outro qualquer "O Chile não merece esta corrupção transversal", denunciou Gabriel Boric no primeiro turno da campanha presidencial no Chile. Ele se referia ao caso SQM —grande escândalo de corrupção que durante o governo Bachelet envolveu seus atuais adversários do Unidad Constituyente (centro-esquerda) e do Chile Vamos (centro-direita). E lamentou a falta de apoio deles para as medidas concretas que propôs para a punição dos envolvidos. Para Kast, seu adversário, "a corrupção não é de esquerda ou de direita, é de todos os setores. Não é hora de pôr as mãos no fogo por ninguém, mas de auditar e investigar todos." Não podia ser diferente: ambos são outsiders; a bandeira da corrupção é tema de quem está fora do governo. Sobretudo de quem nunca foi governo. Quem detém ou deteve recentemente a caneta para nomear, demitir, contratar e pagar é que pode ser denunciado por corrupção. Incumbentes nunca tratam da corrupção a não ser quando são recém-chegados ao poder. "Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder". Esta máxima de Millôr é certeira e tem respaldo na literatura. Shefter mostrou em análise histórica sobre partidos nos EUA e Europa que a bandeira contra a corrupção e a patronagem era mobilizada pelos que estavam "fora" do aparelho de Estado no momento em que os partidos foram criados. Os grupos que estavam "dentro" mobilizaram o eleitorado e forjaram lealdades com a oferta de bens privados, como cargos públicos e contratos governamentais. Quem está fora do estado mobiliza o eleitorado com base em bens públicos, de apelo universalista. Sim, corrupção e impunidade não são temas setoriais como outro qualquer; são, por excelência, da oposição. E, como demonstrou Klasnja e Tucker, o seu impacto na opinião pública têm um efeito interativo com o estado da economia: quando esta vai mal o efeito é magnificado. E vice-versa, quando ela vai bem a corrupção é tolerada. Com a pandemia o efeito provavelmente é similar: se a saúde pública vai mal, a intolerância com a corrupção aumenta. Bolsonaro irrompeu na política brandindo a bandeira da corrupção e da segurança pública, na esteira de megaescândalos afetando sobretudo o PT e o centrão. Agora seu passivo na área é gigantesco: as rachadinhas familiares vieram à tona e sua aliança com o centrão e filiação ao PL aniquilaram de forma espetacular o seu discurso eleitoral. Seu principal rival —o PT—, no entanto, não pode mobilizar a bandeira da corrupção por razões óbvias. A virulência do discurso populista caiu por terra, dando lugar à oferta de bens privados (Shefter). Mas isto só funciona em tempos normais: não de crise política aguda. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/12/marcus-andre-melo-corrupcao-e-eleicoes.html *** *** ***
*** Valor Econômico O Senado e o povo | Política | Valor Econômico segunda-feira, 6 de dezembro de 2021 Bruno Carazza* - O Senado e o povo Valor Econômico Disputas pelas 27 cadeiras em disputa serão cruciais Senatus Populusque Romanus - o Senado e o Povo de Roma. A sigla SPQR está presente em documentos, moedas e monumentos da Roma Antiga. O seleto grupo de representantes das famílias mais poderosas assumiu diferentes funções ao longo da monarquia, da República e do Império Romano. No princípio tinha caráter consultivo, aconselhando o rei nos momentos de crise; com o passar do tempo, seus decretos legislativos e suas orientações jurisprudenciais passaram a orientar a evolução de uma das principais civilizações da história. O Senado brasileiro replica o arranjo institucional criado pelos Estados Unidos em 1789. Enquanto o povo é representado na Câmara dos Deputados, os Estados que compõem a Federação têm o direito de eleger senadores para representar seus interesses nos desígnios da nação. No projeto concebido por Oscar Niemeyer para o Congresso Nacional, as cúpulas destinadas à Câmara e ao Senado são diferentes em relação ao tamanho, à posição e à distância em relação às torres centrais - a semiesfera destinada a abrigar o plenário dos senadores é menor, voltada para baixo e mais próxima ao centro do que a da Câmara. O arquiteto buscou o equilíbrio não por meio da simetria entre as duas Casas, mas pelo confronto de formas e volumes - tal qual acontece no jogo do poder. Em 2021 o Senado Federal assumiu o papel de conter o avanço da agenda concebida pelo casamento de Bolsonaro com o Centrão, celebrado com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara. Ao longo do ano, os senadores engavetaram projetos tecnicamente muito ruins aprovados pela Câmara, como as “reformas” administrativa e tributária. Eles também sepultaram (pelo menos pelos próximos dois anos) as tentativas de ressuscitarem as coligações e de criarem o famigerado distritão. Já na PEC dos Precatórios, o Senado praticou uma política de contenção de danos para travar alguns dos atentados à responsabilidade fiscal. Com a CPI da Covid, o G-7 de senadores oposicionistas e independentes colocou o governo Bolsonaro nas cordas, buscando a responsabilização civil, criminal e sobretudo eleitoral pelos mais de 600 mil brasileiros mortos na pandemia. A geladeira de quatro meses imposta a André Mendonça, antes de sua apertada aprovação pelo plenário do Senado na semana passada, também foi significativa. Embora envolta em interesses mais mundanos e paroquiais, serviu para amenizar o discurso e extrair declarações desconfortáveis para o presidente que cismou em ter um ministro “terrivelmente evangélico” no órgão máximo do Poder Judiciário. O reposicionamento do Senado no jogo político em Brasília neste ano sinaliza a todos os potenciais candidatos ao Palácio do Planalto em 2022 a importância de se formar uma boa base na próxima legislatura. Com as competências de ser a Casa revisora de todas as propostas legislativas propostas pelo Executivo (de PECs a medidas provisórias), aprovar autoridades (incluindo o futuro presidente do Banco Central e os substitutos de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber no STF) e, nunca é bom esquecer, ditar a palavra final em processos de impeachment, vale a pena ficarem atentos às movimentações eleitorais para o Senado. Pelas regras constitucionais, teremos em outubro de 2022 a escolha de 27 novos senadores, que compõem um terço do plenário. A depender do desempenho dos partidos nessas eleições, o próximo presidente da República terá mais ou menos força para impor sua agenda. Um exemplo: se Lula quiser ter maior independência frente ao Centrão num eventual terceiro mandato, vai precisar ampliar bastante sua base no Senado, pois o bloco de partidos mais à esquerda (PT, Rede e PDT) tem hoje apenas 11 senadores - e deles só 8 possuem presença garantida na próxima legislatura. Já entre as legendas mais ligadas a Bolsonaro (PL, PP e Republicanos), se nada for feito o quantitativo de parlamentares no Senado vai ser reduzido de 13 para 8 a partir de 2023. O Podemos de Moro só tem asseguradas 6 das atuais 9 cadeiras na Câmara Alta, e o PSDB de Doria precisará defender duas das suas 6 posições de hoje. O PSD de Kassab, que pretende se cacifar para ser o fiel da balança no próximo governo, buscará reeleger um quarto de seus 12 senadores atuais. E é justamente o partido de maior bancada atualmente que enfrentará o maior desafio: nada menos do que 6 das 15 vagas do MDB serão renovadas no ano que vem. Mais do que o perde e ganha de cada partido, a disputa para o Senado em outubro de 2022 traz consigo um conflito geracional. Não é à toa que “Senado” e “senioridade” têm a mesma origem semântica; a ideia de que a sabedoria vem com a experiência acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Entre os senadores em fim de mandato estão figuras experientes e que ocuparam postos de relevo na política brasileira nos últimos anos, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), José Serra (PSDB-SP), Álvaro Dias (Podemos-PR), Fernando Collor (Pros-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Paulo Rocha (PT-PA), Antonio Anastasia (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS), Kátia Abreu (PP-TO), Omar Aziz (PSD-AM), Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Caso pretendam continuar em Brasília, muitos desses parlamentares enfrentarão campanhas difíceis em seus Estados de origem, pois além de novos nomes que surgiram na política brasileira recentemente (como alguns ministros de Bolsonaro), há uma leva de governadores que se encontram no final do segundo mandato e que têm o Senado como caminho natural para a continuidade de suas carreiras políticas. É o caso de Flávio Dino (PSB-MA), Camilo Santana (PT-CE), Paulo Câmara (PSB-PE), Rui Costa (PT-BA), Wellington Dias (PT-PI), Renan Calheiros Filho (MDB-AL), Waldez Góes (PDT-AP), Reinaldo Azambuja (PSDB-MS) e Belivaldo Chagas (PSD-SE). A partir de vários desses confrontos que se desenham para o Senado podem ser definidas as chances de o próximo presidente da República governar com mais ou menos tranquilidade no quadriênio 2003-2006. *Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/12/bruno-carazza-o-senado-e-o-povo.html *** *** ***
*** Estado de Direito Oscar Vilhena Vieira Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017 A ideia de Estado de Direito, que tem origem na Idade Média, como forma de contenção do poder absoluto,1 ressurgiu nas últimas décadas como um ideal extremamente poderoso para todos aqueles que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, transformando-se num dos principais pilares do regime democrático.2 Para os defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é visto como uma ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força.3 Ao mesmo tempo, a ideia de Estado de Direito, ao ser renovada por libertários como Hayek em meados do século XX, passou a receber forte apoio das agências financeiras internacionais e instituições de auxílio ao desenvolvimento jurídico, como um pré-requisito essencial para o estabelecimento de economias de mercado eficientes.4 Do outro lado do espectro político, até mesmo os marxistas, que viam antigamente o Estado de Direito como um mero instrumento superestrutural, voltado à manutenção do poder das elites, começaram a vê-lo como um “bem humano incondicional”.5 Seria difícil encontrar qualquer outro ideal político louvado por públicos tão diversos.6 Porém, a questão é: estamos todos defendendo a mesma ideia? Obviamente não. Cada concepção de Estado de Direito, bem como as características que lhes são atribuídas refletem distintas concepções políticas ou econômicas que se busca avançar. O conceito clássico de Estado de Direito foi submetido a uma severa reavaliação nas primeiras décadas do último século. Pensadores como Max Weber em Economia y Sociedad¸7 alertaram-nos acerca do processo de desformalização do Direito como consequência das transformações na esfera pública. Os anos que se seguiram após os trabalhos de Weber foram marcados por uma tensa luta política e intelectual sobre a capacidade do Rechtsstaat de se adequar aos novos desafios apresentados pela Constituição socialdemocrata de Weimar. Essa luta pode ser vista no debate entre conservadores como Carl Schmitt e socialdemocratas representados por Franz Neumann.8 Hayek responde a essas perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em seu influente O Caminho da Servidão, de 1944.9 Para Hayek, a intervenção estatal na economia e o crescente poder discricionário dos burocratas de estabelecer e buscar a realização de objetivos sociais ameaça a eficiência econômica; como consequência das transformações nas funções do Estado, houve um processo de declínio da condição do Direito como instrumento substantivo na proteção da liberdade. A noção de que o Estado não tem apenas a obrigação de tratar os cidadãos de maneira igual perante a lei, mas também o dever de assegurar a justiça substantiva, foi acompanhada pelo argumento, proposto por novos teóricos do direito, de que o conceito tradicional de Estado de Direito se tornou incompatível com o mundo moderno. Diferentes teorias jurídicas, como o positivismo, o realismo jurídico ou a jurisprudência de interesses construíram uma versão formal do Direito, liberando o Estado das inerentes limitações impostas por uma concepção substantiva. Para superar tal situação de “opressão”, na qual o Estado pode exercer coerção sobre seus cidadãos – através de atos normativos – sem a necessidade de justificar suas ações em uma lei abstrata e geral, seria necessário retornar às origens do Estado de Direito. Para isso, Hayek revisitou a história e formulou uma lista de elementos normativos essenciais do Estado de Direito, visto como instrumento par excellence para assegurar a liberdade. De acordo com essa versão, ele não pode ser comparado ao princípio da legalidade desenvolvido pelo direito administrativo, porque o Estado de Direito representa uma concepção material referente ao que o Direito deveria ser. Essa concepção material o configura como uma doutrina meta legal e um ideal político, que serve à causa da liberdade, e não como uma mera concepção de que a ação governamental deva estar de acordo com as normas. O Estado de Direito deveria ser formado, para Hayek, pelos seguintes elementos: (a) a lei deveria ser geral, abstrata e prospectiva, para que o legislador não pudesse arbitrariamente escolher uma pessoa para ser alvo de sua coerção ou privilégio; (b) a lei deveria ser conhecida e certa, para que os cidadãos pudessem fazer planos – Hayek defende que esse é um dos principais fatores que contribuíram para a prosperidade no Ocidente; (c) a lei deveria ser aplicada de forma equânime a todos os cidadãos e agentes públicos, a fim de que os incentivos para editar leis injustas diminuíssem; (d) deveria haver uma separação entre aqueles que fazem as leis e aqueles com a competência para aplicá-las, sejam juízes ou administradores, para que as normas não fossem feitas com casos particulares em mente; (e) deveria haver a possibilidade de revisão judicial das decisões discricionárias da administração para corrigir eventual má aplicação do Direito; (f) a legislação e a política deveriam ser também separadas e a coerção estatal legitimada apenas pela legislação, para prevenir que ela fosse destinada a satisfazer propósitos individuais; e (g) deveria haver uma carta de direitos não taxativa para proteger a esfera privada.10 Dessa maneira, a concepção de Estado de Direito defendida por Hayek engloba uma visão substantiva do Direito, uma noção estrita da separação de poderes e a existência de direitos liberais que protejam a esfera privada, moldada assim para servir como um instrumento de proteção da propriedade privada e da economia de mercado. O maior problema dessa concepção é que, através dela, o Estado de Direito se torna refém de um ideal político particular. Em reação a esse e a outros tipos de formulações substantivas do Estado de Direito, como aquela mais direcionada ao aspecto social que resultou do Congresso de Delhi, organizado pela Comissão Internacional de Juristas em 1959, Joseph Raz propõe uma concepção mais formalista, que evitaria a confusão entre diversos objetivos sociais e ideológicos e as virtudes intrínsecas do Estado de Direito. Para ele, “se o Estado de Direito for um Estado governado por boas leis, então explicar a sua natureza é difundir uma filosofia social completa. Porém, dessa maneira, o termo perde qualquer utilidade”.11 Para Raz, o Estado de Direito em seu sentido amplo “significa que as pessoas devem obedecer às leis e serem reguladas por elas. Porém, em uma teoria política e jurídica, ele deve ser lido de uma maneira mais estrita, no sentido de que o governo deve ser regulado pelas leis e submetido às mesmas”.12 A construção de Raz requer que as leis devam ser entendidas como regras gerais, para que possam efetivamente direcionar ações. Nesse sentido, o Direito não é apenas um fato decorrente do poder, precisa, ao contrário, possuir uma forma particular. Raz, no entanto, não compartilha da ideia defendida por Hayek, segundo a qual apenas normas abstratas e gerais podem constituir um sistema de Estado de Direito. Para Raz, seria impossível governar apenas com normas gerais; qualquer sistema concreto deve ser composto por normas gerais e outras específicas, que em contrapartida devem ser consistentes com as primeiras. Para concretizar o objetivo de um sistema jurídico que possa guiar a ação individual, Raz cria sua própria lista com os princípios do Estado de Direito, de acordo com os quais as leis devem ser prospectivas, acessíveis, claras e relativamente estáveis; a edição de normas específicas deve ser guiada por outras que sejam, por sua vez, acessíveis, claras e gerais. Porém, essas regras somente farão sentido se houver instituições responsáveis pela sua aplicação consistente, a fim de que o Direito possa se tornar um parâmetro efetivo para guiar a ação individual. A formulação de Raz requer, desse modo, a existência de um judiciário independente, porque, se as normas fundamentam racionalmente as ações e o judiciário é responsável por aplicá-las, seria inútil guiar nossas ações pelas leis se as cortes pudessem levar em consideração outras razões que não as leis ao decidir casos concretos. Pela mesma razão, os princípios do devido processo, como o direito das partes a serem ouvidas e a imparcialidade, devem ser contemplados. O Estado de Direito também requer que as cortes devam ter competência para rever atos de outras esferas do governo, a fim de assegurar a conformidade desses com o Estado de Direito. As cortes devem ser facilmente acessíveis para que não se frustre o Estado de Direito. Por último, os poderes discricionários das instâncias responsáveis pela prevenção criminal devem ser reduzidos no intuito de não se deturpar as leis. Nem o promotor nem a polícia devem ter a discricionariedade para alocar seus recursos destinados ao combate ao crime com base em outros fundamentos que não aqueles estabelecidos legalmente.13 Dentro dessa perspectiva, o Estado de Direito é um conceito formal de acordo com o qual os sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um ponto de vista substantivo, como a justiça ou a liberdade, mas por sua funcionalidade. A principal função do sistema jurídico é servir de guia seguro para a ação humana. Essa é a primeira razão pela qual as concepções formalistas do Estado de Direito, semelhantes à formulada por Raz, recebem amplo apoio de diferentes perspectivas políticas. É extremamente importante para os governos em geral contarem com um eficiente instrumento para guiar o comportamento humano. Contudo, servir de ferramenta para distintas perspectivas políticas não significa que mesmo a concepção formalista de Estado de Direito seja compatível com todos os tipos de regimes políticos. Por favorecer a previsibilidade, a transparência, a generalidade, a imparcialidade e por dar integridade à implementação do Direito, a ideia do Estado de Direito se torna a antítese do poder arbitrário.14 Dessa maneira, as perspectivas políticas distintas que apoiam o Estado de Direito têm em comum uma aversão ao uso arbitrário do poder; essa é uma outra explicação sobre por que o Estado de Direito é defendido por democratas, liberais igualitários, neoliberais e ativistas de direitos humanos. Apesar de suas diferenças, eles são todos a favor de conter a arbitrariedade. Em uma sociedade aberta e pluralista, que ofereça espaço para ideais concorrentes acerca do bem público, a noção de Estado de Direito se torna uma proteção comum contra o poder arbitrário. Existe, no entanto, uma explicação menos nobre para o apoio amplo ao Estado de Direito que deve ser mencionada. Tendo em vista que o Estado de Direito é um conceito multifacetado, se usarmos cada um de seus elementos constitutivos separadamente, eles serão extremamente valiosos na promoção de valores ou interesses diferentes e muitas vezes concorrentes, como eficiência de mercado, igualdade, dignidade humana e liberdade. Para aqueles que defendem reformas de mercado, a ideia de um sistema jurídico que proporcione previsibilidade e estabilidade é de extrema importância. Para os democratas, a generalidade, a imparcialidade e a transparência são essenciais e, para os defensores de direitos humanos, a igualdade de tratamento e a integridade das instâncias de aplicação da lei são indispensáveis. Portanto, a leitura parcial desse conceito multifacetado, feita por concepções políticas distintas, também ajuda a entender a atração de público tão amplo pelo Estado de Direito. Assim, quando nós encontramos alguém defendendo o Estado de Direito, precisamos ser cautelosos e verificar se ele não está apenas exaltando uma das virtudes do Estado de Direito. Apenas a virtude que justamente sustenta os objetivos sociais que ele quer promover. 1. Conformidade com o Estado de Direito 1.1. Por que um governante respeitaria a lei? 1.2. Por que as pessoas respeitam a lei? 1. Conformidade com o Estado de Direito Um dos problemas fundamentais com as concepções de Estado de Direito acima mencionadas (tanto a substantiva quanto a formal) é que elas não nos ajudam a entender quais são as condições externas (sociais, econômicas e políticas) que favorecem a adesão de um sistema jurídico aos seus ideais; nem a responder por que tanto os agentes públicos quanto os indivíduos obedeceriam à lei. Essa é a razão pela qual Maravall e Przeworski demonstram profundo desapontamento com a espécie de listas formuladas por juristas, tal como acima apresentadas: são “implausíveis como descrição” e “incompletas como explicação”.15 Dessa maneira, o primeiro desafio que aqui se coloca é buscar compreender quais condições ou mecanismos incentivam a obediência ao Estado de Direito. Por que qualquer governo com controle indisputável sob os meios coercitivos se submeteria ao Estado de Direito? Além disso, por que qualquer um de nós deveria respeitar a lei? Deixe-me começar pela primeira questão. 1.1. Por que um governante respeitaria a lei? De acordo com Stephen Holmes, a principal tese de Maquiavel sobre esse assunto é que “os governos devem ser levados a tornar o seu próprio comportamento previsível em busca de cooperação. Os governos tendem a se comportar como se eles fossem ‘limitados’ pela lei, ao invés de usar a imprevisibilidade da lei como uma vara para disciplinar as populações a eles submetidas, (...) porque eles possuem objetivos específicos que requerem um alto grau de cooperação voluntária (...)”.16 Assim, a lei seria usada com parcimônia pelo governante a fim de obter cooperação por parte de grupos específicos dentro da sociedade, o que ele não teria sem mostrar algum respeito pelos seus interesses. Na medida em que o governante precisar de mais apoio, mais grupos serão incluídos na proteção proporcionada pela lei e, em troca desse apoio, eles se beneficiarão do tratamento previsível do governante. Liberalismo e democracia, no entanto, requerem a expansão do Estado de Direito para todos. Foi assim, de fato, que o Estado de Direito se desenvolveu desde a Idade Média, através da expansão de privilégios a diferentes grupos. A Magna Carta é talvez o primeiro símbolo desse processo de expansão de direitos legais que culminou na Carta Internacional de Direitos Humanos no século XX e nas cartas de direitos das democracias constitucionais contemporâneas. A distribuição de direitos, capaz de fortalecer as pessoas, torna-se, assim, o fator chave para obter cooperação. T.H. Marshal, em seu clássico Cidadania, Classe Social e Status (1967)17 proporciona uma clara descrição da evolução da cidadania nos países ocidentais, através do processo de inclusão do povo na proteção proporcionada pela lei. Tem sido através do embate político que novos grupos conseguem obter status jurídico por intermédio dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos, recebendo, como contrapartida por sua cooperação, diferentes níveis de inserção no Estado de Direito. Assim, mesmo que nós não possamos confundir o Estado de Direito com os direitos dos cidadãos, é muito difícil historicamente dissociar o processo de expansão da cidadania da ampliação do Estado de Direito. A generalidade e a aplicação imparcial da lei, como virtudes internas do Estado de Direito, estão diretamente associadas à noção de igualdade perante a lei obtida pela expansão da cidadania.18 Nos regimes democráticos contemporâneos, nos quais a legitimidade/cooperação depende de um alto grau de inclusão, os direitos tendem a ser distribuídos mais generosamente. No entanto, mesmo em um regime democrático, o governo não necessita de cooperação de todos os grupos em termos iguais, o que faz com que não haja incentivo para tratar todos igualmente perante a lei todo o tempo. Mais do que isso, tendo em vista que os grupos possuem recursos sociais, econômicos e políticos desproporcionalmente distribuídos dentro da sociedade, o custo para que eles cooperem também é desproporcional, o que significa dizer que a lei e sua aplicação serão moldadas conforme diferentes camadas de privilégios. Isso significa que qualquer aproximação com a ideia do Estado de Direito depende não apenas da expansão de direitos no papel, mas também, e talvez de maneira mais crítica, de como esses direitos são consistentemente implementados pelo Estado. Aqui está o paradoxo enfrentado por muitos regimes democráticos com altos níveis de desigualdade social. Embora direitos iguais sejam reconhecidos nos livros, como uma medida simbólica para obter cooperação, os governos não se sentem compelidos a respeitar as obrigações correlatas a esses direitos iguais, nos mesmos termos para todos os membros da sociedade. A partir do momento em que os custos para exigir a implementação dos direitos através do Estado de Direito são desproporcionalmente maiores para alguns membros da sociedade do que para outros, ele se torna um bem parcial, favorecendo essencialmente aqueles que possuem poder e recursos para conseguir vantagens com isso. Em outras palavras, a igualdade formal proporcionada pela linguagem dos direitos não se converte em acesso igualitário ao Estado de Direito ou à aplicação imparcial das leis e dos direitos.19 Dessa maneira, é possível ter direitos, mas não possuir suficientes recursos para exigir a sua implementação. Nesse sentido, é apropriado pensar no Estado de Direito não em termos de sua existência ou inexistência, mas sim em graus de inclusão. O processo democrático pode expandir o Estado de Direito. Porém, mesmo os regimes democráticos em sociedades com extremos níveis de desigualdade, onde as pessoas e os grupos possuem recursos e poder desproporcionais, o Estado de Direito tende a ser menos capaz de proteger os economicamente desfavorecidos e de fazer os poderosos serem responsabilizados perante a lei. No entanto, o controle do poder estatal e sua submissão à lei não é apenas uma consequência de como o poder está socialmente distribuído. Nas sociedades modernas, as instituições são criadas para moldar o comportamento, através de inúmeras formas de incentivo. Instituições também podem ser desenhadas para controlar umas às outras. Conforme notado por Madison: quando a ambição é institucionalmente direcionada para restringir a ambição, a possibilidade de ter o governo sob controle aumenta.20 Os momentos fundacionais se tornam assim muito importantes. Quando poderes sociais concorrentes não são suficientemente fortes para superar uns aos outros, eles tendem a se comprometer com a criação de estruturas políticas dotadas de poderes fragmentados e contrapostos. Os grupos menos favorecidos podem se beneficiar do resultado desses conflitos de elite. Essa é a lógica básica que informa o constitucionalismo moderno. Contudo, o Estado de Direito tem como objetivo mais do que ter um governo submetido ao controle constitucional e legal. Ele também procura guiar o comportamento individual e a interação social. Dessa forma, também é necessário explorar por que as pessoas se comprometeriam com o Direito. Assim é importante buscar compreender quais são as razões que todos nós levamos em consideração quando obedecemos ao Direito. 1.2. Por que as pessoas respeitam a lei? Razões cognitivas. O primeiro conjunto de razões para que haja o cumprimento individual das leis é certamente cognitivo e diz respeito à capacidade de entendimento dos conceitos jurídicos básicos, como a noção de regras e direitos. Sem essas concepções culturais básicas, nós não podemos pensar na possibilidade de respeitar o Direito. Essa não é uma questão trivial. Em muitas sociedades, a ideia de que as pessoas sejam possuidoras de direitos iguais e de que o Direito deva ser aplicado imparcialmente é, com frequência, contrária à experiência diária. Privilégios existentes, direitos decorrentes de classe e de hierarquia estão cravados em diferentes sistemas culturais, fazendo com que a experiência da generalidade do Direito não seja observável. Além de entender a função estrutural dos conceitos jurídicos básicos, é importante que as pessoas compreendam as regras fundamentais que governam suas próprias sociedades, suas obrigações e direitos. Nas sociedades com alto grau de concentração de pobreza e de analfabetismo, essa condição quase nunca é satisfeita.21 Razões instrumentais. O segundo conjunto de razões para a obediência ao Estado de Direito está ligado à nossa habilidade de raciocinar instrumentalmente, calcular riscos e potenciais benefícios nas ações que tentamos realizar. As pessoas respeitam as leis e os direitos dos demais para obter recompensas ou escapar de punições. Se utilizarmos uma visão instrumental estrita, o respeito ao Direito é reforçado se o seu descumprimento acarretar claramente um custo para o nosso bolso, liberdade, imagem, estado psíquico ou integridade, e se respeitá-lo for igualmente benéfico pelas mesmas razões. Para ter um valor instrumental, respeitar o Estado de Direito deve gerar algum tipo de benefício para a pessoa. Através dessa razão instrumental, os indivíduos buscam maximizar os seus ganhos econômicos, políticos ou sociais. Duas razões instrumentais sustentam a discussão nesse contexto – o medo da coerção estatal e a reciprocidade mutuamente vantajosa. Na medida em que as pessoas temem e esperam punição ou recompensa estatal, elas tendem a respeitar o Estado de Direito. Essa ideia poderia ser chamada de argumento hobbesiano. A coerção estatal pode ser instrumento eficiente para promover o respeito ao Direito em algumas circunstâncias, sendo também uma condição necessária, porque certo grau de comportamento antissocial irá sempre existir, sem que possa de outra maneira ser controlado. Desse modo, a impunidade causada pela ineficiência estatal, corrupção ou seletividade colocam em risco a capacidade de ameaça da coerção como um meio de obter obediência. Deve ser levado em consideração também que o Estado, em muitas circunstâncias, deve ser provocado por indivíduos antes de exercer a coerção. As pessoas devem com frequência preencher reclamações, ingressar com processos judiciais, ou apenas informar à polícia certos fatos ilícitos para que o Estado tome alguma atitude. Dessa maneira, a falta de recursos ou desconfiança nas autoridades pode produzir um forte impacto na mobilização do poder estatal, permitindo àqueles que não obedecem à lei agir impunemente. É difícil para qualquer sociedade, no entanto, arcar com o custo do grau de coerção estatal necessário para assegurar a obediência aos parâmetros legais. Imagine, por exemplo, que a ameaça de uma multa ou prisão fosse a única razão pela qual as pessoas deixariam de ultrapassar o sinal vermelho no semáforo de trânsito. A experiência dos Estados totalitários mostra que conseguir obediência pela constante vigilância é algo extremamente caro e, mesmo se os custos pudessem ser suportados, seria absolutamente indesejado. As razões instrumentais para obedecer à lei deveriam, assim, ser estendidas para além da estrutura coercitiva do Estado. As pessoas fazem parte de círculos sociais, grupos e comunidades que moldam e determinam suas ações.22 Portanto, a segunda razão instrumental para respeitar a lei é a expectativa de represália ou benefício por parte da comunidade ou círculo social ao qual se pertence ou pelo qual se transita. A fraude no mercado ou no casamento possui sérias consequências. A credibilidade é um bem de grande importância em qualquer grupo. Perdê-la, por desrespeitar a lei, pode prejudicar a posição pessoal e diminuir a sua capacidade de entrar em novas relações voluntárias com outros membros daquele círculo social. Essa é a razão pela qual as pessoas comumente agem de acordo com o Direito, mesmo na ausência de autoridade estatal.23 Numa relação mutuamente vantajosa, a regra de ouro é: não faço aos outros o que eu não gostaria que fizessem comigo. Por não ser um princípio moral substantivo, essa regra não afirma nem nega a existência de uma estrutura moral mais profunda. Relações mutuamente vantajosas, no entanto, podem auxiliar na obtenção da obediência à lei, ainda que em termos frágeis. Partindo de uma estrutura de vantagem mútua, em circunstâncias de disparidade de poder, indivíduos têm um incentivo para trapacear: o meu interesse é que todos os outros cooperem e que eu não o faça.24 Pressões amistosas também podem ser problemáticas, porque o meio social pode ser influenciado por uma cultura de desrespeito, ou pior, por uma cultura interna de respeito que desafie o Estado de Direito, como no caso da máfia e de outras formas de crime organizado. Consequentemente, as razões instrumentais representadas pela coerção ou por arranjos de vantagem mútua (auto interessada) não conseguem explicar totalmente por que as pessoas obedeceriam à lei. Embora importantes, elas são insuficientes como explicação completa da questão. Razões morais. A moralidade tem sido negligenciada por muitas análises recentes da eficácia do Direito, especialmente por aquelas elaboradas por pensadores jurídicos formalistas ou estudiosos ligados à escolha racional.25 Nesse sentido, o argumento de Lon Fuller de que a reciprocidade moral é um elemento fundamental para a existência de um sistema legal se torna particularmente interessante.26 A implementação do Estado de Direito seria consideravelmente mais fácil naquelas sociedades em que os indivíduos construam o seu pacto de reciprocidade baseado não apenas no auto interesse, mas na noção de que cada indivíduo é dotado de igual valor moral, devendo, portanto, merecer igual respeito e consideração.27 Os direitos igualmente distribuídos não são um presente dos céus, mas sim uma construção social; uma decisão feita pela comunidade para valorizar os indivíduos em termos equitativos e para fundamentar o exercício do poder nesses direitos básicos.28 Isso significa que as decisões coletivas são apenas válidas se derivarem da vontade de indivíduos autônomos e se eles respeitarem a esfera da dignidade humana delineada por esses mesmos direitos.29 Esse é um sistema governado por regras, no qual cada cidadão recebe o status de sujeito de direito, sendo a ele conferida uma esfera de proteção ao entrar em contato com outros cidadãos e com o Estado, este último também subordinado ao princípio da reciprocidade. Nesse sentido, a autocontenção, que implica respeito pelos direitos dos outros, é a base fundamental para a generalização de expectativas relacionadas com o estabelecimento do Estado de Direito. Na medida em que essas expectativas de respeito aos direitos de todos são generalizadas, a implementação de um autêntico Estado de Direito também se torna possível. Pode-se argumentar, no entanto, que a reciprocidade sempre tem uma origem utilitária, ou seja, que o meu respeito pelos outros não surge por eu lhes ter concedido algum valor (reciprocidade kantiana), mas sim pelo fato de que nós firmamos um pacto de não agressão que serve aos nossos interesses (reciprocidade hobbesiana).30 Como eu havia argumentado acima, existe uma diferença entre a reciprocidade moral baseada na noção da dignidade humana e a reciprocidade mutuamente vantajosa, com fundamento no cálculo estratégico. Voltando ao exemplo do semáforo de trânsito, de acordo com a concepção moral de reciprocidade, eu pararia meu carro porque acreditaria firmemente que os outros motoristas ou pedestres têm o mesmo direito que eu possuo de atravessar o cruzamento, portanto, eu tenho a obrigação correlata de parar. Numa comunidade limitada pela reciprocidade moral, baseada em direitos, a lei deveria ser mais fácil de ser implementada. Evidentemente que são inúmeros os empecilhos para se obter ou construir reciprocidade moral, dificuldades essas que são ainda maiores em sociedades modernas e consumistas caracterizadas por disparidades socioeconômicas profundas entre seus membros. A ideia da moralidade, contudo, poderia ser mais formal, como a articulada por autores contratualistas como Rousseau. Nesse caso, a justificativa moral para o respeito à lei não deriva do fato de que um dado sistema jurídico esteja em harmonia com um conjunto pré-estabelecido de valores embutidos nos direitos. O respeito à lei é devido ao fato de que os próprios cidadãos, sob um procedimento especial justo, produzem leis reguladoras das relações sociais e da esfera pública. A justiça do procedimento garantiria que a maximização do auto interesse fosse neutralizada, assim o povo poderia deliberar em termos de bem público, o que criaria uma obrigação moral sobre todos os cidadãos de aceitar esses resultados.31 Se nós seguirmos aqui a teoria de Rousseau acerca do Estado de Direito, não apenas os procedimentos deveriam ser justos, mas também o resultado deveria ser veiculado através de meios específicos que assegurassem a imparcialidade. Ou seja, por meio de leis gerais. Neste sentido é importante enfatizar que a justiça procedimental não está limitada a processos para edição de leis gerais, o que seria aceito por todos os participantes no processo político, mas também trata da maneira pela qual essas leis são implementadas pelo Estado. Novamente seguindo Rousseau, uma das maiores causas do declínio da democracia é a distorção na aplicação de leis gerais feita por magistrados que tendem a defender seus próprios interesses privados em detrimento da vontade geral expressa pela lei.32 Dessa maneira, a justiça da aplicação das leis é tão importante quanto a justiça referente a sua produção. Se a aplicação do direito não for levada a cabo com imparcialidade, de acordo com parâmetros de devido processo apresentados pela própria lei, o Estado de Direito perderá sua autoridade e, consequentemente, o povo não o verá como uma diretriz aceitável para a sua ação.33 Para resumir o argumento aqui elaborado, a obediência individual à lei é sustentada por três conjuntos principais de razões: cognitiva, instrumental e moral. Conforme tentei argumentar, todas essas razões são importantes para explicar por que os indivíduos (cidadãos e agentes públicos) agem em conformidade com o Estado de Direito, mesmo que o peso de cada razão varie de acordo com a natureza da ação, os atores envolvidos e as circunstâncias ou os círculos sociais nos quais as ações ocorrem. Notas 1 BRACTON, Henry. On the laws and customs of England. 2 O´DONNELL, Guillermo. Why the rule of law matters. Journal of democracy, pp. 32-46. 3 VIEIRA, Oscar Vilhena. A violação sistemática dos direitos humanos como limite à consolidação do Estado de Direito no Brasil. Direito, cidadania e justiça. 4 CAROTHERS, Thomas. Promoting the rule of law abroad in search of knowledge, pp. 3-13. 5 THOMPSON, Edward P. Senhores e caçadores, p. 357. 6 TAMANAHA, Brian. On the rule of law, pp. 137-141. 7 WEBER, Max. Economia y sociedad, pp. 603-620. 8 UNGER, Roberto Mangabeira. O direito na sociedade moderna: contribuição à crítica da teoria social, pp. 225-228. 9 HAYEK, Friedrich August von. A. O caminho da servidão. 10 HAYEK, Friedrich August von. A. O caminho da servidão. 11 RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality, p. 211. 12 RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality, p. 212. 13 Idem, pp. 216-217. 14 RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality, p. 220. 15 MARAVALL, José Maria; PRZEWORSKI, Adam (org). Democracy and the rule of law, p. 1. 16 HOLMES, Stephen. Lineages of the rule of law. Democracy and the rule of law, p. 20. 17 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. 18 BENDIX, Reinhard. Nation-building and citizenship, p. 92. 19 Agradeço a Persio Arida por essa observação. 20 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. The federalist papers, cap. 51. 21 Com relação a isso, é importante destacar que o grau de conhecimento sobre a constituição política na América do Sul é muito baixo; apenas 30% dos latino-americanos sabem alguma coisa ou muito sobre a sua Carta Magna e apenas 34% conhecem os seus deveres e obrigações, Latinobarometro, p. 14. 22 GALLIGAN, Denis J. Law in modern society, pp 310-326. 23 ELLICKSON, Robert C. Order without law: how neighbours settle disputes, pp. 281-283. 24 BARRY, Brian. Justice as impartiality, p. 51. 25 BECKER, Gary. Crime and punishment: an economic approach. Journal of political economy, pp. 169-217. 26 FULLER, Lon L. The morality of freedom, pp. 21-25. 27 DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue, theory and practice of equality. 28 HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy, p. 119. 29 Idem, p. 82. 30 REISS, Hans. Kant: political writings. 31 ROUSSEAU, Jean-Jacques. The social contract, pp. 339-340. 32 ROUSSEAU, Jean-Jacques. The social contract, p. 418. 33 TYLER, Tom. Why people obey the law. Referências BARRY, Brian. Justice as impartiality. Oxford: Oxford University Press, 1991. BECKER, Gary. Crime and punishment: an economic approach. Journal of political economy, v. 76. Washington, 1968. BENDIX, Reinhard. Nation-building and citizenship. Los Angeles: University of California Press, 1964. BRACTON, Henry. On the laws and customs of England. Cambridge: Harvard University Press, 1968. CAROTHERS, Thomas. Promoting the rule of law abroad in search of knowledge. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2006. DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue, theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University Press, 2000. ELLICKSON, Robert C. Order without law: how neighbours settle disputes. Boston: Harvard University Press, 1991. FULLER, Lon L. The morality of freedom. 2. ed. New Haven: Yale University Press, 1969. GALLIGAN, Denis J. 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Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/78/edicao-1/estado-de-direito Edições Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017 Verbetes Relacionados Igualdade Celso Antônio Bandeira de Mello Princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro Almiro do Couto e Silva Regime disciplinar dos magistrados Marcos de Lima Porta Princípios da culpabilidade e da voluntariedade Angélica Petian Estado democrático e social de direito Dalmo de Abreu Dallari Princípio republicano Roque Antonio Carrazza Impeachment Pedro Estevam Alves Pinto Serrano Princípio da motivação no direito administrativo Vladimir da Rocha França Processo administrativo: aspectos gerais Marcelo Harger Processo penal e Estado Democrático de Direito Marco Antonio Marques da Silva FONTE: Enciclopédia Jurídica da PUCSP - PUC - Pontifícia Universidade Católica *** *** https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/78/edicao-1/estado-de-direito *** ***

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